Impacto das instituições estaduais na unidade das coalizões parlamentares no
Brasil
INTRODUÇÃO
Como as instituições afetam, se o fazem, a tendência de deputados de um partido
ou coalizão a votarem unidos? Esta pergunta tem despertado a atenção dos
estudiosos do Congresso norte-americano (Cox e McCubbins, 1993; Krehbiel, 1998;
Wright e Schaffner, 2002). A maior facilidade de acesso a dados sobre votos de
parlamentares fora dos Estados Unidos permitiu analisar esse tema em diferentes
contextos institucionais (Figueiredo e Limongi, 2000; Hix, 2002; Carey, 2002).
Neste artigo, utilizamos dados sobre votações realizadas na Câmara dos
Deputados do Brasil, de 1989 a 1998, para analisar os efeitos de dois fatores
institucionais que, de acordo com a teoria, influem na unidade de voto de
grupos de deputados eleitos no mesmo distrito: a competição dentro da lista
eleitoral e a aliança com governadores. Os dados brasileiros mostram que o
aumento da competição dentro da lista enfraquece a unidade de voto e que a
aliança com governadores não aumenta a unidade, podendo inclusive diminuí-la.
Muitos sistemas de representação proporcional com lista permitem aos eleitores
ter algum controle sobre quem os representa, porque abrem a possibilidade de
dar um voto preferencial a um candidato em uma lista de concorrentes. A
representação proporcional de lista aberta ' RPLA é uma variante muito comum,
adotada no Brasil, Peru, Chile, Polônia, Finlândia e Sri Lanka. Neste sistema,
todos os votos dados à lista de uma coligação eleitoral são primeiramente
agregados para determinar sua proporção em relação ao total de cadeiras
alocadas a um estado, mas dentro da lista a distribuição das vagas realiza-se
de acordo com o número de votos preferenciais que cada candidato recebe. Assim,
a reputação coletiva da coalizão tem grande valor para um candidato, porque
influi no total de cadeiras que a coligação eleitoral conquista, mas também dá
lugar à competição entre os candidatos da mesma aliança, o que os estimula a
procurarem afirmar reputações individuais que os distingam dos seus
companheiros de coalizão. Carey e Shugart (1995) alegam que, nesses sistemas, a
importância relativa do indivíduo em face da reputação da coligação cresce à
medida que aumenta o número de aliados da lista, os quais, é claro, também
competem entre si.
O segundo fator institucional cuja influência na unidade de voto nos interessa
analisar é a aliança com governadores. O impacto dos governos estaduais sobre
as coalizões parlamentares vem se tornando cada vez mais relevante por causa da
proliferação de reformas destinadas a descentralizar o poder político para os
estados ou províncias em países tão diversos quanto a Índia, África do Sul,
Argentina, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Grã-Bretanha e Rússia. É comum
defender-se a delegação de autoridade e de responsabilidades na formulação de
políticas sob o argumento de que os governos estaduais ou provinciais são mais
sensíveis às condições locais e mais eficientes do ponto de vista fiscal e
regulador (Tiebout, 1956; Weingast, 1995; Montinola et alii, 1995). No entanto,
a descentralização pode ter conseqüências imprevistas na formação e manutenção
de coalizões políticas (Eaton, 2001; O'Neill, 1998; Treisman, 1999). As
reformas descentralizadoras geralmente aumentam a independência eleitoral dos
políticos estaduais com relação aos federais, facilitam o acesso dos primeiros
às receitas públicas e aumentam suas responsabilidades na provisão de serviços
básicos, o que, por sua vez, fortalece o poder de barganha e influência dos
governantes estaduais em comparação com os políticos que atuam no âmbito
federal (Willis et alii, 1999; Garman et alii, 2001).
As pesquisas especializadas sobre o federalismo na América Latina ressaltam a
importância dos governadores como construtores de coalizões parlamentares. Esse
tipo de observação é muito conhecido no caso brasileiro, em que os governos
estaduais há décadas controlam grandes somas de recursos e se acredita que os
governadores têm grande influência na capacidade dos presidentes para cumprir
sua agenda legislativa (Mainwaring, 1999; Samuels, 2000c; Montero, 2000).
Argumentos semelhantes costumam ser levantados em relação a outros sistemas
federativos da América Latina. Spiller e Tommasi (2000), por exemplo, afirmam
que a descentralização do poder em benefício das províncias argentinas aumentou
a influência dos governadores no futuro político dos deputados federais,
fazendo com que a autoridade para estabelecer e fazer cumprir acordos
parlamentares acabasse se deslocando, na prática, para fora do Congresso. No
México, com o fim do longo predomínio do Partido Revolucionário Institucional '
PRI, os observadores têm estado atentos a uma dinâmica semelhante (Ugalde,
2000; Garman et alii, 2001).
O Brasil é um sistema federativo em que os estados constituem, por si sós,
distritos eleitorais nas eleições para o Legislativo. Os membros da Câmara dos
Deputados são eleitos no sistema de RPLA por distritos que correspondem a
estados inteiros. O tamanho das bancadas estaduais varia de um mínimo de oito
representantes, nos estados de menor população, a um máximo de setenta, no caso
do estado mais populoso, São Paulo. Isto quer dizer que a magnitude do distrito
eleitoral varia de oito a setenta. As listas eleitorais podem ser compostas com
candidatos de um só partido ou de uma coligação de partidos estaduais. A
unidade de análise deste estudo é a coorte ou grupo de deputados que participam
de uma coalizão estadual ' o grupo de deputados eleitos na lista de um partido
ou coligação formada em um estado brasileiro ' durante determinada legislatura.
Utilizamos dados referentes a três períodos legislativos: 1986-1991, 1991-1995
e 1995-1998. Referimo-nos, de modo geral, a coalizões, quer se trate de um só
ou de muitos partidos, porque a unidade de competição eleitoral é a lista, que
pode ser composta de candidatos de um ou de mais de um partido. Denominamos o
grupo de deputados eleitos por uma dada coalizão em um determinado estado de
coorte coligada[coalition cohort]. Calculamos o efeito dos dois fatores
institucionais mencionados ' tamanho da coorte e sua ligação com o governador
de um estado ' sobre a disciplina nas votações na Câmara dos Deputados.
É importante assinalar que a coalizão é a unidade organizacional decisiva da
política parlamentar brasileira, tanto no âmbito eleitoral quanto no do
processo decisório (Figueiredo e Limongi, 2000; Amorim Neto, 2002). As eleições
estaduais e nacionais no Brasil criam sistemas partidários fragmentados. Para
formar maiorias governistas, presidentes e governadores articulam coalizões
pluripartidárias e distribuem pastas ministeriais** entre os partidos aliados
em troca de apoio. As coalizões são formadas inicialmente para a disputa
eleitoral dos maiores troféus da política brasileira: o controle dos governos
estaduais e da Presidência da República. As alianças pluripartidárias que
apóiam candidatos a governadores elaboram chapas de candidatos para as
assembléias estaduais e o Congresso Nacional, e os votos dados são agregados
para a distribuição de cadeiras de tal modo que a vitória ou derrota de um
pretendente a deputado está diretamente relacionada com a do candidato a
governador que lidera sua coligação estadual.
