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BrBRHUHu0011-52582006000100004

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National varietyBr
Year2006
SourceScielo

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Atividade e vulnerabilidade: quais os arranjos familiares em risco?

Muito se fala na imensa vulnerabilidade dos arranjos familiares com filhos, notadamente naqueles cuja chefia é feminina e nos quais o cônjuge masculino é ausente. Sabendo-se que não políticas permanentes e universais de apoio às famílias no Brasil, e que, portanto, grande parte do que poderia ser desmercantilizado por intermédio de políticas públicas para compensar dignamente o aporte das famílias leia-se das mulheres não o é, sendo assumido, na prática, na esfera privada dos lares, nem de longe se pretende contestar evidência tão cristalina. Porém, diante de tamanho vácuo no campo das políticas às famílias, será que o maior ônus recai nas famílias monoparentais femininas? Quais os arranjos familiares mais fragilizados pela ausência de um sistema de proteção social que segurança, reduza a vulnerabilidade e promova a eqüidade? O mercado de trabalho e o perfil do sistema de proteção social são dois fatores explicativos do maior ou menor grau de vulnerabilidade social, estando, portanto, diretamente relacionados aos níveis de pobreza e desigualdade observados em uma sociedade. Vejamos como operam no que tange às desigualdades entre os sexos.

É de conhecimento notório que, além do hiato educacional entre os sexos ter sido revertido, no Brasil, em favor das mulheres, em todos os níveis de escolaridade, desde meados da década de 1980 (Guedes, 2004; Beltrão e Alves, 2004), a tendência à redução dos diferenciais de rendimentos entre homens e mulheres no mercado de trabalho é constante ao longo das últimas décadas (Lavinas, 2001)1.

Até 1970, a taxa de atividade feminina era inferior a 20% (Silva e Schwarzer, 2002), quando passa a crescer então de forma mais sustentada, explicando a feminização do emprego de forma constante e linear (Lavinas, 2001). Nos últimos 20 anos, a taxa de atividade das mulheres na faixa etária dos 16<65 anos passou de 40% em 1981 para 68% em 2003, como atesta a Tabela_1. Com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD de 2003, as mulheres representam 45% da população ativa do país, 44% dos ocupados e 65% dos desempregados. A Tabela 2 revela que a relativa proporcionalidade que existia na condição de ocupados ou desocupados no início da década de 1980, quando eram as mulheres um terço dos ativos, dos ocupados e dos desempregados, desaparece vinte anos depois, estando as mulheres sobre-representadas em 2003 entre os desempregados.

Ao observar a evolução recente dos rendimentos do trabalho entre os sexos, constatamos que persiste a tendência da convergência enunciada acima, visto que em 2003 as mulheres receberam, em média, 84% do valor dos rendimentos masculinos, contra os 68% de 20 anos antes (Tabela_3). Não resta dúvida de que a progressão da redução do hiato salarial é muito lenta, e de que, mantido tal ritmo, o hiato salarial levará quase 80 anos para ser anulado.

A Tabela_4 mostra que a taxa de atividade das mulheres com filhos é praticamente idêntica à média, ou seja, da ordem de 67%. Logo, o diferencial nas taxas de atividade entre mulheres com filhos (71%) e sem filhos é pequeno, indicando que, ao contrário de outros países latino-americanos (por exemplo, o Chile), no Brasil a maternidade/maternagem não constitui um divisor de águas tão marcante a ponto de estabelecer padrões de atividade significativamente distintos para as mulheres. A convergência é grande.

Ocorre o inverso quando observamos os níveis de atividade feminina segundo o grau de escolaridade. Nesse caso, observa-se que a propensão à atividade cresce à medida que aumentam os anos de estudo. Como indica a Tabela_4, embora as mulheres brasileiras detentoras de diploma universitário registrem a mais alta taxa de atividade (88%), porcentagem que é semelhante à taxa masculina com terceiro grau, constatou-se que, no período analisado (1981-2003), a taxa de atividade entre mulheres menos escolarizadas (ou seja, aquelas que não possuem nem mesmo o fundamental completo, isto é, os oito anos de escolaridade obrigatória) aumentou mais rapidamente. Portanto, a progressão da taxa de atividade feminina entre todos os grupos de escolaridade nos últimos 20 anos é indiscutível, reduzindo-se a dispersão patente 20 anos antes (de 35% para 74%).

