Concertação social, negociações coletivas e flexibilidade: o caso italiano
(1992-2002)
INTRODUÇÃO
A década de 90 marcou o ressurgimento das concertações sociais na Europa,
depois da fase de ostracismo e mesmo de declínio, em alguns casos, vivida pelos
arranjos neocorporativos ao longo dos anos 80. Esses novos pactos sociais, que
podemos denominar de segunda geração, surgiram em um quadro econômico e social
bastante diverso daquele em que vicejaram os acordos neocorporativos clássicos,
tendo se desenvolvido no bojo do processo de construção da união monetária
européia, simbolizada no Tratado de Maastricht de 1992 (Fajertag e Pochet,
2001).
No centro dessa negociação, encontra-se ainda a moderação das demandas
salariais, mas a contrapartida deixou de ser a expansão do Estado de Bem-Estar
Social como no passado1. Em algumas situações recentes de negociação, a moeda
de troca foi o saneamento das finanças públicas e o controle da inflação;
outras vezes, as expectativas de melhoria futura do emprego e a redução de
impostos sobre os salários mais baixos. Ao mesmo tempo, no caso da
flexibilidade e da proteção social, as negociações tenderam a privilegiar o
redimensionamento do campo da proteção e dos direitos sociais, a reorientação
do gasto social, a redistribuição das garantias em favor de novos trabalhadores
atípicos, segundo uma lógica de redistribuição de benefícios e não de sua
ampliação.
Este artigo tem dois propósitos principais: examinar, à luz do caso italiano,
as características da dinâmica e também os resultados das concertações sociais
de segunda geração. Do ponto de vista analítico, tais objetivos se subdividem,
de um lado, na reconstrução das principais características e dinâmica da
concertação social italiana; de outro, na avaliação das suas conseqüências no
que concerne à moderação das demandas salariais e à flexibilidade no novo
quadro institucional das negociações coletivas criado em 1993.
No que diz respeito à dinâmica e à agenda do pacto social italiano, é
importante distinguir dois momentos: antes e depois da unificação econômica
européia. No período 1993-1996, a ênfase da concertação foi posta no saneamento
das finanças públicas, no combate à inflação e na obtenção dos índices exigidos
por Maastricht (Negrelli, 2001). A natureza do consenso alcançado nesse período
foi peculiar, seja pelo caráter emergencial da situação econômica e política,
seja pela especificidade italiana de uma negociação triangular entre atores
fragilizados.
No período posterior ao êxito obtido com o saneamento econômico interno e a
entrada da Itália na zona do euro, houve uma inflexão na agenda da concertação
social, embora fossem mantidas as prescrições de controle da inflação, déficit
público reduzido etc. Na fase pós-euro, as condições econômicas e políticas nas
quais a concertação social operava se alteraram. Desaparece o cenário de
''crise iminente'', ''de urgência'', e os atores passam a enfrentar o desafio
de construir uma agenda e uma estratégia de crescimento e de geração de
emprego, agora em um espaço econômico supranacional unificado e com uma
arquitetura institucional fragmentada, na qual a definição das diretrizes
macroeconômicas é repartida entre, de um lado, os governos nacionais, Conselho
dos Ministros de Finanças dos Estados-Membros ' ECOFINS, e, de outro, o Banco
Central Europeu ' BCE.
Este trabalho está organizado em três partes. Na primeira, é feita uma
reconstrução da concertação social, da sua gênese em 1992 à sua crise em 2002,
tendo como referência seus objetivos, conteúdos e políticas adotadas. A ênfase
é colocada nas condições econômicas e políticas peculiares do seu surgimento,
assim como na evolução da sua agenda e em suas crescentes dificuldades na fase
de inflexão da concertação social em direção aos temas do desenvolvimento
econômico, da geração de emprego e da descentralização territorial.
Na segunda, busca-se fazer uma avaliação dos resultados obtidos pela
concertação tendo em vista a nova estrutura de negociação, examinando a
evolução da moderação das demandas salariais, da produtividade, da
competitividade e da difusão da flexibilidade no mercado de trabalho. A
hipótese sustentada é que a estrutura de negociação em dois níveis se mostrou
capaz de responder aos objetivos definidos pela negociação tripartite,
garantindo, ao mesmo tempo, a moderação das demandas salariais e a manutenção
do poder de compra dos salários sem pressionar as margens de lucro das empresas
e que, igualmente, a flexibilidade pôde ser pactuada de forma descentralizada,
atendendo às ''necessidades'' das empresas, exceção feita àquela relativa às
demissões.
Na terceira parte, discuto as visões do governo Berlusconi e das correntes
socialistas da coalizão de centro-esquerda sobre o papel da concertação social
no que se refere às questões da negociação coletiva, da reforma do mercado de
trabalho e da flexibilidade. Como procuro demonstrar, há uma importante
convergência de pontos de vista entre essas correntes políticas a despeito das
suas diferenças ideológicas, que se exprime sobretudo em relação a duas idéias:
de um lado, na hipótese de um certo esgotamento do ciclo virtuoso da negociação
tripartite centralizada; de outro, na necessidade de um reforço do papel
dirigente do governo em relação aos parceiros sociais apoiado nas diretivas
emanadas da Comissão Européia.
Nas considerações finais, sublinho alguns aspectos relevantes para o futuro da
estratégia de concertação social italiana. Ali, sustento que é preciso
distinguir, de um lado, os limites e desafios de natureza política nacional,
simbolizados pela quebra da unidade da ação sindical e, de outro, aqueles de
natureza econômica, associados em boa medida ao novo quadro institucional da
zona do euro, sobretudo à falta de coordenação entre as orientações do BCE e do
ECOFINS.
O estudo da experiência italiana é particularmente instigante já que a Itália é
considerada exemplo de uma ''desconcertante trajetória de macrocorporativismo''
(Regini, 1996), porque depois do fracasso da proposta de concertação em 1984,
passou a ser vista como um país onde não existiam as condições ou os pré-
requisitos considerados necessários para experimentos neocorporativos bem-
sucedidos. Ao contrário de casos típicos, como os da Áustria e países
escandinavos, a Itália historicamente exibiu como características marcantes um
sistema de representação de interesses fragmentado e em permanente competição e
um sistema de relações industriais pouco institucionalizado com forte tendência
à descentralização das negociações (idem, 1984).
Esse quadro sofreu uma reviravolta ao longo dos anos 90, quando quatro acordos
tripartites, em 1992, 1993, 1996 e 1998, foram firmados, marcando uma inflexão
nas tendências verificadas no período anterior. Graças a esse processo de
concertação foi possível incluir na agenda de negociação, em um primeiro
momento, a reforma do Estado de Bem-Estar italiano e a reorganização das
relações industriais. A abrangência da concertação foi se ampliando ao longo da
década, nucleando-se em quatro questões fundamentais: o controle da inflação, a
reorganização do sistema de negociações coletivas, a reforma do Estado de Bem-
Estar e a geração de novos postos de trabalho, incluindo-se aí os pactos
territoriais pelo emprego.
Para alguns autores (Carrieri, 1999; Regini, 1999), as concertações de segunda
geração não chegam a reverter as tendências à descentralização e à introdução
da flexibilidade. Na verdade, o que ocorre nos anos 90 é o reconhecimento de
fato desses dois fenômenos como princípios estruturais do novo referencial
hegemônico das relações industriais. A combinação desses dois princípios varia,
no caso das concertações, em função do jogo estratégico entre os atores
envolvidos, para adotar certas regras e impor, se possível, seus limites. Em
grande medida, como mostram vários analistas (Compston, 1998; 1999; Regini,
1999), os novos pactos distinguem-se em função de vários mix entre coordenação
centralizada e descentralização desregulada, entre flexibilidade descoordenada
e flexibilidade seletiva etc. Reconhecidos os critérios da descentralização e
da flexibilidade como normas que balizam as alternativas concretas, há
diferentes outcomes no plano nacional que combinam algum grau de coordenação
nacional com maior autonomia de negociação no plano das empresas.
O PRELÚDIO DA CONCERTAÇÃO: O GOVERNO AMATO E O FIM DA ESCALA MÓVEL
Embora não seja consensual entre os analistas, creio que podemos considerar que
o pacto social na Itália remonta ao acordo tripartite, firmado em 31 de julho
de 1992, entre o governo, a Confindustria e as três confederações sindicais. O
conteúdo básico do acordo consistiu na extinção da escala móvel de salários e
no congelamento das negociações salariais até dezembro de 1993.
Essa mudança brusca no quadro das negociações entre governo, entidades
sindicais e patronais ocorre em um contexto político, econômico e social muito
grave. Em termos econômicos, os números da inflação e do déficit público
apontam para um cenário de rápida deterioração. Vale recordar que, além da
profunda crise financeira do Estado, a lira sofre uma forte desvalorização e
sai, momentaneamente, do sistema monetário europeu. Como lembra Salvati (2000),
a gravidade da situação econômica foi, progressivamente, sendo percebida pelos
diferentes atores sociais, abrindo-se o caminho para a negociação de temas até
então considerados intocáveis, especialmente o da escala móvel.
Não menos complexa e difícil foi a crise política originada pela Operação Mãos
Limpas, cujo desfecho levou ao desaparecimento da I República e do sistema
partidário que governou o país desde 1948. Ao mesmo tempo, a constituição de um
governo formado por técnicos, fora do esquema tradicional do pentapartiti
comandado pela Democracia Cristã e pelo Partido Socialista, sem uma base
parlamentar de apoio sólida, foi outro elemento importante para a retomada da
concertação na Itália.
Do ponto de vista do governo, além da necessidade de construir uma legitimidade
ex post, o equacionamento dos problemas econômicos e a convergência em direção
aos parâmetros de Maastricht foram essenciais para seu grande empenho para
alcançar a concertação.
Também da parte da Confindustria, a negociação tripartite foi recebida como
algo favorável. Afinal, ela, não só fora atingida pelos escândalos da
Tangendopolis, como essa era a oportunidade de extinguir a escala móvel de
salários, proposta defendida pelos empresários desde o final dos anos 80.
Do lado das confederações sindicais, Confederazione Generale Italiana del
Lavoro ' CGIL, Confederazione Italiana Sindicati Lavoratori ' CISL e Unione
Italiana del Lavoro ' UIL, a concertação social foi percebida como a
possibilidade de recuperar sua capacidade de influência nas decisões da vida
italiana, em um momento de fragilidade institucional e de grandes desafios,
incluindo-se aí, além do déficit público e da inflação, as exigências de
convergência macroeconômica colocadas pelo Tratado de Maastricht.
A meu ver, parece indiscutível que o elemento fundamental para a superação do
impasse que perdurava há quase uma década foi a aceitação pelas confederações
sindicais da extinção da indexação automática dos salários, a escala móvel.
Em síntese, a concertação social no seu prelúdio nasce da convergência de
interesses entre o governo e os parceiros sociais, em um contexto político-
econômico grave, no qual a fragilidade dos atores sociais favorece a aceitação
da negociação.
Protocolo de 23 de Julho de 1993: O Pacto de Emergência
Apesar do acordo firmado em julho de 1992, pondo fim à escala móvel, a situação
econômica e política italiana deteriorou-se rapidamente. No front econômico, a
desindexação salarial não impediu que a economia vivenciasse, em setembro
daquele ano, um autêntico colapso financeiro, que implicou a saída temporária
da lira do sistema monetário europeu e sua desvalorização em 15%. Ao mesmo
tempo, a erosão definitiva do sistema político criado no pós-guerra, com o
aprofundamento das investigações da Operação Mãos Limpas, fez perdurar uma
situação de profunda instabilidade política, acompanhada por uma crise de
legitimidade que sacudiu o sistema político como um todo. Os quatro pontos
principais do chamado Protocolo de Julho de 1993 foram:
* a política salarial orientada à moderação;
* a reforma da estrutura das negociações coletivas, incluindo a do sistema
de representação sindical nas empresas;
* as políticas de emprego e do mercado de trabalho;
* as políticas e ações de estímulo ao sistema produtivo (à inovação
tecnológica, à educação, ao combate dos desequilíbrios regionais, à
melhoria da infra-estrutura, à promoção da demanda, tarifas etc.).
