Fundamentos da economia, mercado financeiro e intenção de voto: as eleições
presidenciais brasileiras de 1994, 1998 e 2002
INTRODUÇÃO
Em economias emergentes, crescimento econômico necessariamente passa pela
dependência de capital estrangeiro. Em uma época em que o fluxo internacional
de capitais é intenso e praticamente desregulado, acentua-se a influência de
atores do mercado financeiro em processos decisórios domésticos (Bernhard e
Leblang, 2001; Clark e Hallerberg, 2000). Surpreendentemente, há uma lacuna nas
literaturas nacional e internacional sobre como a política doméstica de países
em desenvolvimento é afetada pelo mercado financeiro internacional1. Este
artigo pretende dar um primeiro passo na direção de suprir tal lacuna,
analisando o impacto da taxa de câmbio, de índices de risco-país e de
indicadores da bolsa de valores nas intenções de voto para presidente no Brasil
contemporâneo. Além desses indicadores, o impacto de variáveis econômicas,
tradicionalmente analisadas em estudos sobre economia e eleições, também será
avaliado (Hibbs, 1987; Eulau e Lewis-Beck, 1985).
As eleições presidenciais brasileiras de 1994, 1998 e 2002 oferecem excelente
oportunidade para a realização de tal estudo. Primeiro, por ser um período
marcado por duas vitórias consecutivas de um presidente com propostas
favoráveis à abertura do mercado nacional, privatização de empresas públicas e
estabilização da economia – políticas centrais de uma agenda de reforma
fortemente apoiada por instituições financeiras internacionais e orientada por
uma lógica considerada neoliberal (Haggard e Kaufman, 1992). Por outro lado, em
2002, a oposição comandada pelo Partido dos Trabalhadores – PT chega ao poder
com um discurso que combinava a manutenção de contratos com propostas de
geração de emprego. Questões econômicas estão no âmago do debate eleitoral em
todas as eleições presidenciais recentes. Desta feita, como a economia afetou a
alternância de partidos no poder, esta é questão central para o debate sobre
eleições no Brasil.
Um segundo fator interessante desse período é o crescente destaque dado pela
mídia à relação entre intenção de voto e indicadores do mercado financeiro
nacional e internacional. Temas como risco-país (spread do C-Bond), índices de
bolsas de valores e taxa de câmbio passaram a ser tratados diariamente pela
mídia nas eleições de 1998 e 2002. A despeito da crescente saliência desses
temas no debate eleitoral, o real impacto dessas variáveis nas intenções de
voto do eleitor brasileiro ainda não foi verificado empiricamente.
Outra questão diz respeito especificamente aos indicadores dos fundamentos da
economia. O desemprego parece ter ganhado mais destaque do que a inflação no
debate eleitoral de 20022. Conforme previsto pela Curva de Phillips, uma vez
controlada a inflação (e como conseqüência direta de medidas que resfriam a
produção econômica e a circulação de moeda), recessão e propostas de geração de
emprego passam a ser o eixo da discussão sobre economia (Stokes, 2001; 2001a;
2001b). O caso brasileiro em 2002 não se distancia dessa lógica. Portanto, um
modelo que vise a explicar intenções de voto baseado em variáveis econômicas
não pode ignorar o papel central que o combate à inflação e ao desemprego teve
no Brasil recente.
De forma mais específica, este artigo pretende oferecer respostas para as
seguintes perguntas: qual é a relação causal entre indicadores do mercado
financeiro e fundamentos da economia, por um lado, e intenções de voto, por
outro? O que determina o quê? Na essência dessa discussão está a questão da
simultaneidade entre variáveis econômicas e políticas. Além disso, outro tema
explorado é a direção do impacto dos distintos indicadores econômicos nas
intenções de voto. Ou seja, como as intenções de voto em candidatos do governo
e oposição são distintamente afetadas pelos diversos indicadores econômicos.
Susan Stokes (2001) propõe uma discussão bastante inovadora acerca do impacto
da economia em intenções de voto. Stokes argumenta que o voto econômico
retrospectivo3, no qual eleitores punem candidatos do governo quando a economia
vai mal, não é o único cálculo eleitoral possível, principalmente em países que
atravessam profundos processos de reforma econômica. Para a autora, seguindo
ensinamentos anteriores de Downs (1957) e Fiorina (1981), avaliações
prospectivas combinam-se com avaliações retrospectivas no momento do cálculo
eleitoral4. As combinações diferenciadas entre elementos retrospectivos e
prospectivos no cálculo eleitoral acabam por gerar diversos padrões de voto. É
essa a essência da inovação teórica proposta por Stokes. Este artigo aplica sua
argumentação à análise do caso brasileiro.
O artigo está organizado da seguinte forma. A próxima seção enfoca o impacto de
indicadores do mercado financeiro e fundamentos da economia em intenções de
voto. Na terceira seção, aplicamos o arcabouço teórico proposto por Stokes ao
caso brasileiro. Em seguida, derivamos da discussão teórica hipóteses
empiricamente verificáveis. A quinta parte descreve o banco de dados. Segue-se
daí a apresentação dos resultados. Ao cabo, oferecemos um resumo dos achados e
mencionamos possíveis implicações dos mesmos para a relação entre eleitores e
eleitos no Brasil.
MERCADO FINANCEIRO E FUNDAMENTOS DA ECONOMIA
O impacto da economia na política, até muito recentemente, limitava-se à
análise de variáveis relacionadas aos fundamentos da economia (crescimento,
desemprego e inflação). Contudo, nos últimos anos, tem-se notado um aumento da
saliência de indicadores do mercado financeiro no debate eleitoral. Tanto
fundamentos da economia quanto o mercado financeiro, agora, parecem dividir o
espaço de discussão sobre o impacto da economia nas eleições. Em termos de
modelagem econométrica, ignorar algum desses aspectos é incorrer em erro de
especificação. Em termos substantivos, ignorar algum desses fatores é contar
uma história incompleta. Infelizmente, a maior parte dos estudos sobre economia
e eleições ainda não incorporou o impacto de indicadores do mercado financeiro
em análises eleitorais, principalmente em países em desenvolvimento.
A crescente importância de temas relacionados ao mercado financeiro nacional e
internacional deve-se a dois fatores principais. Primeiro, há uma crescente
internacionalização e flexibilização dos fluxos de capital, que não existia na
magnitude de hoje a 10 anos atrás. Segundo, atores ligados a esse setor
ganharam influência na política doméstica, e essa influência deve ser ainda
mais visível onde a necessidade de obtenção de investimento externo é
imprescindível para o desenvolvimento econômico. Portanto, a mudança na agenda
de discussão sobre temas econômicos não se deve ao acaso. Ela é fruto de
mudanças ocorridas no sistema financeiro internacional e na abertura das
economias nacionais, outrora bem mais fechadas à competição externa.
