"Leitoras": gênero, raça, imagem e discurso em O Menelik (São Paulo, 1915-1916)
Este artigo tem como objetivo analisar as representações que os jornalistas do
Menelik faziam das mulheres negras, examinando em que medida elas podem ajudar
a reconstituir a participação feminina na folha.1 Para tal, utilizamos como
fontes os dois exemplares que compõem a sua coleção2, ambos publicados na
cidade de São Paulo em outubro de 1915 e janeiro de 1916.3
Ao considerar o ainda tímido investimento historiográfico em estudos sobre as
mulheres no pós-emancipação4, a metodologia adotada baseou-se na leitura
minuciosa das referidas edições e na posterior seleção e análise dos textos nos
quais as personagens negras foram de, alguma forma, retratadas. A documentação
em questão foi cruzada com alguns textos da revista feminina A Mensageira
(1897-1900),5 assim como com a produção temática6 para que também observássemos
de que forma as identidades das mulheres "de cor" ' como se dizia à época ' se
aproximavam ou distanciavam das idealizações femininas "universais",
relacionadas a temas como pureza, honra e moralidade.
Como veremos, as mulheres ocuparam parte considerável das páginas do Menelik.
Digo isso porque, além de terem sido retratadas em poesias, contos, notas,
avisos etc., foram ainda agraciadas com um concurso exclusivamente dedicado à
"belleza feminina" e, por vezes, lembradas como colaboradoras. Mesmo que nos
momentos mais emblemáticos os redatores se fizessem valer de categorias
femininas genéricas, tais como "mães", "leitoras", "candidatas", "senhoritas",
"senhoras" ' o que, aliás, dificulta o trabalho de identificação precisa dos
sujeitos ' , creio que tais aparições, por si só, já são suficientes para, no
mínimo, questionar o "meio negro" letrado como universo essencialmente
masculino.7
As tensões entre o masculino e o feminino, com a sobreposição do primeiro em
relação ao segundo, foram elementos que atravessaram a formação da imprensa
negra, assim como as práticas de seus intelectuais e entusiastas ao longo do
século XX em diferentes territórios.8 Ao discutir o cabelo "afro" enquanto uma
política de contracultura à dominação branca nos EUA dos anos 1960, por
exemplo, Robin Kelley demonstra o quanto tal história vem sendo contada de um
ponto de vista "falocêntrico",9 embora "mulheres da raça", como Madame C. J.
Walker, Anne Poppe Turnbo-Malone e tantas outras "culturistas", tenham sido
centrais para a constituição de "políticas do cabelo"10 relacionadas ao
levantamento moral da "raça negra" desde pelo menos os anos 1900.11
Em contraponto à perspectiva "falocêntrica" das políticas negras, a pesquisa do
Menelik indica a existência de nuances e conflitos entre "presença" e
"participação" femininas. Assim, interessada em conectar as questões de gênero
e raça ao "problema da liberdade"12 nas Américas, algumas perguntas, tecidas em
diálogo com a historiografia sobre gênero e história das mulheres13, tornam-se
providenciais. Como o estudo de representações femininas feitas por homens
contribui para reconstituição da agência das mulheres de cor na imprensa negra?
Por que os jornalistas se preocupavam em sempre retratar o feminino? Uma vez
que seus nomes não aparecem nas matérias assinadas e nas listas de cargos
diretivos, quais seriam as formas de participação das mulheres no jornal? Como
identificá-las? De que maneiras as imagens construí-das a respeito de seus
corpos e comportamentos contribuíam para os projetos de integração da população
de cor no mundo livre? E não menos importante: afinal, quem eram essas
personagens? Mas antes de tentar responder a estas perguntas, vamos conhecer um
pouco da história e da estrutura da publicação.
O Menelik e sua "classe"
Agora cremos que o nosso jornal há de ter um futuro brilhante porque contamos
com a aprovação geral da "classe".14
Depois de uma semana de trabalho, Deocleciano Nascimento, Geraldino de Souza,
Juvenal de Padua Mello e outros oito companheiros abriram mão das prerrogativas
do dia santo e escolheram o terceiro domingo do mês de julho de 1915 para mais
trabalho.15 À ocasião, o grupo se reuniu e acertou os ponteiros de assunto que
julgava importante para a "classe": o surgimento de mais um jornal de cor na
grande São Paulo. Certos do que pretendiam, os futuros jornalistas assim
batizaram seu rebento: O Menelik: Orgam mensal, noticioso, literário e crítico
dedicado aos homens de cor.16 Apesar de terem se encontrado em julho, na casa
do "Snr. Deocleciano Nascimento", situada à "rua da Graça, n. 207", o primeiro
número foi publicado apenas três meses depois, em 17 de outubro de 1915.
O expediente esclarece que Deocleciano Nascimento era o "redactor-chefe" e
Geraldino do Amaral, o "redactor-geral", e que o periódico contava ainda com
Reginaldo Maximo Gonçalves ("Presidente"), Octaviano Ferraz ("Secretário"),
Avelino Paiva, Marcelino Cruz, Cabo Manoel Domingos, José Felipe
("Representantes") e Theophilo Gonçalves de Freitas, José Luiz Sampaio e José
Paulino ("Reporters"). Além destes, Juvenal de Padua Mello, João Benedicto e
Aristides Alves da Costa também foram lembrados como participantes da referida
reunião do "corrente anno" na casa do presidente da folha.17
No subtítulo, a folha apresentava-se como Orgam mensal, noticioso, literário e
crítico dedicado aos homens de cor. Dispunha de quatro páginas, tendo cada uma
quatro colunas, seguindo o formato tablóide comum à época. Sobre as tiragens
inexistem informações nas duas edições consultadas. Já sobre os preços, se sabe
que a assinatura custava 1$500 réis por semestre. Nesse sentido, a organização
do jornal se mostra das mais cortezes com seus futuros leitores: "este jornal
será distribuído a todo aquele que quiser ser seu admirador. Basta só nos
enviar a direção que 'O Menelik' vai lhe ter nas mãos". Ao mesmo tempo, os
redatores deixavam claro que, uma vez informada a tal "direção", o compromisso
estava selado: "ahi em diante será considerado como assignante [sic]
concorrendo para tal fim a insignificante quantia de 1$500 réis por seis
mezes".18 A leitura atenta do editorial de estreia sugere ainda que o grupo (ao
menos parte de seus membros) já tivesse alguma experiência associativa prévia,
que pode ser sentida pela maneira com que a reunião é descrita:
O Snr. Deocleciano Nascimento aproveitando aquella opportunidade
convocou uma sessão, convidando o Snr. Juvenal de Paula Mello, para
servir de secretario, e pedindo a palavra expôz o motivo da mesma, a
qual tratava-se da fundação deste jornal.19
Ao considerar a circulação de personagens no interior do meio negro, cabe
enfatizar que Deocleciano Nascimento foi um dos jornalistas que mais se
destacou na imprensa de cor paulista da Primeira República, tendo participado
de diferentes jornais e sendo reconhecido por seus pares como uma estimada
figura. Não por acaso, ele é homenageado, em 1925, pelo notório Clarim da
Alvorada,que, passada uma década do surgimento do Menelik, publicava:
"completou mais um aniversario a 7 do corrente o Snr. Deocleciano Nascimento,
poeta e guarda-livros, nosso presado [sic] leitor e amigo, às felicitações
recebidas juntamos as nossas, desejando-lhe longa vida e felicidade".20
Mas voltando ao Menelik, em termos da estrutura, o "jornalsinho"21 apresentava
uma organização bem delimitada. No centro da primeira página publicava poesias
e colunas distintas. Naquela denominada "Notas", eram divulgadas reuniões como
a da "Sociedade Jornalística de 'O Menelik', marcada para o dia 24 do "corrente
mez".22 No espaço apareciam também informações sobre novas associações negras
em São Paulo. Era o caso, por exemplo, do Centro Recreativo Estrella do
Oriente, no "districto do Bom Retiro". Existia também uma coluna para "Avisos
Importantes", na qual, dentre outras, comentava-se a suspensão temporária do
jornal, que, após outubro, reapareceria apenas em janeiro de 1916.
Outra coluna, que conheceremos melhor mais adiante, era aquela denominada
"Idéias Parafuzadas", na qual Duque convocava certos senhores, senhoras e
senhoritas a contribuir com O Menelik, deixando a timidez de lado. Já a "Caixa-
Balaio" assinada por D'eoclé (provavelmente Deocleciano do Nascimento) parece
tratar-se de um espaço para aqueles já considerados colaboradores do jornal.
Nela, as pessoas recebem cumprimentos por textos publicados e outros, como o
Snr. Roque R., são cobrados quanto ao atraso no envio de material. Numa
perspectiva comparada entre as duas colunas, é possível cogitar que "Idéias
Parafuzadas" fosse voltada para seduzir colaboradores com potencial, como
Izaurinha e Brasilia, duas "intelligentes e distinctas normalistas",23 e
"Caixa-Balaio" se configurasse no espaço que o jornal usava para se comunicar
com colaboradores efetivos, conforme D. Leopoldina que, aliás, já enviara seus
versos.