A urgência da situação econômica, o consenso dos parceiros sociais e o empenho
do governo em garantir a entrada da Itália na futura zona do euro definiram as
prioridades da política de concertação até a entrada em vigor da união
monetária. Basicamente, a moderação das demandas salariais, a reforma da
estrutura de negociação coletiva e a reforma da previdência social foram os
três temas prioritários da agenda. Outras tantas questões entraram na sua
composição, mas sem o mesmo caráter de urgência.
O novo modelo de concertação e de coordenação das negociações coletivas
introduziu uma política salarial apoiada em dois elementos: indexação à
inflação programada e consulta aos parceiros sociais duas vezes ao ano para
adequação entre as diretrizes de programação financeira do governo e os
parâmetros econômicos das negociações coletivas.
Quanto à nova política salarial, a indexação da escala móvel foi substituída
por um mecanismo que acoplou as negociações coletivas ao parâmetro da inflação
futura ou prevista, que passou a servir de base para avaliar as propostas de
aumento salarial. O segundo elemento estabeleceu um mecanismo de consulta entre
confederações e Confindustria com duas sessões de debates anuais: maio/junho e
setembro.
O primeiro encontro, que antecedeu à apresentação do documento de planejamento
econômico e financeiro do governo, teve como objetivo discutir elementos para a
elaboração da política orçamentária para o triênio, levando em conta a dinâmica
das despesas públicas, a taxa de inflação, o crescimento do PIB e do emprego.
Esse encontro serviu também para a troca de informações entre os parceiros
sociais e o governo antes da discussão pública da proposta orçamentária.
A segunda sessão, em setembro, ocorreu quando o Documento de Programação
Financeira estava prestes a se transformar em Lei Orçamentária. Neste artigo, o
objetivo é examinar quais medidas foram implementadas e verificar a coerência
do comportamento dos parceiros sociais nas negociações salariais tendo em vista
os parâmetros e as metas da Legge Finanziaria. Embora a política de renda seja
definida lançando-se mão de consultas e troca de informações, a decisão final é
de responsabilidade exclusiva do governo.
A reforma da estrutura de negociação coletiva e da representação sindical foi
também fruto do Protocolo de Julho de 1993, que criou as condições para a
substituição dos mecanismos informais vigentes e de uma série de níveis
fragmentados por um novo arranjo institucional baseado em dois níveis.
O primeiro diz respeito às convenções nacionais com validade de quatro anos em
termos normativos e dois anos em termos salariais. Os principais elementos são
o Conttrato Colletivo Nazionale di Lavoro ' CCNL, por setor ou ramo de
atividade, e os contratos territoriais ou por empresas. É nesse nível que os
parceiros sociais negociam as diretrizes gerais para orientar os acordos
descentralizados, levando em conta os parâmetros macroeconômicos discutidos com
o governo, como, por exemplo, as metas de inflação. É previsto um mecanismo de
''ajuste'' ex post nas situações em que há discrepância entre a inflação
prevista e a real; tal correção pode ocorrer quando há renovação do acordo
coletivo nacional a cada dois anos. Esse mecanismo contratual visava garantir
que a moderação das demandas salariais não implicasse perda do poder de compra
e contribuísse para o controle bem-sucedido da inflação (Ricciardi, 1999).
Ficou também estabelecido que os aumentos salariais na esfera das empresas
estariam relacionados à evolução da produtividade. É também nesse nível
centralizado, interconfederativo, que se negociam itens gerais de caráter comum
às categorias ' como as que regulamentam as condições de trabalho e as questões
redistributivas de um setor inteiro (por exemplo, metal-mecânico).
O segundo nível corresponde às negociações descentralizadas por empresa ou por
território, sendo esses acordos válidos também por quatro anos. Aqui a novidade
é que há uma agenda específica ao espaço das negociações descentralizadas
relativas tanto à parte variável dos salários em função da produtividade quanto
às questões não salariais ligadas às condições gerais de competitividade das
empresas.
Essa modalidade, que combina coordenação no plano nacional com graus
expressivos de descentralização, foi conceituada como ''descentralização
coordenada'' (Traxler, 1995). Dessa maneira, esse quadro de negociação coletiva
a partir do plano nacional institui, integra e institucionaliza a negociação
descentralizada que se desenvolveu nos anos 80.
A principal novidade do Protocolo de 1993 foi priorizar a reforma da estrutura
de negociação, em vez de centrar-se apenas na questão do custo do trabalho. A
nova estrutura em dois níveis, que deu considerável autonomia de negociação às
empresas, significou uma reversão da tendência dominante nos anos 80 de
descentralização sem coordenação das negociações coletivas.
O Protocolo de 1993 também incluiu importantes inovações no que tange à
representação sindical no âmbito das empresas. Mediante o acordo firmado entre
as três confederações sindicais ' CGIL, CISL e UIL ', foi reconhecida a
Rappresentanze Sindacali Unitarie ' RSU, que significou uma inovação na esfera
da representação sindical. Os membros da RSU passaram a ser escolhidos em
eleições, nas quais podiam candidatar-se tanto filiados como não filiados aos
sindicatos e confederações e votavam todos os trabalhadores inscritos ou não
nas confederações e nos sindicatos. A composição dos representantes da RSU era
de 2/3 de eleitos diretamente e 1/3 escolhido ou eleito pelas confederações
sindicais. Vale notar que, pela primeira vez, as regras de constituição da
representação sindical foram tratadas mediante um acordo entre as confederações
sindicais e a Confindustria.
Finalmente, o Protocolo previa a criação de instrumentos legislativos para
enfrentar os problemas oriundos da crise de emprego, principalmente entre os
jovens, trabalhadores de menor qualificação etc. Entretanto, a exemplo dos
temas ligados à competividade das empresas e às disparidades regionais, esses
tiveram uma implementação desigual ou mesmo ficaram em nítido retardo em
relação aos temas da moderação das demandas salariais e da reforma da estrutura
de negociação coletiva.
O Pacto pelo Trabalho: 1996
A prioridade concedida no governo Dini aos temas da moderação das demandas
salariais, do controle da inflação, do combate ao déficit público, incluindo-se
aí a reforma da previdência, deixou em plano secundário aqueles do emprego e da
reforma do mercado de trabalho. A questão do emprego só foi tratada de maneira
ampla e sistemática em 1996, quando da assinatura do Pacto pelo Trabalho. Do
ponto de vista do seu conteúdo, o Pacto pelo Trabalho contemplava quatro temas
principais:
* programas de treinamento;
* medidas de flexibilização do mercado de trabalho e do emprego;
* promoção de emprego para os jovens;
* incentivo à concertação descentralizada e aos contratos de área ou
territoriais.
Os programas de treinamento representavam o compromisso do governo e dos
parceiros sociais com a reforma do sistema educacional, visando integrar a
educação formal e a vocacional, aproximando a instrução formal e o trabalho.
Particularmente, os job stages eram considerados prioritários. A formação
profissional e o trabalho eram tidos como elementos cruciais para assegurar um
acesso mais rápido e fácil dos jovens ao mercado de trabalho.
No caso da flexibilização, destacam-se a introdução das agências de
intermediação de mão-de-obra temporária, a reorganização e a redução negociadas
da jornada de trabalho e a criação do banco de horas.
A promoção de emprego para os jovens era incentivada pela criação de um
instrumento chamado ''bolsa-trabalho'', cujo público-alvo eram pessoas
desempregadas há pelo menos trinta meses, entre 21 e 32 anos, residentes em
zonas com altas taxas de desemprego. A expectativa era de que esse tipo de
mecanismo estimulasse as pequenas e médias empresas a recrutarem trabalhadores
jovens. Adicionalmente, havia incentivos financeiros a empresas que
transformassem a bolsa-trabalho em um contrato de trabalho permanente.
Finalmente, os contratos de área visavam promover novos investimentos em
regiões menos desenvolvidas e com taxas elevadas de desemprego, por exemplo, no
mezzogiorno. Eles podiam ser firmados pelas autoridades locais, sindicatos,
organizações patronais, empresas, bancos ou mesmo outros atores interessados.
Esses contratos contemplavam financiamentos ad hoc para projetos específicos e
estavam sob a responsabilidade de uma agência de promoção do desenvolvimento
local.
A exemplo de outros países europeus, as medidas contidas no ''Pacote Treu''
(Lei 196/972, aprovada pelo parlamento italiano em 1998) para a reforma do
mercado de trabalho italiano têm uma clara inspiração nas diretrizes européias
e, especialmente, no Livre Blanc sur La Croissance, Compétitivité, Emploi
(Commissión des Communautés Européennes, 1993).
O ''Pacote Treu'' retoma vários pontos negociados no Pacto pelo Trabalho e
propõe-se a estimular políticas ativas de emprego e, ao mesmo tempo, modificar
aquelas ditas passivas. Quanto às primeiras, as principais medidas do Pacote
Treu foram: a introdução do trabalho temporário3 e do contrato por tempo
determinado; o incentivo à flexibilidade do horário de trabalho e à adoção do
part time; medidas de estímulo à inserção dos jovens ' bolsa de trabalho,
formação profissional, estágios e aprendizado. Além disso, a nova Lei acenava
com a ''racionalização'' e a modificação dos instrumentos tradicionais
utilizados pelos trabalhadores adultos desempregados '
cassa integrazione
, prepensionamenti4; com a formação profissional contínua e integrada escola/
trabalho5; além do reordenamento da legislação sobre o trabalho socialmente
útil e de novas regras para facilitar a constituição de sociedades mistas
(Caravella, 1998).
A maior novidade da Lei 196/97 foi a introdução do trabalho temporário, que
significou a possibilidade de se trabalhar em uma empresa por tempo
determinado, depois de ser recrutado por uma agência de emprego privada
(empresa fornecedora), com a qual se estabelece um vínculo formal de emprego.
As agências de emprego são, para efeitos da legislação, fornecedoras de
prestadores de serviços profissionais. Essa modalidade de emprego envolve uma
relação triangular, fundada em dois contratos distintos: aquele de fornecimento
de trabalho temporário, assinado entre a agência e a empresa demandante, e o
contrato de trabalho propriamente dito entre agência, empresa contratante e o
trabalhador, no qual a relação entre trabalhador e empresa demandante não tem
autonomia contratual.
Em linhas gerais, esse novo acordo tripartite introduziu um mix de medidas
favoráveis à flexibilização do acesso ao mercado de trabalho (principalmente ao
trabalho temporário) e de incentivos à formação profissional dos trabalhadores
e à renovação tecnológica das empresas. Ao mesmo tempo, houve tímidos avanços
para a redução da jornada de trabalho e para a ampliação das linhas de
financiamento visando a geração de emprego em áreas de maior incidência de
desempregados (Ricciardi, 1999).
O Pacto de Natal: A Inflexão Incompleta
Na última fase da concertação social, sob um governo de centro-esquerda, foi
assinado o chamado Pacto de Natal de dezembro de 1998. O ponto essencial da
nova proposta de concertação apresentada pelo governo, por via do ministro das
Finanças Azelio Ciampi e do Trabalho Tiziano Treu, era promover uma inflexão
nos objetivos da concertação: daqueles ligados à estabilidade para os do
crescimento econômico e do emprego. O governo propunha uma negociação fundada
no compromisso dos empresários de aumentar a taxa de investimento, mantendo a
rentabilidade estável, ensejando assim o aumento do emprego, em troca da
aceitação pelos sindicatos de uma maior flexibilização nas relações
trabalhistas (Censis, 1999).