No período 1980-2000, a taxa de fecundidade total (TFT) manteve sua tendência de declínio, passando de 4,3 para 2,4 filhos por mulher. A PNAD de 2003 apontou uma TFT de 2,3 filhos por mulher e a estimativa é de que, durante a primeira década do século XXI, a taxa de fecundidade atinja o nível de reposição de aproximadamente 2,1 filhos por mulher em idade reprodutiva, número que representa a taxa em que uma geração de filhos repõe a geração de seus pais. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE para 2003 indicam um número médio de filhos por família de 1,4 filhos, contra a média de 1,8 de dez anos antes (IBGE, 2004b:179, Gráfico 5.3).

As famílias também mudaram (Sorj, 2004; Goldani e Verdugo Lazo, 2004), e multiplicaram-se os tipos de arranjos familiares. Segundo Goldani e Verdugo Lazo (2004), nos últimos 30 anos as famílias brasileiras quase triplicaram de número, o tamanho médio delas se reduziu (de 4,9 para 3,5 pessoas) e suas condições de vida melhoraram. No entanto, "a diversidade de modelos é sua característica mais notável" (idem:21). Segundo essas autoras, houve uma diminuição importante no número de famílias biparentais com filhos e um crescimento das famílias monoparentais (chefe sem cônjuge) com filhos; observa- se também uma progressão importante das famílias unipessoais.

ARRANJOS FAMILIARES E DIFERENCIAIS DE GÊNERO POR CLASSE DE RENDA Em 2003, segundo o IBGE (Tabela_5), 10% das famílias brasileiras eram constituídas por pessoas que moravam sozinhas (unipessoais); quase 15% compunha-se de casais sem filhos logo, a quarta parte do total era de famílias sem presença de prole; 51% eram famílias nucleares com filhos; 18% eram chefiadas2 por mulheres sem cônjuges, porém com filhos; um resíduo de 6% congregava outros arranjos (IBGE, 2004b:178, Gráficos 5.1 e 5.2). O percentual de famílias com pessoa de referência do sexo feminino era de 28,8% em 2003, contra 16% em 1981. Desse total de 15,3 milhões de famílias chefiadas por mulheres, quase dois terços eram monoparentais com filhos. As famílias monoparentais cuja pessoa de referência do sexo masculino eram em número tão reduzido que não tinham significância estatística (menos de 1%).

Supõe-se que as idades médias de homens e mulheres na condição de pessoa de referência nos arranjos familiares acima classificados variem significativamente. Conforme expressa a Tabela_6, os chefes de famílias sem filhos (unipessoais ou casais) eram, em média, mais velhos (acima dos 50 anos) do que aqueles à frente de famílias com filhos (na faixa dos 42-45 anos). As mulheres que se declararam chefes tinham, em média, 48 anos, ao passo que os homens tinham 45 anos. Esse diferencial pouco significativo de 3 anos é bem maior no caso das famílias unipessoais (12 anos). Nas tabelas subseqüentes, em que a renda foi desagregada por decis, averiguamos que a idade média das pessoas de referência na família aumenta à medida que aumenta a renda familiar.

Conseqüentemente, os adultos no auge da sua capacidade produtiva (30-45 anos), responsáveis pela criação e educação de dependentes menores de idade, seriam mais vulneráveis, porque situados na cauda inferior da distribuição.

Outro aspecto valioso a ser contemplado ao se tecerem perfis de cada sexo sejam eles relativos à inserção produtiva, ao grau de proteção previdenciária ou a outros aspectos diz respeito à situação de cada sexo ao longo da distribuição de renda. Com efeito, se considerarmos que o grupo "mulheres" torna-se a cada dia mais heterogêneo, em conseqüência dos níveis crescentes de atividade e ocupação femininas os quais provavelmente acentuam o padrão de desigualdade prevalecente na sociedade entre as mulheres , cabe-nos, então, detalhar por classe de renda suas características, pois o agregado oculta, nas médias, as especificidades ditadas pelo maior ou menor grau de destituição ou inclusão. Para tanto, resolvemos desagregar em decis os dados construídos segundo o tipo de família, sendo a ordenação feita com base na renda familiar per capita3.