O artigo desenrola-se da seguinte maneira. Primeiramente, fazemos uma resenha
das pesquisas existentes sobre o papel das regras eleitorais e dos governadores
nas coalizões parlamentares no Brasil. Baseados nessas pesquisas e em um modelo
de influência dos governadores no voto disciplinado da coorte coligada,
formulamos uma série de hipóteses para analisar dados relativos a votações
realizadas na Câmara dos Deputados. Introduzimos, em seguida, um conjunto de
índices para calcular a unidade de voto de qualquer coorte de deputados, quer
seja designada por coalizão, partido, estado, região ou combinações destas
características. Usamos esses índices para testar uma série de modelos que
estimam os efeitos do tamanho da coorte e da aliança política com governadores
no voto unido desses deputados. Apresentamos os resultados e concluímos com uma
discussão sobre suas implicações e limitações, oferecendo orientações para
futuras pesquisas.
DETERMINANTES DO VOTO DO PARLAMENTAR: FATORES INSTITUCIONAIS
Competição Dentro da Coalizão e Tamanho da Coorte
A lógica que nos permite supor que o tamanho da coorte influi no voto
parlamentar disciplinado no sistema eleitoral brasileiro de RPLA deriva do
modelo desenvolvido em Carey e Shugart (1995). Quando há somente um deputado
eleito por uma coligação, as reputações do parlamentar e da aliança a que ele
pertence são idênticas. Em uma coorte de dois deputados, o valor da reputação
coletiva é dividido entre eles. Quando há um número maior de deputados em uma
bancada, todos são competidores em potencial pelos votos dados à lista, e,
portanto, cada um terá de tentar afirmar uma reputação individual no grupo de
concorrentes a fim de se colocar entre os principais puxadores de voto da lista
e ser premiado com uma das vagas conquistadas. O aumento do número de
concorrentes também exacerba o problema relacionado com o mecanismo de
agregação dos votos dados à lista, porque desestimula um candidato a abrir mão
de oportunidades de acumular apoio pessoal em nome da preservação da reputação
coletiva da coalizão (Ostrom, 1990).
Vale notar que, nos sistemas de RPLA, o efeito marginal do aumento do tamanho
da coorte é o inverso do observado nos sistemas de representação proporcional
de lista fechada ' RPLF, nos quais os eleitores não dão votos preferenciais
dentre os candidatos da lista, e a ordem de distribuição das vagas é
previamente determinada pela posição que os candidatos ocupam na ordenação
inicial da lista. No sistema de RPLF, quanto maior o tamanho da lista, mais
anônimos são os candidatos. Como nesse sistema a importância de cada candidato
é pequena, também são menores os incentivos para que ele procure afirmar uma
reputação individual (Cain et alii, 1987; Carey e Shugart, 1995).
Resumindo: nossa hipótese é a de que nos sistemas eleitorais de RPLA ' e, de
modo geral, naqueles em que as regras estimulam a competição por votos
preferenciais entre membros do mesmo partido e entre aliados em uma coligação '
o voto indisciplinado nas coortes coligadas deve aumentar com o tamanho do
grupo. Cox e Thies (2000) mostram dados que comprovam esta hipótese em um
estudo sobre o financiamento de campanhas no Japão, onde, antes de 1994, o
sistema eleitoral de voto único não transferível ' SVNT incentivava a
competição intrapartidária de modo semelhante ao que ocorre no sistema
brasileiro de RPLA. Quanto maior o número de competidores entre
correligionários de um partido, mais fundos de campanha os candidatos à Dieta
japonesa levantavam e gastavam. Na opinião de Cox e Thies, a medida do
individualismo parlamentar é muito mais o dinheiro do que o modo de votar, mas,
no fundo, o que importa é o fato de a presença de um maior número de
concorrentes em um mesmo partido estimular o comportamento individualista.
Nossa medida será o modo de votar dos parlamentares, mas, por uma lógica
análoga, supomos haver menos unidade de voto nas coortes com número maior de
membros do que nas menores.
Os Governadores: Construtores ou Destruidores de Coalizões?
As pesquisas especializadas na política brasileira divergem quanto à extensão
da influência dos governadores sobre os deputados federais e quanto a se esta
influência estimula ou desestimula a unidade do partido. Os que enfatizam o
poder dos governadores ressaltam, em primeiro lugar, a estrutura das carreiras
políticas. Os governadores geralmente controlam a organização dos seus
partidos, competindo a eles aprovar as candidaturas para os cargos
legislativos. Os candidatos a governador são os árbitros da distribuição de
indicações de nomes para as chapas que concorrem ao Congresso entre os vários
partidos integrantes de suas alianças eleitorais. São eles também que controlam
o acesso a recursos privados para as campanhas. Enfim, os governadores dominam
as indicações para cargos estaduais, influem no destino dos projetos
patrocinados por fundos federais, bem como nas decisões dos órgãos reguladores
e licenciadores (Ames, 2001; Mainwaring, 1999; Samuels, 2000c; Weyland, 1996).
Samuels (2000a; 2000b) demonstra que o sucesso dos governadores em eleger
candidatos ao Congresso pertencentes às suas coalizões permite prever a
possível influência que terão sobre esses deputados no período entre eleições:
''O sucesso dos governadores na eleição de candidatos dos seus
partidos acaba enfraquecendo a capacidade do presidente da República
de construir coalizões de governo. Quando os deputados eleitos chegam
em Brasília para cumprir seus mandatos, têm de cuidar dos interesses
dos governadores de seus estados de modo a não criar inimigos
poderosos'' (Samuels, 2000a).
Um estudo recente de Argelina C. Figueiredo e Fernando Limongi (2000) questiona
a caracterização do comportamento em plenário dos deputados brasileiros como
motivado essencialmente por interesses estaduais. Argumentam esses autores que
a Constituição brasileira concede aos presidentes uma soma de recursos
orçamentários e procedurais suficiente para lhes permitir controlar a agenda
legislativa e ''as verbas das quais depende a sobrevivência política dos
parlamentares'', isto é, a capacidade de influir nas políticas públicas e em
seu uso patrimonialista (idem:152 e 165)1. Segundo esse raciocínio, o controle
dos presidentes sobre a agenda legislativa significa que os deputados têm pouco
a lucrar se opondo ao governo, mesmo que seus patronos estaduais prefiram esse
comportamento, porque atos isolados de voto independente não afetam os
resultados da política. Por outro lado, se os deputados optam por agir
coletivamente, ganham uma chance de arrancar concessões do governo federal.
