O conteúdo da produção legislativa brasileira: leis nacionais ou políticas
paroquiais?
INTRODUÇÃO
O objetivo principal deste artigo é responder à seguinte pergunta: qual é o
conteúdo das leis aprovadas pelo Congresso brasileiro? Argumenta-se que a
qualidade da produção legislativa no Brasil pode ser avaliada exclusivamente a
partir do entendimento dos fatores institucionais que influenciam e estruturam
o comportamento legislativo dos parlamentares. Nessas circunstâncias, o estudo
dos outputs legislativos deve levar em consideração as determinantes presentes
tanto na arena eleitoral quanto na arena parlamentar.
As interpretações usuais costumam abordar o tema da qualidade da produção
legislativa brasileira a partir da primeira arena. Geralmente referenciados nos
estudos sobre o Congresso americano, e portanto baseados na premissa de que o
objetivo primário dos políticos é se reeleger, muitos autores argumentam que a
estratégia legislativa conducente ao alcance de um objetivo desse tipo se
restringe à adoção de políticas de pork barrel (Mayhew, 1974), isto é,
políticas distributivas que buscam dispensar benefícios concentrados no
distrito de eleição de cada deputado ' benefícios estes cujos custos recaem, de
forma imperceptível, sobre a sociedade como um todo. Essa estratégia dependeria
crucialmente do incentivo presente na estrutura da competição eleitoral norte-
americana, na qual a escolha dos representantes ocorre em colégios uninominais
e com voto uninominal em turno único (Cain et alii, 1987; Lancaster, 1986).
Ao se examinar os estudos realizados sobre o desempenho das instituições
brasileiras, verifica-se que são muitos os autores que importam o modelo
americano. Semelhanças político-institucionais entre os dois países, como a
fraqueza do sistema partidário e as características do sistema eleitoral que
incentivam o ''voto pessoal'' (Mainwaring, 1991; Shugart e Carey, 1995),
justificariam essa orientação analítica. Dessa forma, várias análises
argumentam que a prática legislativa dos deputados brasileiros é voltada para a
adoção de políticas com efeito circunscrito e limitado ao reduto eleitoral do
legislador (Mainwaring, 1999; Ames, 2001). De acordo com essa abordagem, as
estratégias legislativas de cada ator dependem da ação individual de cada
parlamentar, uma vez que o partido político tem pouco envolvimento com o
processo de formulação de políticas no âmbito do Legislativo (Ames, 1995a;
1995b; Mainwaring, 1995).
Sobretudo a partir de meados dos anos 90, observa-se uma certa relutância do
mundo acadêmico brasileiro em aceitar integralmente essa orientação analítica.
Duas questões emergiram. A primeira, referente a um problema conceitual; a
segunda, a um problema empírico. A questão conceitual é relativa à
identificação do tipo de vínculo que se estabelece em torno dos incentivos
presentes na arena parlamentar, em contraposição àqueles presentes na arena
eleitoral. De modo que, contrapondo-se à primeira abordagem, vários estudos
começaram a resgatar o papel dos partidos políticos, o desempenho das
lideranças e o peso relativo das regras decisórias internas do Congresso como
variáveis a serem levadas em conta no exame do processo decisório (Figueiredo e
Limongi, 1995; Santos, 1997; 1999; Amorim Neto, 2000). A questão empírica era
verificar se e em que medida esses incentivos se refletem no conteúdo das leis.
Destacam-se, nessa direção, três estudos que mostraram que a produção
legislativa do Congresso brasileiro não é caracterizada pelo domínio dos
assuntos paroquiais (Figueiredo e Limongi, 1999; 2002; Lemos, 2001). Em suma,
passou-se a exigir da análise conceitual uma explicação teórica do
comportamento legislativo do Congresso; a tarefa empírica tornou-se verificar
que tipos de leis são produzidos.
Minha análise tenta aprofundar os efeitos que cada arena produz sobre o
conteúdo das normas. Sem questionar o objetivo da reeleição, pretendo: (1)
reconstruir as interpretações que, partindo da arena eleitoral, buscam explicar
a conduta legislativa dos congressistas como decorrência dos incentivos
oferecidos pelo sistema eleitoral; (2) encontrar evidências empíricas para cada
uma dessas interpretações; (3) mostrar que, para a compreensão dos outputs
legislativos do Congresso Nacional, também é preciso levar em conta os fatores
internos, inerentes à dinâmica do processo decisório.
Na próxima seção, apresento três hipóteses acerca do comportamento legislativo
dos congressistas, de acordo com os efeitos do sistema eleitoral brasileiro. A
primeira considera o argumento clássico de que, devido ao sistema de lista
aberta, às campanhas personalizadas e a um sistema altamente descentralizado,
os políticos brasileiros privilegiam ações voltadas para satisfazer interesses
locais. Contrapondo-se a esta visão, a segunda hipótese sugere que, embora os
incentivos eleitorais estimulem o individualismo do parlamentar, a magnitude
distrital é o fator determinante para explicar o comprometimento legislativo
dos políticos. Em termos sucintos, sustento a idéia de que em distritos com
magnitude distrital média e elevada o político tem mais incentivos a investir
em políticas distributivas com benefícios difusos do que em políticas
paroquiais, cujos benefícios são concentrados localmente. A terceira hipótese
visa diferenciar o desempenho legislativo de deputados e senadores. Se
reconhecermos que, ao mudar o sistema eleitoral, muda também a estrutura dos
incentivos nele presentes, então é oportuno supor que deputados e senadores
tenham comportamentos legislativos diferentes. No caso em questão, uma eleição
majoritária como é a do Senado motiva menos um comprometimento direto do
parlamentar com políticas paroquiais do que eleições para a Câmara dos
Deputados.
Na terceira seção enfrento o espinhoso problema da classificação do conteúdo
das leis. Concentrei esforços para encontrar uma classificação que permitisse
diferenciar entre os diversos tipos de projetos distributivos, assim como entre
estes e os de caráter mais geral.
Na quarta, passo ao teste das três hipóteses relativas à arena eleitoral,
buscando evidências no exame da produção legislativa. Examino o conjunto da
produção legislativa aprovada e, sucessivamente, transformada em norma jurídica
(projetos sancionados), bem como a produção legislativa rejeitada de forma
definitiva pelo próprio Congresso (projetos rejeitados) e a aprovada pelo
Congresso mas vetada totalmente pelo presidente da República e cujo veto foi
mantido (veto total). Os projetos em exame foram objeto de deliberação durante
os governos dos presidentes Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando
Henrique Cardoso, cobrindo o período que vai de 1991 até abril de 2002. Vale
salientar que os projetos vetados foram incluídos porque podem sinalizar um
atrito entre o presidente e o Congresso na elaboração de práticas paroquiais e/
ou políticas nacionais. A categoria dos projetos rejeitados é essencial para se
observar, por um lado, a capacidade auto-reguladora do Congresso ' em
particular, será interessante ressaltar que tipos de projetos são rejeitados e
quais os sancionados. Por outro lado, a rejeição é uma atitude que implica
deliberação. Nesse sentido, é oportuno diferenciar os projetos rejeitados dos
demais projetos que, engavetados ao longo da legislatura, foram, ao seu
término, arquivados sem votação final alguma.
Na quinta seção, desloco o foco analítico para a arena parlamentar, a fim de
descobrir os mecanismos relativos à dinâmica interna do processo legislativo.
Em especial, tento explicar por que alguns projetos distributivos são bem-
sucedidos, outros são vetados pelo presidente e outros, ainda, são rejeitados
pelo próprio Congresso. Na sexta e última seção, tento oferecer uma leitura
conclusiva dos argumentos aqui discutidos.