Assim, a Tabela_7 apresenta a distribuição das famílias com base nas categorias consagradas pelo IBGE para 2003, mas desagregando-as consecutivamente segundo a classe de renda. Vemos que as famílias com filhos são amplamente majoritárias (mais de 75%) nos seis primeiros decis e que sua participação diminui rapidamente a partir do sétimo decil. Isso mostra o quão fundamentais poderiam ser aquelas políticas voltadas para as famílias com filhos se bem calibradas para promover a redistribuição de renda entre ricos e pobres no país. Elas permitiriam compensar os custos diretos e indiretos com a educação das crianças e reduzir o custo de oportunidade do trabalho infantil, que permanece elevado nas camadas mais pobres. No entanto, o Brasil jamais formulou políticas universais voltadas para a família, e os benefícios concedidos pela legislação trabalhista focalizam prioritariamente os direitos reprodutivos das mulheres4 (Sorj, 2004), ou atendem a um grupo reduzido de trabalhadores formais que preenchem os critérios estabelecidos para recebimento do salário-família.

Essa mesma tabela desagregada por sexo da pessoa de referência (Tabelas_8 e 9) indica que inexiste um padrão familiar de gênero ao longo da distribuição, exceção feita às famílias monoparentais arranjo esse exclusivamente feminino5, e cuja categoria, portanto, podemos considerar como uma categoria de gênero. Ou seja, conforme mostram as Tabelas_8 e 9, tanto as famílias unipessoais quanto as famílias constituídas por casais sem filhos estão concentradas na faixa dos 40% mais ricos, sejam elas chefiadas por homens (81% e 62%, respectivamente) ou por mulheres (90% e 72%). Observe-se que essa concentração é ainda mais acentuada para as mulheres. No caso das famílias biparentais com filhos, e independentemente do sexo da pessoa de referência, a distribuição é relativamente isômere ao longo dos decis. as famílias monoparentais chefiadas por mulheres com filhos revelam um padrão de distribuição distinto, pois 17% encontram-se no primeiro decil, muito embora os restantes 83% estejam, de fato, dispostos em proporções mais ou menos semelhantes ao longo da curva.

Algumas conclusões derivam da leitura dessas tabelas: primeiramente, as famílias monoparentais com chefia feminina e prole não podem ser interpretadas exclusivamente como manifestação da pobreza, pois revelam um fenômeno de proporções bem mais amplas, por estarem representadas em todas as classes de renda e por esse tipo de arranjo implicar um ônus suplementar para todas as mulheres. Em segundo lugar, a chefia feminina nem sempre expressa alta vulnerabilidade, dado que, nos arranjos familiares sem a presença de filhos, sua freqüência é mais elevada nos décimos superiores da distribuição.

Finalmente, entre os 10% mais pobres, o número de famílias chefiadas por homens e mulheres é mais ou menos equivalente, embora expresse situações absolutamente distintas, uma vez que, no caso das mulheres, essas estão sozinhas diante dos desafios profissionais e familiares.

Se nos detivermos agora na Tabela_10, vamos constatar, ao fixar os seis primeiros décimos da distribuição, que pelo menos 70% das famílias cuja pessoa de referência é do sexo feminino são arranjos monoparentais com filhos, percentual esse, aliás, acima da média de 63% observada para essa categoria no conjunto da população. Em contrapartida, os arranjos unipessoais femininos têm peso destacado nas faixas de renda elevadas, mais precisamente entre os 40% mais ricos. As mulheres declaram-se pessoa de referência quase sempre na ausência da figura masculina (81% são mães com filhos sem cônjuge ou constituem famílias unipessoais). Logo, chefia feminina significa estar sozinha. os homens, indica a Tabela_11, quando tidos como pessoa de referência, concentram- se em estruturas familiares onde existe a relação de subalternidade patriarcal com a figura da cônjuge (88%). Enquanto as famílias chefiadas por mulheres se distribuem em números absolutos de forma homogênea entre decis, aquelas chefiadas por homens aumentam à medida que se sobe na curva da distribuição de renda.