Compunham o jornal, ainda, as colunas "Pelos Salões" e "Vida Social". Na
primeira, eram retratados eventos como o baile do São Paulo Recreativo Club,
que, animadíssimo, começou à meia-noite e estendeu-se até as seis de manhã.24
Já em "Vida Social", como o próprio nome sugere, a classe era informada sobre
nascimentos, aniversários, casamentos e problemas de saúde que afetavam seus
membros. Ao ler o segundo número, percebe-se que este também era o lugar
reservado às notícias sobre "necrologia" ou "passamento", como o ocorrido com a
"interessante menina Conceição, saudosa filhinha do Snr. Mario Nogueira do
Espírito Santo e sobrinha do Snr. Reginaldo Maximo Gonçalves", que como sabemos
(pelo editorial do número de estreia) era o presidente do jornal.25
No mesmo número que informava o "passamento", além das colunas supracitadas (à
exceção de "Idéias Parafuzadas"), encontramos a nossa conhecida "Caixa-Balaio",
rebatizada de "A caixa e o balaio" e "Na Berlinda", inexistente na edição
inaugural. Na última, B. Pereira elogia "A. M. Cruz porque é sincero" e implica
com "A. A. Da Costa porque é pedante". "Conquistador", "apaixonado",
"estudioso", "poeta", "aguia" [sic] e "smart" [sic] também foram adjetivos
empregados por "A calceira, B. Pereira" para se referir aos colegas da
classe.26
Ao tentar compreender a noção de pertencimento a uma comunidade que movia os
integrantes do Menelik, podemos perceber que o jornal primava por apresentar
uma relação de familiaridade entre si e os personagens que citava em diferentes
seções. Assim, ficamos sabendo da "senhorinha de olhar vivo que enthusiasma a
si própria",27 de D. Leopoldina e suas "composições"28 e de aniversariantes dos
meses de agosto e setembro, tais como o próprio Deocleciano Nascimento,
"ideador desta folha".29 Estas, assim como outras partes, reforçam a proposição
de uma comunidade de cor letrada, que dividida entre produtores, leitores e
conhecedores do jornal auto-intitulava-se "classe".30
Dentro de uma perspectiva classista, a menção a diversas associações de cor
também corrobora a ideia de familiaridade entre uma comunidade negra que,
aliás, transcende as páginas do jornal.31 Os redatores fazem questão de se
apresentar à "Federação Paulista dos Homens de Cor" de Campinas na coluna
"Pelos salões", onde também são comentados o São Paulo Recreativo Clube e seus
"deciplinados amadores" [sic].32 Além disso, em "Notas", aparece o "club de
dansa" Centro Independente do Bom Retiro, o Centro Recreativo Estrella do
Oriente, um segundo clube dançante, e o Sul Africano Foot Ball Club.33 O
aparecimento de quatro associações em duas colunas distintas ' "Pelos salões" e
"Notas"' nos leva a refletir sobre a lógica interna do título. Enquanto a
primeira se dedicava a parabenizar associações que já possuíam algum tipo de
reconhecimento entre os homens de cor: "qual é a creatura que não conhece este
club dansante [São Paulo Recreativo Club], pois elle é tão conhecido entre nós
que amamos a vida social",34 a segunda ("Notas") se incumbia de apresentar as
novidades surgidas no mundo do associativismo negro:
Centro Independente Bom Retiro: com a denominação acima surgiu mais
um club de dansa edificado pelos homens de cor. Ao Centro
Independente Bom Retiro, O Menelik almeja um futuro brilhante".35
Centro Recreativo Estrella do Oriente: mais um club dansante surgiu
no districto do Bom Retiro".36
Dentro de uma história social do pós-emancipação, cabe enfatizar que "classe
dos homens de cor" era a forma pela qual os jornalistas da imprensa negra
geralmente se auto-intitulavam. O intento de preparar a população de cor para a
vida livre, através da educação e conscientização sobre a importância do
trabalho, somado à recorrência da terminologia acima nos subtítulos e textos de
diversos periódicos indicam que "classe" era acionada como uma categoria que
distinguia os intelectuais (sempre representados como trabalhadores instruídos,
elegantes e críticos) da maior parte da gente negra.
Além do sentido elitista, "classe" também era usada para frisar formas de
associativismo de cor outras que não os jornais, tais como clubes recreativos,
grêmios dramáticos e literários, federações etc. No caso específico da
comunidade de O Menelik, apesar das hierarquias, conflitos e ambiguidades
disparadas pelas questões de gênero, o fato de serem homens e mulheres negros,
que, independente do seu grau de instrução, vivenciavam na pele o preconceito,
fazia com que se sentissem pertencentes à "classe de cor". Para tal grupo,
"classe" referia-se ao reconhecimento de uma origem racial que sabiam ser
determinante para o "preconceito de cor" vivenciado no mercado de trabalho, no
lazer e no dia a dia. Assim, ao ter em mente que, de acordo com Thompson, "a
classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns
(herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses
entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se
opõem) dos seus", a criação da referida "classe de cor" representou uma das
formas de lutar pela cidadania plena para os negros no pós-emancipação.37
Agora que já conhecemos um pouco mais dos personagens, do conteúdo e da lógica
do Menelik, convido o leitor a iniciar o mergulho no universo das suas
misteriosas "leitoras", lançando mão, para tal, de alguns cruzamentos com
tipologias e debates presentes no periodismo feminino da Primeira República.
Fabricando novas mulheres negras: beleza, raça e imagem no Menelik
Em 1916, o Menelikdivulgava seu intento de homenagear as mulheres de cor
através de um evento que desse vivas à sua beleza:
Abrimos com o presente número um concurso de beleza feminina, cujo
concurso será em duas tiragens distribuídas nas seguintes formas: na
primeira tiragem, a partir da próxima vindora, daremos uma
demonstração geral de todas aquelas que mereceram votos e, na
segunda, o resultado final do concurso. Aquela que bater o "record"
ornamentará com o seu retrato a primeira página de nosso jornal, caso
consinta que nós assim procedemos. N.B. ' O concurso é bem entendido,
entre a "classe" e os votos devem ser dados pelos homens que forem
assinantes, enchendo para este fim o cupom seguinte: Caro Leitor,
qual é a moça mais bella no seu parecer? É.. Rua... Assignante.38
No começo do século XX, ser fisicamente bonita não era o único pré-requisito
que tornava uma candidata apta a "ornamentar" com um "retrato" a "primeira
página do jornal". Dentro dos códigos sociais da época, era preciso também ser
honrada, recatada e bem-educada como o eram moças brancas da alta classe,
reverenciadas por competições de simpatia, virtuosismo e elegância promovidas
pelo periodismo brasileiro. Mas, dentro das fronteiras de um processo de
racialização em curso,39 os certames de beleza negra guardavam um intento
peculiar: o "reerguimento geral da classe dos homens de cor"40 através da
revitalização da imagem feminina negra, conforme sugere um segundo concurso.
Realizado na década seguinte pelo Getulino, desta vez, além da longa lista de
predicados comportamentais requeridos, esperava-se que as concorrentes negras
de Campinas estivessem aptas a cumprir a seguinte missão: "manter viva a
memória sacrossanta" dos "antepassados (...) que reagiram com próprio sangue" e
plantaram "a semente da árvore, cujo fruto hoje colhemos", como bem resumiu
Laís de Moraes. Carinhosamente chamada pelos amigos de "Lally", a senhorita,
autora da citação, era "um typo de creatura fina e distincta", com
"intelligencia aguda e clara" e por isso teve sua fotografia estampada na
primeira página, sendo aclamada pelo veículo como a merecedora ao título do
referido "concurso de belleza" de 1923.41
Provavelmente inspirados por debates e quiçá por revistas femininas anteriores
que circulavam pela pauliceia com os propósitos de "estabelecer entre as
brazileiras uma sympathia espiritual pela comunhão das mesmas ideias"42 e de
criticar "o estiolamento moral (...) e a decadência de costumes com base na
educação moral e religiosa do povo"43, Deocleciano Nascimento do Menelik, Lino
Guedes do Getulinoe demais companheiros da "classe dos homens de cor"
sintonizavam-se com os projetos da época, voltados para a construção de novas
representações para o feminino.44 Desse modo, ao atuarem como representantes da
raça negra, com tais iniciativas e discursos focalizados no feminino, semeavam
entre os seus ideias que conectavam gênero e raça, tentando provar que as
mulheres negras da classe, distantes das "imagens controladas"45, estavam tão
prontas para serem células mães da nação como Josephina Alvares de Azevedo,
Georgina Teixeira e Julia da Silva, "senhoras [brancas] que trabalhavam na
República das Letras".46
Nesse jogo de representações, o mundo letrado branco trazia referenciais
importantes como as distintas escritoras de A Mensageira, "mulheres
brazileiras"47 que, com suas "diáfanas mãos femininas"48, teceram centenas de
páginas de revistas, folhetins, romances e poesias no começo do século XX.49 Ao
mesmo tempo, evidenciando políticas e intervenções masculinas no tocante à
mulher e ao seu comportamento, outros magazines fundados por homens, tais como
O Ramilhete50 - e seus conselhos para o "belo sexo" - e Vida Doméstica -
recheada com princípios de "limpeza moral"51 para famílias e lares -, não devem
ser descartados do hallde inspirações dos jornalistas de cor. Criada no Rio de
Janeiro, em 1920, pelo repórter fotográfico Jesus Gonçalves Fidalgo, esta
última, aliás, fazia questão de frisar, três décadas depois do lançamento, que
seu conteúdo poderia ser "manuseado por qualquer "mocinha, sem censura
prévia".52
Em meio a tal atmosfera, num esforço de universalização do gênero feminino,
mediado por uma noção positiva da raça negra e pelo diálogo com publicações
editadas tanto por homens quanto por mulheres da elite branca, os textos e
colunas da imprensa negra reúnem um grupo seleto de mães, esposas, donas de
casa, trabalhadoras e consumidoras que eram, com muito orgulho, adjetivadas com
as categorias "negra" e "de cor". Todavia, revelando os sentidos múltiplos que
a cor assumia e as diferenças encobertas na homogeneidade do termo "mulher de
cor", percebe-se que as taxonomias também podiam ser acionadas pela comunidade
jornalística negra para criticar certos comportamentos, como o das "pretas" que
o "Grupo dos XX" recusava que tomassem "parte no próximo baile",53 ou para
enaltecer um padrão de beleza mestiço, como no caso contado pelo Clarim
d'Alvorada das "moreninhas alegres lavadeiras", "jovens simples", que
"labutando sempre" cantarolavam "cantigas sentimentais" na "estrada empoeirada
do Ibá".54
Nesse contexto de revitalização imagética, ancorado no trabalho como símbolo de
"honra"55 para "rapazes e moças de cor"56, ao pensar em apropriações distintas
para a beleza branca e negra, é interessante reler o trecho do Menelik sobre o
concurso de beleza que abre a presente seção e perceber que, embora não
identifique a raça, o jornal fazia questão de falar em "beleza feminina" para
um público que, ao que tudo indica, era majoritariamente composto pelo segmento
de cor. Ao menos do ponto de vista discursivo, a beleza era vista por eles como
uma característica absolutamente possível de ser atribuída às leitoras do
jornal.