INCENTIVOS ELEITORAIS E PRODUÇÃO LEGISLATIVA: HIPÓTESES DE PESQUISA
Se existe uma orientação analítica dominante acerca do comportamento
legislativo dos congressistas, esta é a que estuda o impacto das regras
eleitorais. O que é defendido unanimemente para o caso brasileiro é que a
suposta conexão eleitoral tornaria raros os projetos de lei de iniciativa do
Congresso que tratam de questões fundamentais (Mainwaring e Pérez-Liñán, 1997;
Mainwaring, 1999; Ames, 2001). Os fundamentos explicativos dessa atitude
encontrar-se-iam no sistema eleitoral e partidário. O predomínio das campanhas
eleitorais personalizadas para a Câmara (Mainwaring e Pérez-Liñán, 1997; Ames,
1995a; 1995b), a incapacidade dos líderes partidários de selecionar os
candidatos (Mainwaring, 1999; Ames, 2001) e impor a disciplina durante as
decisões no Congresso (Mainwaring e Pérez-Liñán, 1997), a descentralização do
sistema político, sobretudo quando pensada com relação à estrutura federativa
(Ames, 1995a; Samuels, 2000), e a competição intrapartidária incentivariam o
''voto pessoal''. Isso implica que todo entendimento que diga respeito à
legislação é obstinadamente caracterizado pela ressalva de que as normas
produzidas pelo Legislativo são secundárias e de importância relativa, já que
repletas de concessões e vantagens particularistas. Nas palavras de Mainwaring
(1999:284): ''quando os legisladores são eleitos pelo voto pessoal, como é o
caso do Brasil, eles se tornam devedores do distrito que os elegeu. Eles têm
mais incentivos para atitudes paroquialistas que o presidente''. A posição de
Barry Ames é ainda mais contundente: na vigência de um sistema eleitoral que
produz um Legislativo dominado por partidos indisciplinados e cujos deputados
estão interessados mais no próprio reduto eleitoral, o Congresso tenderá a ser
''muito mais voltado para a produção de políticas paroquialistas que para a
produção de leis cujo conteúdo tenha um objetivo realmente nacional'' (Ames,
2001:159). Portanto, pode-se afirmar, segundo esta visão, que:
Hipótese 1: o conteúdo da legislação originária do Congresso é voltado para
beneficiar e satisfazer interesses de grupos geograficamente circunscritos ao
reduto eleitoral do parlamentar.
À veemência do argumento paroquial, baseado na tese da conexão eleitoral, é
possível contrapor uma perspectiva analítica alternativa. A questão decisiva
continua sendo descobrir se existe uma estrutura de incentivos eleitorais que
produza, no âmbito da escolha do congressista, uma hierarquia de preferências
para agir no âmbito legislativo, privilegiando a produção de políticas
paroquiais. Do ponto de vista teórico, seguindo a orientação da literatura que
estuda os efeitos dos sistemas eleitorais, argumenta-se que, em circunscrições
plurinominais, ao aumentar o número de eleitores por distrito, reduz-se o
contato destes com os seus representantes, já que onde as circunscrições são
amplas é improvável que existam bens disponíveis para influenciar um número
significativo de eleitores sob bases individualistas (Katz, 1980:30)1. É
revelador, então, dizer que o congressista, quando orientado para a prática
paroquialista, enfrenta dois tipos de custos de investimento.
O primeiro deles, que chamarei de custo de informação, remete-se à relação
entre candidato e eleitor2. Trata-se, por um lado, de um mero problema de
dimensão do eleitorado: o aumento no número de eleitores torna problemático o
estabelecimento de um contato direto entre representado e representante. Nessa
direção, vários estudos mostram que, em sistemas com magnitude elevada, as
vantagens de incumbency são menores (Cox e Morgenstern, 1995), e que é difícil
identificar o home style dos legisladores (Crisp e Desposato, 2002). Por outro
lado, além da mera questão numérica, emerge um problema relativo às
características do eleitorado, já que se espera que em distritos maiores e mais
povoados aumente a heterogeneidade do mesmo, tornando-se mais difícil
privilegiar uma dimensão de interesse específico.
O segundo custo é o que pode ser definido como custo de competição e diz
respeito à relação entre os candidatos na arena eleitoral. Nos sistemas
proporcionais, a lógica decisória ligada ao pork encontra um problema de ação
coletiva (Cain et alii, 1987; Lancaster e Patterson, 1990) a partir do momento
em que os candidatos à reeleição em um mesmo distrito podem comportar-se como
free riders, pegando carona no comprometimento legislativo pessoal de outros
concorrentes. De modo que fazer pork se torna um risco também nos casos em que
os candidatos reconhecem ''seus eleitores''.
Resumindo, é possível estimar que, quanto maior a magnitude e o número de
eleitores, tanto maiores serão os custos de investimento (informativos e
competitivos) de uma ação legislativa voltada para o mero atendimento das
demandas locais. Isto significa dizer que os deputados brasileiros não buscam
um contato com os ''seus'' eleitores por meio de políticas distributivas?
Acredito que a resposta deva ser negativa, isto é, o político sempre tentará
distribuir benefícios aos seus eleitores, mas, para os deputados, levando em
conta os altos custos de agir por meio de políticas meramente paroquiais, é
muito mais apropriado pensar em uma estratégia legislativa baseada na
distribuição de benefícios difusos. Ao sinalizar para os ''seus'' eleitores
através da legislação ordinária, tratando-se de eleição proporcional e levando-
se em conta os custos de investimento, é de se esperar que, à medida que
aumentem a magnitude do distrito e a população nele residente, prevaleça uma
prática distributiva que beneficie grupos amplos e espalhados sobre o
território nacional, com vistas a capturar o maior número possível de
eleitores.
Essa perspectiva redimensiona o problema da ação coletiva, já que, mesmo que o
parlamentar apóie medidas favoráveis a setores específicos espalhados pelo
território nacional, o que vale é a competição dentro do próprio distrito
eleitoral ' no caso brasileiro, no âmbito estadual. Agindo dessa forma, o
deputado torna-se uma espécie de representante de grupos de interesse
específicos mais ou menos organizados na sociedade. Os grupos garantem uma base
eleitoral em troca de decisões pontuais que os favoreçam. Em síntese, é
possível dizer que:
Hipótese 2: como o Brasil apresenta magnitude distrital média e elevada, é mais
racional supor que a ação legislativa dos deputados seja voltada para trazer
benefícios difusos mais do que propriamente concentrados territorialmente. Dada
a grande variação na magnitude (M) dos distritos eleitorais brasileiros, é
oportuno supor que quanto maior M, mais a ação legislativa dos deputados se
volta para a promoção de benefícios difusos.
Toda essa discussão é focada, geralmente, sobre o comportamento legislativo dos
deputados federais. Entretanto, é preciso entender que o arranjo institucional
bicameral igual3 adotado pelo Brasil assegura aos deputados e senadores, do
ponto de vista constitucional e regimental, condições similares de participação
no processo decisório. Ou seja, além de indagar sobre o comprometimento
legislativo dos deputados, não deve ser negligenciado o peso relativo da ação
legislativa dos senadores. Assim, chega-se à questão: os senadores têm
incentivos eleitorais para o envolvimento pessoal em políticas paroquiais?
Considerando que no Brasil se elege um número fixo de senadores por estado da
Federação e que a eleição é majoritária ' portanto, não há voto preferencial ',
é de se esperar que o incentivo ao ''voto pessoal'' seja menor entre os
senadores do que entre os deputados (Mainwaring, 1991; Shugart e Carey, 1995;
Desposato, 2002). Isto quer dizer, sobretudo, que, em termos de atividade
legislativa, os senadores, com maiores custos informativos, serão menos
envolvidos em pork que os representantes da outra Casa. Nesses termos, é
possível afirmar que:
Hipótese 3: os senadores estão menos envolvidos em atitudes paroquialistas que
os deputados, concentrando-se na prática da distribuição de benefícios difusos.
O CONTEÚDO DAS LEIS: CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS
Do ponto de vista da viabilidade do estudo proposto e, em particular, do teste
das hipóteses acima apresentadas, o ponto crucial é propriamente analítico e
diz respeito à mensuração da qualidade da legislação. A questão é encontrar,
desenvolver ou conceber alguns critérios que permitam reconhecer nas leis
elementos meramente distributivos, sejam eles concentrados territorialmente
(conforme a primeira hipótese), sejam eles difusos sobre o território nacional
(conforme a segunda hipótese).