Tomando agora as famílias com presença de filhos na faixa etária de 0-16 anos, podemos observar, na Tabela_12, que dois terços das crianças se encontram na metade mais pobre da população e que essa proporção varia inversamente à renda (Lavinas, 2004) nas três categorias familiares observadas. Cabe assinalar que as famílias monoparentais com chefia feminina detêm apenas 19% do universo de crianças referido, pois três quartos vivem em arranjos nucleares.

É senso comum que a taxa de atividade feminina pode ser afetada na sua magnitude e evolução pela presença dos filhos, muito embora também se saiba que, no agregado, o casamento ou a maternidade e os cuidados com crianças e idosos não provocam, como décadas, elevação da inatividade nas coortes mais jovens. Seu efeito mais contundente é reduzir o leque de oportunidades de emprego e galvanizar o acesso a ocupações precárias e menos qualificadas, que oferecem jornadas de trabalho mais reduzidas e permitem compatibilizar trabalho e responsabilidades familiares. Pesquisa recente realizada por Sorj (2004) revelou que as mulheres trabalhadoras pobres com crianças pequenas (com idades variando de 0 a 6 anos) freqüentando creches auferiam rendimentos do trabalho superiores àquelas, igualmente pobres e ocupadas, cujos filhos da mesma idade não dispunham de opções externas de guarda. Sorj foi mais longe e constatou que, ao se comparar grupos de domicílios segundo a renda per capita, observa-se que, para os 25% mais pobres, ter crianças de 4-6 anos freqüentando a pré- escola eleva o salário da mãe em 35%, enquanto para os 25% mais ricos tal aumento é de apenas 14% (idem).

A Tabela_13 abaixo reitera aspectos enfatizados por Sorj (idem). Mostra que somente 37% das crianças brasileiras na faixa de 0 a 6 anos freqüentam creches ou a pré-escola. As famílias chefiadas por mulheres sem a presença de cônjuge parecem ter acesso mais efetivo a esse tipo de equipamento do que as famílias nucleares biparentais, em todas as classes de renda, por força das circunstâncias. Tendo que assumir sozinha a responsabilidade financeira de cuidar de uma família, não resta outra alternativa às mulheres chefes senão encontrar meios de guarda das crianças. O acesso à creche aumenta com a renda, mais que dobrando entre o primeiro e o último décimo da distribuição, o que confirma ser a provisão desse serviço não um direito desmercantilizado, mas um serviço privado. que recordar que, estando a maioria das crianças nos primeiros décimos da distribuição (Tabela_12), são ainda mais adversas as oportunidades de inserção ocupacional das mulheres mais pobres. O ratio (número de vagas demandada em creche por mulher adulta) permanece, portanto, elevado.

Os dados da PNAD indicam que somente 2% dos trabalhadores6 de ambos os sexos declararam receber em 2003 algum auxílio financeiro para compensar despesas com creche ou educação. na rubrica transportes, são contemplados 37% dos trabalhadores do sexo feminino e 35% dos trabalhadores do sexo masculino. Isso demonstra a pouca atenção também no plano dos auxílios trabalhistas a questões ligadas ao que se convencionou chamar de maternagem, de forma a facilitar a conciliação do tempo de trabalho com os cuidados com a família. Na ausência de políticas públicas conseqüentes, a grande maioria das mulheres com filhos pequenos tem de buscar soluções individuais e privadas para a guarda das suas crianças. Mesmo para as classes de maior poder aquisitivo não existem deduções fiscais, no imposto de renda de pessoa física, que permitam compensar gastos elevados com creche e pré-escola.

Controlada por faixa etária, a curva de atividade feminina assemelha-se cada vez mais na sua evolução à curva de atividade masculina, a despeito de os patamares registrados serem ainda bastante díspares. A Tabela_14 nos mostra justamente que, na posição de pessoa de referência na família, as mulheres registram taxas de atividade mais elevadas (em torno de 76%) do que na condição de cônjuges (aproximadamente 65%), diferencial inexistente quando aplicado aos homens. Aparentemente, a subalternidade do lugar de cônjuge mostra-se mais correlacionada a taxas de atividade mais baixas do que propriamente à prole.

Da mesma maneira, a análise da Tabela_15 demonstra que a jornada semanal de trabalho remunerado das mulheres cônjuges é menor do que aquela declarada pelas mulheres chefes, o que novamente não ocorre no caso dos homens, cujo padrão uniforme parece ser independente da tal posição de subalternidade no arranjo familiar.