Em contraponto aos estereótipos de feiúra, animalização e hipersexualidade
criados e recriados durante e depois da escravidão em torno do seu corpo57, a
publicação concentrava seus esforços na produção imagética de uma "nova mulher
negra", bonita, moderna e urbana e, portanto, condizente com a República.58
Todavia, nem tudo era tão "transgressor" no Menelik. Em termos de análise do
discurso, "Concurso de Belleza Feminina" indica papéis de gênero delimitados
dentro de uma perspectiva cunhada nos mesmos moldes do falocentrismo presente
na imprensa afro-americana. Na referida nota, "O Menelik" inicia o diálogo na
condição de proponente, e a "beleza feminina", escrita no original com letra
minúscula, é quem recebe as pomposas desculpas. Por mais que uma leitura
superficial, presa apenas aos supostos aspectos positivos da exaltação, leve-
nos a pensar que as mulheres estavam com a "bola cheia", outra interpretação
revela que o masculino ("O Menelik") discursava para um sujeito passivo, a
"beleza feminina". Tal modelo de interlocução conferia pouco espaço para que as
leitoras expressassem seu protagonismo.
A importância conferida ao feminino através de espaços específicos como as
notas "Leitoras" e "Concurso de Belleza Feminina" não ficou circunscrita ao
terceiro número. O primeiro exemplar do jornal já apresentava um espaço
intitulado "Leitoras" no qual se lia o seguinte aviso: "O Menelik apresenta-se
a vos, na convicção plena que será bem acolhido por todos".59 Observa-se que,
embora o texto supostamente voltado para um público geral, era anunciado pelo
cabeçalho "Leitoras".60
Na edição de janeiro de 1916, "Leitoras" II retorna e acima do seu texto
passamos os olhos nos seguintes dizeres: "Salve! Salve! Salve 1916! Gentis
leitoras e leitores O "Menelick" deseja-lhes Boas Festas e que em vossos lábios
só hajam risos de alegria e felicidades durante o decorrer de 1916! Salve 1 de
janeiro de 1916! SALVE!".61 O redator (é possível pensar redatora?) da saudação
é deveras cuidadoso ao endereçála a dois públicos que, embora iguais na
gentileza, fossem distintos no gênero: "leitoras e leitores". Nesse sentido,
também não passa despercebido seu cavalheirismo de incluir primeiro as damas no
cabeçalho: "Gentis leitoras e leitores".
Ainda que seja difícil mesurar o papel que as mulheres efetivamente
desempenhavam na folha, a evocação das "leitoras" nos dois exemplares
analisados sugere que, em vez de uma nota isolada, podemos estar diante de uma
coluna dedicada ao público feminino. Assim como no pedido de desculpas pelo
atraso do segundo número (que, curiosamente, é impresso como o "n.3"),
deparamos-nos novamente com um tipo de texto que parece buscar a aprovação
feminina, o que, dentro de um cenário ambíguo, reforça nosso argumento da
importância da comunidade feminina para o periódico.
Os homens da classe e as novas mulheres negras do Menelik
Deocleciano Nascimento e seus companheiros tinham uma preocupação recorrente em
agradar e render homenagens às suas "leitoras". Na falta de maiores dados
biográficos, a possibilidade colocada para o presente texto é problematizar as
mulheres enquanto um grupo no interior da folha. Nesse sentido, diante do seu
papel preponderante no jornal, resta perguntar: seriam elas parte de um "grupo
de prestígio",62 como as "elites de cor" estudadas por Azevedo em Salvador nos
anos 1950, ou estariam sendo alvo de políticas de domesticidade"63 empreendidas
por homens que associavam família e feminino como naturais? Menos do que se
posicionar às pressas num dos lados da moeda, é fundamental perceber os
elementos de tensão presentes nas representações femininas (e masculinas) do
jornal, considerando para isso o caráter relacional e contrastante das
identidades. Para isso, examinaremos outros momentos nos quais nossas
personagens foram registradas pela pena dos jornalistas.
Além dos textos acima comentados, os dois números traziam em destaque, bem no
centro da primeira página, poesias dedicadas a figuras femininas. Consta na
edição de estreia do jornal, a poesia Regosijo, assinada pelo já citado
Deocleciano. Nela, o jornalista mostra todo o seu respeito à "Exma. Sra. D.
Maria José de Almeida", presidente do Club 13 de Maio de S. Paulo. O fato de o
redator-chefe da folha considerar a dama uma "distincta oradora"64 fornece mais
pistas para compreender melhor o tipo de mulher que a classe considerava
mercedora de louvores.
Tanto o pedido de desculpas da nota "Leitoras" quanto a homenagem à presidente
do Grêmio e o discurso de Laly, a Miss Getulino de 1923, convergem para a
construção imagética de novas mulheres negras, personagens instruídas, capazes
tanto de representar sua comunidade quanto de expressar seus anseios através do
discurso. Nesse contexto, o poder masculino da escolha ocupa uma dimensão
importante, se considerarmos que falamos aqui de mulheres que sofreram a ação
de serem selecionadas para constar na folha enquanto personagens que ilustravam
uma série de expectativas da "classe dos homens de cor" em torno de
idealizações femininas, tais como as de mãe, estudante, miss, oradora, poetisa.
Nesse cenário de representações múltiplas, levando em conta a riqueza de
detalhes em cada uma das edições do Menelik (assim como de outros títulos da
imprensa negra), aposto na possibilidade de cruzar suas diferentes seções para
captar, ao máximo, os padrões femininos que suas páginas procuram criar. Em
termos de pesquisa, a iniciativa almeja dar um passo a mais na análise do
material uma vez que, em linhas gerais, a historiografia temática empreendeu
pouco esforço em estabelecer conexões entre diferentes seções de cada periódico
a fim de esmiuçar seus pequenos detalhes. Em vez disso, embasados por uma pouco
problematizada ideia de "imprensa negra"65, os trabalhos ocuparam-se mais em
analisar características "macro" de tal imprensa, tais como acesso à educação,
mercado de trabalho, identidade nacional, desconsiderando personagens e
conflitos múltiplos.66
Ao manter a ideia de colocar em diálogo diferentes seções do Menelik, é
interessante considerar a nota "Leitoras" II em conjunto com a poesia Regosijo,
transcrita abaixo:
São dias tão felizes, repletos de venturas,
Esses que vos leva de glórias rodeada,
Porque sois vós a mais gentil e admirada
Do quadro juvenil das mais lindas criaturas
Nas festas, certo é das tantas formosuras,
A voz da oradora a ti é confiada;
E ouve-se ela tenra, suave, denodada
Que de tu'alma vem guiadas de recturas
No meio da palavra que tu'alma salta,
As vozes ' muito bem ' do auditório, aparta
A tua que é sonora, meiga e primorosa!
Sempre no final da tua oração
Ouve-se profunda e longa ovação
De palmas que dá glória a ti que és talentosa.67
É de fácil percepção o fato de que os dois textos esforçam-se sobremaneira em
exaltar a mulher, no entanto, tal exaltação ocorre de formas distintas. Na nota
"Leitoras" II, a figura feminina é reverenciada na condição específica de
leitora; leitora que de tão especial merece novidades vindas do céu. De novo,
caberia aos homens a árdua missão de buscar notícias nas estrelas, ou seja,
informações que fossem dignas de ocupar "mãos delicadas", que por serem o
"berço gentil" da alma saberiam esperar pacientemente.