Dessa forma, após ter observado a existência de uma literatura ampla e
estruturada4 a esse respeito, que infelizmente é quase marginal no âmbito
acadêmico brasileiro5, optei pela escolha de três critérios para qualificar o
caráter de uma lei: generalidade, efeitos e impacto territorial6. O primeiro
critério classifica as leis em função da dimensão do impacto previsto sobre os
sujeitos (ou coisas) diretamente afetados. O segundo, em função dos tipos de
efeitos previstos sobre as partes interessadas pela lei. O terceiro, por sua
vez, ressalta a dimensão física do impacto previsto (Lowi, 1964; 1970; Wilson,
1973; 1980; Cantelli et alii, 1974; Predieri, 1975; Di Palma, 1977).
O tratamento operacional dos critérios abre várias possibilidades analíticas.
Relativamente ao primeiro, é preponderante na literatura a adoção de uma escala
ordinal que separa as leis em função do número de sujeitos ou coisas afetadas.
Dessa forma é que se classifica a lei como geral, se ela dispõe sobre a
população nacional ou entidades que agem no âmbito nacional; secional, quando é
direcionada a grupos amplos da sociedade ou a atividades ou instituições de
dimensões reduzidas; microssecional, se a norma interessa a grupos determinados
e circunscritos ou a atividades ou instituições específicas; individual, para
questões limitadas a poucos ou até um só indivíduo. O segundo critério é
geralmente operacionalizado nos termos dos custos/benefícios de uma lei. Na
medida em que os benefícios prevalecem sobre os custos é que se pode apontar
para o predomínio ou não de atitudes distributivas. Por fim, o critério do
impacto territorial diferencia as normas de acordo com a amplitude do efeito,
digamos assim, físico previsto, que na sua simplificação mais extrema é tratado
de forma dicotômica, diferenciando-se entre efeito local e efeito nacional.
Considerando a classificação das leis nos termos aqui propostos, há dezesseis
combinações possíveis de normas que devem ser levadas em conta. Do ponto de
vista prático, isso é muito. Por isso, é útil uma redução dos casos a serem
examinados. Como já disse, o argumento parece restrito ao problema da
mensuração das atitudes distributivas, sejam elas concentradas territorialmente
ou difusas. Isso implica que, quanto ao primeiro critério, pode-se muito bem
afirmar que os efeitos distributivos se caracterizam por serem altamente
desagregáveis e, portanto, restritos às categorias das leis microssecionais e
individuais7 (Lowi, 1964; 1972). Desse modo, é possível considerar as normas
gerais e secionais como uma categoria única, focando-se a análise sobre as leis
microssecionais e individuais.
Quanto aos efeitos, os maiores problemas são relativos à diferenciação entre
benefícios e custos de uma lei, dificuldade que é exacerbada pelo fato de que,
para classificar a lei, recorreu-se à sua ementa e, no caso de ela ser pouco
esclarecedora, à indexação do projeto na forma disponibilizada pelo Centro de
Processamento de Dados do Senado Federal ' PRODASEN. A questão foi resolvida
tratando-se todas as leis e/ou projetos microssecionais e individuais como se
os benefícios prevalecessem sempre sobre os custos. Dessa forma, a distorção da
classificação que se origina dessa atitude aumenta o peso relativo (em termos
de número de projetos) das propostas distributivas.
O terceiro critério é, para os fins da minha análise, o mais importante, já que
possibilita testar a hipótese relativa ao suposto envolvimento do deputado com
práticas paroquiais8. Uma diferenciação entre impacto nacional e impacto local
permite reconhecer a existência de diferentes tipos de efeitos distributivos de
projetos microssecionais e individuais, na medida em que uma lei pode
beneficiar grupos específicos espalhados sobre o território nacional, assim
como grupos específicos concentrados territorialmente. No primeiro caso,
tratar-se-á de um impacto distributivo amplo ou extenso ' que, de acordo com a
segunda hipótese, seria predominante. O segundo expressa a típica ação
paroquialista ' dominante, de acordo com a primeira hipótese.
Dessa forma, dadas estas considerações, a análise fica restrita a seis tipos
diferentes de conteúdo das leis, dos quais é esperado que só quatro deles sejam
numericamente relevantes9: (1) leis gerais/secionais de impacto nacional; (2)
leis microssecionais de impacto nacional; (3) leis microssecionais de impacto
local; (4) leis individuais de impacto local. Para que a primeira hipótese seja
confirmada, espera-se encontrar alta ocorrência de leis nas categorias 3 e 4
(de agora em diante consideradas conjuntamente); de outro modo, caso prevaleça
a categoria 2, a segunda hipótese é que será corroborada. Vale salientar que há
um outro tipo de norma que ficou fora da discussão aqui desenvolvida. Trata-se
das leis simbólicas, cuja relevância é praticamente nula e que serão
consideradas em uma categoria à parte. No Apêndice forneço alguns exemplos das
categorias consideradas.
ANÁLISE DOS DADOS: TESTANDO AS HIPÓTESES
Passarei agora ao teste das hipóteses apresentadas na seção anterior. A
primeira questão a ser investigada é se a produção legislativa do Congresso
Nacional estaria ou não dominada pelo interesse do congressista em atuar no
plano das propostas paroquialistas. Como mostra a Tabela_1, há uma concentração
de leis gerais/secionais tanto entre as leis sancionadas como entre os projetos
rejeitados e os vetados. No caso dos projetos sancionados, essa predominância é
maior (66,2%)10. Lembro que a categoria microssecional de impacto local e
individual inclui todos os projetos de impacto local. Desse modo, abarca uma
série de projetos que nada comentam a respeito de políticas paroquiais para
fins de reeleição, como, por exemplo, as concessões de aposentadorias a
ilustres personagens ou familiares de congressistas. Ou seja, os dados da
Tabela_1 podem ser considerados uma estimativa por excesso. Em síntese, eles
indicam que a tese da conexão eleitoral, expressa na idéia de que o
congressista busca garantir benefícios locais direcionados ao seu reduto
eleitoral, deve ser fortemente redimensionada.
Ao mesmo tempo em que fornece evidências para desmentir a primeira hipótese, a
Tabela_1 permite confirmar os argumentos levantados pela segunda hipótese. Os
dados mostram que, de forma marcante para os projetos rejeitados e vetados, o
tipo distributivo de amplo impacto sempre supera os paroquiais. Isso significa
que os outputs legislativos do Congresso Nacional, além de disporem sobre a
comunidade nacional, tendem a beneficiar grupos espalhados sobre o território
brasileiro.
O dado é surpreendente? Não. Partindo da premissa de que o congressista legisla
para sinalizar aos seus eleitores, a evidência dá conta de como realmente
funcionam os incentivos eleitorais no Brasil: a lógica da interação entre
candidato e eleitor em um distrito que é o estado federativo deve levar em
consideração os maiores estímulos para o envolvimento direto em políticas
distributivas de impacto amplo. Ao analisar os projetos parlamentares nas áreas
de saúde e educação, Lemos chega à mesma conclusão: ''O Congresso [...] atua
predominantemente no sentido de difundir benefícios e não de concentrá-los''
(2001:595).
Vale lembrar que a segunda hipótese apontava também para a necessidade de
considerar o fato de que há grande variação na magnitude (M) dos distritos
brasileiros. Isso significa que nos distritos com M baixa a probabilidade de
encontrar políticas paroquiais seria maior do que nos distritos grandes.