Firmado em 22 de dezembro de 1998, o Pacto de Natal, em suas diretrizes
básicas, retomava as propostas contidas em um documento escrito pelo ministro
Treu (Documento Treu, 1998). O novo pacto estava ancorado em quatro pontos
principais: método da concertação, procedimentos institucionais para a
descentralização da concertação, desenvolvimento econômico e aumento do
emprego.
Quanto ao método da concertação, o governo propunha dar maior peso à consulta
de maio/junho quando da discussão do Documento de Programação Econômico-
Financeira ' DPEF, assim como mudar o modo de cálculo da inflação futura,
considerando a inflação média vigente na comunidade européia.
Do ponto de vista institucional, além de preservar as regras e as respectivas
atribuições de cada nível da negociação coletiva, a concertação foi estendida à
esfera territorial, com os protocolos entre as regiões e as municipalidades
seguindo de perto as orientações comunitárias. O Pacto de Natal sugeria uma
estrutura de negociação complexa e aberta que, ao incorporar os atores
territoriais, internalizava a problemática federativa e apontava para um
movimento de descentralização da própria concertação.
O estímulo ao desenvolvimento econômico e à geração de empregos viria da
consolidação das relações entre as políticas macroeconômicas e as políticas
para o mercado de trabalho e geração de emprego, e do reforço das negociações
entre os parceiros sociais sobre as políticas de renda tanto no nível
centralizado quanto descentralizado.
No que se refere ao tema do emprego, o governo destacou a questão da formação
profissional, o Pacto de Natal subentendia a formação obrigatória até os 18
anos, envolvendo estágios e aprendizado, de acordo com a Lei 196/97, e previa a
constituição do Fondo Interprofessionale per la Formazione Continua. Diversos
mecanismos foram apresentados para permitir ao trabalhador usar 150 horas de
seu banco de horas anuais para atividades de formação profissional.
O Pacto de Natal pode ser interpretado como uma tentativa do governo de centro-
esquerda de Massimo D'Alema de conciliar os imperativos do rigor econômico com
os do desenvolvimento e crescimento do emprego (Carrieri, 2002).
As propostas do Pacto de Natal enfrentaram sérios déficits de implementação,
associados à falta de capacidade administrativa (Bordogna e Pedersini, 2000) e
a razões políticas e ideológicas (Treu, 2001). A ampliação do número de atores
incluídos no Pacto de Natal aumentou a complexidade das decisões e a
heterogeneidade dos interesses a serem geridos, sobretudo aqueles no âmbito dos
entes subnacionais. Os contratos de área e os investimentos em infra-estrutura,
em particular, foram afetados por esse déficit operativo da concertação social.
A essas dificuldades foi se somando a própria redução gradativa do envolvimento
dos grandes fiadores do Pacto de Natal (Salvati, 2000). Cabe lembrar que, ainda
durante o governo de centro-esquerda, os analistas (Regini, 2000; Ricciardi,
1999; Carrieri, 1999) concordavam que a experiência de concertação ainda estava
distante de sua consolidação. Entre os vários fatores que poderiam influenciar
decisivamente seu futuro, dois pareciam especialmente importantes: a evolução
do sistema político e a capacidade de os atores sociais responderem com sucesso
ao grande desafio de dar soluções positivas ao desemprego, sobretudo àquele que
atingia os jovens.
Mera ritualização do Protocolo de 1993, como afirma Salvati (2000), ou uma
tentativa ambiciosa, demasiadamente inclusiva do ponto de vista social, mas
ainda assim incapaz de incorporar os novos atores do mundo do trabalho em
mutação e carente de capacidade de implementação como sugere Carrieri (2002), o
desfecho do Pacto de Natal confunde-se com o declínio da coalizão de centro-
esquerda e a volta da direita ao poder menos de três anos após a sua
assinatura.
Das Dificuldades do Pacto de Natal à Crise e Ruptura do Pacto pela Itália
Esse cenário de crescentes dificuldades no frontda concertação foi reforçado
pela vitória da coalizão de centro-direita denominada Casa della Libertá, que
abriga um conjunto de forças relativamente heterogêneo ' de representantes do
capitalismo financeiro como Silvio Berlusconi, aos líderes do partido
neofascista Gianfranco Fini e da Liga Lombarda Umberto Bossi ', no pleito de 13
de maio de 2001, que derrotou o candidato de centro-esquerda Ulivo Rutelli.
Após a posse do governo, as estratégias das confederações sindicais revelaram-
se contrastantes e contraditórias. De um lado, a CISL e a UIL defenderam o
diálogo social como forma de evitar a marginalização dos trabalhadores das
decisões sobre temas de interesse do mundo do trabalho e reiteraram a
importância de mostrar à sociedade que as confederações eram parceiras sociais
responsáveis. Segundo o secretário da CISL Savino Pezzota, o dilema das
confederações era: mostrarem-se interlocutoras relevantes ou ficarem confinadas
a uma posição que minimizava seu papel (Il Sole 24 Ore, 6/7/2001). De outro, a
CGIL discordava dessa posição, afirmando ser o projeto político do governo
Berlusconi, no essencial, anti-social e anti-sindical com fortes laços com as
propostas defendidas pela Confindustria. Sergio Cofferati, secretário da CGIL à
época, acusou o governo de adotar uma estratégia política visando isolar e
excluir a CGIL das negociações.
Depois de quase dez anos, a estratégia de ação conjunta entre as confederações
sindicais foi abandonada. O acordo assinado em separado pela CISL e a UIL,
quando da convenção coletiva do setor metalúrgico, e a transposição ao direito
italiano das diretivas européias relativas ao trabalho por tempo determinado
marcaram a ruptura da unidade interconfederativa.
É nesse quadro de fortes divergências e disputas entre as confederações
sindicais que o governo Berlusconi propôs a reforma do mercado de trabalho.
Apesar de ser um tema muito complexo, por razões de espaço vou tratá-lo de
maneira bastante específica, dando alguns exemplos dos possíveis efeitos da
reforma acenada pelo governo sobre a dinâmica das negociações entre os
parceiros sociais e o seu conteúdo mais geral.
De acordo com o que vimos acima, seria ingenuidade atribuir à ascensão da
coalizão de centro-direita o reinício das hostilidades entre governo e algumas
das confederações sindicais, especialmente a CGIL. Porém, inegavelmente, a
decisão do governo sobre encetar medidas concretas de reforma do mercado de
trabalho mediante a modificação do artigo 18 do Statuto dei Lavoratori serviu
de estopim para um conflito intersindical e político só equivalente à ruptura
de San Valentino em 1984.
No centro das divergências entre as confederações sindicais sobre o Libro
Bianco(Libro Bianco/Ministero del Lavoro e delle Politiche Sociali, 2001) da
reforma do mercado de trabalho estavam diferentes interpretações de suas
implicações. Para a CGIL, a proposta de reforma teria uma lógica de estímulo à
individualização das relações salariais em detrimento do caráter coletivo da
regulação e da própria representação confederativa. Diversamente, a CISL
considerava que a proposta governamental tinha pontos positivos que poderiam
melhorar as possibilidades de obtenção de emprego daqueles que estavam
desempregados.
A proposta de reforma anunciada pelo governo, em novembro de 2001, dizia
respeito não só ao mercado de trabalho, mas também ao sistema de aposentadorias
e à tributação. O projeto do governo sugeria, fazendo eco às reivindicações da
Confindustria, a redução dos custos do trabalho, ou seja, uma diminuição entre
3 e 5 pontos percentuais das contribuições sociais do regime de aposentadoria
pagas pelos trabalhadores com contratos por tempo indeterminado admitidos a
partir da aprovação da lei. Essa proposta foi criticada pelas três
confederações sindicais, que interpretaram tal redução como uma penalização
tanto das gerações mais jovens devido à possibilidade de redução de suas
pensões como das pessoas mais velhas, que teriam seus direitos sociais
ameaçados. As confederações sindicais manifestaram temor também ao risco de
novas distorções no mercado de trabalho em função da coexistência de diferentes
custos da mão-de-obra para uma mesma modalidade de contrato de trabalho.
Acolhendo as reivindicações da Confindustria por uma maior flexibilidade do
mercado de trabalho, o governo propôs a suspensão por quatro anos do artigo 18
do Statuto dei Lavoratori, que garante a reintegração pela Justiça do Trabalho
dos trabalhadores demitidos sem justa causa. Para a Confindustria, esse artigo
enrijeceria as relações trabalhistas e criaria privilégios para os
trabalhadores. As confederações sindicais, no entanto, contestaram tais
críticas, uma vez que o artigo 18 era uma barreira real à arbitrariedade
patronal e sua revogação implicaria um retrocesso em termos das relações
capital/trabalho.
As confederações sindicais, sob o lema ''No artigo não se toca'', mobilizaram-
se para enfrentar a tentativa de reforma pretendida pelo governo. Depois de
vencerem o ceticismo e, principalmente, as resistências da CISL e da UIL, elas,
sob a liderança da CGIL, realizaram com inegável êxito uma greve geral de 8
horas em defesa do artigo 18, no dia 1o de abril de 2002. Em Roma, a
manifestação reuniu cerca de 3 milhões de pessoas. Pela primeira vez, desde
1982, as confederações sindicais realizaram uma greve geral no país.
Apesar do sucesso da greve geral, as divergências entre as confederações
sindicais não diminuíram e tampouco o governo desistiu de levar adiante sua
estratégia de reforma. A resposta deste último veio pelos ministros da Economia
Giulio Tremonti e do Trabalho Roberto Maroni, que definiram a atitude do
secretário da CGIL como sendo de ''pura contestação'' movida por interesses
políticos ''pessoais''.
O frontpatronal também tornou claras suas divergências. De um lado, a posição
da presidência da Confindustria representativa dos interesses das pequenas e
médias empresas; de outro, aquela ligada ao comércio e aos grandes empresários
do norte do país. Essas divergências se explicitaram no caso do artigo 18: de
um lado, a posição do presidente D'Amato alinhada com a estratégia e as
propostas do governo; de outro, a de Sergio Billè, presidente da Confcommercio,
associação patronal do comércio, a do advogado Agnelli, sócio majoritário da
FIAT, e a do diretor da Pirelli, defendendo o retorno do diálogo social (Hege,
2002a).
De maneira emblemática, o ministro do Trabalho e da Política Social, Roberto
Maroni, declarou, ainda em outubro de 2001, que a concertação social seria
substituída pelo diálogo social. ''Basta com o rito da concertação. Nós
propomos o método do diálogo social, um método que é seguramente menos
ritualístico que aquele da concertação. Esta se tinha tornado, na verdade, um
rito litúrgico pouco eficaz e pouco concreto'' (Corriere della Sera, 3/10/
2001).
A ruptura definitiva da unidade sindical e a ofensiva do governo e da
Confindustria decretaram o abandono da concertação social. Porém, isto não
significou o retorno imediato a uma lógica de ação unilateral da parte do
governo, pois este se mostrou disposto a ouvir os sindicatos e a Confindustria,
reservando-se todavia o direito de tomar decisões respaldado na legitimidade
obtida nas urnas.