Esta função estritamente masculina de fornecer informações fica reforçada pela
já apresentada lista de fundadores do jornal, divulgada na edição inaugural de
outubro de 1915 e composta exclusivamente por homens. Já no tocante à poesia, a
mulher homenageada ocupa o lugar específico de oradora, função muito comum no
meio negro da época.68 Se a historiografia temática já reconheceu a importância
de oradores como o patrionovista Arlindo Veiga dos Santos e o "tribuno popular"
Vicente Ferreira69, o mesmo comentário não se estende ao caso feminino. Quase
três décadas depois da publicação de O Menelik, por exemplo, oradoras como
Silvia de Oliveira, Sebastiana Vieira e Benedita da Costa contagiarão
frentenegrinos com suas exímias oratórias nos túmulos de abolicionistas durante
as festividades do 13 de maio.70 Sua presença assim como a de outras militantes
contrasta com a pouca preocupação historiográfica de investigar a participação
feminina nesta imprensa.71
Regosijo também dá pistas para refletirmos sobre as imagens enaltecidas pelos
organizadores de O Menelik. Se, em "Leitoras" II, ser alfabetizada representava
um importante traço distintivo, na poesia será a vez do poder de oratória ser
louvado. Assim, ao juntar os indícios anteriores à homenagem rendida à
presidenta do Club 13 de Maio, entendemos melhor o protótipo feminino das
mulheres instruídas. Cultuadas pelo jornal, tais figuras deveriam ser capazes
de servir como exemplos de civilidade. Em meio à construção de novas mulheres
negras, vale notar que até aqui nenhum dos dois textos fazia exigências quanto
à capacidade de escrita das mulheres, tarefa, à primeira vista, restrita ao
universo masculino como, a princípio, delimitava o próprio cabeçalho do jornal
- "dedicado aos homens de cor".
Poderíamos nos deixar levar pelo caminho mais óbvio de considerar que O Menelik
enquadrava-se no que postulavam os códigos culturais da época acerca da mulher
higienizada e de sua vinculação específica ao âmbito privado.72 E esse último
aspecto, inclusive, poderia ser ratificado pela fala de Júlia Lopes de Almeida
sobre a "inaptidão" feminina para as artimanhas da escrita:
Nós, as mulheres, não temos sempre facilidade de bem exprimir os
sentimentos por palavras; eles parecem-nos por demais sutis e
complexos; elas insuficientes e fraquíssimas. Dizem que há para todas
as coisas expressões precisas, de inquestionável exatidão; a língua
modula no som, e inalterada, a essência da mais rara alegria ou do
mais terrível desespero. Mas essa é a interpretação dos fortes; a
nossa dilui-se, numa gota incolor e inodora, que é como um
chuvisqueiro em uma rosa, se nasce da alegria; ou, se vem da dor,
como um floco de neve em uma brasa, que apaga a luz e deixa a nu o
carvão.73
Tal caminho teria algum sentido não fosse o já conhecido papel de conciliadora
de Júlia Lopes de Almeida. A condição daquela "que harmonizara companheirismo e
organização, rebeldia e luta ' com o papel de mãe e esposa"74 torna possível
considerar que, assim como ela, as mulheres do meio negro também procuraram
seus próprios caminhos conciliadores. Nesse sentido, se assumirem ou serem
identificadas apenas como leitoras ou oradoras (de discursos supostamente
redigidos por homens) poderia ser uma forma de isentá-las de serem tachadas de
loucas, conforme acontecia com muitas daquelas que "ousaram revelar alguma
criatividade".75
A despeito dos riscos que o papel de escritora trazia, o reconhecimento público
da mulher no desempenho de tal função esteve presente na seção "Caixa-Balaio".
Lá, D. Leopoldina fica sabendo que o soneto que enviara para a redação do
jornal "está em análise" e, a seguir, D. Ignez do Amaral é nomeada
"colaboradora efetiva no ramo de versos da ordem de Pé Quebrado".76 A
convocação abaixo, retirada da coluna "Noticiário" desemboca em mais um espaço
pelo qual o jornal procurava articular gênero e raça por intermédio da figura
da escritora: "o próximo número d"O Menelick' será colaborado por pensamentos
femininos, por isso gentis leitoras, não poupem esforços e enviem-nos os vossos
trabalhos".77
Apesar de não termos como saber quem de fato escreveu no próximo número, até o
presente momento não localizado, novamente, somos confrontados com um texto no
qual a presença feminina no periódico é representada como algo singular,
honroso e essencial; algo, literalmente, digno de nota. Desse modo, os dois
momentos acima marcam uma curiosa passagem na construção imagética do feminino
no jornal, pois a mulher é promovida da condição de leitora àquela de
escritora, confirmando que suas habilidades eram realmente completas.
Como leitora ou escritora, de um jeito ou de outro, todas as trilhas do
Menelikconduzem ao papel das mulheres de cor instruídas como criaturas
excepcionais. A maneira com que Mademoissele F. Pinheiro é retratada na poesia
de Deocleciano Nascimento, por exemplo, reforça tal singularidade. Destarte, a
representação - "alma santa", "voz sonora", "gentil" e "admirada" como a "mais
linda criatura" - sugere que existia um grupo de mulheres incríveis, alçadas ao
posto de musas do jornal. Gentis, pacientes e sorridentes, almas santas...
Afinal, quem seriam nossas especiais? Se observarmos os índices de
analfabetismo entre a população negra da época, podemos pensar que sua condição
de leitoras e escritoras é um traço determinante para torná-las assim tão
singulares.78 Nesse caso, cruzando gênero e raça, menos do que um substantivo,
o vocábulo leitora, disseminado nas duas edições do Menelik, assume o papel de
adjetivo porque ' ainda que implicitamente ' qualifica a mulher negra como
instruída.
Duque e suas "distinctas" escritoras
"Caixa-Balaio" não foi o primeiro espaço no qual o Menelikmencionou diretamente
suas escritoras. Numa curiosa seção denominada "Idéias Parafuzadas",79 o já
citado Duque informava a Izaurinha e Brasilia que "aguarda[va] ser
correspondido com a contribuição de cada uma". Chama a atenção que tal convite
não tenha sido feito sem que antes o escritor cumprimentasse as senhoritas por
serem "distintas e inteligentes normalistas". A menção à condição de estudante
das jovens também ajuda a pensar que tipo de participação feminina era
requisitada pelo veículo. Estaríamos diante de uma elite feminina negra
letrada? Mencionar a posição das senhoritas poderia ser uma estratégia para
garantir credibilidade ao jornal, capaz de ultrapassar as fronteiras do meio
negro?
A mesma seção também destinava espaço para citar aquelas escritoras acometidas
pela fraca memória, como Paulina da Rocha e Angelina Pinto, que deixavam de
cumprir promessas feitas outrora, rendendo assim um provocativo "estou de mal"
do nosso editor. Entretanto, a dupla de senhoritas não tinha com o que
verdadeiramente se preocupar. O malcriado Duque fazia questão de não deixar mal
entendidos: "as pazes serão feitas quando eu receber as promessas".80 Podemos
pensar que o conteúdo de seu texto justificaria o uso de um pseudônimo, visto
que o redator não dispensa os puxões de orelha nas duas citadas moças? Ao
publicar nome e sobrenome das senhoritas, cobrando-lhes o que supostamente lhe
fora prometido, Duque parece estar bem à vontade para se fazer valer do dito
popular "promessa é dívida". Mas o que significaria ter seu nome estampado no
jornal como uma escritora inadimplente? Para quem esse tipo de informação era
relevante, ou mesmo vexatória? Tal exposição teria sentidos diferentes para
homens e mulheres citados?
Observador atento de suas escritoras e leitoras, o jornalista parecia também
não se sentir intimidado pelas "mais velhas". Sem perdões, ele aproveitou o
espaço que lhe destinaram no centro da terceira página para mais uma bronca.
Dessa vez, a vítima escolhida era D. Emília Cardozo. Embora sem papas na
língua, devemos ser justos e frisar que Duque proferia suas repreensões dentro
do mais perfeito cavalheirismo: "Leia, faça o obséquio "O Menelik", na próxima
tiragem, sim!"81 De novo, o fato de cinco mulheres serem diretamente citadas
pelo jornal, sendo que quatro delas já requisitadas na sua primeira edição para
oferecerem contribuições, evidencia que as quatro senhoritas e a solitária
senhora D. Emília participaram, em alguma medida, de espaços de organização
prévia do Menelik.
Apesar de ausentes da lista de criadores do periódico, teriam as cinco
escritoras participado da reunião dos fundadores ocorrida em 18 de julho de
1915? Em caso negativo, onde o convite para colaborar com o periódico fora
feito? Embora no momento não seja capaz de encontrar respostas precisas a tais
perguntas, fica o indício de que essas mulheres foram escolhidas para de alguma
forma participar da "Sociedade Jornalística de O Menelik". Mais que isso, na
reconhecida posição de escritoras, elas receberam convites para publicar suas
contribuições, justamente na edição inaugural do jornal. Faz então sentido
pensar que a condição feminina de receptora, presente na maior parte das
narrativas nas quais as mulheres aparecem como sujeitos (passivos), pode
representar uma estratégia dos redatores para subtrair a importância do
feminino para o jornal. Nesse rastro, teriam Izaurinha e Brasilia deixado de
publicar seus textos devido a desavenças internas, levando Duque a protestar
por meio de sua imperdoável pena?