Contudo, os dados aqui analisados não apontam nessa direção. Dos setenta
projetos de impacto local propostos, foram excluídos os apresentados pelos
senadores, restando 42 casos. Destes, apenas sete são propostos por deputados
eleitos em distritos com M = 8, ao passo que 23 projetos foram apresentados por
deputados eleitos em distritos que elegem trinta ou mais representantes. Embora
sejam necessárias outras investigações11, eu diria que o fato de não ter
encontrado uma correspondência entre políticas locais e magnitude distrital
baixa é imputável aos custos de competição na arena eleitoral. Ou seja, mesmo
que nos distritos com M baixa os custos de informação sejam menores se
comparados aos dos distritos que elegem um número superior de representantes,
não se eliminam os custos de competição que decorrem da presença de vários
concorrentes no mesmo distrito.
Com todos os cuidados que uma generalização dessa exige12, é importante lembrar
que os dados apontaram para um domínio da categoria geral/secional. Se
separarmos as propostas gerais das secionais, temos outra confirmação de que o
interesse do legislador é mais voltado para questões gerais. De fato, dentro da
categoria geral/secional o conteúdo geral representa sempre dois terços do
total (66,8% para as normas sancionadas, 66% para as propostas rejeitadas e
64,9% para as vetadas). Nessas circunstâncias, torna-se muito difícil continuar
a sustentar a imagem de um congressista envolvido na distribuição de benefícios
locais, ou a idéia de que ele não se interessa por questões nacionais e/ou
secionais.
Para recuperar um quadro positivo do Congresso Nacional, pode-se dizer que a
arena legislativa se mostra capaz de encontrar acordos estáveis, duradouros e
bem-sucedidos quanto ao tipo de legislação que tenha como objetivo dispor sobre
múltiplos interesses relativos à comunidade nacional ou à regulamentação de
setores amplos da comunidade (leis secionais), segundo uma lógica bem próxima à
do Congresso como arena de negociação e de compromisso. Embora seja cedo para
se chegar a uma conclusão taxativa a respeito, eu diria que a razão desse
domínio deve ser procurada não só na arena eleitoral, mas também na dinâmica
interna à arena legislativa.
Antes de tratar dessa questão, é necessário uma última reflexão acerca da
terceira hipótese, relativa à diferenciação entre as atitudes legislativas dos
senadores e dos deputados. Como vimos acima, em função dos incentivos
eleitorais, os senadores teriam menos propensão a concentrar-se em políticas
paroquiais. Os dados parecem apontar nessa direção. Excluindo-se a concessão de
aposentadorias dos projetos paroquiais, registra-se uma concentração na Câmara
de 21 das trinta leis sancionadas, e de sete das onze propostas vetadas; para
os projetos rejeitados (24 casos) não há predominância de nenhuma das duas
Casas. Ou seja, a Câmara dos Deputados parece demonstrar uma atitude mais ativa
na produção desse tipo de lei do que o Senado. Vale lembrar, no entanto, que o
número de projetos selecionados, apenas 64, é pequeno e não dá lugar a
inferências pacíficas.
A ARENA LEGISLATIVA: A LÓGICA DO LAW-MAKING DISTRIBUTIVO BRASILEIRO
Objeto e Método de Indagação
As evidências apontam, portanto, para um legislador mais envolvido com questões
de impacto amplo e que dá menor atenção a projetos de cunho paroquial. Não
obstante, o eleitor pode ficar com duas dúvidas. Primeiro, é oportuno entender
por que a categoria geral/secional domina as demais. O interesse dos
congressistas vai nessa direção, ou há outras explicações? A segunda dúvida é
entender por que alguns projetos de lei do tipo distributivo e paroquial são
sancionados, outros são rejeitados e alguns, vetados. Formulando melhor o
problema: é possível encontrar uma lógica da ação decisória que explique por
que há políticas distributivas e paroquiais bem-sucedidas e outras não?
Ao tentar responder a essas perguntas, focarei a análise sobre a tramitação dos
projetos distributivos. Isso viabiliza uma resposta direta quanto ao mérito da
segunda dúvida. Mesmo que não analise os projetos do tipo geral/secional, tenho
a impressão de que essa escolha permite responder também à primeira dúvida.
Mostrarei que um processo decisório que acentua os custos de investimento do
congressista na prática legislativa pode ser interpretado como um desestímulo a
qualquer ação meramente distributiva. Demonstrando isso para as normas
distributivas, acredito que o argumento possa ser expandido para qualquer outro
tipo de política. Nesse sentido, o envolvimento com o processo legislativo
seria, sobretudo, conseqüência direta do interesse pessoal do congressista por
questões de caráter nacional ligadas a temáticas específicas como, por exemplo,
os direitos civis do cidadão. A questão, portanto, está em definir o ônus real
da ação legislativa para os congressistas.
Posto dessa forma, esse raciocínio questiona a teoria segundo a qual para cada
tipo diferente de política temos arenas de poder com características e
dinâmicas próprias (Lowi, 1964; 1972); isto é, políticas distributivas e, em
particular, as paroquiais encontrariam seu ambiente ideal de formulação nas
comissões, ao passo que as regulatórias e as redistributivas, pelo alto grau de
conflito, estariam concentradas no plenário ou no Executivo. O caso brasileiro
desmente, em parte, essa visão.
Para verificar a quantidade de projetos distributivos em que a comissão exerceu
um papel de decisão ao longo de sua tramitação, considerei dois indicadores:
comissão com poderes terminativos e influência da comissão no processo
decisório. O primeiro indicador salienta o papel da comissão como centro
decisório final. Conforme a teoria, políticas distributivas deveriam seguir uma
tramitação do tipo descentralizada13. O segundo considera os casos nos quais as
comissões, mesmo sem poderes conclusivos, influenciam o processo decisório.
Isso pode ocorrer, para os projetos sancionados e vetados, via a apresentação e
aprovação de emendas de comissão ou de um substitutivo ao projeto ou, para os
projetos rejeitados, por meio de um parecer final pela rejeição14.
Antes de apresentar os dados, um esclarecimento. Para uma configuração dos
projetos distributivos mais próxima da realidade, optei por excluir das
categorias microssecional/individual de impacto limitado e microssecional de
impacto amplo os projetos relativos à concessão de aposentadorias e os que
apresentavam características meramente regulatórias. De agora em diante a
análise relativa às normas distributivas será restrita a 72 projetos
sancionados, 27 vetados e 105 rejeitados.
De acordo com a Tabela_2, o peso relativo da decisão terminativa é bastante
limitado no caso dos projetos sancionados e vetados. Ao mesmo tempo, observa-se
que a apresentação e aprovação de emendas são ainda menos freqüentes quando os
projetos tramitam sem que às comissões seja atribuído o exercício de função
legislativa plena (cerca de 11%). É claro que a utilização do poder
terminativo, juntamente com a intervenção da comissão, por meio da alteração do
projeto via emendas, constitui sempre uma modalidade de intervenção minoritária
para os projetos deliberados e aprovados no Congresso. O dado interessante e
surpreendente diz respeito aos projetos rejeitados por meio do poder
terminativo (39,4%) e aos que receberam parecer contrário à aprovação nas
comissões e cuja rejeição foi mantida em plenário (37,5%). Dessa perspectiva,
supõe-se que o papel das comissões seja mais o de expressão de um poder de veto
do que o de centro decisório tipicamente voltado à determinação dos outputs
legislativos do tipo distributivo15.
Com base nisso, não se pode chegar à conclusão de que as dinâmicas decisórias
internas às comissões sejam caracterizadas pela falta de modalidades
cooperativas de law-making. Seria um exagero enorme dizer que o que sucede com
as propostas rejeitadas seja devido à absoluta falta de acordo dentro das
comissões. Na espera de investigações mais aprofundadas sobre esse tema, o que
ocorre salientar é que os dados apontam para o fato de que as comissões parecem
agir como arenas de veto. Ou seja, é difícil pensar as comissões brasileiras
como última instância decisória, onde se concentrariam as decisões
distributivas, conforme o modelo americano ou o italiano, em que as comissões
exercem um poder positivo.