Se desagregarmos tais informações pelos decis da distribuição (Tabela_16), veremos que, no caso das mulheres chefes a taxa de atividade varia de 75% a 81%, dependendo da classe de renda. A exceção que confirma a regra é a faixa dos 10% mais pobres, que foge a esse intervalo, registrando um patamar inferior (69%). No caso dos cônjuges, observa-se um comportamento distinto: a taxa de atividade feminina tende a aumentar à medida que se galgam os decis da distribuição, oscilando mais ao longo da curva, mas permanecendo em todas as classes de renda menor do que a observada entre as mulheres chefes. Em média, somente 65% das cônjuges estão em atividade contra 76% das chefes. O contraponto homem–mulher na posição de cônjuge indica, de modo geral, diferenciais de atividades mais desfavoráveis às mulheres do que aqueles verificados na comparação de ambos os sexos na condição de pessoa de referência.

Como seria de se esperar, o número médio de horas trabalhadas por semana pelas mulheres é sistematicamente menor se cônjuges vis-à-vis às que se declararam chefes (34 horas e 39 horas, respectivamente). Tal como verificado no caso da atividade, a jornada semanal das mulheres tende a aumentar consistentemente ao longo da distribuição de renda, como revela a Tabela_17, contribuindo para reduzir conseqüentemente o diferencial de horário entre os sexos nas classes de renda mais altas.

Finalmente, cabe estimar qual o hiato salarial entre homens e mulheres segundo a tipologia familiar adotada, a posição na distribuição e a condição de referência, o que consta da Tabela_18. Nesse quesito, as surpresas não são poucas. Inexiste hiato de rendimento entre os sexos nos quatro primeiros decis da distribuição, independentemente da posição de referência da mulher, se chefe ou cônjuge. Mais impressionante ainda é constatar que a reversão do hiato salarial entre os sexos na faixa de renda mais pobre é favorável em 30% às mulheres chefes. O hiato desfavorável às mulheres chefes se acentua a partir do quarto decil. O aumento do diferencial de rendimentos entre homens e mulheres, em ambas as posições de referência, observa-se na metade superior da curva de distribuição, acentuando-se ainda mais nos dois últimos decis (Tabela_18), ou seja, em posições nas quais as mulheres são detentoras de maior grau de escolaridade, o que poderia significar bloqueio da mobilidade funcional, em razão de discriminações sexistas no mercado de trabalho (a ponta superior da pirâmide ocupacional seria de difícil acesso às mulheres, qualquer que seja sua dotação de capital humano). Entre os mais pobres, o hiato salarial de gênero está desaparecendo, o que demanda investigações suplementares para explicar as causas de uma tal reversão de tendência tão abrupta.

Logo, não é verdade que em qualquer circunstância as mulheres pobres se encontram em situação mais desfavorável do que os homens que compartilham com elas a mesma classe de renda e posição na família. Os diferenciais de rendimento no trabalho variam entre os sexos sensivelmente em razão da posição na família e da classe de renda, revelando que as desigualdades sociais não reproduzem forçosamente as mesmas hierarquias de gênero.

Cabe recordar que, à medida que se sobe na curva da distribuição de renda, o grau de escolaridade não parece ser a variável que possa justificar rendimentos mais elevados para os homens vis-à-vis às mulheres. Se desagregarmos os dados relativos aos anos de estudos concluídos por decil da distribuição, veremos que em todas as classes de renda, sem exceção, as mulheres registram escolaridade média superior à masculina, como atesta a Tabela_19, exceto no decil mais alto.

Intuitivamente, a Tabela_18 sugere ser a definição da chefia familiar nos arranjos nucleares tributária de uma norma de mercado, qual seja a referência é dada pelo maior salário e não mais por critérios não-mercantis (autoridade, senhoridade).

Constata-se, assim, que as mulheres mudaram, e também as famílias, mas o que não parece ter mudado é o compromisso e a responsabilidade que têm as mulheres para com crianças e dependentes idosos ou seja, para com a esfera familiar , qualquer que seja o tipo de família em que se encontrem inseridas. A sobrecarga é evidente, pois assumem sozinhas grande parte dos ônus, se pessoas de referência, ou comprometem as chances de crescimento profissional, se cônjuges.