Ao considerar as quatro páginas, totalmente ocupadas da edição de estreia,
nota-se que a falta de colaboradores não era um problema. Então, por que um
jornal "dedicado aos homens de cor" reivindicava tão efusiva e insistentemente
a participação feminina? Ao persistir na proposta de uma análise
historiográfica que priorize gênero e raça, enfatizo que os ecos da narrativa
de Duque vão ainda mais além. Seu texto na íntegra, quando cruzado aos dados
numéricos de gênero, reforça a hipótese do protagonismo feminino no jornal. Dos
sete homens citados pelo redator apenas um, o acanhado "seu Antônio", foi
convidado a publicar seus "sentimentos" na forma de poesia. Para os demais,
como o "Ilmo Sr. Tatú Canastra", o redator não reserva convites, mas apenas
saudações e votos de amizade.
Ao considerar os ideais de feminilidade que circulavam à época, é curioso
observar uma espécie de construção de gênero às avessas na seção assinada por
Duque, na qual as mulheres seriam as escritoras e os homens os amigos. Tal
inversão revela o brilhantismo intelectual das leitoras do Menelik ou encobre
conflitos internos de gênero? Outra dimensão importante que se articula a de
gênero na narrativa do jornal é aquela da faixa etária feminina. Observa-se uma
maioria de apelos voltados para as "senhoritas" em contraposição a um único
dirigido a uma "senhora".
As expectativas depositadas na "mocidade negra"82 para o futuro dos
descendentes da escravidão foi um tema recorrente em diferentes jornais de cor.
Nesse sentido, os jovens seriam seu público-alvo ou, pelo menos, era importante
ter tal segmento como simpatizante e, especialmente, como colaborador. Mais uma
vez, as mulheres preponderam, se considerarmos que apenas o Sr. Antônio é
convidado a colaborar. Afinal, onde estavam os rapazes "da classe"? Diante da
totalidade de cargos preenchida por homens, seria importante convidar mulheres
que contribuíssem para que o jornal não ficasse restrito ao segmento masculino?
"Concurso de belleza feminina": as "merecedoras de votos"
Temos visto até aqui a emergência de dois grupos de mulheres no Menelik:
leitoras e escritoras. Note-se que o feminino é sempre atrelado à sua faixa
etária, expressa por terminologias como: jovens, senhoritas e, com menos
recorrência, senhoras. Se em outros momentos do jornal, senhoras e senhoritas
poderiam dividir o mesmo holofote, este não é o caso do concurso de beleza,
voltado especificamente para as segundas. A lúdica permuta entre "estrelas" e
"sorrisos" ou, para ser mais direta, entre masculino e feminino, parecia ser
ainda mais sedutora do que se pressupunha.
As "boas novas" para mulheres tão queridas não cessavam. Em 1º de janeiro de
1916, quando da publicação de seu terceiro número, O Menelick deixava saber a
seguinte informação:
Abrimos com o presente número um concurso de beleza feminina, cujo
concurso será em duas tiragens distribuídas nas seguintes formas: na
primeira tiragem, a partir da próxima vindora, daremos uma
demonstração geral de todas aquelas que mereceram votos e, na
segunda, o resultado final do concurso. Aquela que bater o "record"
ornamentará com o seu retrato a primeira página de nosso jornal, caso
consinta que nós assim procedemos. N.B. ' O concurso é bem entendido,
entre a "classe" e os votos devem ser dados pelos homens que forem
assinantes, enchendo para este fim o cupom seguinte: Caro Leitor,
qual é a moça mais bella no seu parecer? É.. Rua... Assignante.83
Um concurso de beleza, que já havíamos conhecido acima, no qual as donas dos
"lábios de rosa" poderiam ser dignamente aclamadas. O foco na juventude
feminina representa um ponto nevrálgico e seu ápice repousa num certame para
escolher "a moça mais bonita do bairro".84 A pequena nota encobre diferentes
debates envolvendo gênero, faixa etária, raça e imagem. Inicialmente, é
interessante examinar a mudança da terminologia utilizada de "senhorita" para
"moça". Tudo indica que o emprego de categorias distintas para qualificar as
candidatas extrapolava o quesito idade. Mais do que mera substituição, a
escolha do termo moça para nomear aquela mais bonita do bairro incorpora novos
tópicos à discussão; tópicos estes relacionados a temas maiores como honra,
pudor e moralidade.
Além de senhorita era essencial ser moça. Esta dupla conceitualização conecta-
se a projetos e expectativas acerca da honra e da moral que transformam ambas
as categorias em adjetivos indissociáveis naquele contexto. Uma consulta a um
dicionário de época auxilia a tornar o jogo de palavras mais inteligível. Entre
as definições mais corriqueiras do vocábulo "moça"85 no começo do século XX,
Caldas Aulete registrou "virgem, donzela" e "boa moça". Já para "senhorita"86
encontramos "solteira" e "moça solteira" além de mais outro sugestivo: "mulher
de classe baixa que se dá ares de senhora". Desse modo, para participar do
concurso de O Menelik era preciso ser jovem, instruída e virgem. A posse das
três características transformava Olga, Malvina, Júlia e quem sabe outras
mulheres em merecedoras de votos e, portanto, futuras senhoras da classe de
cor.
Através da leitura da nota "Concurso de Belleza",87 intersecções entre feminino
e masculino começam a se delimitar de forma mais nítida. Um detalhe sem
aparente importância é o fato de existir uma lista de candidatas merecedoras de
votos exatamente na mesma edição que inaugura o concurso. A relação de nomes -
localizada na página anterior a do próprio anúncio do certame ' pode sugerir
que o mesmo foi aberto (mesmo que por vias informais) antes de ser tornado
público pelo jornal. Se tal possibilidade não pode ser de todo descartada, a
leitura atenta da nota mostra que ao menos os redatores mantiveram coerência
com sua proposta: "abrimos com o presente número um concurso de beleza
feminina, cujo concurso será distribuído em duas tiragens distribuídas nas
seguintes fórmas (...)".
Apesar de os jornalistas considerarem a publicação do jornal como a abertura
oficial do concurso, deixavam claro que havia uma etapa prévia de escolha das
candidatas e que caberia a eles conduzi-la: "na primeira tiragem a partir da
próxima vindoura daremos uma demonstração geral de todas aquelas que mereceram
votos". Parece vir daí a explicação para que os nomes de doze concorrentes
"merecedoras de votos" já estivessem disponíveis na mesma edição. O texto
também sugere papéis de gênero claramente definidos no qual apenas mulheres
seriam candidatas "abrimos (...) um concurso de belleza feminina" - e os
homens, seus votantes. Entretanto, ser homem não era o critério absoluto.
Para que pudessem dar "seu parecer" sobre a "moça mais bonita do bairro", era
necessário que sua condição masculina estivesse acoplada à posição de assinante
do jornal: "os votos devem ser dados pelos homens que forem assignantes". A
abreviatura "N.B." (Note Bem), direcionada aos leitores parecia reforçar a
importância do critério. Não há também nenhuma menção à cor das "merecedoras de
votos". À primeira vista parece óbvio que por se tratar de um concurso
promovido por um jornal negro apenas candidatas "de cor" poderiam participar,
no entanto, a leitura detalhada do texto indica que a cor aparece nas
entrelinhas do texto como um critério racial do certame: "o concurso é, bem
entendido, entre a classe".
Ainda sobre os bastidores do inspirador certame de beleza, por mais que ainda
não tenhamos maiores informações biográficas sobre as senhoritas da lista, a
atitude de fazer uma seleção prévia daquelas dignas de serem votadas indica que
a competição era um momento chave para veicular mais um tipo de imagem
feminina. Ao cruzar a lista a outras partes do jornal, notamos a presença de
uma personagem por nós já conhecida: Angelina Pinto, a mesma senhorita que o
implacável redator Duque cortara relações por ela não haver lhe entregue a
colaboração prometida para o número de estreia do jornal. Assim, é possível
conjecturar que o perfil reservado para as candidatas envolvia os papéis de
leitora e de escritora. Esperavam assim que a "moça" mais bonita do bairro
fosse uma jovem de cor instruída, capaz de ler, escrever e de assim representar
honrosamente a sua "classe" como fizera Laly, a campeã do certame do campineiro
Getulino.
Para ser uma concorrente era necessário ser "merecedora de votos". Isso indica
que existiam responsáveis, da mesma forma que critérios, para determinar
aquelas que seriam dignas de votação. Creio que havia competidoras que, por
algum motivo, não mereciam votos e por isso tiveram seus nomes vetados desta e
doutras possíveis futuras listas. A não menção a preferências físicas esperadas
também ajuda a pensar que, mais do que aparência, valores e comportamentos eram
pré-requisitos fundamentais. Isso, sem dúvida, não seria um caso isolado ou um
traço distintivo do meio negro, afinal, no começo do século XX, estavam em voga
projetos e debates em torno da construção da nação nos quais a mulher
representava uma personagem cabal. Trata-se de uma época em que a família
harmoniosa havia sido convertida em metáfora de uma jovem República civilizada
que, por sua vez, dependia da mulher para alcançar o seu sucesso. Parece que os
membros de O Menelikestavam preocupados em demonstrar a potencialidade do
feminino negro dentro de tal projeto nacional-republicano.