Passarei agora a discutir as escolhas analíticas feitas para o estudo do law-
making distributivo brasileiro. Devo lembrar que o problema básico a ser
enfrentado é entender por que algumas propostas são bem-sucedidas e outras,
não. No deslocamento da análise para a arena legislativa, decidi centralizar a
investigação sobre três grupos de variáveis explicativas: as políticas, as de
tramitação e as ligadas à carreira do parlamentar.
Quanto ao primeiro grupo, uma primeira consideração é a de que o desempenho
legislativo do congressista pode ser mais bem entendido ressaltando-se as
condições nas quais se institucionaliza a formação de gabinetes de coalizão
(Abranches, 1988; Amorim Neto, 2000; Amorim Neto e Tafner, 1999). Ao apoiar um
presidente, os partidos da coalizão passam a ter acesso a uma série de
vantagens específicas, como negociar a distribuição de cargos públicos
(ministérios, secretarias e cargos de escalões inferiores), pressionar para a
liberação de créditos, ter privilégio nas emendas de MPs e em processos de
concessão de rádio e TV. Segundo esse ponto de vista, os termos da relação
entre o presidente da República e o Congresso também mudam, de modo que, em vez
de prefigurar uma cooperação impulsionada pelo fato de cada um perseguir os
seus objetivos específicos, eles se expressam na forma, típica dos regimes
parlamentaristas, da relação entre Executivo (primeiro-ministro e ministros de
gabinete) e partidos de maioria, isto é, uma competição entre partidos (King,
1976; Andeweg, 1992) e dentro das coalizões de governo (Lijphart, 1968;
Pappalardo, 1978). Sendo assim, é possível supor que o projeto cujo proponente
é da área do governo tenha mais chances de chegar a ser aprovado e sancionado.
Chamarei esta variável de APOIO, e ela será operacionalizada a partir da
presença ou não do partido do proponente da lei na coalizão que apóia o governo
durante a tramitação do projeto. Foi adotada uma classificação que separa
oposição e governo. A primeira refere-se ao partido do proponente quando este
não ocupa cargos ministeriais no momento da apreciação final do projeto,
enquanto a segunda sinaliza pela situação contrária16. A ênfase na ocupação de
cargos ministeriais parte do pressuposto de que pode ser maior a influência
sobre o processo decisório para quem ingressa formalmente no governo17.
Vale notar que o mesmo raciocínio pode ser aplicado para o momento da
apreciação do projeto nas comissões. Se o relator da comissão é de um partido
da mesma área do proponente do projeto (governo-governo e oposição-oposição), é
de se esperar que o parecer venha a ser favorável. A variável RELATOR,
mensurada considerando o partido do relator no momento em que o parecer final
por ele apresentado é votado na comissão, procura capturar a influência desse
fator.
Um segundo aspecto que vale destacar diz respeito ao papel exercido pelas
lideranças durante o processo decisório. Os líderes, por meio do Colégio dos
Líderes, têm de fato uma influência enorme sobre a organização dos trabalhos
legislativos do plenário, por intermédio do instituto da tramitação urgente, da
elaboração da agenda, conjuntamente com o presidente da Mesa, e da
possibilidade de apresentar requerimentos, pedidos de destaque e emendas
(Figueiredo e Limongi, 1996). Assim, é plausível pensar que a utilização do
instrumento do pedido de urgência ou da urgência urgentíssima sobre um projeto
sinaliza um envolvimento direto dos líderes com a proposta em discussão,
tornando mais provável sua apreciação e aprovação em plenário. A terceira
variável, que chamarei de LIDERANÇA, é operacionalizada de forma dicotômica,
diferenciando-se entre a intervenção ou não dos líderes durante a tramitação do
projeto.
No segundo grupo entram as variáveis relativas à tramitação do projeto.
Considerarei o tempo de tramitação (variável TEMPO), o parecer técnico expresso
pela comissão (variável PARECER) e a sede da decisão final (variável CASA).
Argumento que um tempo de tramitação elevado e um parecer de comissão contrário
podem afetar negativamente o curso de um projeto. O problema é saber se a mesma
capacidade de intervir no processo decisório atribuída constitucionalmente às
duas Casas pode influenciar o êxito do law-making distributivo. Nesse sentido,
a questão passa a ser: qual das duas instâncias representativas desempenha um
papel crucial para a aprovação dos projetos distributivos? Especificamente, a
probabilidade de um projeto ser aprovado pode estar relacionada, por exemplo,
com a atuação legislativa do Senado, pouco propenso à deliberação das propostas
distributivas.
No último grupo considero as variáveis ligadas à experiência política do
parlamentar, como o número de mandatos (variável CARREIRA) e se ele está no
cargo durante a apreciação final do projeto (variável CARGO). Propor um projeto
de lei não representa um custo para o congressista, senão o de definir o seu
conteúdo e apresentá-lo. Os custos aumentam quando o objetivo específico torna-
se a sua aprovação. Nesse sentido, a experiência parlamentar (ou seniority) e a
presença do proponente no momento da decisão final podem ajudar a explicar por
que há projetos vetados, rejeitados e sancionados.
A Lógica do Law-making: O que os Dados Apontam
Gostaria de discutir, em primeiro lugar, o que dizem os dados relativos à
tramitação dos projetos. Na Tabela_3, observa-se que a maioria das normas
distributivas é apresentada e deliberada em legislaturas diferentes. Do que
podemos extrair duas considerações relevantes: que o congressista interessado
na aprovação de projetos distributivos tem de arcar com um elevado custo de
investimento na arena legislativa, dada a longa tramitação dos projetos. Um
parlamentar pode se dar ao luxo de apresentar inúmeros projetos, mas ele é
consciente de que grande parte das suas propostas não terá nenhum efeito, e a
maioria delas nunca será discutida. Portanto, ao tentar aprovar um projeto,
qualquer congressista deve levar em conta que as chances de o mesmo ser
apreciado e aprovado naquela legislatura são iguais às de que ele seja
transformado em lei em outra legislatura (cerca de 50%). Como os propósitos do
tipo distributivo se encontram, em tese, na lógica da conexão eleitoral, deve-
se considerar que, para o caso brasileiro, o fator tempo atua como um
desestímulo à adoção da prática legislativa ordinária como estratégia para
garantir a reeleição. Do ponto de vista estatístico, a distribuição das
observações não é aleatória, já que o teste do Qui-quadrado mostra baixa
probabilidade para essa hipótese (p < 0,01).
A segunda consideração que pode ser extraída da tabela, ainda no que se refere
à variável tempo, é o destaque para a alta taxa de normas vetadas em
legislaturas diferentes daquelas em que foram apresentadas (fator evidenciado
também no cálculo dos resíduos padronizados). Esta observação é confirmada
quando se examina se o projeto foi apreciado e vetado durante um mesmo mandato
presidencial. Dos 27 projetos em exame, somente um foi apresentado e vetado sob
uma mesma presidência. Nesse sentido, é possível sustentar a idéia de que o
veto total seja um instrumento adotado para questões ''antigas'' e que,
portanto, não sinaliza uma tensão entre presidente e parlamentares daquela
legislatura. Resta, é evidente, verificar em que medida o veto pode ser
expressão de uma tomada de decisão do presidente, devido à escolha estratégica
do Congresso de não assumir a responsabilidade pela rejeição, por exemplo, de
propostas altamente populares. Dessa forma, poder-se-ia supor que o veto total
sinaliza a decisão do Congresso de deixar ao presidente o ônus da decisão final
negativa sobre projetos altamente consensuais, mas inviáveis do ponto de vista
prático.