Dentro dessa lógica política, o governo negociou com a CISL, a UIL e a
Confindustria
6 algumas modificações no projeto inicial. A proposta de suspensão por três
anos do artigo 18 seria aplicada às empresas com mais de quinze empregados e
àquelas que contratassem trabalhadores em regime de part time ou em contratos
de formação no trabalho. Ao final do terceiro ano, os parceiros sociais fariam
uma avaliação dos resultados em termos de gestão do emprego. A principal
concessão feita pelo governo Berlusconi foi abandonar a proposta de suspender o
artigo 18 no caso da transformação do CDD em CDI (Hege, 2002b).
A propósito do ''seguro-desemprego'', o governo Berlusconi, igualmente, recuou
em relação às suas intenções iniciais. Assim, ele aceitou estender de seis para
doze meses a duração do seguro-desemprego e também elevar, durante um semestre,
o percentual de indenização inicialmente proposto em 40% do último salário para
60%, que posteriormente se reduziria, respectivamente, para 40% e 30%.
De acordo com as orientações do Libro Bianco, foram integrados elementos das
chamadas políticas ativas para o mercado de trabalho: de um lado, aqueles
ligados a benefícios monetários; de outro, para assegurar um certo equilíbrio
entre direitos e deveres dos desempregados. Assim, o pagamento do seguro-
desemprego teria como contrapartida a participação obrigatória dos
beneficiários nos programas de formação profissional. Pela nova proposta, a
reorganização dos serviços de intermediação de mão-de-obra passaria a permitir
a participação de empresas privadas em tais serviços (idem).
No plano fiscal, o Pacto pela Itália prevê uma redução da carga fiscal
incidente sobre os baixos salários e sobre as pequenas e médias empresas. Para
2003, essa redução de arrecadação é estimada em 5,5 bilhões de euros. Esse
Pacto prevê ainda a concessão de recursos financeiros para o mezzogiorno. A Lei
Financeira de 2003 estima que 30% dos investimentos nas regiões meridionais
serão destinados aos serviços públicos.
Assim, no início de julho de 2002, o governo, a Confindustria e duas das três
confederações, CISL e UIL, assinaram um acordo batizado de Pacto pela Itália,
selando a exclusão da CGIL, o qual prevê a modificação do artigo 18, a redução
gradual do benefício do seguro-desemprego, a redução da taxação para os que
ganham até 25 mil euros anuais e a manutenção das alíquotas para os demais. O
governo prometeu a geração de empregos a médio prazo em troca da reforma do
mercado de trabalho e da redução das contribuições sociais. Esse acordo foi
recebido com ceticismo pela CGIL, por boa parte dos formadores de opinião e por
amplos setores ligados às correntes de centro-esquerda (Il Sole 24 ORE, 10/7/
2002).
NEGOCIAÇÃO COLETIVA E FLEXIBILIDADE: ELEMENTOS PARA UMA AVALIAÇÃO
São relativamente escassas as tentativas de avaliação dos resultados obtidos
pela concertação social apoiadas em análises empíricas consistentes. Em grande
medida, a politização crescente do debate italiano sobre os temas da
concertação social, flexibilidade do mercado de trabalho e da reforma das leis
de proteção social, depois da ascensão da coalizão de direita ao poder, tem
deixado um pouco à sombra esse tipo de exercício. Tal situação produz o efeito
negativo de induzir a uma interpretação excessivamente simplista, que atribui
ao fundamentalismo liberal de direita e ao caráter anti-sindical do governo
Berlusconi a origem de todos os males da concertação social.
Assim, para evitar essa armadilha, optei por fazer uma avaliação do legado da
concertação social. Para tanto, escolhi dois conjuntos de temas centrais no
debate italiano sobre a experiência de concertação social: de uma parte, a
dinâmica salarial, a produtividade e a competitividade; de outra, o mercado de
trabalho, a contratação descentralizada e a flexibilidade.
Como procurarei demonstrar, ao contrário do que se apregoa freqüentemente, os
problemas de competitividade e produtividade não estão ligados à pressão
salarial ou mesmo à rigidez institucional da estrutura de negociação criada em
1993. Por outro lado, as formas contratuais flexíveis no mercado de trabalho
não têm sido freadas pela estrutura de negociação criada em 1993, exceção feita
à flexibilidade de saída, relativa às demissões, objeto de forte polêmica
recentemente. Ao mesmo tempo, a Lei 196/97 de reforma do mercado de trabalho
estimulou a introdução dos contratos temporários, que, no entanto, se
difundiram principalmente nas áreas com taxas de desemprego baixas (nas áreas
metropolitanas do norte e do centro-oeste).
Redistribuição Salarial, Produtividade e Competitividade na Experiência
Italiana de Concertação Social
O esforço de conhecer de maneira mais sistemática a relação entre concertação
social e a evolução dessas três dimensões parece justificar-se quer pela ênfase
dada à competitividade desses arranjos (Rhodes, 2001) quer pela recorrente
insatisfação expressa pelos empresários e por vezes pelos governos com o
estágio ou capacidade de competição dos diferentes países. Essa insatisfação
tem servido, inclusive, de justificativa para se apoiar propostas de abandono
do método da concertação social em favor do denominado diálogo social, como
exemplifica a postura do governo Berlusconi.
Negociação coletiva, moderação das demandas salariais e dinâmica salarial
No caso da experiência italiana, uma análise sobre a evolução dos salários e da
produtividade significa, também, uma avaliação da capacidade de adaptação da
nova estrutura de negociação coletiva em dois níveis, criada a partir do
Protocolo de 1993. É particularmente interessante cotejar as conclusões dos
estudos empíricos com as interpretações negativas presentes no debate sobre os
resultados da concertação social.
Da leitura dos trabalhos de avaliação dos resultados obtidos a partir de 1993,
é possível extrair algumas características marcantes da evolução da dinâmica
salarial e sua relação com a produtividade na economia italiana, tendo como
pano de fundo a situação européia. A primeira delas é que houve uma relativa
manutenção do poder de compra dos salários7, considerando-se o período no seu
conjunto, embora a recuperação tenha ocorrido na fase de crescimento econômico,
depois de 1997.
Entre 1993 e 1996, a principal característica foi a contribuição da moderação
das demandas salariais para o controle da inflação e do déficit público.
Certamente, o resultado mais convincente foi a redução da taxa de inflação, que
passou de uma média de 15% (1975-1986) para 4% (1996). Por outro lado, a
participação dos salários na renda nacional também recuou, tendo havido uma
perda de mais de 5 pontos percentuais entre 1991 e 1995, a qual não foi
compensada totalmente pela modesta recuperação posterior (inferior a 1% do PIB
entre 1996-1997). Essa redução da participação dos salários na renda nacional
pode ser explicada não só por uma possível redução do número de empregados, mas
também pela mudança na composição do emprego em favor do setor de baixos
salários (D'Aloia e Broglia, 2001).
Portanto, no período entre 1993 e 1996, os efeitos associados à estratégia de
concertação social foram heterogêneos. De um lado, a redução expressiva da
inflação e do déficit público e a manutenção do poder de compra, mesmo com a
moderação das demandas salariais, podem ser consideradas positivas. De outro,
os custos também foram elevados, sobretudo para a obtenção das metas
estipuladas no plano macroeconômico. O nível de emprego caiu 0,8% ao ano entre
1990 e 1995, correspondendo à perda de mais de 1 milhão de empregos, ao mesmo
tempo que a taxa de desemprego passou de 8,8% em 1991 para 12,5% em 1996-98.
Esse quadro sofreu modificações a partir de 1997, quando se deu a retomada do
crescimento das economias européias. Entre 1997-1999 houve uma recuperação da
remuneração bruta ou real8 no setor industrial no sentido estrito9 (ver Gráfico
1). Essa situação voltou a deteriorar-se em 2000 e 2001 com a volta da
inflação. A retomada da pressão inflacionária explicitou que, em um contexto de
baixa inflação e de ausência de mecanismos de indexação dos salários, qualquer
elevação dos preços tem efeitos negativos consideráveis sobre o poder de compra
dos salários.
Na avaliação de Birindelli et alii (2001), a estrutura de negociação coletiva
concertada em dois níveis, com expressivo peso das decisões descentralizadas,
demonstrou ter capacidade de adaptação suficiente para equacionar as diferenças
específicas dos ramos industriais e das empresas. Ao mesmo tempo, essa
adaptabilidade garantiu a manutenção de um ambiente de baixo conflito
redistributivo, mesmo em um período marcado pelo crescimento bem menor dos
salários em relação aos ganhos de produtividade. Assim, enquanto a remuneração
real dos salários cresceu 3,5 pontos percentuais entre 1993 e 2000, a
produtividade aumentou 15 pontos percentuais.
Em termos comparativos, entre 1995 e 1999, apesar da discrepância entre os
dados da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico ' OCDE,
Statistical Office of the European Communities ' Eurostat e Banca di Italia, as
evidências disponíveis indicam que a produtividade real cresceu menos na Itália
do que em outros países, como, por exemplo, França e Alemanha (Gráfico_2). Em
comparação à Alemanha, a diferença é de 2,4 pontos percentuais entre 1993-1999.
Do mesmo modo, a remuneração real foi menor na Itália do que na França e na
Alemanha, quer na mensuração feita pelo Eurostat quer na da OCDE (Gráficos_1 e
2). Vale notar ainda que, nos três países, o salário real ficou abaixo da
produtividade por empregado (D'Aloia, 2002).
Custo do Trabalho, Produtividade e Competitividade
Apesar de a renda e o custo do trabalho por empregado crescerem menos que a
produtividade, permitindo uma queda geral dos custos unitários do trabalho,
paradoxalmente, esses efeitos ''positivos'' não se refletiram em uma elevação
da taxa de investimento como percentual do PIB. Ao contrário, houve uma gradual
diminuição dos investimentos.
Do ponto de vista da competitividade, uma importante conclusão do trabalho de
Birindelli et alii (2001) é que a estrutura de negociação coletiva criada em
1993 não criou pressões seja sobre os preços seja sobre as margens de lucro das
empresas. A esse respeito, a evolução da economia italiana confrontada com
aquela européia confirmaria essa interpretação. Ao contrário do que declaram a
Confindustria e a Banca di Italia, a perda de competitividade entre 1996-1999
deveu-se à diminuição do ritmo de atividade econômica, preço pago pela redução
do déficit público e da inflação, e não à dinâmica redistributiva e ao custo do
trabalho.
Mercado de Trabalho, Contratação Descentralizada e Flexibilidade
A situação italiana confrontada com tendências européias mostra um peso ainda
pequeno das modalidades de trabalho atípicas. Em termos das participações
relativas do part time e do trabalho temporário no conjunto do emprego, a
Itália exibe índices bem abaixo dos encontrados na Holanda, Irlanda e França.
Enquanto na Holanda, em 2001, o part time foi responsável por 42% do total de
novos empregos, na Itália esse número foi de apenas 8,4%, o mesmo valendo para
a França, onde o peso dessa modalidade de trabalho era modesto. Também no caso
do trabalho temporário, a Itália apresentava um peso menor do que a Holanda e a
França.
Há um acordo relativo entre os analistas sobre as principais características do
mercado de trabalho italiano. Grosso modo, este é tipificado: por uma taxa de
ocupação abaixo da média européia, enquanto esta era de 69,2%, em 2001, a
italiana era de 60,4%; por uma taxa de participação dos jovens e das mulheres
igualmente inferior à média européia; por fortes desequilíbrios territoriais do
mercado de trabalho. Enquanto no caso das mulheres a situação sofreu uma
melhoria no período 1993-2000, graças ao aumento da sua taxa de participação de
41,9% para 47,3%, os desequilíbrios entre o norte e o mezzogiorno acentuaram-
se.