A PNAD de 2003, para a faixa etária de 16 a 65 anos, indica que, enquanto as mulheres dedicam 28 horas por semana em média às tarefas domésticas (36 horas se inativas e 23 horas se ocupadas), os homens7, quando o fazem, despendem menos tempo, em média 11 horas (14 horas se inativos e 10 horas se ocupados).

Sem contar que também no trabalho doméstico se reproduz a divisão sexual presente no mercado de trabalho: homens e mulheres realizam atividades bastante distintas, sobretudo em termos valorativos e de interesse, como têm demonstrado inúmeras pesquisas sobre orçamento, tempo e articulações entre emprego, família e gênero (Scalon e Araújo, 2004).

Disso sabem os europeus, que enfatizam a adoção por parte dos países-membros da União Européia de "políticas amigáveis de gênero" (Esping-Andersen, 2002) para aprimorar o sistema de proteção social, de modo a reduzir trade-offsentre vida familiar e carreira e elevar o grau de inclusão social, reduzindo níveis de vulnerabilidade que são incompatíveis com padrões elevados de eqüidade social e bem-estar. Essas políticas amigáveis de gênero, amplamente exitosas no caso da Dinamarca, consistiriam em garantir o suporte institucional para compatibilizar vida produtiva e vida familiar, diminuindo custos e aumentando benefícios. No entender de Esping-Andersen (idem), as políticas amigáveis de gênero são forçosamente amigáveis também para as famílias, com retornos não apenas para as mulheres, mas para a sociedade no seu conjunto.

Resumidamente, podemos concluir que: 1) a ausência ou presença de crianças é determinante na posição ao longo da curva de distribuição de renda, seu número aumentando na cauda inferior da curva e diminuindo nos decis superiores. Logo, toda política que pretenda ter impacto redistributivo deve privilegiar as crianças, pois elas se concentram nos decis inferiores da distribuição, sendo sua presença fator do aumento da vulnerabilidade das famílias; 2) na posição de cônjuge, a inserção feminina, em todas as classes de renda, no mercado de trabalho mostra-se mais desfavorável do que para as chefes, em todas as classes de renda. Pode-se formular a hipótese de que o custo social da conjugalidade (relações de subordinação e dependência), de difícil estimação, seria, portanto, assumido muito mais pelas mulheres do que pelos homens, afetando diretamente sua trajetória ocupacional. Esse custo seria maior, inclusive, do que os custos da maternagem e dos cuidados com os filhos e/ou familiares. Entretanto, na posição de referência, as mulheres se encontram sozinhas, assumindo, assim, com ônus elevadíssimo, desafios profissionais e responsabilidades familiares. Em ambas as situações o que pode contribuir para ampliar a autonomia e favorecer sua inserção ocupacional é a redução do tempo e dos custos com encargos domésticos relacionados à educação das crianças e aos cuidados com idosos. Para isso, é necessário assegurar o acesso universal a creches e pré-escolas, promover a escola em tempo integral, sem condicionalidades (ou seja, sem discriminar as inativas), o mesmo devendo ocorrer nos centros de convivência para a terceira idade, além de implementar uma política universal de transferência de renda às famílias com crianças até 16 anos, portanto, aquelas famílias onde predominam os ativos adultos na sua maioria trabalhadores , as mais vulneráveis e desprotegidas; 3) as políticas de apoio à família tanto as de renda, quanto o acesso a serviços e equipamentos devem ser universais e estar dissociadas da condição ocupacional das mulheres.

4) observa-se forte heterogeneidade entre as mulheres, fato que deve ser considerado na formulação de políticas públicas e sociais voltadas para a redução dos hiatos de gênero; 5) devem ser adotadas iniciativas, no plano fiscal e tributário, que favoreçam os arranjos familiares com filhos quaisquer que sejam esses arranjos e que garantam compensações a famílias monoparentais com filhos, oferecendo inclusive compensação pelas despesas relativas à creche, pré-escola e outras formas de guarda. Tal medida seria extremamente favorável às mulheres em geral e, em particular, àquelas chefes de família, reduzindo diferenciais de gênero; 6) os investimentos sociais escola de qualidade, escola em tempo integral, creches, daycare, transportes públicos de qualidade etc. contribuem para a elevação da renda das mulheres trabalhadoras porque tendem a ampliar sua capacidade contributiva, liberando seu tempo de trabalho e alargando e fortalecendo sua autonomia no âmbito das relações de gênero, o que tem rebatimentos diretos e positivos na redução da pobreza.

FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A VULNERABILIDADE FAMILIAR É senso comum que os arranjos familiares em situação de risco e de maior vulnerabilidade são aqueles chefiados por mulheres sozinhas. Ou seja, a falência do modelo patriarcal de família, que tem na figura masculina o papel do provedor, estaria levando a um empobrecimento crescente das novas gerações, na medida em que muitas crianças estariam sendo criadas, cuidadas e educadas em famílias monoparentais femininas, logo, exclusivamente por mulheres, cuja posição no mercado de trabalho é, comparativamente à dos homens, inquestionavelmente mais desfavorável (salários em média inferiores, menor jornada semanal de trabalho e maior taxa de desemprego etc.).

As tabelas e dados apresentados na primeira parte deste trabalho sugerem, no entanto, que mesmo nas classes de renda mais baixa, e por isso mais vulneráveis a vulnerabilidade é aqui expressa exclusivamente com base em um determinado nível de renda , os arranjos familiares com presença de crianças cuja pessoa de referência é do sexo feminino não estariam sempre e forçosamente na condição mais crítica, como induz o framework da feminização da pobreza, que, ao hierarquizar os mais pobres dentre os pobres, identifica as mulheres chefes de família como os indivíduos mais carentes, no fundo do poço, em termos de destituição.

Não se discute a evidência de que a grande maioria das nossas crianças vive em famílias que se encontram nos cinco primeiros décimos da distribuição de renda8. É bom recordar que, entre os 10% mais pobres do país, metade são crianças e a outra metade, adultos em idade de trabalhar. A Tabela_20, que toma como linha de pobreza meio salário mínimo per capita como renda familiar, mostra que o quadro era distinto em 1981, quando os adultos em idade de trabalhar constituíam cerca de 45% dos pobres, contra 53% estimados em 2003.

Naquela época, a taxa de atividade das mulheres era bem menor, logo a renda familiar era proporcionalmente mais tributária do trabalho masculino. Além disso, a razão de dependência era mais elevada, pois era também mais alta a taxa de fecundidade, sendo maiores as famílias. Houve uma redução significativa no percentual de crianças entre os pobres no período de 1981 a 2003, o mesmo ocorrendo com os idosos9. Portanto, nossas crianças são pobres porque seus pais, na maioria trabalhadores, são pobres e não porque a razão de dependência seja alta.

A dúvida que persiste é saber qual o fator que mais contribui para uma família ser vulnerável, se ter crianças ou se ser chefiada por mulheres, quase sempre sozinhas, que, por sua inserção menos favorável no mercado de trabalho e oportunidades de emprego mais restritas, acabariam limitadas no desenvolvimento do seu potencial produtivo, com implicações negativas no enfrentamento das suas obrigações familiares. Evidentemente, a conjugação dos dois fatores viria a agravar o quadro de vulnerabilidades, tal como indica o senso comum.

Para responder a essa pergunta, resolvemos estimar a influência de cada uma das variáveis utilizadas na caracterização dos arranjos familiares (primeira parte deste trabalho) no cálculo da probabilidade de uma família ser vulnerável ou não (Tabela_21). Para isso, empregamos um modelo de regressão logística e definimos vulnerabilidade tomando como parâmetro uma determinada renda familiar per capitae extrapolando o conceito de pobreza relativa. Ou seja, esse modelo foi estimado com base na construção de uma linha de pobreza relativa equivalente a 40% da renda familiar per capita mediana para o país em 2003.

Ampliamos esse valor em 20%, considerando que uma intensa mobilidade acima e abaixo da linha de pobreza relativa, em razão da elevada insegurança socioeconômica, que coloca em risco aqueles imediatamente acima da linha de pobreza, qualquer que seja ela. Nossa tentativa, portanto, foi a de incluir esse contingente potencialmente vulnerável àquele identificado como de fato vulnerável. A linha de vulnerabilidade foi, portanto, estimada em R$ 91,20 (em valores correntes de setembro de 2003). Em outras palavras, as famílias vulneráveis para efeitos deste estudo são aquelas com renda inferior a 40%* (1,2) = 48% da RFPC mediana.