Quanto ao âmbito no qual ocorreu a decisão final sobre o projeto (variável CASA
da Tabela_3), o Senado exerce um papel significativo para cada tipo de projeto
considerado, assim como no conjunto dos projetos (em 77% das 204 propostas aqui
estudadas, é o Senado que toma a decisão final). Nesse sentido, pode ser dito
que o Senado exerce uma função revisora sobre os projetos em geral e sobre os
da Câmara em particular, uma vez que, devido ao sistema de tramitação das
propostas legislativas adotado no Brasil, ao aprovar um projeto sem emendas, o
Senado apenas referenda o decidido pela Câmara Baixa18. Ao se cruzar a variável
decisão final com a variável origem dos projetos, obtém-se uma confirmação
dessa imagem acerca da segunda Casa. Dos 157 projetos em que o Senado operou
como última instância, 60,5% tiveram origem na Câmara dos Deputados. Vale
salientar que o teste de diferença de proporções não apontou significância
estatística (p > 0,05). Isto é, a imagem do Senado como Casa revisora não pode
ser utilizada para explicar o resultado final dos projetos de lei. Nesse
sentido, a utilização do termo revisora pode levar a crer que também seja
imputável à segunda Casa a rejeição de projetos originários da Câmara. Os dados
mostram, sempre ao se cruzar a variável decisão final com a variável origem dos
projetos, que dos 81 projetos rejeitados pelo Senado, a maioria (46 projetos,
isto é, 56,8% do total) foi apresentada por senadores. Assim, em termos de
tendência, pode-se sustentar, preliminarmente, a idéia de um Senado que atua
como Casarevisora sobre as propostas dos deputados, ao mesmo tempo que
desempenha um papel auto-regulador, rejeitando os seus próprios projetos.
O dado mais interessante é o que se refere ao parecer final apresentado pelas
comissões que analisaram as propostas legislativas (variável PARECER). Na
Tabela_3, pode-se observar que a maioria dos projetos rejeitados recebeu
parecer contrário (64,7%), ao passo que para as demais categorias dominam os
pareceres favoráveis. Essa informação, além de fornecer um quadro descritivo
mais completo da tramitação legislativa, ajuda a compreender um aspecto
particularmente interessante da arena legislativa, relativo ao papel exercido
pelas comissões. Em princípio, pode-se suspeitar de que o sucesso de um projeto
depende também do formato do parecer da comissão. De 476 pareceres totais
emitidos, 18,7% (89) eram contrários, e em quase todos os casos (88) eles
contribuíram para a rejeição final do projeto, já que o plenário não se
manifestou a respeito. Essa observação não altera o quadro anteriormente
descrito ' segundo o qual à arena distributiva não corresponde um sistema em
que as comissões atuam como centros decisórios privilegiados ', mas permite
particularizá-lo. Ou seja, deve-se considerar que quando as comissões
apresentam um parecer contrário, o projeto é (quase) sempre rejeitado. O teste
estatístico confirma a associação entre tipo de parecer e tipos de projetos
deliberados ao nível de 0,01.
Quanto à responsabilidade pela rejeição, é evidente que as duas instituições
cumprem papéis diferentes. Dos 89 pareceres contrários, a quase totalidade teve
origem no Senado (88,8%). Além disso, o fato de o número de pareceres do Senado
ser menor que o da Câmara ' cerca de um terço dos pareceres totais emitidos
(115 sobre 340 totais) ' sinaliza uma tramitação concentrada em um número menor
de comissões no Senado. Isso sugere que a dinâmica legislativa das comissões é
diferente nas duas Casas. De modo preliminar, a partir dos dados obtidos, é
possível confirmar essa observação. O Senado, além de concentrar o exame dos
projetos de lei em um menor número de comissões, tende a cumprir um papel
revisor.
Passo agora a discutir o conjunto das variáveis políticas. Os dados
apresentados na Tabela_4, referentes à posição do partido do proponente durante
a tramitação (variável APOIO), evidenciam que, para o tipo sancionado,
prevalecem os projetos da área do governo. Entretanto, é significativo o número
de projetos que são rejeitados em plenário, pelos próprios congressistas
pertencentes à mesma área do proponente. Ou seja, o fato de o proponente de um
projeto de lei pertencer a um partido da área do governo não é garantia de
sucesso para esse projeto. De fato, o teste de diferenças de proporções não é
significativo (p > 0,01). No que se refere aos projetos vetados, a atuação do
presidente da República concentra-se mais sobre as iniciativas da oposição. Se,
por um lado, este dado confirma a idéia da inexistência de um conflito
manifesto e aparente entre o presidente e sua base de apoio, por outro, é
necessário dizer que isso é imputável ao tipo de tramitação das normas vetadas.
Estes projetos passam por legislaturas e presidências diferentes, de modo que
as coalizões partidárias que apóiam o governo mudam, aumentando as chances de
que o partido do proponente passe de uma área de apoio para outra.
Quanto aos dados relativos à variável RELATOR, não faz nenhuma diferença para
os projetos sancionados e vetados que os relatores de comissão sejam ou não da
mesma área do proponente. De fato, como apontado anteriormente, essas duas
categorias de projeto não são praticamente afetadas por pareceres contrários.
Interessante, portanto, é o dado relativo aos projetos rejeitados. Dos 135
pareceres totais aqui registrados, 88 são contrários, sendo que a maioria deles
(55,2%) é fornecida por relatores da mesma área do proponente e, destes, 68,8%
vêm da área do governo. Se for considerado somente o número total de pareceres
pronunciados por congressistas de áreas diferentes daquela do proponente, no
conjunto dos três tipos de normas estudadas (191 no total), os pareceres
contrários permanecem minoritários (39 projetos). Isso confirma as conclusões
relativas à variável APOIO. Os projetos de lei ordinários de origem parlamentar
seguem um percurso que, pelo menos no mérito das práticas distributivas, não se
restringe à contraposição entre partidos de governo e partidos de oposição. O
teste do Qui-quadrado confirma este achado, já que as diferenças de proporção
não são significativas ao nível de 0,0119.
A terceira das variáveis políticas aqui consideradas oferece os dados mais
inteligíveis. A participação dos líderes no processo decisório, por meio do
pedido de urgência, e o interesse de um grupo de parlamentares, via
apresentação de requerimento de inclusão na ordem do dia, são fatores que têm
peso relativo considerável na tramitação dos projetos bem-sucedidos. Nesse
sentido, mesmo que a intervenção das lideranças seja muito menos freqüente que
a não-intervenção, é correto dizer que a sua ausência pode explicar, em parte,
por que alguns projetos são rejeitados mesmo quando o proponente é da mesma
área do governo. O cálculo do Qui-quadrado mostra que a distribuição das
observações não é aleatória (p < 0,01), e o exame dos resíduos destaca a
ausência de intervenção como conseqüência da rejeição, assim como a intervenção
como determinante do sucesso do projeto.
Por último, cabe considerar a categoria das variáveis ligadas à experiência
pessoal dos proponentes. A princípio, é lógico supor que a probabilidade de que
as propostas do parlamentar sejam apreciadas e sancionadas é maior quando ele
está presente no momento da decisão final sobre elas e à medida que a sua
carreira for consolidada ao longo dos anos. Os dados da Tabela_5 confirmam este
raciocínio.
No que diz respeito à variável CARGO, que mede a presença ou não do proponente
no momento da deliberação final, observa-se uma freqüência maior de projetos
sancionados, relativamente às demais categorias, quando o autor do projeto
ainda se mantém no cargo. Isso deve ser levado em conta como tendência geral,
já que são poucos os casos em que projetos são apreciados ou rejeitados sem a
presença do proponente. De fato, o teste do Qui-quadrado não mostra
significância estatística (p > 0,001). Os dados são mais animadores quando se
passa ao exame da experiência do parlamentar (variável CARREIRA). De fato, ao
se considerar o número de mandatos dos proponentes presentes20, nota-se que,
para os projetos sancionados, há uma tendência à concentração acima de dois
mandatos, ao passo que para os projetos rejeitados o número de legislaturas é
inferior. Isso indica que a experiência parlamentar tem um papel relevante no
processo decisório, isto é, ao aumentar o número de mandatos, as chances de um
parlamentar ver os seus projetos aprovados crescem. Se levarmos em conta os
altos índices de renovação do Congresso brasileiro, esse dado é ainda mais
relevante. Nesse sentido, corroborando o achado de Amorim Neto e Santos (2002),
a consideração central é a de que a instituição tende a favorecer o parlamentar
mais experiente. Nota-se que as diferenças de proporção são estatisticamente
significativas ao nível de 0,01, isto é, à medida que o parlamentar aumenta sua
experiência, ele é capaz de compreender melhor os mecanismos institucionais que
estruturam a lógica do law-making e de consolidar seus contatos e apoios
apartidários.