Tendo em vista que a análise da relação entre economia e eleições em países
economicamente desenvolvidos já incorpora tanto os fundamentos da economia
quanto fatores ligados ao mercado financeiro em suas análises eleitorais, é
possível aplicar algumas dessas abordagens ao estudo de países em
desenvolvimento. Em trabalhos anteriores, indicadores sobre os fundamentos da
economia nacional, como inflação e desemprego, eram os pontos centrais da
análise (Eulau e Lewis-Beck, 1985; Lewis-Beck, 1988; Echegaray, 1995). A
relação entre esse conjunto de variáveis e intenção de voto era tida como
bastante evidente. Quanto mais alta a inflação, quanto maior o desemprego,
quanto mais baixos os salários, mais baixa também é a popularidade do governo.
Isso se traduz, conseqüentemente, em queda nas intenções de voto para
candidatos do governo.
Em suma, quanto pior o desempenho do governo na administração da economia, pior
sua avaliação pela população e mais tênues suas chances de se manter no poder.
Segundo essa visão, eleitores decidem seus votos em parte baseados em
avaliações retrospectivas do desempenho de seus governantes (Fiorina, 1981).
Pode-se dizer que o voto retrospectivo é tido como o padrão normal de decisão
eleitoral em um regime democrático, pois está fortemente associado à idéia de
accountability
5. A direção causal é clara: fatores econômicos afetam intenções de voto.
Por outro lado, a ciência política também parece ter incorporado em seus
estudos o impacto do aumento indiscutível na fluidez dos fluxos de capital
externo e a crescente influência de variáveis do mercado financeiro
internacional em assuntos domésticos. Há diversos autores que têm apontado para
a crescente influência de atores do mercado financeiro internacional nos rumos
da política doméstica (Leblang, 1997; Kaufman e Segura-Ubiergo, 2001; Clark e
Hallerberg, 2000; Basinger e Hallerberg, 2004). Em decorrência, indicadores de
taxa de câmbio, medidas de risco-país e índices de bolsas de valores passam a
ganhar destaque na discussão sobre eleições (Gleisner, 1992; Berry, Elliott e
Harpham, 1996; Alesina et alii, 1997; Freeman et alii, 2000; Hays et alii,
2000; Bernhard e Leblang, 2001).
Uma contribuição importante dessa nova literatura é a idéia de que há uma
relação causal recíproca entre indicadores do mercado financeiro e voto
(Bernhard e Leblang, 2001). O mercado financeiro reage mal à incerteza gerada
por eleições (idem; Borsani, 2001). Eleições são momentos de mudança que sempre
envolvem riscos e por isso geram trepidação nos indicadores do mercado
financeiro. Contudo, a reação deste deverá ser mais aguda quando a perspectiva
de mudança em uma ordem favorável aos seus interesses é maior. Partidos de
esquerda normalmente são associados a políticas econômicas heterodoxas6.
Portanto, quando um candidato de esquerda ganha apoio eleitoral, sinalizando a
possibilidade de mudança na política econômica de um governo que segue a
cartilha da ortodoxia econômica, isso acaba por afetar avaliações de risco de
analistas financeiros. Parece claro que variações em intenções de voto
influenciam indicadores financeiros.
Por outro lado, indicadores do mercado financeiro podem também afetar a
popularidade de governantes e intenções de voto (Bernhard e Leblang, 2001;
Berry et alii, 1996). É de se esperar que atores do mercado financeiro tenham
preferências por candidatos que defendam propostas políticas que os beneficiem.
Quando candidatos do governo, favoráveis ao mercado, aparecem bem em pesquisas
de opinião, isso não deve gerar oscilações nos indicadores financeiros. Tais
indicadores devem se manter estáveis e positivos e provavelmente não se tornam
tema para uso político durante a campanha, a não ser para beneficiar o governo.
Por outro lado, quando há crescimento das intenções de voto em candidatos
contrários ao mercado, isso aumenta a incerteza de investidores e pode gerar
instabilidade e queda nos indicadores financeiros. A instabilidade dos
indicadores financeiros, por sua vez, pode se tornar tema político a ser
explorado durante a campanha eleitoral e vir a impactar a disputa eleitoral.
Conforme Bernhard e Leblang (2001), o impacto dos indicadores financeiros
provavelmente é mais visível quando estes oscilam negativamente. Ou seja, o
mecanismo causal da relação entre intenção de voto e indicadores financeiros
tem diversos momentos. Primeiro, pioras nas avaliações de risco-país ou queda
na bolsa de valores podem ser creditadas ao crescimento nas pesquisas de
intenção de voto de candidatos contrários aos interesses do mercado financeiro.
Em um segundo momento, o enfraquecimento dos indicadores financeiros pode ser
utilizado como um fato político pelo candidato governista. A deterioração dos
indicadores financeiros pode ser creditada à postura de um candidato específico
e isso pode impactar intenções de voto nesse candidato em pesquisas futuras. A
constante menção da fragilidade dos indicadores do mercado financeiro em
jornais e na propaganda eleitoral de certos candidatos aumenta a visibilidade
desses temas para o eleitor e pode afetar intenções de voto em um momento
posterior. Em outras palavras, ocorre primeiro uma assimilação do quadro
eleitoral por parte dos atores do mercado financeiro que se reflete nos
indicadores financeiros. Posteriormente, uma vez que a reação do mercado
financeiro se torna pública e é usada eleitoralmente por atores políticos, esta
pode vir a impactar as intenções de voto.
CÁLCULOS ELEITORAIS EM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
O ganho em complexidade na relação entre economia e eleições afetou diretamente
uma nova agenda de pesquisas proposta por Stokes (2001; 2001a; 2001b). Para
ela, ambientes que atravessaram processos recentes de ajuste econômico e
reforma política permitem o surgimento de diversos tipos de cálculo eleitoral,
em que componentes retrospectivos podem ser combinados com elementos
prospectivos. Além do voto retrospectivo, eleitores podem também realizar um
cálculo intertemporal, um cálculo de exoneração, e ter uma postura
oposicionista ou ainda distributivista.
Um elemento-chave nessa nova visão é que eleitores podem tolerar dificuldades
econômicas no presente em nome de recompensas futuras – o chamado voto
intertemporal, que é aquele em que o eleitor apóia o governo ou seu candidato
mesmo quando os indicadores econômicos não apresentam resultados satisfatórios.
Na essência do voto intertemporal está a idéia que os eleitores fazem uma
análise prospectiva dos candidatos. O eleitor leva em consideração não apenas o
desempenho do governo na área econômica, mas avalia as promessas de campanha do
candidato do governo e as justificativas dadas pelo governo para possíveis
dificuldades econômicas. Candidatos que adotam essa postura argumentam que
sacrifícios no presente serão recompensados por ganhos no futuro. Ou seja, o
remédio é amargo, mas a cura virá.
Uma outra lógica de escolha eleitoral passa por culpar regimes anteriores ou
fatores externos para o mau desempenho do governo – este é o cálculo de
exoneração. O governo não é punido por eleitores porque a culpa pelas
dificuldades do presente é creditada a governos anteriores ou ao contexto
internacional. Tal estratégia tem mais credibilidade quando empregada em épocas
de transição de governos autoritários para democráticos ou de crise global,
como durante a crise da dívida.
Outra lógica ainda se refere ao voto puramente oposicionista. Independentemente
do que o governo faça, o eleitor que emprega esse cálculo vota sempre contra o
governo por motivos partidários, ideológicos ou pessoais. Esse tipo de cálculo,
portanto, não é econômico em sua essência. Trata-se de uma forma de decisão não
condicionada ao funcionamento da economia.