Diante dessa situação, fiel às orientações comunitárias, o governo italiano
procurou, como vimos anteriormente, por intermédio da Lei 196/97, incentivar o
aumento da taxa de ocupação global, estimulando principalmente uma maior
inserção da força de trabalho feminina e dos jovens e uma redução dos
desequilíbrios territoriais, introduzindo mecanismos de difusão de formas
flexíveis de trabalho.
Passados pouco mais de três anos, a nova legislação sobre o mercado de trabalho
parece ter produzido resultados, todavia nem sempre corroborando as
expectativas dos legisladores e da análise teórica da OCDE (2002). Ao mesmo
tempo, como mostram vários estudos da evolução das negociações
descentralizadas, o dinamismo da flexibilidade negociada nesse âmbito contrasta
com as fortes divergências sobre o tema existentes no plano da negociação
nacional. Por último, cabe lembrar que a flexibilidade funcional, em
particular, é ''velho tema'' das negociações descentralizadas desde o final dos
anos 80.
Feitas essas ponderações, vejamos como evoluíram, em linhas gerais, o emprego e
as formas atípicas de trabalho entre 1997 e 2001. Vários estudos (Censis, 1999;
2000; ISTAT, 1999; 2001; Altieri e Oteri, 2002) indicam a presença mais forte
de algumas tendências associadas ao chamado novo cenário do mundo do trabalho:
aumento da inserção produtiva das mulheres, aumento dos trabalhos temporário,
part time e autônomo. Essa observação parece confirmada pelo inegável
crescimento das formas atípicas ou flexíveis entre 1996 e 2000. Segundo
Relatório do Istituto Nazionale di Statistica ' ISTAT, entre 1996-2000, houve
um crescimento muito maior das formas atípicas em relação àquela padrão: o
trabalho atípico cresceu 40,5%, e o padrão, 7%.
Esses dados parecem indicar uma tendência crescente à heterogeneidade dos
contratos de trabalho no universo do chamado lavoro dipendenti, ou seja, do
trabalho assalariado. Entretanto, é necessário avaliar com prudência as cifras
por causa das diferentes definições de trabalho atípico.
Não obstante esse aumento das formas atípicas, a trajetória da ocupação entre
janeiro de 2001 e janeiro de 2002 mostra uma surpreendente mudança. Nesse
período, o crescimento do emprego foi sustentado pelo setor terciário, mas o
mais extraordinário é que a quase totalidade dos novos contratos foi feita por
tempo indeterminado, pleno e part time. O emprego por tempo indeterminado
cresceu 9%, enquanto o a tempo pleno 2%. Paralelamente, apesar da ampliação das
situações de uso dos contratos temporários pelo governo Berlusconi, os
contratos por tempo determinado cresceram modestos 0,6%, enquanto os part time
tiveram um recuo de 8,3%.
Na verdade, diante desse processo fluido, é difícil identificar tendências
consistentes no que se refere ao desenvolvimento de formas atípicas e flexíveis
de trabalho. De todo modo, parece legítimo afirmar que os dados disponíveis não
corroboram as interpretações que sustentam a existência de uma inclinação
irresistível às formas flexíveis de trabalho (Altieri e Oteri, 2002; Regalia,
2000). Tampouco a evolução recente do emprego valida a hipótese do crescimento
sem emprego (Esping-Andersen, 1996). Apesar das taxas de crescimento modestas
da economia italiana, houve um aumento expressivo do emprego, tendo a taxa de
desemprego caído de 11,4% (1999) para 9,2% (2001).
O recente Relatório de pesquisa ''Il Lavoro Atipico in Italia: Le Tendenze del
2001'' (Altieri e Oteri, 2002) fornece elementos para uma apreciação
qualificada dos dados gerais sobre a evolução agregada do emprego atípico e
flexível.
No que concerne ao trabalho temporário, verifica-se uma situação bastante
complexa. Em primeiro lugar, a incidência deste é ainda modesta, considerando-
se as outras formas de trabalho atípicas e a situação de outros países
europeus. Em 2001, ele representava apenas 0,3% do total do emprego, número
abaixo da média européia que é de 1,5%. Em segundo lugar, apenas 1,6% das
empresas utiliza o trabalho temporário, das quais 42,9% no norte do país. Em
terceiro, o trabalho temporário é uma modalidade flexível de acesso ao mercado
de trabalho utilizada principalmente nas zonas industriais mais desenvolvidas,
ou seja, cerca de 75% do total de trabalhadores temporários estão no norte e
apenas 13,1% no sul, indicando uma reafirmação do desequilíbrio regional. Do
ponto de vista setorial, o segmento metal-mecânico e a empresa média são os
principais demandantes dessa forma contratual. As motivações das firmas para
escolher os contratos temporários são mais variadas do que as imaginadas pelos
legisladores. O objetivo da Lei Treu é colocar à disposição das mesmas um
instrumento ágil que permita uma adequação da demanda de trabalho às variações
sazonais e aos picos de produção. Tal lei foi pensada como instrumento de
gestão da flexibilidade numérica. No entanto, as empresas têm feito um uso mais
amplo desse instrumento, por três razões basicamente: a) para enfrentar a
variabilidade do mercado; b) para encontrar o perfil profissional desejado; c)
para fazer um período probatório visando uma contratação futura (idem:30).
Em quarto lugar, o perfil desse trabalhador é de baixa instrução, contradizendo
a idéia de que a flexibilidade incentiva também a qualidade do emprego.
Ao contrário do que se afirma amiúde, o trabalho temporário parece ser mais
sensível às condições específicas do mercado de trabalho do que às empresas
consideradas isoladamente. Por outro lado, diferentemente do caso holandês, as
evidências mostram que, na Itália, do ponto de vista do ciclo de vida do
trabalhador, o trabalho temporário ainda não é um instrumento de passagem para
uma situação estável de contrato por tempo indeterminado.
Na verdade, nos dois primeiros anos da Lei 196/97, apenas 2,7% do total de
trabalhadores em situação atípica tornaram-se estáveis. Outra característica
ressaltada nos estudos recentes é a reduzida duração do contrato de trabalho.
Segundo o ISTAT (2001), 30% dos contratos temporários, entre 2000-2001, tiveram
duração inferior a um mês e 50,8% extensão menor do que doze meses. Ao
contrário do que se poderia imaginar, considerando-se o peso da pequena empresa
na economia italiana, é nas maiores empresas (mais de 99 empregados) que os
contratos temporários têm a menor duração.
Negociações Coletivas e Flexibilidade: 1993-2000
Não são poucas as vozes que afirmam a incompatibilidade entre o caráter
centralizado ou coordenado das relações industriais e os imperativos das
empresas em termos de flexibilidade funcional e numérica. Novamente, as
análises recentes sobre a evolução das negociações descentralizadas descrevem
uma situação mais complexa e favorável do que fazem crer as interpretações que
falam da rigidez ou bloqueio da introdução da flexibilidade nas suas diferentes
modalidades.
Uma hipótese presente no debate sobre as conseqüências da ''centralização'' da
negociação coletiva decorrente do Protocolo de 1993 é que esta teria produzido
efeitos negativos sobre a capacidade de adaptação das empresas às suas
necessidades de flexibilização. De certa maneira, essa leitura identifica a
existência de uma esfera de negociação central que define orientações
normativas para as negociações descentralizadas como um fator de rigidez.
Até onde essa hipótese encontra respaldo na evolução recente dos acordos
descentralizados? Como os empresários vêem esse ''problema''? Houve um bloqueio
da difusão das formas de flexibilização pelas empresas por conta da existência
de um espaço centralizado das relações industriais? Caso contrário, que tipos
de flexibilidade têm sido negociados no período 1993-2000?
Os dados disponíveis10 mostram que entre 1996 e 2000 houve uma inegável difusão
do tema da flexibilidade nos acordos descentralizados. As principais
modalidades de flexibilidade negociadas foram: a salarial, a participativa e a
do tempo de trabalho. A predominância destas não excluiu a negociação em torno
da flexibilidade nas formas de acesso ao mercado de trabalho, sendo que boa
parte dos acordos trata de formas atípicas, principalmente o part time e o
contrato por tempo determinado, e em menor escala dos contratos de formação
profissional.
Dentre as diferentes modalidades de flexibilidade, a salarial parece ter sido o
principal instrumento utilizado para se realizar as adaptações organizacionais.
Distintos modelos de redistribuição salarial variável foram difundidos,
abrangendo 60% do total de empresas que tiveram negociações coletivas entre
1996 e 2000. Por outro lado, há uma correlação positiva entre a negociação
conjunta de ''prêmio por desempenho'' ou salário variável e o desenvolvimento
de outros temas, como modelos de participação, formação e contratos atípicos.
Um aspecto bastante interessante é o mixde parâmetros utilizados para o cálculo
dos ''prêmios por desempenho''. Em 63% dos acordos prevaleceu um mixcomposto
por indicadores de lucratividade, produtividade, qualidade e assiduidade. Em
termos setoriais, no metal-mecânico esse percentual atingiu 83%, no químico
76%, no de alimentação, comércio e turismo 52% e no têxtil 35%.
Igualmente importante foi a negociação da flexibilidade do tempo de trabalho,
abrangendo a gestão do horário contratual, das férias e licenças, dos turnos de
trabalho e do regime de horário plurissemanal. Cerca de 40% das empresas do
universo pesquisado, no qual todos os setores estão representados, negociaram o
tempo de trabalho. A anualização da jornada de trabalho busca uma adaptação às
oscilações da demanda e uma racionalização no uso das instalações produtivas
das firmas.
No caso do trabalho atípico, os dados do CNEL mostram o recurso freqüente das
empresas aos contratos por tempo determinado e ao part time e muito pouco ao
trabalho temporário. A chamada flexibilidade de contrato adquiriu grande
importância nas empresas de porte menor (menos de mil funcionários), embora as
maiores também tenham utilizado esse instrumento11.
Nesse sentido, a evolução da agenda de negociações descentralizadas mostra a
presença destacada do tema da flexibilidade, revelando a existência de uma
gestão negociada do processo de adaptação das empresas às condições econômicas
externas.
As conclusões sobre os conteúdos relativos à flexibilidade nos acordos
coletivos firmados entre 1993 e 2000 mostram-se coerentes com as conclusões de
uma pesquisa realizada pelo Istituto di Ricerchi Economiche e Sociali ' IRES/
Confederazione Generale Italiana del Lavoro ' CGIL sobre as formas flexíveis
adotadas pelas empresas. Na verdade, essa comparação de resultados é
particularmente relevante porque a pesquisa discute as motivações e as
características da flexibilidade, a partir de entrevistas realizadas com os
empresários ' aqui é o ponto de vista dos donos das empresas que aparece. As
conclusões da análise não só reafirmam a existência de uma realidade mais
complexa que aquela normalmente difundida (Accornero et alii, 2001), como
evidenciam um mosaico de visões no mundo empresarial sobre como implementar o
princípio da flexibilidade, em função do setor econômico, de sua inserção
geográfica, de sua forma de organização e da ''idade'' das empresas. Essa
diversidade de percepções tem como denominador comum uma visão pragmática e
utilitarista da flexibilidade do trabalho. De certa maneira, é como se os
empresários tivessem forte consciência de que a flexibilidade é um meio para
responder a problemas concretos das empresas, e não às imputações teóricas
geralmente apregoadas.
O estudo mostra, ainda, a inexistência de uma tendência irresistível das
empresas em direção à flexibilização e à precarização do trabalho. Os contratos
por tempo indeterminado permanecem largamente dominantes (96%), sendo que um
terço das empresas não utiliza nenhuma forma de contrato flexível. O incentivo
ou interesse das empresas para adotar trabalhadores flexíveis é menor em razão
da grande flexibilidade interna da sua organização do trabalho. A situação é
diferente nas empresas acima de cem trabalhadores ' cerca de 35% delas utilizam
até três formas de flexibilidade. Do ponto de vista setorial, a maior difusão é
no terciário (intermediação financeira e imobiliária, informática e pesquisa) e
bem menor na indústria manufatureira (D'Aloia e Broglia, 2001).