Em suma, as características dos projetos distributivos apontam para as
seguintes reflexões:
1) Os projetos de lei distributivos de origem parlamentar seguem uma orientação
que vai além da mera contraposição entre (partidos de) governo e (partidos de)
oposição. No sentido político, não existe uma diferença notável entre a cor
política das propostas deliberadas, isso se levando em conta o número de
projetos rejeitados da área do governo, assim como a relação partidária
proponente-relator. Entretanto, sob uma ótica eminentemente política, a alta
taxa de propostas rejeitadas pelo próprio Congresso Nacional pode ser
imputável, em parte, ao pouco interesse das lideranças. Aqui o argumento é
claro: a tramitação em caráter de urgência eleva as chances de que o projeto
seja apreciado favoravelmente no plenário.
2) Os fatores que parecem ter um papel relevante na arena legislativa
distributiva são os aspectos internos ao processo decisório. Investir na
prática legislativa implica fazer face a uma série de custos de tramitação
inevitáveis, tais como um tempo de tomada de decisão longo, a possibilidade de
receber um parecer contrário e a incapacidade de suscitar o interesse da
liderança. Somente o número de mandatos pode contribuir, mas não garantir, para
que a proposta venha a ser votada e aprovada.
3) Para entender o funcionamento real do processo decisório brasileiro, deve-se
diferenciar entre o desempenho da Câmara dos Deputados e o do Senado Federal.
No mérito das propostas distributivas, mostrei que a decisão final se concentra
na segunda Casa, característica que aponta para a função revisora do Senado. Os
dados sugerem também que as comissões têm desempenho legislativo diferente nas
duas Casas. A concentração no Senado de pareceres contrários a projetos que têm
origem na própria Casa sinaliza um sistema decisório do tipoauto-regulador.
CONCLUSÕES
Quais são as conclusões que podemos extrair do conjunto de informações aqui
apresentadas? Do ponto de vista da qualidade, é enganoso pensar que a produção
legislativa do Congresso esteja relacionada com tendências meramente
paroquiais. Aliás, pelos dados oferecidos, parece evidente que o Congresso age
mais com o objetivo de produzir normas de impacto geral e secional e, de forma
menos expressiva, projetos distributivos de impacto amplo. A questão imediata
é: como interpretar esses dados à luz do pressuposto de que o objetivo primário
dos congressistas é se reeleger? Respondo considerando duas explicações
relevantes.
A primeira delas considera a importância da conexão eleitoral em função do
sistema eleitoral. Em particular, é preciso reconsiderar o argumento de que os
congressistas, quando envolvidos na prática legislativa, distribuem benefícios
concentrados para viabilizar a reeleição. A lógica eleitoral em um sistema
proporcional e os custos de investimento parecem empurrar os deputados para uma
ação legislativa voltada para satisfazer grupos mais amplos. Nesse sentido,
parece-me que até agora, salvo poucas exceções, os estudos sobre a produção
legislativa foram caracterizados por uma alta incoerência teórica e por um
baixo teor analítico. Incoerência teórica, pela ausência de uma leitura
articulada e abrangente, indicando o real funcionamento do arranjo eleitoral
brasileiro; baixo teor analítico, no sentido da inexistência de uma tentativa
de provar com os dados as suposições teóricas relativas ao paroquialismo. O
argumento resume-se ao seguinte: os congressistas produzem uma legislação de
cunho difuso devido aos incentivos eleitorais decorrentes de um sistema que
combina representação proporcional em distritos com magnitude média e elevada e
população numerosa. Daí estar equivocada a literatura que trata da
predominância de atividade paroquial (do tipopork barrel) no Congresso
brasileiro.
A segunda explicação ressalta o papel das regras decisórias internas. Na
situação encontrada, o que impede o êxito de um projeto de lei é o fato de que
a tramitação, em si, implica gasto de energia e compromisso constante por parte
do proponente. Dessa forma, em um contexto em que o processo decisório é lento,
ao se estender o tempo da tomada de decisão, aumentam as chances de rejeição ou
futuro veto de um projeto, especialmente quando ele passa pela avaliação de
legislaturas diferentes. Uma vez que a legislação ordinária não pode implicar
gastos públicos, sem que sejam indicadas as fontes de receita respectivas, e é
caracterizada por uma tramitação mais demorada, é evidente que os congressistas
têm fortes desestímulos para a atividade legislativa stricto sensu. O argumento
resume-se no seguinte:a organização e o estilo dos trabalhos legislativos
desestimulam a orientação particularista do congressista, que, ao investir na
prática legislativa, concentra mais as suas energias no atendimento de demandas
gerais, não propriamente distributivas.
O fato de que outros estudos tenham mostrado que o modelo distributivista
encontra sérios problemas de aplicação também na arena orçamentária (Figueiredo
e Limongi, 2002) leva a crer que a tese do ''voto pessoal'' deve ser
reexaminada. Particularmente, creio que um sistema, ao criar incentivos para o
''voto pessoal'' e, ao mesmo tempo, inviabilizar a prática legislativa como
conector entre eleitor e eleito, devido à organização centralizada do
Legislativo brasileiro, poderá encontrar uma aplicação melhor quando ficar
restrito ao âmbito da arena eleitoral. Quero dizer que, de acordo com as regras
legislativas que negam a ação individual ao parlamentar, e observando que os
incentivos eleitorais são direcionados mais para a produção de políticas
distributivas de impacto amplo, as manifestações efetivas do ''voto pessoal''
passam unicamente pelo estudo das atividades de constituency service (ou case
works).
Para quem continuar em busca das evidências da conexão eleitoral na produção
legislativa do congressista, resta apegar-se ao estudo das propostas nunca
debatidas ou sobre as quais não houve deliberação final. Isto significa
defender a perspectiva de um mero comprometimento simbólico, por parte dos
políticos, com o processo decisório. Ou seja, o candidato eleito deve poder
mostrar serviço uma vez feito parlamentar. A apresentação de propostas de leis
sinalizaria nessa direção, independentemente dos resultados alcançados. Embora
esta linha de pesquisa seja realista, uma vez confirmada, apontaria para uma
conexão eleitoral baseada em ''propostas-bandeiras''21, isto é, para uma
negação (na teoria e na prática) de si mesma, já que a conexão, no caso, viria
a se realizar por meio da distribuição de benefícios simbólicos e não reais. No
tocante à teoria do ''voto pessoal'', a conclusão só pode ser a de que a lógica
do distributivismo brasileiro nunca será entendida enquanto sua investigação se
limitar à ''simples'' análise da arena eleitoral.
NOTAS
1. Nessa discussão, é oportuno um esclarecimento: magnitude elevada não está
associada, de imediato, à idéia de distritos com população grande. Isto é,
mesmo que seja legítimo supor uma relação direta entre magnitude e população,
esta não é necessariamente do tipo linear. Há casos de distritos com magnitude
alta, mas com população baixa. Por exemplo, a circunscrição de Uusimaa, na
Finlândia, tem magnitude igual a 32, quase como a do Estado do Rio Grande do
Sul, que é de 31. Contudo, ao considerar o número de eleitores, observa-se que
o Rio Grande do Sul tem 7.932.228 eleitores (ano base 1998), ao passo que o
distrito finlandês tem apenas 613.567 (ano base 1999), quase o mesmo que o
Estado de Tocantins, cuja magnitude é de 8. Ou seja, a associação entre aumento
da magnitude e aumento do número de eleitores é válida para o caso brasileiro,
mas não pode se constituir, a priori, em uma relação em análise comparada.
2. Santos, em texto recente, chama este de custo de sinalização (Santos, 1999).
Na verdade, a sinalização não é um custo em si, mas é uma conseqüência direta
dos problemas informativos que o eleitor e o candidato encontram na arena
eleitoral brasileira, caracterizada por distritos com magnitude média-alta e
população numerosa.