Figueiredo e Limongi alegam que os partidos e coalizões nacionais são os meios
pelos quais os deputados organizam a ação coletiva, e a obediência ao partido e
às coalizões nacionais é o preço que até os políticos mais individualistas e
localistas admitem pagar para aumentar seu poder de barganha na negociação com
o governo federal.
Quem são os líderes nacionais com os quais os governadores competem pela
influência sobre os deputados de suas coortes estaduais? Qualquer grupo de
parlamentares que representem mais de 1% do total de membros da Câmara de
Deputados no Brasil pode formar um bloco e eleger um líder e vice-líderes por
maioria simples dos seus integrantes. Os blocos têm direito à representação na
Mesa da Câmara, na proporção do número de seus membros, e a tomar parte em
comissões (Regimento Interno, artigos 8, 10, 14, 15 e 23). Os líderes de blocos
controlam as indicações de deputados para as comissões e o tempo de tribuna que
usam, além de representarem seus membros na escolha da pauta e do cronograma
legislativos (Figueiredo e Limongi, 2000:164-165). Portanto, se de um lado a
participação em um bloco parlamentar federal proporciona recursos aos
deputados, de outro os subordina aos líderes. Finalmente, no sistema partidário
fragmentado do Brasil, as coalizões que incluem blocos são essenciais para a
política parlamentar. Para garantir apoio parlamentar confiável, os presidentes
brasileiros articulam coalizões distribuindo pastas ministeriais, como é praxe
nos sistemas parlamentaristas (Amorim Neto, 2002).
As tentativas de comprovar empiricamente a influência dos governadores no voto
dos deputados têm gerado resultados desiguais. Ames (2002) e Cheibub et alii
(2002) examinam a hipótese de que governadores aliados a líderes nacionais
incentivam a lealdade dos deputados aos líderes nacionais. Ames (2002) estuda a
influência dos governadores sobre os deputados de seus próprios partidos,
valendo-se do fato de que, na Câmara dos Deputados brasileira, os líderes ditam
as orientações de voto em muitas decisões e determinam a posição oficial do
partido nacional. Considerando a grande soma de recursos controlados pelos
governadores, Ames sugere que ''a cooperação [com os líderes] deveria ser maior
quando um deputado representa o partido do governador''. No entanto, a análise
dos votos dos parlamentares não confirma tal hipótese, o que leva Ames (idem:
211) a concluir que ''os governadores não tinham uma influência constante sobre
os deputados de seus estados''. Utilizando dados sobre um maior número de
votações, apesar de sobrepostas, Cheibub et alii (2002) não encontraram
diferença alguma no apoio às proposições legislativas do governo federal entre
deputados provenientes de estados nos quais o partido do governador participa
do ministério de coalizão, em comparação com o comportamento dos deputados
provenientes de estados em que o governador pertence a um partido de oposição
ao presidente.
Desenvolvemos, neste artigo, um modelo alternativo sobre as relações entre
governadores, líderes nacionais e deputados, o qual ilustra a capacidade dos
governadores para reforçar ou enfraquecer a unidade de voto dos políticos sobre
os quais exercem influência.
Unidade Estadual em Votações Legislativas
Nos lugares em que a eleição de políticos e a organização de coalizões se dão
na esfera estadual, é possível supor que coortes pertencentes à mesma coalizão
estadual votem unidas quando chegam ao Congresso. A Tabela_1 mostra a
desagregação dos votos (em ''sim'' e ''não'') de grupos de deputados estaduais
pertencentes a três coalizões (A, B e C) em um sistema hipotético formado por
dois estados (X e Y). A e B mostram uma unidade perfeita entre as coortes
coligadas. As duas coortes da coalizão A votam da mesma maneira e esta unidade
se transfere para o plano nacional. Os votos dos grupos de deputados da
coalizão B, provenientes de diferentes estados, são conflitantes, provavelmente
em relação a políticas públicas de alocação de recursos por regiões,
acarretando a desunião da coalizão nacional. As coortes da coalizão C também
estão divididas internamente, o que também concorre para a desunião nacional.
Portanto, a desunião no âmbito nacional poderia ser causada por divergências
entre coortes coligadas, pela simples discórdia entre membros de coortes
estaduais ou por uma combinação desses dois fatores.
O cenário postulado para a coalizão B, em que a unidade no âmbito nacional se
encontra prejudicada pela adesão de coortes internamente divididas, baseia-se
na hipótese de que algum tipo de força atuante no plano estadual une os
deputados integrantes de determinadas bancadas. Uma explicação plausível
poderia estar na existência de um interesse regional comum. Entre os fatores
institucionais, deve-se levar em conta a existência de regras eleitorais que
incentivam a unidade entre deputados eleitos na mesma lista (na RPLF, por
exemplo) ou o controle sobre os governos estaduais, desde que o apoio dos
governadores signifique que os deputados vão segui-lo. Isso levanta o problema
de saber se fatores institucionais poderiam ajudar a explicar por que
determinadas coortes se parecem mais com as que fazem parte das coalizões A e
B, na Tabela_1, ou com as da coalizão C.
Nossa hipótese relativamente ao efeito do tamanho da coorte na unidade de voto
é simples e clara: quanto maior o número de membros, menor é a unidade.
Entretanto, no que se refere aos governadores, sugerimos que o efeito depende,
em primeiro lugar, de que a influência do governador se some ou se oponha à
pressão dos líderes nacionais e, em segundo lugar, da força relativa dos
governadores e dos líderes nacionais sobre os deputados. Considere-se
primeiramente um cenário em que o governador fecha com os líderes nacionais de
todos os partidos que fazem parte de sua base aliada no estado2. Dado que a
influência do governador apenas reforça a dos líderes nacionais, os grupos de
deputados ligados ao governo do estado devem votar pelo menos tão unidos quanto
aqueles que não têm vínculos com o governador. Quanto mais forte é a influência
do governador, maior será a sua pressão para um comportamento disciplinado dos
parlamentares que fazem parte de sua coalizão estadual. Essa relação positiva e
uniforme está expressa na curva dos ''efeitos de reforço mútuo entre os
mandantes ou principais'' [reinforcing principals] da Figura_1.