Outro cálculo é o distributivista, em que pesa de forma mais acentuada a
condição pessoal do eleitor do que o estado da economia do país. Nesse caso, o
eleitor pune o governo quando sua situação econômica pessoal se mantém estável
ou decai, mesmo com melhorias na situação econômica nacional.
O instrumental teórico proposto por Stokes (2001) foi testado em diversos
países. A própria autora estuda as eleições peruanas, Adam Pzreworski (2001)
analisa a Polônia e, em colaboração com José María Maravall, a Espanha (2001).
Um último país europeu analisado seguindo essa mesma lógica é a Alemanha
(Anderson e Tverdova, 2001). Na América Latina, além do caso peruano, Jorge
Buendía Laredo (2001), analisa o México e Fabian Echegaray e Carlos Elordi
(2001), a Argentina. A grande vantagem do modelo proposto por Stokes é o de
oferecer uma explicação racional para escolhas que aparentemente podem parecer
contraditórias e aleatórias.
Uma análise agregada, em série temporal, nos moldes dos estudos de Stokes e
seus colaboradores, ainda não foram realizados no Brasil, o que, obviamente,
não quer dizer que não haja estudos importantes sobre o impacto de variáveis
econômicas nas decisões de voto em eleições brasileiras. Na verdade, o estudo
sobre comportamento eleitoral no Brasil tem larga tradição, mas todos os
estudos anteriores utilizaram exclusivamente dados de surveys e fizeram
análises no plano individual para entender o impacto de variáveis econômicas em
escolhas eleitorais.
Carreirão (2002), Meneguello (1994), Mendes e Venturi (1994), Camargos (2001),
entre outros, já testaram diversas hipóteses sobre como a economia afeta
escolhas eleitorais. Mais importante ainda, todos indicam que variáveis
econômicas influenciam escolhas eleitorais, ao lado de avaliações baseadas em
identidades partidárias (Camargos, 2001) e em ideologia (Singer, 2000). Ou
seja, estudos agregados, como os propostos por Stokes, são plenamente
aplicáveis ao Brasil tendo em vista que no plano individual já foi comprovado
que fatores econômicos afetam o voto. O enfoque agregado proposto aqui,
portanto, complementa os achados de estudos anteriores que utilizam dados
individuais7.
O Brasil, como o caso do Peru, México e Argentina, é um país que atravessou
profundas mudanças institucionais e econômicas nas três últimas décadas. É um
país que passou de uma inflação mensal de três dígitos para uma de apenas um
dígito. Além disso, é um país que se abriu para o mercado internacional e que
privatizou suas empresas estatais. Por fim, é um país que encontra dificuldades
para gerar empregos e produzir crescimento econômico. Por estes motivos, é um
caso muito apropriado para o estudo dos diversos cálculos eleitorais propostos
por Stokes.
Por exemplo, a lógica intertemporal enquadra-se bem às eleições de 1994. Nela,
o candidato a presidente apoiado pelo governo usa uma retórica contrária a
choques ou mudanças milagrosas em seu governo. O processo de controle da
inflação e as mudanças estruturais necessárias são lentos e graduais e seguidos
por tempos de privação econômica. Contudo, rezava a mensagem governista de
então, tais dificuldades são passageiras e as transformações estruturais
gerarão as bases para um crescimento sustentável da economia.
Também, é importante frisar, o governo colhia os frutos do sucesso de seu plano
de estabilização. O controle da inflação apresentava melhorias palpáveis na
qualidade de vida dos brasileiros e isso se refletiu no sucesso eleitoral de
Fernando Henrique Cardoso. Portanto, em 1994 havia espaço também para uma
avaliação retrospectiva da economia além do cálculo intertemporal. A
estabilização da economia em si era um bem coletivo e o candidato do governo
tirou proveito disso.
Em 1998, a retórica passou a ser de exoneração. O governo culpava a situação
internacional pelos problemas da economia. A crise na Rússia e a falta de
confiança generalizada de investidores internacionais em mercados em
desenvolvimento foram as principais justificativas para o pífio desempenho
econômico que se acentuava em fins de 1998. Na verdade, o argumento da
internacionalização do mercado financeiro e a famosa crise na Rússia, que
ocuparam papel de destaque na mídia então, foram usados como justificativas
para problemas nacionais e vieram possivelmente a ajudar Fernando Henrique em
sua campanha (Miguel, 1999). É fundamental ressaltar aqui que a abordagem de
Stokes (2001), portanto, abre uma importante brecha para incorporar indicadores
do mercado financeiro no estudo da relação entre economia e voto, embora ela
própria e seus colegas não o façam em seus estudos.
Mas, novamente certo elemento retrospectivo ainda tinha espaço em 1998. Não só
o governo se valia ainda do sucesso de seu plano de estabilização como também
usava o argumento que a administração de Fernando Henrique estava mais
preparada para enfrentar as constantes crises da economia internacional.
Segundo o argumento governista de então, só o governo Fernando Henrique, que já
havia se mostrado eficiente na contenção de diversas crises internacionais, era
capaz de proteger o país de novos choques. Portanto, é possível também
vislumbrar uma situação em que uma turbulência do mercado financeiro
internacional beneficie candidatos do governo.
Já em 2002, a lógica dominante parece ter sido a do voto retrospectivo. Uma vez
ganha a batalha contra a inflação, há limites até onde o sucesso do plano de
estabilização garantirá retorno eleitoral. Uma vez que a diminuição da inflação
se torna o status quo, outros temas passam a ganhar destaque. Susan Stokes
(idem) refere-se a esse fenômeno como paradoxo do sucesso. O desemprego, e não
mais a inflação, passa a ter destaque no debate eleitoral brasileiro. O
candidato do governo é afetado negativamente pelos fracos indicadores nessa
área e pela piora na qualidade de vida do eleitor brasileiro. Em suma, o
candidato governista paga o preço ao ser derrotado pelo principal candidato da
oposição. Uma decorrência direta de cálculo retrospectivo dos eleitores.
Portanto, o voto retrospectivo parece estar na essência do processo de
alternância no poder ocorrido em 2002 e tão importante para o fortalecimento da
democracia no Brasil.
A idéia da curva de Phillips – na qual, após o controle da inflação, temas
relacionados ao crescimento econômico, como desemprego e investimento,
naturalmente passam a dominar a agenda econômica – parece se encaixar como uma
luva ao caso brasileiro pós-19948. Um fenômeno que ocorreu nas eleições de 2002
foi o deslocamento da agenda de discussão sobre a economia brasileira do
problema da inflação para temas relacionados ao desemprego, mercado financeiro
e investimento externo.