3. Prefiro adotar o termo bicameralismo igual/desigual do que a expressão
perfeito/imperfeito, em virtude da carga valorativa que esta segunda opção
terminológica carrega. Afirmar que há arranjos institucionais bicamerais
perfeitos implicaria, de fato, presumir a existência de sistemas melhores do
que outros.
4. Vale lembrar que, dentre os inúmeros modos de entender o problema da
natureza das leis, a conceituação mais conhecida é aquela desenvolvida por
Theodore Lowi, que, considerando o impacto previsto das legislações sobre os
sujeitos, distingue entre políticas distributivas, regulatórias e
redistributivas (Lowi, 1964). Sempre no contexto americano, uma outra forma de
abordar a questão investiga o conteúdo da lei pelo critério dos benefícios/
custos que recaem sobre os interessados de forma mais ou menos concentrada
(Wilson, 1973; 1980).
5. É importante ressaltar algumas exceções. Dos cinco trabalhos existentes, só
dois deles enfrentam, do ponto de vista teórico, a problemática relativa à
forma de medir a lei (Santos, 1994; 1995); os outros três são estudos empíricos
baseados ou no modelo proposto por Di Palma (Figueiredo e Limongi, 1998; Amorim
Neto e Santos, 2002) ou na proposta de Santos (Lemos, 2001). A forma de medir a
lei adotada por Santos baseia-se nos critérios dos custos/benefícios e da
magnitude do grupo afetado, importando ipso facto o debate americano.
6. Essa escolha é fruto de uma investigação que se fixou no estudo das
propostas classificatórias discutidas nos Estados Unidos e na Itália. Para uma
análise aprofundada do problema do conteúdo das leis e o argumento de que sua
classificação pode ficar restrita a esses três critérios, ver Ricci (2002).
7. Conforme a teoria, uma política distributiva caracteriza-se por desagregar
os benefícios até o nível individual (Lowi, 1964). Portanto, a indagação deve
ser limitada às leis microssecionais e individuais, que, por definição,
produzem efeitos direcionados a grupos específicos; as leis gerais e secionais
incluem muito mais significativamente aspectos redistributivos e regulatórios.
8. É importante salientar que muitos autores tratam esse critério juntamente
com o primeiro (Di Palma, 1977; Capano e Giuliani, 2001; Cantelli et alii,
1974).
9. Na prática, deve-se esperar que leis gerais/secionais de impacto local e
leis individuais de impacto nacional sejam tipos poucos freqüentes, já que é
difícil que uma lei geral tenha impacto local ou que uma lei individual tenha
impacto nacional. Seriam, digamos assim, casos excepcionais.
10. Vale salientar que esse valor é praticamente igual àquele observado no
âmbito do Executivo, cujas normas de conteúdo geral/secional chegam a 67,7% do
total para o período de 1990 a 1998 (ver Ricci, 2001).
11. É oportuno considerar o baixo número de projetos locais encontrados. O
exame das muitas propostas apresentadas e arquivadas no final de cada
legislatura pode representar uma estratégia analítica alternativa para estudar
o fenômeno em questão.
12. Penso, em especial, na existência de casos nos quais, pela estrutura
espacial da competição eleitoral e pelos recursos pessoais, o candidato sabe
detectar e pode cultivar relações estreitas com o ''seu eleitorado''. Poder-se-
ia entender que, nesse caso, o político queira atuar por meio de políticas
paroquiais.
13. Vale lembrar que o artigo 58 da Constituição brasileira, relativo às
atribuições legislativas das comissões permanentes do Congresso, adota o
disposto constitucional italiano (art. 72). Na Itália, de acordo com a
literatura, é nas comissões que a maioria dos projetos de conteúdo
microssecional encontra sua arena decisória ideal (Di Palma, 1977). Estudo
recente sobre o parlamento italiano confirma essa dinâmica ao mostrar que, nas
X, XI e XII legislaturas, os projetos de caráter microssecional apreciados em
comissão prevaleceram sobre qualquer outra categoria de normas em discussão.
Mesmo que os dados relativos à XIII legislatura apontem para uma inversão de
tendência em favor dos projetos de conteúdo nacional, a porcentagem de projetos
microssecionais aprovados de forma terminativa nas comissões permanece elevada
(38,9%) (De Micheli, 2001).
14. Conforme os regimentos internos do Senado Federal e da Câmara dos Deputados
(art. 254 para o Senado e art. 132 § 2º para a Câmara), ao receber um parecer
contrário na comissão, o projeto pode, com o recurso de pelo menos um décimo
dos membros da Casa, passar ao exame no plenário.
15. Pereira e Mueller (2000:61) apontam nessa direção ao sugerirem que o papel
distributivo das comissões brasileiras parece ser ''insuficiente para explicar
a existência de um sistema de comissões tão complexo''. No seu estudo de caso
sobre a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público ' CTASP, Diniz
chega às mesmas conclusões. A série de dados coletados pela autora mostra que a
CTASP desempenha um papel negativo, barrando boa parte das propostas
apresentadas, e que a possibilidade de apreciação em decisão terminativa,
''saudada por muitos como um mecanismo que fortaleceria o sistema de comissões,
teve efeito diminuto sobre a tramitação dos projetos'' (Diniz, 1999:77).
16. É oportuno dizer que cada uma delas pode incluir diferentes modalidades. É
possível diferenciar entre a situação na qual o partido nunca entrou na
coalizão de governo durante a tramitação do projeto e aquela em que o partido
ocupou posições de governo ao longo da tramitação, mas no momento da votação
final encontrava-se na oposição. Na minha análise não abordarei essas
diferenças.
17. Uma crítica contundente que poderia ser feita ao tratamento operacional da
variável APOIO é a de que não foi levado em conta, para o proponente, o impacto
que tem a migração partidária. Por sinal, um impacto significativo, que na
década de 90 afetou cerca de 30% dos deputados federais (Melo, 2000).
Entretanto, para o caso em questão, o problema da migração não afeta
significativamente o critério adotado para medir a variável APOIO, já que esta
foi mensurada de forma dicotômica ' pertencer ou não à área do governo.
Portanto, se a migração for entre partidos da mesma área, esta não tem impacto
na variável. Para validar a suposição, foi feito um teste sobre os projetos
apresentados por deputados federais na categoria rejeitados (164 no total) e
entre os sancionados (193 no total). O teste mostrou que, de fato, a variação
entre áreas diferentes (da área do governo para a de oposição e vice-versa) é
bem menor que o valor médio registrado pela migração partidária (6,8% e 1,6%
para os projetos rejeitados e sancionados, respectivamente).
18. Este é também o achado de um estudo comparativo entre Brasil e Argentina
baseado em entrevistas com os senadores. À pergunta ''Cual es la diferencia
principal entre el Senado y la Cámara de Diputados?'', 17,6% dos senadores
brasileiros apontaram como segunda diferença principal o fato de que o Senado
age como Câmara revisora. A primeira preferência, com 27,5% das opiniões,
refere-se à imagem de um Senado como órgão representativo dos estados (Llanos,
2003).
19. Entretanto, é correto dizer que o teste do Qui-quadrado apontou uma
probabilidade bastante baixa (p = 0,051). O fato não será estudado neste
artigo, mas sugere-se a investigação do problema em pesquisas futuras.
20. Foram desconsiderados os políticos que estiveram ausentes na deliberação
final do projeto. Isto de acordo com a perspectiva de que, para estes, o fator
experiência é irrelevante, já que não é mais possível influenciar o processo
decisório.
21. Propostas-bandeiras são aqueles projetos de lei apresentados mesmo sabendo-
se que nunca serão aprovados ou mesmo debatidos. Nesse sentido, o congressista
apresenta a proposta com o objetivo específico de sinalizar (para seus
eleitores, para os grupos de pressão etc.) sua posição e comprometimento com a
causa em debate.