Vejamos agora um cenário em que o governador diverge dos líderes nacionais dos
partidos que compõem sua coalizão de governo. Os deputados aliados ao
governador estarão submetidos a pressões contraditórias entre mandantes rivais
' de um lado, seu governador, de outro, os líderes do seu partido no Congresso
Nacional. Nessas circunstâncias, o efeito líquido da pressão do governador é
mais complexo e dependerá da influência relativa dos governadores e dos líderes
nacionais dos seus partidos. Se os governadores forem mais fracos que os
líderes, não terão nenhum efeito líquido na unidade das coortes de sua
coligação. Mas se a influência do governador crescer, o efeito líquido de sua
pressão pela unidade da bancada estadual será negativo, conforme sugere a curva
intitulada ''efeitos da competição entre mandantes ou principais'' da Figura_1,
em que a unidade de voto dos grupos de deputados ligados aos governadores pode
ser inferior à dos grupos não submetidos a pressões cruzadas. Exemplificando,
se o governador do Amazonas, cuja coalizão estadual inclui o Partido da Frente
Liberal ' PFL, Partido do Movimento Democrático Brasileiro ' PMDB, Partido da
Social Democracia Brasileira ' PSDB e Partido Trabalhista Brasileiro ' PTB,
orienta sua bancada a fazer uma coisa e a liderança da coalizão governista de
Brasília, que inclui os mesmos partidos, recomenda outra coisa, a conseqüência
pode ser que a influência do governador semeie a desunião entre seus aliados
parlamentares. Na medida em que a influência do governador vai além do ponto de
paridade com a dos líderes nacionais (isto é, desloca-se para a direita na
curva da Figura_1), o efeito negativo de uma aliança com ele poderia ser
contrabalançado pela sua pura e simples dominação, ficando as coortes a ele
ligadas perfeitamente disciplinadas ' pelo menos mais do que os grupos não
ligados ao governo estadual.
É evidente que os modelos de reforço mútuo e competição entre mandantes ou
principais são simplificações. Na realidade, a atitude dos governadores em toda
a gama de votações realizadas em qualquer legislatura fatalmente reflete uma
combinação dos dois modelos. Na maioria dos sistemas, na maior parte do tempo,
quase todos os governadores fecha com as posições da liderança nacional dos
partidos e coalizões que lhes dão apoio político, de modo que sua influência é
no mínimo um reforço para a união dos deputados eleitos por seu estado. Poder-
se-ia esperar que, no saldo líquido, o efeito positivo do reforço mútuo supere
o efeito potencialmente negativo da competição entre mandantes ou principais.
Por outro lado, se o efeito líquido dos governadores na unidade da bancada for
negativo, é sinal de que a competição entre mandantes é muito forte, mesmo que
ocorra em circunstâncias pouco usuais. Hix (2002) sugere uma explicação análoga
em sua pesquisa sobre votações nominais no Parlamento Europeu, em que os
deputados respondem a dois mandantes ' os partidos nacionais, que controlam
suas candidaturas e as eleições, e os líderes dos partidos do Parlamento
Europeu, que controlam o acesso aos recursos da instituição. Nesse caso, os
partidos do Parlamento Europeu são análogos às coalizões nacionais no Brasil,
enquanto os partidos nacionais, que atuam em cada país, são análogos aos
governadores brasileiros. Hix descobriu que a melhor explicação para a
desobediência individual dos deputados à disciplina partidária no Parlamento
Europeu está na posição ideológica dos partidos nacionais, e não na postura
ideológica de cada indivíduo (que a pesquisa mede), o que indica a influência
das autoridades de cada país, que detêm o controle dos recursos eleitorais, na
explicação do voto no Parlamento Europeu.
Por último, vale a pena fazer menção ao peso do reforço mútuo ou da competição
entre mandantes na unidade da coalizão no plano nacional. Se os governadores
reforçam as pressões dos líderes nacionais, o resultado não pode ser outro: o
controle dos governos estaduais deve aumentar a unidade no âmbito nacional. Se
os governadores competem com os líderes nacionais, o efeito há de ser o
enfraquecimento da unidade nacional, salvo na eventualidade de uma condição
muito estrita: que, na ausência de um efeito de reforço mútuo entre os
mandantes, as coortes estaduais sejam internamente unidas e contraditórias
entre si. Um exemplo disso está na situação das coortes da coalizão B, na
Tabela_1. Se a adição de um outro governador destruísse a unidade interna da
coorte de B, seja no estado X ou no estado Y, mantidas constantes as demais
condições, o resultado seria aumentar a unidade de B (ou a atenuar sua extrema
desunião) no plano nacional. Todavia, essa combinação nos parece pouco
provável; supomos que, na maioria dos sistemas políticos, o impacto líquido do
efeito da competição entre mandantes seja o enfraquecimento da unidade da
coalizão nacional.
HIPÓTESES
A discussão acima apresentada sugere-nos as seguintes hipóteses sobre os
efeitos da competição entre candidatos de uma mesma lista e da influência dos
governadores nos grupos de deputados de uma coalizão estadual na Câmara de
Deputados no Brasil:
H1: a unidade de voto deve diminuir com o aumento do número de deputados que
formam a bancada.
H2: Em qualquer coalizão estadual, o controle do governador deve aumentar a
unidade de voto entre os membros da coorte coligada no Congresso (efeito de
reforço mútuo entre os mandantes).
H2~: Em qualquer coalizão estadual, o controle do governador pode diminuir a
unidade de voto entre os membros da coorte coligada no Congresso (efeito da
competição entre mandantes).
DADOS E CÁLCULOS
Escores de Unidade de Voto
Propomos duas formas de medir a unidade do voto aplicáveis a qualquer grupo
relevante de legisladores ' membros do mesmo partido, coalizão, bancada
estadual ou coorte de partido estadual, grupo étnico, gênero e semelhantes:
UNIDADEij = | simij - %nãoij | para o grupo i na votaçãoj, em que as
porcentagens são calculadas em frações da totalidade dos membros do grupo.
UNIDADE pode variar de zero (nenhum dos membros vota, ou os votos ''sim''
igualam os votos ''não'') a um (todos os membros votam unidos); e
RICEij = | % simij - % nãoij | para o grupo i na votação j, em que não são
considerados os membros do grupo que não deram votos ''sim'' ou votos ''não''.
Isto é, as proporções de votos favoráveis ou contrários baseiam-se apenas nos
que votaram ou ''sim'' ou ''não'' e, portanto, totalizam um. O escore RICE***
pode variar de zero (número igual dos que votaram ''sim'' e votaram ''não'') a
um (todos os que votaram deram o mesmo voto).
Por exemplo, se de um grupo de 100 deputados 60 votaram no ''sim'', 20 no
''não'' e 20 não votaram, o escore do grupo no índice de UNIDADE vai ser 0,4 (=
0,6 - 0,2), enquanto o escore no índice de RICE será 0,5 (= 0,75 - 0,25),
calculando-se a proporção de votos ''sim'' e de votos ''não'' somente a partir
dos que deram votos, e não pelo tamanho do grupo. Os dois índices estão
relacionados, mas UNIDADE é descontado de acordo com a proporção dos membros do
grupo que dão um voto decisivo. Portanto, o índice UNIDADE exprime o potencial
de influência na votação que um grupo mobiliza, enquanto o índice RICE somente
mede a coesão entre os membros do grupo que votam. Os dois índices variam de
zero (para um grupo que não mobiliza toda a sua influência ou se divide
eqüitativamente entre votos favoráveis e votos contrários) a um (para um grupo
bem mobilizado e unido).