Cabe ressaltar que em 1998, já se fazia sentir a influência do mercado
internacional e dos fluxos de capital estrangeiro no debate eleitoral, quando o
medo da desvalorização do Real, a mudança nas taxas de juros e as repercussões
da crise na Rússia ameaçavam a reeleição de Fernando Henrique. Já em 2002, a
discussão sobre fatores relacionados ao mercado financeiro tornou-se alvo,
quase que central, da mídia (Spanakos, 2002; Williamson, 2002). A tônica dessa
cobertura era que o mercado financeiro reagia negativamente ao aumento das
intenções de voto em Luiz Inácio Lula da Silva. A iminente vitória da oposição
e de um partido de origem socialista, e a incerteza que esse fato gerava com
relação a que rumo seria dado à economia nacional, levava à formação de
expectativas negativas no mercado financeiro, que se refletiam nos índices e
taxas mencionadas acima. A folgada margem de intenção de votos de Lula nas
pesquisas (em uma possível leitura dos agentes do mercado financeiro) indicava
não apenas a possibilidade de mudanças nas políticas macroeconômicas do
governo, mas de mudanças que poderiam ser desfavoráveis ao mercado financeiro9.
Ou seja, o cenário eleitoral sem dúvida afetou os cálculos dos analistas de
mercado. Contudo, Lula ganhou a eleição com folga, e isto levanta a suspeita de
que os indicadores do mercado financeiro não tiveram impacto suficientemente
forte no processo eleitoral para alterar o resultado final da eleição, o que
não significa que o impacto eleitoral de atores do mercado financeiro deva ser
ignorado. A preocupação do mercado influenciou as escolhas de atores políticos-
chave durante a campanha eleitoral. O PT teve que repetidas vezes afirmar que
não haveria "quebra de contratos"; inclusive por escrito, como ficou
evidenciado no documento Carta ao Povo Brasileiro, no qual o partido comunicava
seu comprometimento com a manutenção da estabilidade macroeconômica e o
respeito a contratos feitos durante o governo Fernando Henrique. Além disso, a
incerteza do mercado gerada pela iminente vitória eleitoral de Lula
inquestionavelmente foi utilizada pela campanha de José Serra, em proveito
próprio, na tentativa de reverter o quadro de intenção de voto desfavorável à
sua chapa.
A questão que se coloca então é: há uma relação causal recíproca, de mão dupla,
entre variação em indicadores do mercado financeiro e variação em intenções de
voto? Avaliações do mercado financeiro podem ser afetadas negativamente pelo
crescimento em pesquisas de opinião de candidatos com propostas contrárias ao
interesse do mercado financeiro ou cujas propostas de reforma não sejam claras.
Posteriormente, a queda dos indicadores financeiros pode ser creditada por seus
adversários ao crescimento de um candidato específico nas pesquisas de voto. O
argumento utilizado por um candidato adversário é que votar em certo candidato,
que tradicionalmente tenha se colocado contrário à agenda de instituições
financeiras, gera instabilidade econômica e afeta negativamente a economia. Tal
argumento pode vir a repercutir em intenções de voto, ainda mais quando é
noticiado pelos meios de comunicação e repetido ad nauseum em propagandas
eleitorais.
Com base nos argumentos de Stokes e na constatação teórica e empírica sobre a
crescente influência do mercado financeiro na política doméstica, o impacto da
economia em intenções de voto parece ser muito mais complexo em ambientes que
estejam em profunda reforma econômica. Alguns aspectos da economia ganharam
destaque no debate eleitoral em anos recentes, enquanto outros aparentemente
passaram para segundo plano. Além disso, a direção causal entre economia e
política parece ter se tornado ainda mais complexa. Todas essas questões estão
abertas a testes empíricos no Brasil, principalmente quando dados agregados em
série temporal são usados.
HIPÓTESES
Conforme foi dito acima, há diversos vetores causais na relação entre intenção
de voto, fundamentos da economia e indicadores do mercado financeiro. A partir
dessa discussão, derivamos algumas hipóteses sobre a relação entre economia e
voto.
Hipótese 1: analistas de mercado e investidores levam em consideração a disputa
eleitoral quando definem suas estratégias de investimento. Não restam dúvidas,
portanto, que intenções de voto devem afetar indicadores do mercado financeiro
como o spread do C-bond, a bolsa de valores e a taxa de câmbio10.
Mais precisamente, e conforme a literatura, o crescimento de candidatos de
esquerda nas pesquisas de intenção de voto deve levar a quedas nos indicadores
do mercado financeiro. Já o mercado financeiro deverá responder favoravelmente
ao crescimento de candidatos que apóiam uma agenda neoliberal de reformas
políticas, o que, no caso brasileiro, é representado pelos candidatos
governistas em 1994, 1998 e 2002. Portanto, a hipótese 1 desdobra-se em duas
sub-hipóteses: 1a) o índice do C-bond, a bolsa de valores e a taxa de câmbio
deverão sofrer impacto negativo do crescimento das intenções de voto em
candidatos do PT, no caso Lula; e 1b) os índices do mercado financeiro deverão
sofrer impacto positivo com o crescimento de candidatos governistas, no caso
Fernando Henrique Cardoso e José Serra.
A hipótese 2, por outro lado, baseia-se na idéia de que há ainda poucas
evidências empíricas que indicadores do mercado financeiro influenciam escolhas
eleitorais. Não há dúvida que indicadores da bolsa de valores e de risco-país
têm ganhado mais e mais atenção dos meios de comunicação e de propagandas
políticas; resta ver se esse crescente destaque impactou intenções de voto ou
se tais fatores ainda são secundários nas escolhas de eleitores brasileiros. A
hipótese 2, portanto, pode ser resumida da seguinte forma: intenções de voto
para presidente não deverão sofrer impacto decisivo dos indicadores
financeiros.
Caso a hipótese 2 seja refutada pelos dados, indicando haver um impacto
eleitoral dos indicadores financeiros, então é necessário prever qual a direção
deste impacto. Com base na discussão teórica anterior e na análise de
conjuntura no Brasil, intenções de voto para candidatos governistas são
beneficiadas por melhorias nos indicadores financeiros. Já o candidato da
oposição é prejudicado por melhorias nos indicadores financeiros. Finalmente,
se houver impacto dos indicadores financeiros nas escolhas eleitorais, este
impacto deverá ser defasado no tempo. Como foi discutido anteriormente, o
impacto dos indicadores financeiros só ocorre em um segundo momento, após esses
indicadores terem sido eles próprios afetados pela competição eleitoral em um
primeiro momento.
Em resumo, as hipóteses 1 e 2 argumentam que os indicadores financeiros são
bastante sensíveis no curto prazo às intenções de voto nos distintos candidatos
e tais reações são diferenciadas por candidato. Já o impacto dos indicadores
financeiros nas intenções de voto, ocorre com um atraso no tempo.
Na hipótese 3 voltamos nossa atenção para o papel de variáveis ligadas aos
fundamentos da economia. A hipótese é que intenções de voto para presidente
serão afetadas no curto prazo por indicadores dos fundamentos da economia, tais
como inflação e desemprego. Os estudos em âmbito individual no Brasil não
deixam dúvidas que os fundamentos da economia, principalmente inflação,
influenciam escolhas eleitorais. Os dados agregados devem confirmar esse fato
já documentado no plano individual.