Um dado muito importante e que desmente algumas hipóteses presentes no debate
sobre a flexibilidade e seus limites na Itália é que 90% das empresas, quando
entrevistadas, declararam que não existe nenhum obstáculo à introdução da
flexibilidade do trabalho. Isto contrasta com o discurso atual da Confindustria
e com as linhas programáticas (Libro Bianco) da reforma do mercado de trabalho
defendida pelo atual governo Berlusconi.
A flexibilidade é fortemente internalizada nas empresas italianas, o que é
coerente com o uso de uma modalidade específica de trabalhadores flexíveis,
conhecidos como trabalhadores em ''colaboração contínua e coordenada''12 e com
a ausência de obstáculos à adoção da flexibilidade nas mesmas. Na verdade,
cerca de 2/3 das empresas italianas internalizam os trabalhadores
independentes, e estes, na maioria dos casos, trabalham até 15 horas por
semana, enquanto 1/3 trabalha entre 16 e 30 horas. Em termos territoriais, a
maioria desses trabalhadores internalizados está no centro e no sul do país.
As razões que levam à introdução da flexibilidade são essencialmente: a) a
busca de um perfil profissional particular; b) a necessidade de enfrentar as
flutuações da demanda; c) a urgência em reduzir os custos salariais; d) para
evitar as restrições ligadas ao direito de demissão.
As motivações variam em função das formas de flexibilidade. No caso do trabalho
parcial, a principal é a racionalização da organização, enquanto no trabalho
por tempo determinado é a adaptação às flutuações da demanda dos mercados.
Os mercados de trabalho estável e flexível não se comunicam, o que significa
que não há transitividade entre eles. Os contratos de trabalho de colaboração
coordenada, sejam ocasionais ou contínuos, não são usados para uma admissão
futura.
Ao mesmo tempo, a evolução da negociação dos temas da flexibilização no período
1993-2000 parece confirmar a tendência à microconcertação adaptativa iniciada
nos anos 80. Entre 1993 e 1999, a estrutura de negociação permitiu que os
principais temas de interesse de empresas e sindicatos fossem discutidos e que
diferentes soluções, modelos e conteúdos fossem adotados de acordo com as
características estruturais das indústrias e empresas. Essa capacidade de
adaptação no plano descentralizado expressou o aprendizado ligado à
microconcertação (Negrelli, 1990).
A forte coerência entre a evolução da agenda das negociações descentralizadas e
a visão dos empresários sobre o tema da flexibilidade demonstra que a
concertação social e a estrutura de negociação em dois níveis não bloquearam a
difusão da flexibilidade.
A estrutura de barganha coletiva criada em 1993 significou uma reversão da
tendência à descentralização descoordenada dos anos 80, mas a nova estrutura de
coordenação centralizada respeitou a autonomia das negociações descentralizadas
preexistente, definindo de maneira suficientemente clara as responsabilidades
de cada um dos níveis. Dessa maneira, a experiência de microconcertação tornou-
se um trunfo importante no funcionamento da nova dinâmica da barganha coletiva,
que permitiu um grau de autonomia adequado para a negociação descentralizada.
Aparentemente, não houve nenhum grande impasse entre 1993 e 2000 por causa de
conflitos entre as orientações adotadas no plano central e sua implementação no
âmbito das empresas ou territorial. As principais divergências no período
ocorreram mais recentemente, quando da renovação dos contratos nacionais, por
exemplo, no setor metal-mecânico, em decorrência da defasagem entre a inflação
efetiva e a programada.
O conteúdo das negociações indica que a flexibilidade tem sido acordada tanto
na sua versão funcional como numérica, e que as empresas têm adaptado suas
necessidades aos instrumentos legais existentes. No caso dos contratos
temporários, sua difusão varia em função do maior ou menor grau de
flexibilidade das empresas. Como vimos, há uma internalização da flexibilidade
nas mesmas através dos trabalhadores em colaboração contínua e coordenada. Os
dados estatísticos recentes mostram que a difusão das formas atípicas é bem
maior nos setores econômicos das regiões mais desenvolvidas do norte e centro-
norte, reforçando os desequilíbrios territoriais.
Essa situação confirma a tese de Esping-Andersen e Regini (1998) de que a
necessidade e a eficácia da flexibilidade vão variar em função dos distintos
quadros produtivos e institucionais. Em outras palavras, a busca de diferentes
tipos de flexibilidade pelas empresas depende das características do tecido
econômico, das situações setoriais, da disponibilidade de recursos humanos
etc., e não de supostas necessidades ''gerais'' das empresas consideradas
isoladamente, de maneira abstrata.
Além disso, também é verdade que a flexibilidade de saída do mercado de
trabalho, artigo 18 do Statuto dei Lavoratori, foi retirada da pauta de
negociação da concertação. Nesse sentido, efetivamente, o tema da flexibilidade
foi negociado entre 1993 e 2000, seja no plano nacional ou descentralizado,
seja no Pacote Treu, deixando, porém, intocado o artigo 18.
Não por acaso que o novo governo Berlusconi, ao rejeitar a concertação social
como método decisório, estabeleceu como prioridade recolocar o tema da
modificação do artigo 18 de maneira unilateral, como forma de se diferenciar
dos governos anteriores.
A CONCERTAÇÃO SOCIAL E SEUS CRÍTICOS
Apesar dos resultados obtidos pela concertação social durante os anos 90, ela
sofreu duros ataques de seus inimigos e, mesmo, da parte de seus defensores.
Nesse sentido, é bastante elucidativo confrontar duas avaliações estilizadas da
experiência de concertação social, pertencentes a campos políticos e
ideológicos fortemente polarizados, mas que apresentam relativa concordância
quanto ao suposto esgotamento do círculo virtuoso da concertação social
centralizada e à necessidade de uma retomada da iniciativa política pelo
governo apoiada em um aprofundamento das diretrizes européias no país.
O reconhecimento dessa convergência não significa que as diferenças políticas e
ideológicas sejam irrelevantes, mas permite matizar o peso dos argumentos
presentes no confronto ideológico no esforço de interpretar a trajetória da
concertação social, sua contribuição, seus limites e perspectivas futuras.
O Debate sobre a Flexibilidade: Flexibilidade Regulada Versus Flexibilidade
Bloqueada
O debate italiano sobre o mercado de trabalho durante os anos 90 foi marcado
por grande vivacidade e contradições (Hege, 2002b). Para além da questão da
arbitragem entre desregulação do mercado de trabalho e políticas inovadoras de
geração de emprego, encontram-se diferenças marcantes entre os principais
atores sociais sobre a necessidade e os riscos da flexibilidade e o papel da
concertação social em relação às reformas do mercado de trabalho.
Se, na primeira etapa da concertação (1993-1998), no que tange à flexibilidade,
a ênfase foi colocada na criação de instrumentos visando ampliar as
oportunidades de entrada no mercado de trabalho, uma conseqüência dessa escolha
política foi a configuração da seguinte situação: ''No seio de um mercado de
trabalho rígido, uma vasta periferia de flexibilidade'' (Altieri, 1998:69 apud
Hege, 2002a).
De maneira estilizada, encontramos duas grandes vias de implementação da
flexibilidade do mercado de trabalho. De um lado, temos a ''via da
flexibilidade regulada'', que aceita desregular de maneira seletiva e apoiada
em salvaguardas as relações de trabalho. A posição da CGIL corresponde a essa
perspectiva, segundo a qual há necessidade de uma diferenciação de contratos de
trabalho e de remuneração, para enfrentar a questão meridional, o desemprego
dos jovens e o desemprego de longa duração. Porém, considera suficientes os
instrumentos existentes, criados pela Reforma Treu, voltados para aprofundar a
flexibilização do acesso ao mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, a CGIL é
contrária por princípio à modificação do artigo 18 relativo às demissões. Ainda
dentro desse campo, há outras posições que defendem a ''flexibilidade
regulada'', mas aceitam graus maiores de desregulação e consideram a questão da
flexibilidade, redução das garantias contra as demissões (o artigo 18), algo
negociável. Algumas das correntes políticas que compõem a ''centro-esquerda''
compartilham dessa idéia, como exemplifica a recente tomada de posição pública
do ex-ministro do Trabalho Tiziano Treu.
Do outro lado, há os que pleiteiam uma flexibilização sem adjetivos. Esta é a
posição defendida pelo governo Berlusconi no Libro Bianco do mercado de
trabalho. Dessa perspectiva, haveria um problema de rigidez do mercado de
trabalho, fruto do excesso de influência dos sindicatos e da concertação
social, no período 1993-2000. Assim, longe de serem suficientes, os
instrumentos disponíveis seriam limitados e inadequados; daí, a necessidade de
novas intervenções do governo para remover os obstáculos à efetiva
flexibilidade do mercado de trabalho. O Libro Bianco fala de ''flexibilidade
assimétrica'', pela ausência de dispositivos concernentes às demissões.
Justamente, essa assimetria seria responsável pelo reforço do núcleo
''protegido'' do mercado de trabalho, acirrando as disparidades entre insiders
e outsiders. Dessa concepção, a solução passaria pelo abandono da estratégia de
''regular'' a flexibilidade, aumentando o espaço de negociação no plano
descentralizado, deixando os aspectos regulatórios gerais a cargo da Comissão
Européia.
A Implementação da Reforma Treu: Os Limites da Concertação Social?
Apesar dos resultados atribuídos à Lei Treu, a maioria dos analistas reconhece
que sua implementação foi parcial. Na avaliação do próprio ministro do Trabalho
da época Tiziano Treu, as principais razões da implementação incompleta da Lei
196/97 foram a fragilidade institucional do governo; a baixa capacidade das
instituições, incluindo-se aí o próprio Parlamento e o papel de veto player
jogado pelos parceiros sociais, em especial as confederações sindicais. A
combinação desse conjunto de fatores teria levado a um déficit operativo,
responsável pelo limitado alcance da legislação sobre o mercado de trabalho.
Particularmente, Treu critica a ausência de empenho dos parceiros sociais e sua
resistência à gestão das políticas, sobretudo, às políticas ativas para o
mercado de trabalho, formação profissional e desenvolvimento. Ele também
menciona a falta de apoio de empresários e de sindicatos no momento de
implementar o pacote de reformas. Em conseqüência, os objetivos de geração de
emprego e de crescimento foram prejudicados por motivos endógenos à lógica da
concertação social. Em última análise, teria havido resistência ideológica das
confederações às propostas de aprofundamento da flexibilidade das relações de
trabalho e pouco empenho dos empresários em enfrentar essa questão.
O déficit operativo teria sido agravado pela predominância da instância
centralizada da concertação, cuja importância cresceu ao longo do tempo em
função da fragilidade política dos partidos e do próprio governo. Se na fase de
saneamento financeiro, de luta contra a inflação e de desmoronamento do sistema
político italiano, as escolhas dos parceiros sociais foram decisivas para a
superação da aguda crise política e econômica, na fase pós-unificação
monetária, o papel de herói foi substituído pelo de vilão.
Além de uma agenda sobrecarregada, o quadro italiano evoluiu para uma situação
em que a concertação social ampliou a abrangência de sua intervenção para muito
além dos seus objetivos iniciais em 1992/1993. Ao mesmo tempo,
progressivamente, a coalizão política e sindical de sustentação das políticas
de reforma sofreu fissuras internas. A produção de consenso para governar foi
se tornando mais difícil, uma vez que as divergências entre as confederações e
destas com os empresários começaram a explicitar-se.