O índice de RICE é muito usado em análises sobre votações parlamentares há
quase um século, mas, por registrar apenas votos favoráveis ou contrários, não
dá conta do não-voto, que inclui a abstenção declarada, as ausências ou
simplesmente o fato de alguém não depositar um voto (Rice, 1925). As análises
sobre votações em assembléias legislativas onde o não-voto é usual costumam
enfatizar que essa atitude pode ser uma manifestação de divergência no grupo
(Ames, 2002; Smith e Remington, 2001). Ao introduzirmos o índice UNIDADE,
adotamos uma posição agnóstica relativamente à intenção por trás dos não-votos,
mas uma interpretação inequívoca das suas conseqüências ' isto é, a intenção de
um deputado de discordar da posição da coalizão a que pertence pode levá-lo ou
a votar contra o grupo ou a não votar. As duas atitudes prejudicam a
mobilização da coalizão no plenário, mas do ponto de vista aritmético votar
contra a bancada é mais prejudicial do que não votar. Os dois índices registram
os votos contra a bancada, só que UNIDADE também registra os não-votos e
distingue as duas ações de acordo com seu efeito aritmético sobre a mobilização
da coalizão na votação.
Índices Ponderados
Nossas unidades de análise são as coortes coligadas. Calculamos os índices
UNIDADE e RICE para cada coorte estadual coligada na Câmara dos Deputados
durante três legislaturas: 1986-1991, 1991-1995 e 1995-1998. Concretamente,
baseamo-nos em 57 votações no período de 1989 a 1990, 167 votações de 1991 a
1995 e 451 votações de 1995 a 1998. As votações foram selecionadas pelo mesmo
critério de identificação das decisões mais importantes descritos em Figueiredo
e Limongi (2000)3.
Para criar um índice único de coesão UNIDADE ou RICE, para cada coorte, em
todas as votações realizadas em uma determinada Assembléia Legislativa,
ponderamos o escore de cada coalizão em cada votação, de acordo com a margem de
votos da decisão, isto é, se o resultado foi mais ou menos apertado4. Com isso,
descontamos as votações consensuais ou por larga maioria, nas quais qualquer
subgrupo de deputados é, por definição, muito unido e a mudança de voto de
qualquer pessoa é com certeza irrelevante para o resultado final. A intuição
que fundamenta essa solução metodológica é a de que quanto maior for a
probabilidade de que a mudança de voto de um deputado seja crucial para o
resultado, mais nos interessa o voto disciplinado em qualquer grupo. Os escores
(em ambos os índices) para qualquer subgrupo de legislaturas foram corrigidos
da seguinte forma para gerar um índice ponderado:
INDICADORi = SESCOREij *VOTAÇÃO APERTADAj /SVOTAÇÃO APERTADAj
onde
VOTAÇÃO APERTADAj = 1 - (1/LIMIAR* | LIMIAR - %sim |)
para a Câmara como um todo na votação j.
As Coortes Pequenas
Os 27 estados brasileiros elegem entre oito e setenta deputados federais cada
um, de acordo com o tamanho da população. Nas três legislaturas examinadas
nesta pesquisa, 93 coligações estaduais elegeram coortes de mais de um deputado
' e nestas a unidade de voto é uma questão muito importante5. O tamanho das
coortes coligadas incluídas em nossa análise varia de dois a 57 deputados, com
uma média de sete. Isto quer dizer que muitas coortes estudadas são bastante
reduzidas, e, como se sabe, este fato tem implicações metodológicas especiais
para nossos índices de unidade de voto. O ponto principal é que um grupo de
poucos membros pode criar um viés nos índices de unidade de voto, sobrelevando
o apoio à H1. Considerando a suposição plausível de que o tamanho da bancada
está correlacionado com a probabilidade de controlar o governo do estado,
poderia haver uma distorção da análise contra o apoio à hipótese do efeito de
reforço mútuo entre mandantes (H2) e a favor da hipótese H2~. Essa distorção
pode ser corrigida estatisticamente e tomamos providências para ajustar todos
os índices usados neste estudo. A caracterização geral do problema e as medidas
tomadas para corrigi-lo são discutidas no Apêndice.
O Troca-Troca de Partidos
No cálculo dos índices UNIDADE e RICE, a afiliação de um deputado a uma
coalizão pode ser definida seja de acordo com o grupo com que ele se elegeu,
seja de acordo com o grupo ao qual ele está presentemente filiado. A troca de
partidos é muito comum no Brasil (Desposato, 2002a; Rother, 2002). Quando um
deputado muda para outro partido pertencente à mesma coligação eleitoral, a
troca não afeta a composição da aliança, mas algumas trocas são feitas fora da
coalizão de origem, de modo que as identidades eleitorais e as filiações
correntes não são necessariamente as mesmas.
Os dois métodos de identificação refletem diferentes concepções do significado
da coalizão. O pertencimento a uma coligação eleitoral é a ''marca'' com a qual
um grupo de deputados buscou atrair votos, e a capacidade do grupo para agir em
consonância depois de eleito é um reflexo da integridade dessa marca. Quando um
deputado muda de afiliação após a eleição, a nova marca reflete as pressões
imediatas da nova coalizão a que ele aderiu, e se a mudança significou a adesão
à coalizão do governador, também a pressão por este exercida.
Calculamos os índices UNIDADE e RICE segundo as afiliações eleitorais e de
acordo com o partido em que estava o deputado na época de cada votação.
Testamos modelos para explicar a unidade de voto das duas formas e comparamos
os resultados.
O MODELO DE UNIDADE DA COALIZÃO ESTADUAL
Testamos dois grupos de modelos de unidade de voto entre coortes coligadas.
Agregamos os dados relativos aos três períodos legislativos acerca dos quais
dispomos de registros de votos dados (1986-1991, 1991-1995, 1995-1998)6. O
modelo básico de mínimos quadrados ordinários é descrito abaixo.
Para cada bancada i, em cada estado j,
UNIDADEij (ou RICEij) = Constante + Deputadosij+ Governadorij
onde
UNIDADEij (RICEij) é o índice ponderado dos escores de UNIDADEij (RICEij) para
a coorte da coalizão estadual em dado período legislativo;
Deputadosij é o número de legisladores eleitos pela coalizão ido estado j;
Governadorij é uma variável binária [dummy variable] que indica se a coalizão i
controlava o governo do estado jdurante aquele período legislativo.
Testamos o modelo para quatro variáveis dependentes: os índices UNIDADE e RICE,
calculados segundo as afiliações eleitorais dos deputados, e depois, novamente,
os dois índices calculados de acordo com a afiliação dos deputados na época da
votação. Em seguida, testamos um segundo grupo de modelos, idêntico ao primeiro
só que incluindo a seguinte variável independente:
Coalizão2 .... n: uma série de variáveis binárias, uma para cada coalizão
original (com exceção de uma coalizão omitida, que serve de base de comparação)
que elegeu deputados para a Câmara.