Essa hipótese também se desdobra em outras duas sub-hipóteses, ambas embasadas
na idéia de que intenções de voto em distintos candidatos são afetadas
diferentemente pelo estado da economia. O impacto dos indicadores econômicos
nas intenções de voto em candidatos da oposição deve ser diametralmente oposto
ao impacto nas intenções de voto nos candidatos do governo. No caso brasileiro,
a sub-hipótese 3a defende que pioras no estado da economia, como aumento na
inflação e no desemprego, beneficiam Lula. A sub-hipótese 3b argumenta que
melhorias na economia beneficiam os candidatos do governo, Fernando Henrique
Cardoso e José Serra. De fato, se a hipótese 3 e seu conjunto de sub-hipóteses
se confirmarem, isso gerará evidências de que predomina no Brasil um voto de
caráter retrospectivo.
Contudo, se a hipótese 3 não se confirmar, isso indica que o eleitor pode estar
empregando outro cálculo eleitoral que não o retrospectivo no momento de
escolha do seu candidato. Conforme discutido anteriormente, há diversos outros
cálculos eleitorais possíveis que podem servir de base para explicações
alternativas às defendidas na hipótese 3 (Stokes, 2001). Se predominar um
cálculo intertemporal, melhorias na economia no presente devem ter efeito
negativo no voto em candidatos do governo e positivo no voto em candidatos da
oposição. Um voto intertemporal está embasado na idéia de que custos no
presente na forma de deterioração da economia são vistos positivamente pelo
eleitor, pois estão ligados à expectativa de melhorias no futuro. Em outras
palavras, pioras na economia no presente podem resultar em maior apoio aos
candidatos do governo. Em contrapartida, melhorias na economia no presente
podem ser vistas como sinal de irresponsabilidade do governo e podem ser
punidas pelos eleitores com base em expectativas de piora no futuro.
Além do voto intertemporal e do voto retrospectivo, o eleitor pode incorrer em
uma lógica de exoneração ou em uma lógica oposicionista, onde o voto é
independente da situação da economia. No caso do cálculo de exoneração, não
deverá haver relação entre indicadores da economia e voto no governo porque a
culpa pelo estado da economia é depositada ou em governos anteriores ou na
situação econômica internacional. Já o voto oposicionista é verificado quando
não há relação entre o voto em Lula, o candidato da oposição, e variáveis
econômicas. A ausência de relação indica que o voto em Lula deverá estar muito
mais ligado a vínculos ideológicos, partidários ou pessoais. Ou seja, as
predisposições anteriores do eleitor podem atenuar o impacto da economia na
escolha eleitoral.
Por fim, com relação ao impacto das intenções de voto nos fundamentos da
economia, a idéia dominante na literatura é que a inflação e o déficit tendem a
aumentar e o desemprego a cair em anos eleitorais em comparação com anos
anteriores, no que ficou conhecido na literatura como electoral business cycle
(Nordhaus, 1975; Borsani, 2001), o que mostra que o governo tenta ampliar suas
chances eleitorais manuseando políticas econômicas. Portanto, é possível pensar
em uma situação em que os fundamentos da economia sejam afetados por intenções
de voto. O governo pode tentar alterar o quadro eleitoral adotando determinada
política de ajuste econômico. As eleições de 1994, nas quais o governo tirou
proveito eleitoral de sua capacidade de implementação de políticas econômicas,
podem ser vistas como exemplo crasso de situação em que intenções de voto no
candidato do governo afetaram a adoção de uma política econômica de redução da
inflação. Deve ficar claro, contudo, que tal situação deverá ocorrer
principalmente no que tange a relação entre intenções de voto em candidatos do
governo e fundamentos da economia. Candidatos do governo têm maior chance de
influenciar políticas públicas que podem alterar a inflação e o desemprego;
candidatos da oposição não contam com tais instrumentos. Portanto, a hipótese 4
prevê que inflação e desemprego serão afetados exclusivamente por intenções de
voto em candidatos governistas.
Além das variáveis econômicas, o modelo também inclui o impacto de variáveis
políticas na decisão de voto do eleitor brasileiro. Isso é uma inovação em
relação aos estudos incluídos na coletânea organizada por Stokes. Será avaliado
aqui o papel dos debates entre candidatos a presidente, do Horário Gratuito de
Propaganda Eleitoral – HGPE e de uma variável que mede popularidade
presidencial excluindo o impacto de fatores econômicos, que será descrita
detalhadamente adiante. A inclusão de variáveis de cunho político é fundamental
para especificar corretamente o modelo explicativo da variação nas intenções
agregadas de voto. Um modelo que utliza apenas variáveis econômicas para
explicar um fenômeno político, ignorando fatores políticos, está, sem sombra de
dúvidas, incorretamente especificado. Este é um problema grave, pois erros de
especificação não acarretam apenas ineficiência na estimação (erros-padrão
inflados), mas também vieses nos coeficientes estimados. Os estudos de Stokes e
seus colegas sofrem desse grave mal.
Tanto o HGPE quanto os debates demonstram o profissionalismo dos distintos
candidatos na condução de suas campanhas eleitorais. Ambos os fatores, HGPE e
debates, têm caráter conjuntural, peculiar a cada candidato em cada eleição.
Portanto, as variáveis políticas enfocam os fatores conjunturais nas intenções
de voto11.
DADOS
O banco de dados usado é composto por séries temporais da aferição de intenção
de voto para candidatos a presidente tendo como unidade de observação cada
pesquisa eleitoral realizada pelos três maiores institutos de pesquisa do
Brasil (Ibope, Datafolha e Vox Populi) em cada um dos anos eleitorais. O banco
de dados contém a porcentagem declarada de voto, em pergunta estimulada, para
cada candidato que concorreu a presidente da República nas eleições de 1994,
1998 e 2002. Além disso, foram obtidos pelo site do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada – IPEA e acrescentados ao banco de dados indicadores do
mercado financeiro internacional (taxa de câmbio e C-bond), indicadores dos
fundamentos da economia nacional (desemprego e inflação) e, ainda, indicadores
do mercado financeiro nacional (Índice da Bolsa de Valores de São Paulo)12;
todos correspondentes a cada dia ou mês da divulgação das pesquisas de intenção
de voto13.
Para a análise bivariada realizada neste estudo, foram utilizadas 99 pesquisas
realizadas em 1994, 1998 e 2002 e para multivariada, foram utilizadas apenas as
pesquisas cujos dados disponíveis nos websites do Datafolha, Ibope e Vox Populi
continham informações sobre porcentagem de indecisos e eleitores que pretendiam
votar em branco ou nulo. Foram aproveitados os resultados de 67 pesquisas. É
fundamental incluir como variável dependente no teste multivariado não apenas
as porcentagens de votos em Lula e nos dois candidatos do governo no período
analisado, ambos do Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB, como também
os votos dos demais candidatos, os eleitores indecisos e aqueles que afirmam
votar em branco ou nulo14.
ANÁLISE
Testes de causalidade de Granger bivariados são uma primeira forma de abordar a
relação de antecedência causal entre séries temporais distintas. O teste de
Granger, valendo-se de um teste F de significância estatística, verifica se
valores anteriores de uma variável aumentam a capacidade de previsão (forecast)
de uma outra variável. A Tabela_1 apresenta os resultados para os testes em que
variáveis de indicação de voto em Lula, Fernando Henrique e Serra afetam
mudanças nos valores das variáveis econômicas e financeiras. Um valor defasado
de até duas pesquisas foi testado para verificar se há um possível efeito
retardado das intenções de voto nos indicadores econômicos, conforme sugerido
pela discussão teórica.