As novas mulheres negras e a República
Homens e mulheres de O Menelik estabeleceram estratégias alternativas à imagem
feminina restrita ao domínio privado. Para isso, a equipe do jornal investiu em
discursos que possibilitassem que papéis públicos e privados definissem
simultaneamente as tipologias femininas construídas nas suas páginas. Leitoras,
escritoras, presidentes de clubes e associações ou ainda candidatas de uma
competição de beleza bateram de frente com teses médicas que provavam a
inferioridade intelectual da mulher, sentenciando-a ao confinamento do lar.
Ao conjugar raça e República em diálogo com imagens literárias que circulavam
desde finais do século XIX, tais como a da "filha dedicada" e aquela do "anjo
do lar",88 a poesia assinada por Roque Rosa transforma a mulher negra numa
candidata merecedora não de votos de beleza, mas do importante título de "mãe
republicana". Personagem escolhida para o seu "primeiro trabalho" como poeta,
ele assim a retrata:
A única pessoa em quem podemos cegamente confiar sem receio de sermos
traídos, porque somos sangue do seu sangue, carne da sua carne.
Feliz! Feliz daquele que a sua possui, porque assim pode ouvi-la e
seguir-lhe os conselhos.89
Os elogios destinados à saudosa mãe do jovem de dezenove anos mostram que
existia uma preocupação de construir uma imagem feminina negra que se afinasse
com os códigos culturais da época, mas que, ao mesmo tempo, atendesse às
necessidades e expectativas do meio negro. Conforme acredito, existiu um
esforço expresso em diferentes seções de O Menelikde outorgar às mulheres um
lugar de prestígio e destaque no seu interior. Entretanto, tal esforço deve ser
pensado não como uma dádiva dos homens às mulheres, mas como um dos resultados
de embates de gênero, presentes nos bastidores do jornal.
Na publicação, existiram iniciativas explícitas não de outorgar no sentido de
dar, conceder, mas de fazer ouvir a voz de tais personagens como no referido
caso dos convites para a publicação de contribuições femininas. Assim, analisar
as imagens femininas que circularam no Menelikcomo produto de relações
conflitivas entre mulheres e homens de cor, é um passo importante para
reconstituir histórias do feminino de cor no mundo livre. Ao abrir mão dos
consensos e das benesses que os textos sugerem numa leitura superficial,
criamos espaço para interpretar tais representações como resultados de
mecanismos de pressão levados a cabo por essas personagens.
Tais iniciativas, quando analisadas em conjunto apontam para um projeto de
inclusão feminina que procurou se adequar aos padrões da época sem, contudo
perder de vista ou apagar as especificidades vivenciadas pelas mulheres negras.
A leitura miúda dos dois exemplares do jornal O Menelik demonstra que as
palavras "insuficientes e fraquíssimas" com as quais se referiu às mulheres, em
1906, a célebre literata Júlia Lopes não faziam parte do léxico das mulheres da
comunidade do periódico. Embora ainda permaneçam sujeitas anônimas e, por mais
que aparentemente não ocupassem cargos de direção no órgão, nossas gentis
senhoras e senhoritas, leitoras, escritoras e candidatas a missescumpriam os
requisitos para atuar como colegas, melhor seria dizer, amigas da classe e mães
da jovem nação.
Texto apresentado em 21/6/2010 e aprovado em 14/2/2012
1 Agradeço os valiosos comentários e sugestões feitos por Sidney Chalhoub,
Robert Slenes, Silvia Lara, Álvaro Nascimento, Marc Hertzman, Paulina Alberto e
Micol Seigel durante a escrita do texto.
2 Ao comentar sobre os diferentes títulos da imprensa negra, José Correia Leite
é categórico ao elencar O Menelik na lista dos periódicos que circularam por
mais tempo em São Paulo: "houve jornais que não duraram mais que 2 ou 3
números. Outros tinham vida longa, como por exemplo O Kosmos, O Menelick, O
Alfinete". Este relato de um contemporâneo sobre periódicos com "vida longa"
somado à inexistência de outras edições nos acervos pesquisados leva a crer que
diversos números do jornal "dedicado aos homens de cor" foram extraviados. José
Correia Leite e Cuti, ... E disse o velho militante José Correia Leite. São
Paulo: Noovha América, 2007, p. 47.
3 A pesquisa foi realizada na coleção "Jornais da Raça Negra", Rolo PR- 00798-
00834, Seção de Periódicos (Catálogo de Microfilmados), Fundação Biblioteca
Nacional. Doravante, FBNCPM. Além disso, parte dos títulos também podem ser
encontrados no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL-Unicamp) e no Instituto de Estudos
Brasileiros (IEB-USP).
4 Trabalho que considera a trajetória das mulheres negras no pós-emancipação
está em: Silvana Santiago,Tal Conceição, Conceição de Tal. Classe, gênero e
raça no cotidiano de mulheres pobres no Rio de Janeiro nas primeiras décadas
republicanas (Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas,
2006). Embora não focalizem as análises nas mulheres negras,
apontamentos a respeito da articulação entre gênero e raça no mundo livre podem
ser vistos em: Rachel Soihet, Condição feminina e formas de violência: mulheres
pobres e ordem urbana, 1890-1920, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1985; Martha Abreu, Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do
amor no Rio de Janeiro da Belle Époque,Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989; Joana Maria Pedro, Mulheres honestas, mulheres faladas: uma
questão de classe, Florianópolis: Editora da UFSC, 1994;
Sueann Caulfield, Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de
Janeiro (1918-1940), Campinas: Edunicamp, 2000.
5 FBN-Cátalogo de Periódicos Digitalizados (doravante CPD), 1897-1900.
6 Ver, dentre outros: Anna Luiza Martins, "A produção de uma nova mulher:
revistas femininas", in Anna Martins, Revista em revista: imagens e práticas
culturais em tempos da república, São Paulo, 1890-1922, São Paulo: Edusp /
Fapesp, 2001, pp. 371-86.
7 O conceito de "meio negro" aparece nos depoimentos de José Correia Leite em
diversas ocasiões em que o militante se refere aos participantes da imprensa
negra assim como aos frequentadores e membros de clubes, grêmios e demais
associações de cor da cidade de São Paulo na Primeira República. Ao rememorar
sua entrada no "meio negro" como frequentador dos bailes promovidos pelo "Elite
Flor da Liberdade", Correia Leite deixou registrado: "estou perdendo tempo com
esses italianos. Eu tenho uma sociedade que é minha, meu povo, minha gente. Fui
procurar e encontrei gente conhecida. Justamente um que foi uma espécie de
irmão de criação para mim. Ele se chamava Manoelzinho e foi quem me apresentou
outras pessoas. Assim, comecei a participar do meio negro que até então eu não
conhecia". Tudo indica que a recorrência da categoria "meio negro" nos estudos
de Florestan Fernandes e Roger Bastide deve-se à importância dos depoimentos de
Correia Leite nas suas pesquisas. O trabalho pioneiro ' "Movimentos Sociais no
Meio Negro" ' assinado por Renato Jardim Moreira com a "colaboração" de Correia
Leite também indica que a autoria do conceito é tributária das interpretações
de Leite sobre essa parcela da população de cor paulistana. A respeito do "meio
negro" e da trajetória de José Correia Leite ver: José Correia Leite e Cuti,
... E disse o velho militante José Correia Leite: depoimentos e artigos,São
Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992, p. 27.
8 Sobre história transnacional, diáspora e intelectuais negros ver: Brent Hayes
Edwards, The Practice of Diaspora: Literature, Translation, and the Rise of
Black Nationalism, Cambridge: Harvard University Press, 2003;
Zita Nunes, Cannibal Democracy: Race and Representation in the Literature of
the Americas, Minneapolis / Londres: University of Minnesota Press, 2008.
9 Robin Kelley, "Nap Time: Historicizing the Afro", Fashion Theory: The Journal
of Dress, Body & Culture, v.1, n. 4 (1997), pp. 339-51.
10 Kelley, "Nap Time, pp. 339-51.
11 A respeito das articulações entre gênero, raça e cosmética na imprensa negra
pós-emancipação nos EUA ver: Giovana Xavier, Brancas de almas negras? Beleza,
racialização e cosmética na imprensa negra pós-emancipação (EUA, 1890-1930)
(Tese de Doutorado, Unicamp, 2012).
12 Thomas C. Holt, The Problem of Freedom: Race, Labor, and Politics in Jamaica
and Britain, 1832-1938, Baltimore / Londres, The Johns Hopkins University
Press, 1992.
13 A respeito das relações entre gênero, feminino e relações de poder ver:
Joann Scott. "Gênero: uma categoria útil de análise", Educação e Realidade:
Gênero e Educação, v.15, n.2 (1990), pp. 71-99. Uma
importante discussão sobre saberes masculinos e representações femininas está
em: Rachel Soihet, "Violência simbólica: saberes masculinos e representações
femininas", Revista de Estudos Feministas, v. 1, n. 5 (1997). Disponível em:
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/12558/11703 Acesso:
11/07/2011.