O coeficiente de cada variável binária de coalizão nos modelos de efeitos fixos
indica a diferença esperada na unidade de voto para um grupo de deputados
pertencentes àquela coalizão específica, em comparação com uma coorte da
coalizão de base. Ocorre que a base de comparação é formada por um grupo de
deputados do Partido dos Trabalhadores ' PT7. Assim, por exemplo, a Coalizão45
identifica a combinação dos partidos PMDB, PSDB, PFL e Partido Democrático
Social ' PDS, de modo que seu coeficiente indica a diferença de unidade de voto
esperada entre um grupo de deputados da coalizão estadual formada pelo PMDB-
PSDB-PFL-PDS em oposição a um grupo de deputados do PT. O objetivo dessas
variáveis é controlar o nível genérico de unidade de voto associado a cada
coalizão singular, a fim de separar o efeito marginal do tamanho da coorte e da
aliança com um governador das diferenças intrínsecas gerais entre as coalizões.
Especialistas em política brasileira sugeriram que, além de nossas variáveis
institucionais, outras diferenças entre os estados brasileiros poderiam influir
sistematicamente no grau de unidade das coortes coligadas. Por exemplo, se a
política é mais clientelista em estados rurais pobres, e deputados
clientelistas tendem a buscar obstinadamente benefícios particularistas para
seus estados (verbas orçamentárias, digamos assim), sem quaisquer pruridos
ideológicos, então o clientelismo pode determinar o voto disciplinado devido a
mecanismos distintos dos incentivos institucionais associados com nosso modelo.
Esses estados podem ter uma população menos numerosa e eleger coortes pequenas
para o Congresso, fato que a variável tamanho da coorte de nosso modelo
provavelmente iria atribuir à ausência de competição dentro da lista e não ao
clientelismo. Para examinar esses efeitos, repetimos todas as nossas análises
usando certas variáveis para controlar o PIB per capita do estado, a taxa de
analfabetismo e ambas combinadas. Nas duas variáveis, os coeficientes tendem a
ser negativos (isto é, estados mais ricos, de população mais alfabetizada,
tendem a ter coortes um pouco menos unidas), conforme esperado, mas não
alcançam significação estatística em quase todas as especificações e não
alteram as estimativas de nossas variáveis institucionais. Por esse motivo, não
foram incluídos nos resultados expostos na Tabela_2.
RESULTADOS
Os resultados estão apresentados na Tabela_2. Em todos os casos, a variável
dependente é o índice UNIDADE ou RICE ponderado por coorte estadual. Os erros-
padrão estão entre parênteses, e os valores p vêm logo abaixo. Começando pelos
modelos básicos, vemos que os coeficientes para as duas variáveis independentes
são negativos em todas as especificações e alcançam níveis convencionais de
significação naquelas em que estimamos a unidade de voto pelo índice UNIDADE.
Veja-se a diferença esperada entre uma coorte de quatro membros sem vínculos
com o governador e outra com dez membros aliada ao governo do estado. A
diferença esperada no índice UNIDADE entre essas duas coortes gira em torno de
-0,10 ou mais da metade de um desvio-padrão. O efeito dessas variáveis, além
disso, é quase o mesmo, quer se trate do índice UNIDADE calculado de acordo com
a afiliação eleitoral do deputado ou de acordo com sua afiliação na época da
votação. Quando a unidade de voto é estimada pelo índice RICE, o coeficiente
continua negativo, mas a precisão dos dados diminui.
De modo geral, os modelos básicos confirmam H1 e H2~, ou seja, a explicação
pelo efeito da competição entre mandantes e da influência do governo em coortes
estaduais coligadas. Os grupos com maior número de deputados e os que são
aliados do governador do seu estado não votam tão unidos na Câmara quanto os
menores e sem ligação com governos estaduais. Contudo, os modelos básicos
incorrem em uma grave limitação porque tratam todas as coalizões da mesma
maneira, embora haja boas razões para crer que elas são diferentes. Coalizões
são constituídas por partidos ' a rigor, muitas de nossas coalizões são
formadas por um único partido ', e as pesquisas especializadas em política
brasileira mostram que os partidos diferem muito no grau de coesão interna dos
seus membros, na disposição e na capacidade dessas organizações de impor
disciplina aos seus parlamentares, bem como no modo de articularem e
sustentarem coalizões pluripartidárias (Mainwaring, 1999; Ames, 2001; Amorim
Neto, 2002). Assim, vários fatores, além do número de membros de uma coorte e
sua relação com o governador, podem determinar a tendência inerente a qualquer
coalizão a votar de modo disciplinado. Se esses fatores se correlacionam com
quaisquer dos elementos institucionais em que estamos interessados, então os
modelos básicos serão suscetíveis a distorção causada pela variável omitida. Em
termos concretos, se uma aliança formada pelo PT e o Partido Comunista do
Brasil ' PC do B é intrinsecamente disciplinada, mas suas coortes geralmente
são pequenas e é raro que a aliança conquiste o governo de um estado, os
coeficientes negativos obtidos nas variáveis Deputados e Governador podem estar
simplesmente refletindo o fato de que coortes numerosas e atreladas aos seus
governadores geralmente não pertencem à aliança PT-PC do B, em vez de se tratar
de um efeito institucional em si.
As especificações dos efeitos fixos do modelo corrigem essa possibilidade. Não
incluímos na Tabela_2 as variáveis binárias para coalizões, porque elas são
muitas (92), mas é importante dizer que quase todas geraram coeficientes
negativos, o que é compatível com a reputação do PT e com o que geralmente se
sabe acerca dos partidos e das coalizões no Brasil ' isto é, que as coortes
exclusivamente petistas estão obrigatoriamente entre as mais disciplinadas em
qualquer coalizão possível8. Os resultados dos efeitos fixos confirmam H1, ou
seja, que o aumento do número de deputados em uma coorte diminui a unidade de
voto, mas o efeito negativo da aliança com o governador desaparece.
O coeficiente da variável Deputados é negativo em todas as especificações e
também se mostra significativo quando usamos como variável dependente o índice
RICE, calculado segundo a afiliação eleitoral do candidato. O coeficiente
continua negativo, mas não significativo, quando calculamos RICE pela afiliação
do deputado na época da votação. Cabe lembrar que os modelos de efeitos fixos
mantêm constantes todas as características de cada coalizão específica, salvo
para as que estão especificadas no modelo. Assim, uma interpretação sobre o
coeficiente da variável Deputados na terceira coluna da direita da Tabela_2
seria a seguinte: ''Considere-se duas coortes do PMDB, uma com cinco membros e
outra com quinze; a segunda deve marcar 0,09 ponto a menos (metade do desvio-
padrão) no índice RICE que a de cinco membros.''