Fica claro que intenções de voto em Fernando Henrique, mais do que em Lula e
Serra, influenciam os valores de diversos indicadores econômicos e permite
prever valores da inflação, desemprego, taxa de câmbio, índice da Bovespa e
spread do C-bond, afetando diretamente o desempenho da economia. O voto em
Serra, por sua vez, não se relaciona com os indicadores econômicos.
No caso de Lula, intenções de voto alteram apenas os valores do C-bond, o que
demonstra que o mercado financeiro internacional reage às intenções de voto em
Lula. Já indicadores dos fundamentos da economia não são afetados por intenções
de voto em Lula, confirmando nossa expectativa de que apenas candidatos do
governo, principalmente quando concorrem à reeleição, são os únicos capazes de
interferir no andamento da economia.
Na tabela_1 foram testadas as hipóteses 1 e 4, que estabeleciam expectativas
teóricas sobre o impacto das intenções de voto em candidatos do governo e da
oposição nas variáveis econômicas e financeiras. Passamos agora a testar as
hipóteses 2 e 3, acerca do impacto da economia e do mercado financeiro nas
intenções de voto. Para fazer isso usamos uma modelagem um pouco mais complexa
do que a empregada acima15.
A Tabela_2 apresenta os resultados do teste multivariado SUR (Seemingly
Unrelated Regressions) para intenções de voto nas eleições presidenciais de
1994, 1998 e 200216. As variáveis dependentes utilizadas estão divididas em
cinco equações: a) intenção de voto em Lula; b) intenção de voto em candidatos
do governo, que combina Fernando Henrique e Serra; c) intenções de voto em
todos os demais candidatos combinadas em uma variável; d) indecisos; e e)
intenção de votar em branco ou nulo. Obviamente que tal classificação
simplifica a competição eleitoral em cada um dos três anos analisados e leva a
certo desperdício de informação que fica claro na variável dependente C, em que
as intenções de voto de todos os demais candidatos que concorreram em 1994,
1998 e 2002 são combinadas em uma só variável. Uma limitação dessa escolha é
que há perda em detalhamento na análise dos determinantes econômicos e
políticos da variação na intenção de voto dos candidatos incluídos na categoria
residual. Uma vantagem é que essa codificação da variável reduz o problema de
dados ausentes17.
O motivo para resumir o total de informação existente nas categorias constantes
da Tabela_2 é diminuir o número de casos ausentes e aumentar o tamanho da
amostra analisada. Em vez de analisar cada ano eleitoral separadamente, o que
diminuiria o tamanho da amostra e inviabilizaria comparações entre os distintos
anos (por causa dos tamanhos diferentes de amostra para cada ano), optamos por
abrir mão de um grande detalhamento em nome de aumentar a generalização dos
achados.
Um lado positivo da codificação adotada é a inclusão das intenções de voto em
branco e nulo e da porcentagem de indecisos, o que permite ampliar as
inferências feitas acerca do impacto da economia nas intenções de voto. Como
bem argumenta Stokes (2001:23-25), ambivalência quanto ao governo e
agnosticismo também podem ser afetados pelo estado da economia, principalmente
em países onde a situação econômica é instável e complexa. Nestes casos, a
complexidade da economia e sua baixa previsibilidade podem levar a um
embaçamento da atribuição de responsabilidades e a uma maior dificuldade de
compreensão sobre a relação entre economia e política, o que pode gerar
ambivalência e agnosticismo. Se, por um lado, a análise abaixo perde informação
por agrupar os candidatos com pouco apoio eleitoral em uma categoria residual,
ela ganha em muito incorporando a ambivalência eleitoral, instrumentalizada
pelo número de indecisos, e o agnosticismo, operacionalizado pela intenção de
votar em branco ou nulo.
As variáveis independentes econômicas (inflação, desemprego, taxa de câmbio e
Ibovespa), foram defasadas em uma unidade de observação (data da divulgação da
pesquisa eleitoral) para melhor aproveitar a natureza dinâmica das séries
temporais. Ou seja, será analisado se os indicadores da economia de fato
antecedem alterações nas escolhas eleitorais e se esse impacto existe mesmo
levando-se em conta diversas outras causas18.
Com relação às variáveis políticas, há uma diferença entre as equações. Para a
equação que explica o voto em candidatos do governo, Fernando Henrique e Serra,
foi acrescentada uma variável dummy para avaliar o impacto da campanha da
reeleição nas escolhas eleitorais. A variável Reeleição tem valor 1 para todas
as pesquisas realizadas em 1998 e visa a identificar se este ano eleitoral foi
distinto dos outros dois, nos quais Fernando Henrique em 1994 e Serra em 2002
competiam por um primeiro mandato. Todas as equações contêm variáveis dummy
para pesquisas divulgadas durante o HGPE e para pesquisas que ocorrem
posteriormente a debates entre os candidatos a presidente.
As equações também contêm um indicador de popularidade do presidente (RESPOP),
medido inicialmente pelas pesquisas de opinião e modificado para ser
acrescentado ao modelo. A variável RESPOP é uma variável latente para
popularidade presidencial atribuída a fatores não-econômicos. Ela é
simplesmente o resíduo de uma equação de mínimos quadrados que tem como
variável dependente a popularidade presidencial mensal e como variáveis
independentes os indicadores econômicos mencionados anteriormente. Portanto,
essa variável é um indicador de popularidade do presidente excluindo o impacto
de variáveis econômicas. Trata-se de uma variável de popularidade baseada
exclusivamente em fatores outros que o desempenho do presidente na economia,
como carisma pessoal, por exemplo19.
Por fim, um controle para o instituto de pesquisa que realizou a aferição da
intenção de voto foi acrescentado na análise e esse é necessário para evitar
que algum fator extrapolítico ou extra-econômico influencie nos resultados20.
Fica claro que a porcentagem da variança explicada para cada equação é bastante
alta. O modelo proposto reduz os erros na predição das intenções de voto para
Lula, candidatos do governo e votos em branco acima de 80%. Fica claro também
que a escolha melhor explicada pelo modelo é o voto em candidatos do governo
(Fernando Henrique e Serra).
Primeiro vejamos o impacto das variáveis políticas. O HGPE afetou positivamente
as intenções de voto nos candidatos do governo e negativamente nos candidatos
englobados na categoria Outros. Em ambos os casos, esses coeficientes são
estatisticamente significativos. O HGPE também reduziu a tendência de se votar
em branco e nulo, favoreceu os candidatos do governo, prejudicou os candidatos
que se apresentavam como uma alternativa a Lula na oposição e reduziu o
agnosticismo.
Interessante notar que os debates entre candidatos a presidente influenciam o
voto apenas nos candidatos do governo. As intenções de voto em Fernando
Henrique e Serra são positivamente influenciadas pelos debates. Em nenhum outro
caso os debates influenciaram escolhas eleitorais. Portanto, a performance dos
candidatos do governo nos debates colaborou com o aumento de seu apelo popular.