14 FBN-CPM, "O Menelik", O Menelik, São Paulo, 17 de outubro de 1915, anno 1,
n. 1, p. 1.
15 FBN-CPM, "O Menelik", O Menelik, 17 de outubro de 1915, anno 1, n. 1, p. 1.
16 No número de estreia do jornal a grafia do título é Menelik. Na edição de
janeiro de 1916, passa para Menelick. Neste artigo, ao mencionar o jornal optei
pela grafia da primeira edição, inclusive por considerar que a forma de escrita
Menelikrelaciona-se com possíveis influências de intelectuais afro-americanos.
Discussões sobre as conexões entre jornalistas negros brasileiros e norte-
americanos encontram-se em: Amilcar Araújo Pereira,"O Mundo Negro": a
constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil (1970-2001) (Tese de
Doutorado, Universidade Federal Fluminense, 2010); Micol
Seigel, "The Point of Comparison: Transnational Racial Construction, Brazil and
the United States, 1918-1933" (Tese de Doutorado, New York University, 2001); Paulina Alberto, Terms of Inclusion: Black Intellectuals and
the Politics of Belonging in Twentieth-Century Brazil, Chapel Hill: University
of North Carolina Press, 2011.
17 FBN-CPM, "Propriedade", O Menelik, 17 de outubro de 1915, anno 1, n. 1, p.
1.
18 FBN-CPM, "Avisos Importantes", O Menelik, 17 de outubro de 1915, anno 1, n.
1, p. 2.
19 FBN-CPM, "O Menelik", O Menelik, 17 de outubro de 1915, anno 1, n. 1, p. 1.
20 FBN-CPM, O Clarim da Alvorada, São Paulo, 27 de setembro de 1925, ano II, n.
15, p. 2.
21 "(...) como resa o cabeçalho deste jornalsinho (...)". FBN-CPM, "Destino", O
Menelik, 17 de outubro de 1915, anno 1, n. 1, p. 1.
22 FBN-CPM, "Notas", O Menelik, 17 de outubro de 1915, anno 1, n. 1, p. 2.
23 FBN-CPM, "Idéias Parafuzadas", O Menelik, 17 de outubro de 1915, anno 1, n.
1, p. 3.
24 FBN-CPM, "Pelos Salões", O Menelik, 17 de outubro de 1915, anno 1, n. 1, p.
3.
25 FBN-CPM, "Vida Social/Necrologia", O Menelick, 1 de janeiro de 1916, anno 1,
n. 3, p. 3.
26 FBN-CPM, B. Pereira, "Na Berlinda", O Menelick, 1 de janeiro de 1916, anno
1, n. 3, p. 3.
27 FBN-CPM, Geraldino Souza, "No meio de muitas...", O Menelik, 15 de outubro
de 1916, anno 1, n. 1, p. 2.
28 FBN-CPM, D'eocle. "Caixa-Balaio", O Menelik, 15 de outubro de 1916, anno 1,
n. 1, p. 3.
29 FBN-CPM, "Vida Social", O Menelik, 15 de outubro de 1916, anno 1, n. 1, p.
3.
30 Para entender melhor os sentidos de classe nos escritos da imprensa negra,
ver, por exemplo: S. O. "O Baluarte". FBN-CPM, O Baluarte: orgam official do
"Centro Litterario dos Homens de Cor ' DEDICADO A DEFEZA DA CLASSE". Campinas,
15 de janeiro de 1904, anno 1, n. 3, p. 1 e FBN- CPM, "Cinco
Anos de Clarinadas", Clarim d'Alvorada: legítimo orgão da mocidade negra, São
Paulo, 6 de janeiro de 1929, p. 1.
31 Sobre as formas de associativismo na Primeira República ver, dentre outros:
Claudio H. M. Batalha, "Cultura associativa no Rio de Janeiro da Primeira
República", in Claudio Batalha; Fernando Teixeira da Silva; Alexandre Fortes
(orgs.), Culturas de Classe (Campinas, Edunicamp, 2004), pp. 95-119.
32 FBN-CPM, "Pelos salões", O Menelik, 15 de outubro de 1915, anno 1, n. 1, p.
3.
33 FBN-CPM, "Notas", O Menelik, 15 de outubro de 1915, anno 1, n. 1, p. 2.
34 FBN-CPM, "Pelos salões", O Menelik, 17 de outubro de 1915, anno 1, n. 1, p.
3.
35 FBN-CPM, "Notas", O Menelik, 17 de outubro de 1915, anno 1, n. 1, p. 2.
36 FBN-CPM, "Notas", O Menelik, 17 de outubro de 1915, anno 1, n. 1, p. 2.
37 Discussões essenciais sobre as relações entre classe e história estão em
Edward P. Thompson, A formação da classe operária inglesa. A árvore da
liberdade, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, v. I, p. 10.
38 FBN-CPM, "Concurso de Belleza", O Menelick, 1 de janeiro de 1916, anno 1, n.
3, p. 4.
39 Importantes discussões que relacionam à desarticulação da escravidão a um
crescente processo de racialização encontram-se em Wlamyra R. Albuquerque, O
jogo da dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil, São Paulo:
Companhia das Letras, 2009.
40 FBN-CPM, O Bandeirante,São Paulo, de 1918, anno 1, n.3, p. 1.
41 FBN-CPM, "Questionário", Getulino, 13 de outubro de 1923, anno 1, n. 12, pp.
1-2, p. 1.
42 FBN-CPD, Presciliana Duarte de Almeida, "Duas Palavras", A Mensageira:
Frevista Literaria Dedicada À Mulher Brazileira, São Paulo, 15 de outubro de
1897, anno 1, n. 1, pp. 1-2, p. 1.
43 Álbum das Meninas, revista literária e educativa dedicada às jovens
brasileiras,São Paulo, 30 de abril de 1898, ano 1, n. 1, apud Ana Luiza
Martins, "Nova mulher...", p. 383.
44 Entre os anos 1890 e 1930, diferentes grupos dedicaram-se a pensar novas
representações para as mulheres, representações estas condizentes com a
modernidade e cosmopolitanismo. Para o Brasil, ver, dentre outros: Maria Martha
de Luna Freire, Mulheres, mães e médicos: discurso maternalista no Brasil, Rio
de Janeiro: Editora FGV, 2009 e Sueann Caulfield, Em defesa
da honra.Para os EUA, ver, por exemplo, o livro de Martha H. Patterson, The
American New Women Revisited: A Reader, 1894-1930, Rutgers: The State
University, 2008 e as seguintes discussõ es da imprensa negra
e judáica da época: John Adams Jr., "Rough Sketches: A Study of the Features of
the New Negro Women", The Voice of the Negro, v. 1, n. 8 (1904), pp. 323-26 e
Rev. Ella E. Bartlet, "The New Woman", American Jewess: A
Monthly Magazine of Social, Literary and Religious Subjects (1895), pp. 169-71. Debates similares na sociedade japonesa do período
entreguerras são apresentados por: Barbara Sato, The New Japanese Woman:
Modernity, Media and Women in Interwar Japan (Asia-Pacific: Culture, Politics
and Society, Durham: Duke University Press, 2003.
45 Uma reconstituição histórica das articulações entre gênero, corpo e raça na
produção de "imagens controladas" para as mulheres negras encontra-se em:
Patricia Hill Collins, The Black Feminist Thought: Knowledge, Consciousness,
and the Politics of Empowerment, Nova York e Londres: Routledge, 2009. [1ª ed.
2000] . Por meio das "imagens controladas", a autora considera
que retratar afro-americanas como mammies, matriarcas e amantes quentes
justifica a opressão da mulher negra nos EUA, portanto, para ela, romper com
tais "imagens", designadas para apresentar racismo, sexismo, pobreza e outras
formas de injustiça social como naturais, normais e inevitáveis, tem sido um
dos maiores objetivos do pensamento feminista negro. Ao trabalhar numa
perspectiva de história atlântica, seus apontamentos tornam-se úteis para
investigar as experiências de mulheres de cor no Brasil e nas Américas.
46 FBN-CPD, Presciliana Duarte de Almeida, "Duas Palavras", A mensageira, p. 1.
47 FBN-CPD, Presciliana Duarte de Almeida, "Duas Palavras", A mensageira, p. 1.
48 Júlia Lopes de Almeida, Jornadas do meu pai, Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1920, p. 215.
49 A respeito das escritoras da imprensa feminina no começo do século XX, ver
Maria de Lourdes Eleutério, Mulheres escritoras (Tese de Doutorado,
Universidade de São Paulo, 1985); Dulcília Buitoni, Mulheres
de papel. Representação de mulheres pela imprensa feminina brasileira, São
Paulo: Loyola, 1981.
50 O Ramilhete: órgão dedicado ao belo sexo.Este periódico foi fundado em 1901
na cidade de São Paulo e pertencia a Alfredo Durval e Silva e Antônio Correa.
Cf. Ana Martins, "Nova mulher", p. 376.
51 FBN-Obras Raras (doravante OR), "Como se faz uma revista. A propósito do
aniversário de Vida Doméstica", Vida Doméstica, Rio de Janeiro, mar. 1932, s/p.
52 FBN-OR, "A Sucursal de Vida Doméstica em São Paulo festejou o 33º
aniversário desta revista", Vida Doméstica, abr. 1953, p. 30.