Os coeficientes da variável Governador são negativos em todas as
especificações, salvo a última, mas nenhum é significativamente diferente de
zero. Isto leva a crer que o ônus do vínculo com o governador detectado pelo
modelo-padrão decorreu de uma distorção causada pela variável omitida ' isto é,
porque os tipos de coalizões que geralmente conquistam o governo de um estado
tendem a ser ''de baixa unidade'', para começo de conversa. Controladas as
características inerentes a cada coalizão por meio do modelo de efeitos fixos,
não detectamos nenhum outro efeito significativo na unidade de voto relacionado
com o fato de dominar um governo de estado9.
DISCUSSÃO
Os resultados dos testes estatísticos apóiam H1, isto é, a hipótese de que as
coortes grandes são menos unidas que as pequenas. Os modelos de efeitos fixos
mostram que isso ocorre mesmo quando se mantém constante a composição
partidária das coortes. Esse resultado apóia a proposição de que no sistema de
RPLA a competição entre membros da mesma coorte para afirmar uma reputação
individual aumenta de acordo com o tamanho do grupo e pode debilitar a ação
coletiva de coalizões parlamentares. Visto que o tamanho das coortes aumenta
com a magnitude do distrito, pode-se pensar que o efeito do sistema de RPLA ' e
de outras regras que estimulam a competição por votos preferenciais entre
candidatos de uma mesma coligação eleitoral ' na unidade será particularmente
intenso nos sistemas que têm distritos de grande magnitude (Carey e Shugart,
1995).
Não encontramos nenhuma comprovação para a explicação do reforço entre
mandantes no que diz respeito à influência dos governadores no comportamento
dos deputados ' nenhuma ''ajuda'' do governador ' em quaisquer especificações
do nosso modelo. O modelo de efeito fixo também não evidencia a existência de
um ônus devido à aliança com o governador, o que não corrobora a hipótese de um
efeito da competição entre mandantes na influência do Executivo estadual,
embora não se deva eliminar completamente essa hipótese apenas por esse
resultado. Uma outra forma de interpretar a Tabela_1 explica por quê. A
hipótese de haver um efeito da competição entre mandantes supõe uma relação
não-monotônica entre o poder dos governadores (relativamente ao dos líderes da
coalizão nacional) e o efeito de controlar o governo de um estado sobre a
unidade de voto de uma coorte de deputados. Se o modelo descreve corretamente
os governadores como rivais em potencial dos líderes nacionais na disputa pela
lealdade dos parlamentares, a pressão sobre a unidade da coorte deveria
aumentar com o peso da influência do governador até um determinado ponto, mas
em seguida regredir para perto de zero à medida que cresce o poder dos
governadores, ou até mesmo deslocar-se para um segmento positivo no caso de
governadores muito influentes.
Por essa razão, o coeficiente da variável Governador que é indistinguível de
zero não fornece evidências claras sobre o efeito da competição entre
mandantes. Não se deve, porém, eliminar de todo a possibilidade de que alguns
governadores caiam no segmento a da curva de competição entre mandantes, onde
seu efeito líquido sobre a unidade da coorte é próximo de zero. Isto é coerente
com a idéia de que os governadores brasileiros exercem uma influência
considerável, mas não predominante, sobre os deputados federais, e que eles
disputam esse poder com os líderes da coalizão nacional ' uma interpretação que
vai ao encontro da ênfase de Figueiredo e Limongi (2000) na importância dos
partidos e coalizões nacionais brasileiros para a construção de alianças
parlamentares e da importância que Samuels (2000a; 2000b; 2000c), Ames (2001) e
Mainwaring (1999) atribuem ao efeito complicador das pressões estaduais sobre a
ação coletiva no Congresso.
Alguns episódios respaldam essa interpretação da política brasileira. Um
exemplo notório foi o ajuste de contas amplamente divulgado entre o presidente
Fernando Henrique Cardoso e o ex-presidente Itamar Franco, em 1998-1999.
Fernando Henrique, do PSDB, foi eleito para um segundo mandato presidencial em
outubro de 1998. Na mesma eleição, Itamar Franco, do PMDB, o maior partido do
Congresso naquela ocasião, elegeu-se governador de Minas Gerais. No plano
nacional, o PMDB fizera parte da coalizão pluripartidária que apoiou Fernando
Henrique; o partido endossou tacitamente a candidatura de Fernando Henrique,
não concorrendo com candidato próprio à eleição presidencial, nem apoiando
quaisquer dos seus adversários. Também participou do gabinete ministerial do
primeiro governo de FHC (1994-1998) e continuou a fazê-lo no segundo mandato do
presidente (1998-2003).
Logo após a eleição de 1998, FHC enviou ao Congresso um conjunto de leis que
cortava aposentadorias e a folha de salários dos governos estaduais, e cobrava
dos estados o pagamento de dívidas vencidas com o governo federal. O governador
Itamar Franco declarou-se veementemente contrário ao pacote de medidas,
convocou os deputados de Minas Gerais a votarem contra o plano e tentou reunir
outros governadores em um cartel de estados devedores. Comentando o fato, o
cientista político Cláudio Gonçalves Couto observou que, ''levando em conta o
poder que os governadores têm sobre suas bancadas no Congresso, pode-se dizer
com toda segurança que Fernando Henrique vai se chocar contra uma muralha de
resistência'' às suas propostas (Latin America Data Base ' LADB on-line, 30/10/
1998).
Fernando Henrique contra-atacou nas duas frentes, a federal e a estadual.
Primeiro, fez lembrar aos deputados dos partidos da coalizão governista, sem
qualquer subterfúgio, seu dever de apoiar a agenda legislativa do governo,
declarando: ''Espero que os partidos que apóiam o governo realmente o apóiem e
a maneira de apoiá-lo é votando a favor no Congresso''. Além disso, advertiu os
membros do seu Ministério de que sua permanência nos cargos dependia
diretamente do apoio dos seus partidos no Congresso (LADB, 15/1/1999). Depois,
sem atender ao pedido de perdão da dívida do estado feito por Itamar Franco,
Fernando Henrique ofereceu a outros governadores uma série de concessões
menores. Itamar, enquanto isso, reuniu-se com os líderes do seu partido no
Congresso, em uma tentativa de convencê-los a apoiar sua atitude (LADB, 5/3/
1999).
Fernando Henrique venceu a batalha legislativa imediata: os outros governadores
aceitaram suas concessões, não se formou nenhum cartel de devedores e o PMDB
continuou no Ministério. De uma perspectiva mais geral, porém, o conflito impôs
alguns ônus ao presidente. O Estado de Minas Gerais declarou moratória de sua
dívida, o que contribuiu para a crise monetária de 1999 e a subseqüente
recessão da economia brasileira.