A variável RESPOP – popularidade presidencial excluindo o impacto de variáveis
econômicas –, quando significativa, tem o efeito positivo esperado na intenção
de voto nos candidatos do governo e negativo nos demais candidatos incluídos na
categoria Outros. Novamente, os candidatos do governo se beneficiaram de outra
variável de cunho puramente político – a popularidade do presidente.
A dummy para reeleição também tem efeito estatístico e substantivo muito forte
nas intenções de voto de candidatos do governo. Fernando Henrique lucrou muito
por se candidatar à reeleição. Todo o investimento feito para a aprovação da
emenda constitucional que autoriza a reeleição não foi em vão. A eleição de
1998 foi distinta das demais, pois aumentou muito a chance de o candidato do
governo ganhar.
Já o voto em Lula parece independente das variáveis de natureza política
incluídas no modelo. O voto em Lula, na verdade, é afetado por três variáveis
econômicas: ele se beneficia com o aumento na inflação e com uma maior
defasagem do câmbio. Aumentos na Bolsa de Valores de São Paulo levam a um
decréscimo de apoio a Lula, ou seja, o voto em Lula é influenciado tanto por
indicadores dos fundamentos da economia quanto por indicadores do mercado
financeiro e, em ambos os casos, prevalece a idéia do voto retrospectivo. Ou
seja, quando a economia vai mal, as intenções de voto em Lula sobem; quando a
economia dá sinais de recuperação, os votos em Lula caem.
A direção do efeito das variáveis econômicas discutidas acima é diametralmente
oposta na intenção de voto em candidatos do governo e da oposição, conforme
previsto na hipótese 3. Já o mesmo não pode ser dito com relação ao efeito da
taxa de câmbio. O câmbio tem impacto idêntico no voto em Lula e nos candidatos
do governo. Pioras na taxa de câmbio e desvalorização do Real afetam as
intenções de voto em Lula e nos candidatos do governo de forma positiva. Quando
a taxa de câmbio sobe, também sobe o voto em candidatos do governo.
Como explicar que o câmbio tem o mesmo efeito nas intenções de voto para
distintos candidatos? Uma possível interpretação é que o reflexo das taxas de
câmbio nas intenções de voto tenha significados diferentes para eleitores de
distintos candidatos. O efeito positivo da taxa de câmbio no voto em candidatos
do governo pode significar uma postura de exoneração, isto é, a culpa pela taxa
de juros subir não é apenas do presidente e ele não é punido por isso. Pode,
ainda, ser indício de que o eleitor emprega um cálculo intertemporal,
acreditando que o aumento da taxa de câmbio é sinal que o governo é responsável
e que melhorias virão no longo prazo.
Em uma visão oposta, desvalorização da moeda pode ser vista com uma indicação
que a economia vai mal e isto leva ao aumento do apoio à oposição. Em suma, o
impacto dúbio da taxa de câmbio, que não discrimina eleitores que apóiam o
governo dos que apóiam a oposição, pode indicar que essa variável ativa
cálculos de eleitores distintos em distintos eleitores. O fato de a taxa de
câmbio apresentar tal resultado confirma em parte o argumento de Stokes que, em
economias em transformação, o impacto de algumas variáveis é mais complexo do
que inicialmente esperado. A mesma variável pode ter significados diferentes
para distintos eleitores21.
CONCLUSÃO
Neste estudo foram testadas quatro hipóteses referentes à relação entre
indicadores econômicos e intenção de voto nas eleições presidenciais
brasileiras de 1994, 1998 e 2002. Usando um banco de dados único, ficou
constatado que há uma relação causal de mão dupla entre indicadores
macroeconômicos e do mercado financeiro, por um lado, e intenção de voto em
Fernando Henrique, por outro. Já no caso de Serra, intenções de voto são
predominantemente afetadas pela economia e não há uma relação de mão dupla.
Intenções de voto em Lula, por sua vez, afetam as avaliações de risco-país
(spread do C-bond) e são afetadas também por indicadores do mercado financeiro,
taxa de câmbio e Ibovespa, assim como pela inflação.
Os achados dos testes SUR multivariados indicam que prevalece um padrão de voto
retrospectivo no Brasil. Quando a economia vai mal, as intenções de voto nos
candidatos do governo são afetadas negativamente e as intenções de voto em
candidatos da oposição positivamente. Ao contrário do que argumenta Stokes para
o caso peruano, e de forma similar ao caso argentino estudado por Echegaray e
Elordi (2001) e ao mexicano por Buendía Laredo (2001), intenções de voto no
Brasil são influenciadas pela economia seguindo um padrão previsto pela teoria
do voto retrospectivo.
NOTAS
1. Há diversos estudos que enfocam o papel de variáveis financeiras (taxa de
câmbio, taxa de juros, bolsa de valores) em países desenvolvidos. Tais estudos
serão abordados a seguir.
2. Nas eleições de 1994 e 1998, a inflação foi o principal tema econômico na
agenda eleitoral.
3. A maioria dos modelos de economia política, principalmente o debate sobre
ciclos eleitorais (Nordhaus, 1975; Alesinae et alii 1997; Remmer, 1993), assume
que esse tipo de voto é predominante. Stokes (2001) chega a afirmar que o voto
retrospectivo é o tipo de voto normal em um regime democrático estável.
4. Avaliações prospectivas baseiam-se em expectativas quanto ao futuro e
voltam-se principalmente para as propostas políticas dos candidatos e não para
seu desempenho em cargos anteriores.
5.Accountability é aqui entendida como a capacidade de o eleitor punir
governantes que não desempenham satisfatoriamente suas tarefas (Przeworski et
alii 1999).
6. Segundo Alesina et alii (1997), tais partidos tendem a privilegiar o combate
ao desemprego em vez do controle da inflação, já que privilegiam estratégias de
redistribuição de renda que favorecem classes mais baixas. Tal característica
cria brechas para a volta de ciclos populistas, nos quais pressões
distributivistas de curto prazo ganham respaldo na agenda governamental
(Haggard e Kaufman, 1992).
7. Concordamos com Lewis-Beck (1988) quando diz que há problemas de se fazer
inferências do nível agregado para o individual. Mas como ele, achamos que a
análise agregada oferece um tipo de informação que raramente é obtida no plano
individual – as séries temporais. Por isso, ambas as abordagens são úteis para
o entendimento da relação entre economia e voto.
8. Ver Hibbs (1987) e Stokes (2001) para uma discussão sobre a curva de
Phillips. Contudo, a curva de Phillips não explica a trajetória da economia
brasileira durante a época de alta inflação, particularmente entre 1983 e 1993,
quando um crescimento na inflação se correlacionou com sua diminuição. Só
depois da estabilização, a curva de Phillips começou a ser aplicável ao Brasil.
9. Segundo Spanakos (2002), a dubiedade do discurso eleitoral do PT, ora
pregando mudanças radicais, ora a manutenção de contratos, também contribuiu
para aumentar a incerteza dos analistas do mercado financeiro e as oscilações
negativas dos indicadores deste.