53 FBN-CPM, "Será possível", coluna "Críticas", A Liberdade, São Paulo, 29/12/
1919, n. 10, p. 5.
54 FBN-CPM, Moysés Cintra, "As lavadeiras", O Clarim d'Alvorada, 27 de dezembro
de 1925, anno II, n. 17, p. 3.
55 Todos os jornais negros ressaltavam o trabalho como algo digno e
indispensável para o levantamento da raça negra, conforme explicitado por esta
citação: "trabalho é honra para nós todos e [para] quem saiba viver
honradamente". FBN-CPM, "Furto", A liberdade, São Paulo, 29 de dezembro de
1919, n. 10, p. 3.
56 Manoel de Oliveira Marcondes, "Sapato-Tenis", FBN-CPM, "Furto", A liberdade,
São Paulo, 29 de dezembro de 1919, n. 10, p. 2.
57 A respeito dos estereótipos destinados às mulheres negras ver: K. Sue
Jewell, From Mammy to Miss America and Beyond: Cultural Images and the Shaping
of US Social Policy, Londres / Nova York: Routledge, 1993.
58 Tal preocupação não ficou restrita à comunidade negra. Os debates sobre a
emergência da "nova mulher" tomaram conta do periodismo na virada do século XIX
para o XX, tanto no Brasil quanto nos EUA e no Japão. Ver a este respeito: Anna
Luiza Martins, "A produção de uma nova mulher: revistas femininas", Martha H
Patterson, The American New Women Revisited; Barbara Hamill Sato, The New
Japanese Woman.
59 FBN-CPM, "Leitoras", O Menelik, 17 de outubro de 1915, anno 1, n. 1, p. 1.
60 Para evitar confusões chamarei de "Leitoras" I a nota publicada na edição de
17 de outubro de 1915 e de "Leitoras" II, aquela presente no número 3 do
Menelik, publicado em 1º de janeiro de 1916.
61 FBN-CPM, "Salve! Salve! Salve 1916!", O Menelick, 1 de janeiro de 1916, anno
1, n. 3, p. 1.
62 Thales de Azevedo, As elites de cor numa cidade brasileira: um estudo sobre
a ascensão social e classes socais e grupo de prestígio, Salvador: EDUFBA,
1996.
63 Sobre "construções de domesticidade", gênero, raça e trabalho doméstico no
pós-emancipação no Brasil ver: Olívia Maria Gomes da Cunha, "Criadas para
servir: domesticidade, intimidade e retribuição", in Olívia Maria Gomes da
Cunha e Flávio dos Santos Gomes (orgs.), Quase-cidadão: histórias e
antropologias da pós-emancipação no Brasil(Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 2007), pp. 377-417.
64 FBN-CPM, Deocleciano Nascimento, Regosijo, O Menelick, 17 de outubro de
1915, anno 1, n. 1, p. 1.
65 Miriam Nicolau Ferrara, A imprensa negra paulista 1915-1963 (Dissertação de
Mestrado, Universidade de São Paulo, 1981); Elisa Larkin
Nascimento, O sortilégio da cor: identidade, raça e gênero no Brasil, São
Paulo: Sammus, 2003; José Geraldo Marques, "Imprensa e
resistência negra: o projeto integracionista em discursos do Getulino" (Tese de
Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, 2008), http://libdigi.unicamp.br/
document/?code=vtls000439486, acessado em: 06/11/2009.
66 Trabalhos que apresentam direções distintas de tal crítica encontram-se em:
Flávio dos Santos Gomes, Negros e política (1888-1937), Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2005; Ana Maria Fagundes e Flávio dos Santos Gomes,
"Por uma "anthologia dos negros modernos": notas sobre cultura política e
memória nas primeiras décadas republicanas", Revista Universidade Rural: Série
Ciências Humanas, v. 29, n. 2 (2007), pp. 72-88; Paulina
Alberto, Terms of Inclusion; Petrônio José Domingues, A nova abolição, São
Paulo: Selo Negro, 2008; Rodrigo Miranda, Um caminho de suor
e letras: a militância negra em Campinas e a construção de uma comunidade
imaginada nas páginas do Getulino (Campinas, 1923-1926) (Dissertação de
Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, 2005); Micol
Seigel, The point of comparison: Transnational Racial Construction, Brazil and
the United States, 1918-1933(Tese de Doutorado, New York University, 2001).
67 FBN-CPM, Deocleciano Nascimento, Regosijo, O Menelik, 17 de outubro de 1915,
anno 1, n. 1, p. 1.
68 Quanto ao papel dos oradores nos movimentos negros da época ver o depoimento
de Raul Joviano do Amaral, ex-tesoureiro da Frente Negra Brasileira. Miriam
Ferrara, A imprensa negra paulista 1915-1963 (Dissertação de Mestrado,
Universidade de São Paulo, 1981), p. 84.
69 Para um texto de época a respeito da trajetória de Vicente Ferreira no meio
negro, ver, dentre outros: Gervásio de Moraes, "Um idolo que fala", O Clarim
d'Alvorada, 4 de março de 1928, anno I, n. 2, p. 1.
70 FBN-CPM, A Voz da Raça, 20 de maio de 1933, anno 1, n. 3, p. 2.
71 Uma contribuição que faz exceção a esta regra está em Petrônio Domingues,
"Frentenegrinas: notas de um capítulo da participação feminina na história da
luta anti-racista no Brasil", Cadernos Pagu, v. 1, n. 28 (2007), pp. 345-74.
72 Ver dentre outras: Adriana Dantas Reis, Cora: lições de comportamento
feminino na Bahia do século XIX, Salvador: Centro de Estudos Baianos da UFBA,
2000.
73 Júlia Lopes de Almeida, Livros das donas e donzellas, Rio de Janeiro:
Francisco Alves e Cia, 1906, p. 1.
74 Rachel Soihet, "Comparando escritos: Júlia Lopes de Almeida e Carmem
Dolores", Caderno Espaço Feminino, Revista do Núcleo de Estudos de Gênero e
Pesquisa sobre a Mulher, v. 9, n. 10-1 (2001-2002), pp. 85-107.
75 Constância Lima Duarte, "O cânone literário e a autoria feminina", in Neuma
Aguiar (org.), Gênero e ciências humanas: desafio às ciências desde a
perspectiva das mulheres, Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997, pp. 85-94, p.
88.
76 FBN-CPM, D'eoclé, "Caixa-Balaio", O Menelik, 17 de outubro de 1915, anno 1,
n. 1, p. 3.
77 FBN-CPM, O Menelik, 1 de janeiro de 1916, anno 1, n. 3, p. 3.
78 Os recenseamentos de 1910 e 1930 não apresentaram dados sobre alfabetização.
Considerando uma população nacional de 41.236.000 habitantes (brancos ' 63,5%;
pardos ' 21,2%; pretos ' 14,6%; outros ' 0,7%), o Censo de 1940 indicou para os
brasileiros com idade superior a dez anos os seguintes índices de
alfabetizados: brancos - 52,8%; pardos - 29,3%; pretos - 20,9%, in George Reid
Andrews, "Racial Inequality in Brazil and the United States: A Statical
Comparison", Journal of Social History, v. 26, n. 2 (1992), pp. 229-63, p. 244. Cf. também "População Presente", Tabela Resultados dos
Recenseamentos Demográficos, 1872-1950, in O Brasil em números (Resultados dos
Recenseamentos Demográficos 1872-1950), Serviço Nacional de Recenseamento, p.
8. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/seculoxx/arquivos_pdf/populacao/1960/
populacao1960bn_02.pdf Acesso: 07/10/2011.
79 FBN-CPM, Duque, "Idéias Parafuzadas", O Menelik, 17 de outubro de 1915, anno
1, n. 1, p. 3.
80 Duque, "Idéias Parafuzadas", O Menelik, 17 de outubro de 1915, anno 1, n. 1,
p. 3.
81 Duque, "Idéias Parafuzadas", O Menelik, 17 de outubro de 1915, anno 1, n. 1,
p. 3.
82 A expressão "mocidade negra" aparece, dentre outras, em: FBN-CPM, Leite,
"Devemos fazer a nossa Sociedade Cooperadora para o Levantamento da Raça", O
Clarim d'Alvorada, 26 de julho de 1931, ano 8, n. 34, p. 1.
83 FBN-CPM, "Concurso de Belleza", O Menelick, 1 de janeiro de 1916, anno 1, n.
3, p. 4.
84 FBN-CPM, "Concurso de Belleza", O Menelick, 1 de janeiro de 1916, anno 1, n.
3, p. 4.
85 Francisco Júlio de Caldas Aulete, "moça", Caldas Aulete Digital - Dicionário
Contemporâneo da Língua Portuguesa, Lexikon, Editora Digital, 2007[1ª ed. 1881] .
86 Francisco Júlio de Caldas Aulete, "senhorita", Caldas Aulete Digital.
87 FBN-CPM, "Concurso de Belleza",O Menelick, 1 de janeiro de 1916 , anno 1, n.
3, p. 4.
88 Constância Duarte, "O cânone literário"
89 BN-CPM, Roque Cardoso Rosa, "Mãe", O Menelick, 1 de janeiro de 1916, anno 1,
n. 3, p. 2.