Apesar da ambigüidade dos resultados de nossas estatísticas acerca da
influência dos governadores na unidade de grupos de deputados, a hipótese sobre
o efeito da competição entre mandantes se mantém plausível e autoriza uma
análise mais detalhada. Para fazer uma análise mais sistemática dessa relação,
é necessário contar com dados que possibilitem medir diferenças de poder entre
os governadores, para verificar se uma influência mais forte realmente gera o
efeito não-linear presumido sobre a unidade de voto dos deputados. Isto é, nos
estados onde os governadores são fracos, em comparação com o partido nacional e
os líderes da coalizão, um aumento da força do governo local deve ampliar a
distância entre as coortes estaduais e exacerbar o efeito negativo da aliança
com o Executivo estadual na unidade de voto. Nos estados em que os governadores
são mais fortes, um aumento de seu poder possivelmente estreitará a distância
entre as coortes que têm e não têm ligações com eles, o que reduz o ônus
decorrente de tais ligações. Por fim, nos estados em que os governadores têm um
domínio quase total sobre os deputados estaduais, em comparação com os líderes
nacionais, a distância deve novamente ampliar-se, mas o efeito líquido pode ser
positivo.
O passo decisivo, portanto, é identificar uma variável que diferencie os
governadores de acordo com seu poder sobre os deputados aliados e incluí-la
como variável independente na avaliação da unidade da coorte. O indicador do
poder do governador deve refletir seu controle sobre recursos que os deputados
consideram muito importantes e até quando eles acreditam que esse controle
deverá persistir. Infelizmente, durante quase todo o período coberto por nossos
dados, os governadores estavam proibidos de concorrer a uma reeleição
sucessiva, de modo que, constitucionalmente, eram carta fora do baralho para
fins eleitorais, o que torna suspeita qualquer avaliação quantitativa acerca do
seu futuro domínio sobre recursos políticos. A proibição constitucional foi
suspensa em fins de 1997, permitindo-se uma reeleição sucessiva. Assim, depois
de 1998, é possível distinguir entre os governadores de primeiro mandato,
reelegíveis mais uma vez, e os de segundo mandato, que não podem concorrer na
eleição seguinte. Dessa forma, os dados sobre votações no Congresso posteriores
a essa data permitirão medir com exatidão o efeito do poder do governador na
unidade da sua bancada estadual, abrindo-se um caminho promissor para futuras
pesquisas.
Resumindo: há grande polêmica entre os especialistas em política comparada
sobre os efeitos das instituições no comportamento dos políticos. Identificamos
dois fatores institucionais que possivelmente afetam a unidade de coalizões
parlamentares ' o tamanho das bancadas e os vínculos com governadores ' e
medimos seu impacto no sistema federativo brasileiro, em que as eleições seguem
as regras da RPLA e se realizam em distritos que abrangem todo o estado. Nessas
condições, ambos os fatores têm suficiente variação para nos permitir calcular
seus efeitos na unidade de coortes estaduais coligadas. A análise das
informações sobre votos dados em votações realizadas na Câmara dos Deputados,
de 1989 a 1998, confirma a proposição de que as coortes grandes são menos
unidas do que as pequenas sob regras eleitorais que estimulam a competição
entre aliados da mesma coalizão. Não encontramos nenhum efeito líquido da
aliança com governadores sobre a unidade de voto entre grupos de deputados da
coalizão estadual na Câmara dos Deputados. Este resultado exclui a pertinência
da explicação da influência dos governadores por um efeito de reforço mútuo
entre mandantes, mas não nos permite chegar a uma conclusão definitiva sobre a
hipótese oposta, a do efeito da competição entre mandantes. A análise levou-
nos, porém, a vislumbrar uma estratégia alternativa para futuras pesquisas
sobre esse tema.
NOTAS
1. A base empírica de nossa argumentação é a mesma que usamos neste artigo.
Figueiredo e Limongi forneceram-nos sua base de dados sobre votações realizadas
na Câmara dos Deputados.
2. Se as coalizões estaduais e nacionais sempre fossem formadas pelos mesmos
partidos, o problema estaria apenas em saber se a posição do governo se
harmonizava com a da coalizão no plano nacional. Só que, no Brasil, as alianças
estaduais muitas vezes não refletem as que se estabelecem no âmbito federal, de
modo que é necessário examinar especificamente os efeitos da influência dos
governadores em suas coalizões estaduais.
3. Figueiredo e Limongi nos cederam generosamente sua base de dados original.
4. É importante observar que na maioria das assembléias algumas votações não
são decididas por maioria simples dos votantes. Os dois principais desvios da
maioria simples se dão quando o quórum para a aprovação de projetos de lei é
estabelecido em termos absolutos (isto é, como porcentagem do total de membros
da assembléia e não do número de votantes), e quando a aprovação exige o apoio
de uma maioria extraordinária (por exemplo, 3/5, 2/3 etc.). A fórmula de
ponderação das votações leva em conta esses fatores, de modo que definimos uma
votação apertada como aquela em que a mudança de voto de um parlamentar é
decisiva e não como aquela em que a soma dos votos ''sim'' empata com a soma
dos votos ''não'' (Carey, 2002).
5. Algumas dessas coalizões eram específicas para determinada legislatura, mas
muitas elegeram coortes em mais de um estado e/ou período legislativo. Assim,
em nossas análises estatísticas, o número de observações é superior a 93. A bem
dizer, a variação dentro do grupo entre as coalizões é proporcional ao peso
estatístico para as análises dos efeitos fixos.
6. Os modelos usados para examinar o Congresso de 1986-1990 não incluem os
estados de Roraima, Amapá e Tocantins, que só foram criados pela Assembléia
Constituinte de 1987/88 e, portanto, não realizaram eleições para governador em
1986. Também excluímos do período o Distrito Federal, porque Nicolau (1998) não
tem os resultados para o governo do estado. Utilizamos modelos que incluem
variáveis binárias específicas para cada período, a fim de determinar se
mudanças ocorridas no tempo afetam os resultados. No segundo período
legislativo, a unidade foi inferior à do primeiro período, e no terceiro foi
maior, mas essas especificações não alteram os resultados substantivos ou os
efeitos estatísticos de nossas variáveis institucionais.
7. É preciso lembrar que nossas unidades de análise ' as coalizões ' podem
constituir-se de um só ou de muitos partidos. As coalizões omitidas para a
análise dos modelos de efeitos fixos representam, portanto, uma coorte de
deputados do PT que não se aliou a nenhum outro partido.
8. A íntegra dos resultados pode ser solicitada aos autores.
9. Vale notar, nesse sentido, que mesmo se não corrigíssemos os índices para
evitar o viés devido ao pequeno tamanho do grupo, o efeito negativo ou o ônus
da aliança com o governador se revelaria até nos modelos de efeitos fixos. A
razão disso é que as coortes pequenas, para as quais o viés negativo é mais
grave, geralmente não têm vínculos com os governadores. Agradecemos a Scott
Desposato por nos ter alertado energicamente para o problema da distorção
causada pelos grupos pequenos, bem como por incentivar todos os pesquisadores
que estudam índices de unidade de voto a prestarem rigorosa atenção às questões
metodológicas levantadas em Desposato (2002b).