Na verdade, passada a fase de ''emergência'', 1992-1998, a inflexão das agendas
econômica e política trouxe à tona as diferenças de posições e de interesses
entre os principais atores do jogo da concertação. Os temas da ocupação,
desenvolvimento, descentralização e da flexibilidade exigiam uma capacidade de
negociação bem mais complexa do que a do período anterior. De um lado, porque
esses eram temas potencialmente polêmicos quanto ao modo de traduzi-los em
políticas concretas; de outro, porque o governo não tinha suficientes recursos
e, portanto, força política para ''induzir'' os parceiros sociais a cooperarem,
não havia nada parecido com o recurso existente na Holanda e conhecido como
''sombra da hierarquia'' (Visser e Hemerijck, 1997).
Apesar dos resultados obtidos com a Reforma de 1998, como, por exemplo, o
crescimento da ocupação, em grande medida pela difusão do trabalho atípico, era
preciso ter avançado mais na agenda da reforma do mercado de trabalho, diz
Treu. Ainda segundo ele, em lugar de propostas genéricas de crescimento
econômico, o caminho deveria ter sido a difusão do trabalho flexível,
valorização do capital humano e reforço da formação profissional; a melhoria
das agências de emprego temporário; a promoção de atividades terciárias
intensivas em trabalho (Treu, 2001). Ao mesmo tempo, fazia-se necessário
''[...] deslocar o eixo da tutela do plano da relação individual para
o da sustentabilidade da empregabilidade dos trabalhadores no mercado
de trabalho, através das políticas ativas para o mercado de trabalho,
da descentralização organizada das relações industriais e da melhor
adequação da legislação sobre o trabalho às diversas condições
econômicas locais, e modular sua aplicação em função do tipo de
interesse a ser protegido'' (idem:75).
No front governamental, a avaliação do novo governo Berlusconi sobre a Lei 196/
97 é que, embora correta nas suas diretrizes gerais, esta era insuficiente como
resposta à necessidade de aprofundar a flexibilidade do mercado de trabalho e
de aproximar a oferta e a demanda de trabalho. Esses dois objetivos exigiam
reorientar a estratégia de reforma, abandonando uma preocupação em assegurar
garantias, típica da desregulação seletiva e regulada, e passando a privilegiar
uma via desregulada ''tutelada'' apenas pelo sistema normativo comunitário.
Para garantir a melhoria do funcionamento do mercado de trabalho, seria
necessário libertá-lo dos obstáculos normativos e econômicos atuais. A solução,
enfim, estaria não na imposição de restrições, tutela e proteção, e sim
''passar da garantia do posto de trabalho para a garantia da plena ocupação
durante toda sua vida laboral, reduzindo, portanto, os períodos de desocupação
ou de desperdício de capital humano'' (Libro Bianco, 2001:XI).
Coerente com essa visão, de um lado, haveria a necessidade de um arranjo
institucional sensível às expectativas dos trabalhadores e dos empregadores e
um reforço especial da flexibilidade salarial; de outro, a legislação deveria
ser menos ''pesada'' em termos de cláusulas restritivas e mais orientada por
uma concepção de gestão de objetivos e não por uma gestão da regulação.
De acordo com o Libro Bianco, dentre as heranças da concertação social,
encontra-se a assimetria do uso da flexibilidade, estimulada como mecanismo de
entrada, mas negada como mecanismo de saída. O resultado seria uma ulterior
rigidez do mercado de trabalho, com conseqüências negativas sobre a criação de
empregos, e o reforço do dualismo entre insiders e outsiders.
Do ponto de vista dos instrumentos disponíveis, tratar-se-ia ao mesmo tempo de
aprimorá-los e de criar novos. Entre os aperfeiçoamentos estaria a aceleração
da transição escola/trabalho, melhorando a qualidade da formação e, dessa
forma, a própria oferta, incentivando a modernização do sistema de
intermediação de mão-de-obra, quer no sistema público quer no privado.
Igualmente, há o reconhecimento explícito de que o papel de coordenação
''central'' deve ficar sob responsabilidade das autoridades européias, por
intermédio da estratégia européia de emprego.
É quase obrigatório observar a convergência entre as proposições defendidas por
Treu e as do Libro Bianco. Em ambos os casos, a ênfase é colocada no
aprofundamento da lógica que presidiu a Lei 196/97 e no aperfeiçoamento de seus
instrumentos. Essa linha de convergência pode ser explicada, de um lado, porque
o principal colaborador de Treu, Marco Biagi, foi o mais importante artífice do
Libro Bianco e, de outro, porque, embora com colorações políticas distintas,
ambas as posições assumem plenamente a visão e as propostas definidas no plano
comunitário para a reforma do mercado de trabalho e o aumento da taxa de
ocupação.
Também nas questões da flexibilidade de saída e da participação dos
trabalhadores na esfera da empresa, há uma relativa proximidade dessas duas
posições. Segundo o ministro Treu, a estratégia dos sindicatos de defesa dos
seus membros reduziu o conteúdo inovador dos temas da flexibilidade e da
liberalização do mercado de trabalho. Particularmente, entre a assinatura do
Pacto pelo Trabalho e a aprovação da Lei 196/97 o item da flexibilidade de
saída foi retirado da agenda por pressão direta dos sindicatos.
Igualmente, o tema da participação dos trabalhadores nas empresas (nas diversas
modalidades) foi suprimido da agenda, em conseqüência das divergências entre as
confederações sindicais. Apesar dessa posição das organizações de cúpula,
formas de gestão participativas desenvolveram-se no âmbito da negociação
descentralizada, como visto anteriormente.
Finalmente, em termos do mercado de trabalho, a Reforma Treu configura-se como
uma obra inacabada não por não ter sido integralmente implementada, mas porque
teria esbarrado em limites políticos impostos pelo papel determinante da
concertação social, particularmente em virtude da excessiva influência das
confederações sindicais.
Embora as diferenças políticas não sejam irrelevantes, levando-se em conta o
desenho das propostas e o modo de implementá-las, parece evidente que no plano
cognitivo há uma relativa convergência quanto ao diagnóstico entre o governo
Berlusconi e as correntes socialistas da coalizão de centro-esquerda.
As Relações Industriais Centralizadas Versus as Negociações Descentralizadas:
Falso Dilema?
Quanto à estrutura de negociação coletiva, o modelo de descentralização
coordenada que reconhecidamente desempenhou papel positivo na fase
''emergencial'' para assegurar a moderação das demandas salariais, não
pressionando as margens de lucros das empresas e reduzindo os custos salariais,
passou a ser visto como uma herança problemática pelo governo Berlusconi.
Discordando dessa avaliação, o governo Berlusconi propõe o abandono da
negociação coletiva centralizada e da concertação como instrumento de produção
de decisões consensuais em favor do mecanismo de consulta aos parceiros sociais
e do princípio de maioria parlamentar. Segundo diagnóstico do governo, a
centralização das negociações coletivas gerou distorções em termos ocupacionais
e salariais. Já o reforço da descentralização coordenada durante os anos 90
fortalecera a instância central de negociação, bloqueando o ajuste da estrutura
salarial aos diferenciais de produtividade, gerando novos desequilíbrios. Em
conseqüência, conforme o Libro Bianco, haveria um escasso vínculo entre a
produtividade das empresas e as condições do mercado local, de um lado, e a
redistribuição salarial, de outro, cujo resultado é um nível baixo de emprego.
O sistema centralizado de negociação coletiva seria inadequado porque serviria
basicamente para defender o salário real dos trabalhadores, sendo indiferente
às necessidades das empresas. A rigidez salarial introduzida pelas negociações
centralizadas penalizaria a expansão do emprego nas áreas de baixa
produtividade e estimularia o trabalho ilegal, contribuindo para a manutenção
dos desequilíbrios regionais. A superação dessa situação implicaria o abandono
das negociações coordenadas no nível central em favor de um aprofundamento da
contratação descentralizada. As negociações descentralizadas permitiriam não só
estabelecer um elo entre as condições específicas do mercado de trabalho local
e a evolução da produtividade das empresas, como também estimular formas
participativas, incluindo a financeira, e a valorização do capital humano.
Em síntese, na avaliação do Libro Bianco, o modelo de relações industriais
centralizadas produziria distorções no mercado de trabalho e impediria uma
negociação eficaz entre trabalhadores e empresários. Aparentemente, o
equivalente funcional do papel da instância nacional ou central seria
desempenhado pela dimensão européia. Por último, a concertação teria postergado
a discussão sobre a estrutura de negociação, seu grau de adequação aos desafios
do novo contexto econômico da Europa unificada.
Também na avaliação do ex-ministro Treu, a postura sindical em defesa da
coordenação centralizada traduziu-se em uma atitude sistemática de oposição às
medidas de descentralização política. Essa atitude significou uma recusa a
medidas de regulação diferenciada para enfrentar a diversidade de situações do
mercado de trabalho. A posição de veto de confederações e empresários bloqueou
a discussão de certos temas da agenda, justamente aqueles diretamente
associados à competitividade do sistema econômico e das empresas.
De certa maneira, o jogo da concertação na fase de inflexão pós-unificação
monetária teria produzido o efeito perverso da ''armadilha da decisão
conjunta'' (Scharpf, 1986), dificultando a implementação das medidas de reforma
do mercado de trabalho e de descentralização política e das relações
industriais.
Paradoxalmente, o sucesso da concertação social nas fases de emergência e de
saneamento e sacrifícios, com o reforço das confederações sindicais, teria se
metamorfoseado na razão do insucesso relativo dos Pactos pelo Trabalho e de
Natal.
No que se refere ao tema da estrutura de negociação, embora haja diferenças
entre a análise de Treu e a do Libro Bianco, elas convergem em dois pontos.
Primeiro, a ampliação do papel político da concertação social significou um
reforço na capacidade de barganha dos parceiros sociais vis-à-viso governo,
considerada prejudicial porque criou uma situação de veto player toda vez que
os interesses dos parceiros sociais eram contrariados. Segundo, a implementação
das agendas política e econômica da fase pós-moeda única, descentralização
decisória e política, reforma do mercado de trabalho etc., implicaria uma
redução da esfera de influência da concertação em favor das instituições
políticas representativas.
Qual Futuro: Concertação Seletiva ou Diálogo Social?
A partir das críticas dirigidas à concertação social e à centralização das
negociações coletivas, cabe a indagação: qual é o futuro da concertação social?
Teria ela cumprido seu destino, evocando a metáfora de Sísifo, cumprido seu
destino ao desempenhar um papel crucial na fase de saneamento e de entrada da
Itália na zona do euro? Ou, ao contrário, seu abandono revela uma decisão
política apoiada em uma conjuntura específica?
Em relação ao futuro da concertação, há um posicionamento distinto entre o
governo Berlusconi e as correntes socialistas da coalizão de centro-esquerda.
Embora reconheça o papel positivo desempenhado pela concertação social como
instrumento para enfrentar a crise político-econômica e o desafio de
Maastricht, o Libro Bianco também fala de excessos cometidos. O fortalecimento
dos parceiros sociais em um contexto de fragilidade política e institucional
teria conduzido a um círculo vicioso, no qual as funções de governo teriam sido
exercidas pelos parceiros sociais através das práticas de concertação social.