10. O spread do C-bond é a diferença entre os títulos da dívida externa
brasileira e os títulos da dívida pública do governo norte-americano. Esse
último indicador é considerado livre de risco, pois é muito baixa a
probabilidade de o governo norte-americano não honrar seus papéis. O valor da
diferença, portanto, indica quantos investidores estão interessados em receber
a mais pelos títulos da dívida brasileira. Quanto maior a diferença, maior o
risco de investimento no país. O interessante é que o spread só é calculado
para países em desenvolvimento. Para os países desenvolvidos, há paridade entre
os juros pagos pelos bonds, quando estes estão denominados em uma mesma moeda.
Ou seja, o spread do C-bond é uma medida por excelência de como a economia de
um país em desenvolvimento é avaliada pelo mercado financeiro internacional. Já
o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo é o mais importante indicador do
desempenho das cotações do mercado de ações brasileiro. O Ibovespa é um
termômetro do comportamento dos principais papéis negociados na Bolsa de São
Paulo. Ele também indica a confiança de investidores na capacidade produtiva
das empresas que negociam suas ações na Bolsa.
11. O enfoque deste artigo é no impacto de indicadores econômicos. As variáveis
políticas, embora importantes, são vistas aqui como controles acrescentados ao
modelo principalmente para evitar vieses causados por erros de especificação.
Sem dúvida, estudos futuros devem enfocar aspectos políticos de forma mais
detalhada.
12. Todas as séries utilizadas são estacionárias, com resultados de testes
Dikey Fuller acima de -3,0 em um intervalo de confiança de 1%.
13. As séries temporais para cotação do dólar no câmbio comercial para venda,
Índice da Bolsa de Valores de São Paulo e spread do C-bond são diárias. As
séries para inflação, desemprego e renda média são mensais.
14. Intenções de voto em distintos candidatos medidas como porcentagens
agregadas são um bom exemplo de variáveis composicionais. Os erros de estimação
dessas variáveis estão correlacionados. Analisá-las separadamente, utilizando
regressão de mínimos quadrados, levaria a vieses nos coeficientes, por isso
utilizamos Seemingly Unrelated Regression – SUR. Também usamos testes de
Granger bivariado, que, por apenas realizarem testes de significância
estatística, não sofrem problema de correlação dos erros-padrão e permitem que
cada série temporal seja analisada separadamente.
15. Os testes de Granger bivariados apresentados anteriormente satisfazem dois
critérios necessários para a identificação de relações causais: 1) antecedência
temporal, obtida através do uso de variáveis defasadas; e 2) covariação,
estimada por testes de significância estatística. Contudo, para estabelecer
causalidade há a necessidade de satisfazer um terceiro critério: ausência de
explicações espúrias. Só um teste multivariado evita espuriedade, pois testa o
impacto de uma variável independente na dependente, controlando por outras
variáveis. Além disso os testes de Granger realizam apenas um teste de
associação, sem identificar a direção da relação (se positiva ou negativa) e
sem estipular a magnitude dos efeitos (tamanho dos coeficientes). Nesse
sentido, testes multivariados são mais robustos, informativos e confiáveis do
que os bivariados.
16. A primeira vista, as séries temporais de intenção de voto em Lula, Serra e
Fernando Henrique parecem ser independentes uma da outra. Isso não é totalmente
verdadeiro. Em uma análise de regressão multivariada, os erros-padrão de uma
escolha eleitoral estão correlacionados com os erros de outra escolha.
Portanto, intenções de voto nos diversos candidatos não podem ser analisadas em
um modelo multivariado independentemente umas das outras. Devem sim ser
analisadas em uma série de equações lineares conjuntas. Por esse motivo, apenas
o SUR permite a estimação de coeficientes e erros-padrão sem vieses e
eficientes. A análise Granger Bivariada não é afetada por esses problemas, pois
não estima coeficientes, apenas realiza um teste F de significância estatística
para verificar se a hipótese nula, uma variável não causa a outra, é rejeitada.
Já testes VAR (Vetores Auto-regressivos), que permitiriam testar o impacto das
intenções de voto nas variáveis econômicas em um modelo multivariado,
necessariamente enfocariam apenas cada uma das escolhas eleitorais
separadamente, o que os tornariam sensíveis ao problema de correlação dos
erros. Por esse motivo optamos pelo modelo SUR de estimação e os testes de
causalidade de Granger em vez de VAR. Além disso, seguindo sugestões de Katz e
King (1999) e Stokes (2001), o modelo SUR também foi rodado com as variáveis
dependentes transformadas em uma distribuição logística multivariada para
eliminar restrições criadas pela natureza intervalar das variáveis de intenção
de voto. Os resultados apresentados a seguir, no entanto, estão embasados nas
variáveis dependentes em sua métrica natural, porcentagens. Os resultados
obtidos com tal métrica não diferem dos obtidos quando as variáveis dependentes
são transformadas e a interpretação dos coeficientes é mais fácil mantendo a
métrica natural das variáveis dependentes (ver Stokes (2001) e King e Katz
(1999) para mais detalhes).
17. Nem todos os candidatos que compõem a categoria Outros concorreram em todas
as eleições. Na verdade, apenas Ciro Gomes e Enéas Carneiro concorreram em duas
eleições. Todos os demais candidatos, entre eles Anthony Garotinho, Orestes
Quércia, concorreram em apenas uma. Para simplificar a análise e permitir uma
avaliação de todos os anos eleitorais de 1994 a 2002, optamos por combinar o
voto de todos esses candidatos em apenas uma categoria em vez de analisarmos
cada um separadamente ou, pior ainda, excluí-los por completo da análise. Ao
combinarmos todos em uma categoria residual, evitamos os problemas de dados
ausentes e ainda sim os mantemos na análise, evitando vieses causados pela
exclusão dos mesmos por causa da correlação entre os erros dessa variável com o
das demais variáveis dependentes.
18. Não incluímos a variável C-bond na análise, pois só temos dados disponíveis
para ela para as eleições de 1998 e 2002. Contudo, outros indicadores
presentes, como o Índice da Bovespa e a taxa de câmbio permitem fazer
inferências sobre o impacto do mercado financeiro nas intenções de voto.
19. O R2 ajustado na equação que explica a popularidade presidencial é 0,86. Ou
seja, quase toda a popularidade do presidente é resultado de seu desempenho na
economia. Os restantes 14% devem-se a fatores outros, como seu carisma pessoal,
seu partido político etc.
20. Também acrescentamos um controle para diferenciar pesquisas feitas no
primeiro e segundo turnos em 2002. Em 1994 e 1998, não houve segundo turno.
Essa variável é significativa, mas não foi incluída nas equações abaixo porque
não tem qualquer interesse teórico e os resultados das demais variáveis não são
afetados pela inclusão ou ausência da variável sobre segundo turno.
21. Essa é uma excelente hipótese a ser testada usando dados de levantamentos
de opinião pública em âmbito individual. O fato de o impacto do câmbio ser
idêntico para todos os candidatos, quando inflação e desemprego são
controlados, pode indicar apenas que câmbio é usado como uma forma de
racionalizar o voto, de apresentar justificativas para escolhas ideológicas
preexistentes (Maravall e Przeworski, 2001).