A urgente necessidade de recuperação da capacidade propositiva e de
implementação do governo traz como conseqüência a impossibilidade de a
concertação social encarar os desafios econômicos e políticos no contexto da
zona do euro. Curiosamente, o contraponto citado é o da Holanda, onde a
concertação social funciona sem as distorções italianas porque o governo tem
iniciativa política e legitimidade. A passagem de uma política de renda para
uma política de competitividade exige uma metodologia de decisão, baseada em
acordos específicos e rigorosamente monitorada no seu processo de
implementação.
O papel das associações patronais e confederações sindicais seria
redimensionado, tanto do ponto de vista da agenda quanto da influência
exercida. Assim, a escolha do mecanismo básico de decisão seria de
responsabilidade conjunta do governo nacional e das regiões. O governo
Berlusconi afirmou que a alternativa mais provável seria pelo diálogo, o qual
se apoiaria na consulta aos parceiros sociais, mas deixando a iniciativa
política sob responsabilidade do governo nos diferentes níveis. Apenas nos
casos de recusa dos parceiros sociais ou de soluções insatisfatórias, o governo
e as regiões poderão prescindir do apoio desses.
Apesar de serem próximas do ponto de vista conceitual, no debate italiano o uso
das noções de diálogo social e de concertação apresenta duas diferenças
importante. De um lado, o diálogo social corresponde a um processo de ampliação
e de participação dos parceiros sociais, enquanto sua utilização pelo governo
Berlusconi vai em direção oposta: de redução da influência destes últimos no
processo de decisão. De outro, em termos de método de decisão, o diálogo no
âmbito europeu apóia-se em uma consulta ampliada dos parceiros sociais sobre o
conjunto das questões socioeconômicas. Por sua vez, o diálogo social ''à
italiana'' tem por base um processo seletivo de consulta relativo a questões
específicas. Na verdade, a proposta do governo Berlusconi é uma negociação
condicionada, cujo objetivo é redefinir os papéis dos parceiros sociais,
tornando-os auxiliares da estratégia do governo.
Já para Treu, a solução estaria no redimensionamento do papel da concertação e
não no seu abandono. Nesse caso, as confederações sindicais teriam de
reorientar sua ação para conteúdos mais pertinentes às suas especificidades,
abandonando a tentação de desempenhar papéis destinados ao governo. Trata-se de
se aproximar de modalidades de negociação triangulares ''à européia''. A
contrapartida do redimensionamento do papel político da concertação e de sua
intervenção mais seletiva deveria ser o reforço da capacidade das instituições
políticas em vários níveis, europeu, estatal, territorial, para que estas
pudessem dar respostas adequadas aos temas do crescimento, do emprego e da
cidadania nas exigentes sociedades terciárias.
Em última análise, pareceria que o papel da concertação social se teria
esgotado como principal instrumento político na fase de emergência política e
de transição para o euro; vítima do seu próprio sucesso e das condições
específicas do seu surgimento, a concertação teria se convertido em um
obstáculo à continuidade de integração da Itália à lógica da Europa pós-euro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Protocolo de 1993 permitiu reduzir a inflação, os custos do trabalho por
unidade de produto e as expectativas inflacionárias. Por seu lado, a estrutura
italiana de relações industriais organizada em dois níveis foi capaz de manter
o poder de compra dos salários no caso da indústria, sem gerar pressões sobre
os preços ou reduzir as margens de lucro das empresas.
Na verdade, o problema é outro. Apesar da redução da participação dos salários
na renda nacional devido à queda do emprego e ao aumento da produtividade, com
a conseqüente elevação das margens de lucro das empresas, que retornaram aos
níveis dos anos 60, não houve uma elevação da taxa de investimento da
economia13.
Os principais resultados obtidos na primeira etapa (1993-1999) da concertação
social, grosso modo, evidenciam a escolha estratégica feita pelos sindicatos.
Em face da dramática situação econômica enfrentada pela Itália no início dos
anos 90 e da necessidade de o país credenciar-se para sua entrada na zona do
euro, a decisão das confederações sindicais em sacrificar seus interesses
imediatos, em troca da redução do déficit público e da inflação, mostrou-se
correta. Portanto, a estratégia unitária das confederações italianas durante
boa parte dos anos 90 foi baseada na prioridade dada à obtenção de bens
coletivos, revelando a capacidade desses atores de transcenderem aos seus
interesses imediatos e limitações históricas.
Bem mais complexa e difícil foi a experiência de concertação no momento em que
se colocou a necessidade de fazer uma inflexão na agenda, uma vez alcançados os
objetivos da fase de ''emergência'', na direção de uma nova etapa orientada
para as metas de crescimento econômico, aumento do emprego e maior
redistribuição dos ganhos de produtividade em favor dos salários. As
dificuldades de implementação desta agenda, depois de 1998, recolocaram em
discussão o papel da concertação social em face das necessidades do novo
contexto pós-euro.
Do ponto de vista político, o governo atual e a corrente socialista do
agrupamento de centro-esquerda concordam que houve uma ''excessiva'' influência
da concertação social, sobretudo das confederações sindicais, que substituíram
o governo em algumas de suas atribuições tendo em vista a fraqueza deste. Em
decorrência disso, elas exerceram um papel ambíguo de parceiro principal e de
veto player, ora sustentando ora bloqueando a implementação da agenda do
governo, principalmente em relação à reforma dos programas sociais, e da
legislação sobre demissões. Sua influência teria sido parcialmente negativa na
implementação da reforma do mercado de trabalho, Lei 196/9714.
Do ponto de vista econômico, as diretrizes básicas para avançar nos objetivos
de crescimento econômico e emprego exigiriam uma descentralização das
iniciativas econômicas e o aprofundamento da flexibilização do mercado de
trabalho. Isto implicaria ou o abandono da concertação (Libro Bianco) ou o seu
profundo redimensionamento (Treu), em ambos os casos levando ao seu
enquadramento as orientações definidas no plano comunitário.
A nova agenda político-econômica não poderia ser implementada pelo modelo de
concertação social vigente entre 1993-2001. De certa forma, a concertação
social teria passado da condição de heroína à vilã, responsabilizada por parte
ponderável dos resultados modestos obtidos pela estratégia de crescimento e de
emprego, principalmente a partir de 1998.
Na perspectiva defendida pelo governo Berlusconi e também naquela sustentada
pela corrente socialista, a questão da geração de emprego é um problema
circunscrito, em boa medida, às instituições do mercado de trabalho. As
reformas deste, seja pelo lado da oferta, seja pelo da demanda, o aprimoramento
dos mecanismos de recrutamento por intermédio das agências de intermediação, o
aprofundamento da flexibilidade etc. seriam suficientes para enfrentar o
problema do emprego. A descentralização das políticas de desenvolvimento e a
negociação territorial e local seriam procedimentos complementares capazes de
garantir as condições de crescimento e o aumento do emprego. Vale notar que o
Libro Bianco e o Pacote Treu não questionam a direção econômica seguida pelo
Banco Central Europeu, aceitando, tacitamente, que os instrumentos internos são
suficientes para relançar o crescimento e responder aos graves desafios do
desemprego.
Apesar de menos vocalizada, existe uma outra interpretação dos limites da
agenda de inflexão e da própria concertação social. Grosso modo, o argumento
principal é exatamente o oposto. As possibilidades de êxito do modelo de
concertação dependem da capacidade de ampliação deste no que tange às políticas
de saneamento e ajuste ' combate à inflação, controle do déficit público etc. '
para um outro voltado para o desenvolvimento econômico e a geração de empregos.
Para tanto, é preciso considerar a importância da dimensão européia sobre as
trajetórias nacionais não só como sugere corretamente Goetschy (2001) ' o euro
como um pacto macroeconômico15 ', mas pelos efeitos e limites impostos pela
orientação macroeconômica adotada pelo Banco Central Europeu.
As condições instituídas pelo Pacto de Estabilidade têm exercido forte pressão
e impacto sobre as orientações econômicas nacionais, como exemplificam os
recentes episódios, ocorridos em 2002, envolvendo a Alemanha, a França e a
Itália, advertidas pela Comunidade Européia sobre a evolução de seus principais
indicadores econômicos. Ao mesmo tempo, somente uma política monetária
restritiva parece insuficiente para enfrentar os choques assimétricos, os
ataques especulativos e gerar um crescimento sustentado.
Segundo essa interpretação, as políticas ativas de emprego não são suficientes
para enfrentar de maneira eficaz o problema do emprego e do crescimento
econômico. Seria preciso também políticas de incentivo à demanda efetiva para
estimular a economia. Essa ativação da demanda efetiva exigiria, considerando o
novo quadro institucional e de competências pós-euro, uma ação coordenada no
plano macroeconômico entre os Estados nacionais e o Banco Central Europeu, na
perspectiva acenada pelo Plano Delors.
Portanto, o êxito da estratégia de crescimento e de enfrentamento eficaz do
desemprego exige uma reorientação da política macroeconômica européia, isto é,
do Banco Central Europeu. Trata-se de condição necessária para a retomada
sustentada do crescimento econômico e, particularmente, para que as
concertações sociais nacionais possam ter resultados satisfatórios.
Uma coordenação das orientações macroeconômicas envolvendo o BCE e os ministros
de Finanças dos Estados-membros é fundamental para que o debate sobre a
retomada sustentada do crescimento econômico possa efetivamente ir além das
reprimendas de Bruxelas e das queixas dos diferentes países. Particularmente,
no caso das concertações sociais nacionais, para que estas possam ter
resultados satisfatórios nos seus objetivos de crescimento e geração de
emprego, as mudanças mencionadas são necessárias.
Independentemente da discussão sobre a possibilidade, a conveniência e o
conteúdo da mudança na condução da política do BCE, uma transformação
indiscutível diz respeito ao papel crescente da dinâmica supranacional sobre a
trajetória das concertações sociais. No primeiro momento de construção das
condições para a formação da zona do euro, as exigências de convergência de
Maastricht desempenharam papel catalisador indiscutível para o surgimento das
concertações sociais. Posteriormente, na fase pós-euro, essa influência passou
a manifestar-se através das orientações macroeconômicas do BCE, das diretrizes
européias em matéria de emprego e dos planos nacionais de emprego (Martin,
1997; 2001).
Finalmente, quanto aos dilemas da concertação, há, de um lado, a ruptura da
estratégia de ação unitária das confederações sindicais, que desempenhou um
papel importante no revival dos anos 90. No começo de 2000, houve uma cisão
entre as confederações, cuja situação passa a ameaçar os ganhos institucionais
e políticos obtidos na década de 90. De outro, indícios de divergências
crescentes no interior das correntes que compõem a centro-esquerda, também
sobre o tema do artigo 1816.
Do ponto de vista das confederações sindicais, a situação atual projeta um
cenário inquietante. Afinal, o caráter particular do scambio politico
(Pizzorno, 1993) da concertação de 1993 permitiu introduzir uma inovação
institucional representada pela nova estrutura de negociação coletiva,
combinando coordenação com descentralização. Esse novo sistema de negociação em
dois níveis procurou evitar o trade-off entre padronização, de um lado, e
flexibilidade local, de outro. Essa nova estrutura permitiu reverter o processo
de descentralização descoordenada dos anos 80, através da coordenação e
negociação das diretrizes nacionais, e a sua aplicação ao plano das empresas,
preservando a autonomia deste.
Inegavelmente, a estratégia de ação unitária proporcionou o fortalecimento
político dos sindicatos, que voltaram a ter grande influência na arena
política, superando o isolamento da segunda metade dos 80. Nesse sentido, o
risco para a atual conjuntura é o de um retrocesso das relações industriais ao
passado. Ou seja, há uma situação na qual o movimento sindical resta dividido
entre a postura de negociação com o governo e os empresários e uma outra
confinada à condição de oposição incondicional. Essa possibilidade não é
totalmente descabida, embora suas conseqüências possam ser mais danosas que no
passado.