A Tabela_21 com os resultados dos coeficientes estimados pelo modelo de regressão adotado traz conclusões surpreendentes. Uma primeira constatação e não das menos relevantes é a de que o sexo da pessoa de referência na família não é variável de impacto na determinação da vulnerabilidade (0,232). Embora o sexo do chefe não tenha sido rejeitado pelo modelo, sua contribuição à vulnerabilidade de uma família é diminuta. Logo, uma família chefiada por uma mulher (freqüentemente sozinha) ou por um homem (na sua esmagadora maioria com cônjuge) tem chances praticamente idênticas, todo o resto mantido constante, de ser vulnerável. Isso significa dizer que as famílias chefiadas por mulheres, com ou sem cônjuge, não estão mais expostas ao risco da pobreza do que as famílias nucleares tradicionais. O grau de vulnerabilidade de uma família independe de o chefe ser homem ou mulher.

Um segundo resultado de grande interesse é constatar que a redução na probabilidade de uma família ser vulnerável verificada no caso das famílias biparentais é muito inferior ao impacto produzido pela presença de um idoso titular de uma aposentadoria ou pensão. Em outras palavras, ter um idoso na família é estrategicamente mais eficaz na redução da vulnerabilidade do que contar com a presença de um cônjuge (modelo de família nuclear tradicional, onde tal função cabe às mulheres), esteja ele (ou quase sempre ela) trabalhando (cônjuge 2-2) ou não (cônjuge 2-1). Como revelam os dados, um chefe de família ocupado, seja ele homem ou mulher, tem forte impacto na redução da probabilidade de uma família ser vulnerável, mas esse impacto é metade daquele estimado quando da presença na família de idosos detentores de uma aposentadoria ou pensão. a presença de um cônjuge independente do sexo , ao invés de reduzir o risco de vulnerabilidade, tem impacto significativo e elevado na chance de uma família ser vulnerável. Estando o cônjuge ocupado, o coeficiente é cerca de 30% menor do que o estimado no caso de cônjuge desocupado, mas, ainda assim, contribui para aumentar a probabilidade de uma família ser vulnerável (duas vezes mais, por exemplo, do que a presença de adolescentes).

É incontestável que a presença de idosos aposentados ou pensionistas reduz significativamente a probabilidade de uma família ser vulnerável. Isso se explica pelo fato de, mesmo entre as camadas mais pobres da população, haver hoje o acesso a uma renda mínima garantida, mediante o Benefício de Prestação Continuada BPC da Lei Orgânica da Assistência Social LOAS, no valor de um salário mínimo, com cobertura ampla e eficaz. Portanto, a terceira constatação que se impõe é que a presença de um idoso aposentado ou pensionista é o fator que mais contribui para diminuir o risco de vulnerabilidade nas famílias pobres e carentes. Em outras palavras, dispormos no Brasil de uma política social que garante renda aos idosos, no patamar expressivo de um salário mínimo, é o que hoje mais contribui para reduzir a vulnerabilidade dos pobres no país, como revelam as estimativas do modelo aqui aplicado.

Outra evidência vem corroborar o que é amplamente conhecido: onde crianças, é elevadíssima a probabilidade de uma família ser vulnerável, a mais forte estimada pelo modelo. Observe-se que a variável presença de crianças (até 16 anos) registra um coeficiente três vezes maior do que aquele observado no caso da presença de adolescentes (17 a 24 anos) ou mesmo de idosos que não usufruem de qualquer benefício previdenciário. Isso significa dizer que uma criança provoca impacto negativo três vezes maior na probabilidade de uma família ser vulnerável do que a presença de outros tipos de dependentes, sejam eles adolescentes ou idosos sem cobertura previdenciária.

Finalmente, cabe destacar um resultado, que contradiz o senso comum, apontado ao longo deste artigo. Da mesma maneira que o sexo do chefe é quase indiferente na probabilidade de uma família ser mais ou menos vulnerável, o perfil da família, se biparental (chefe, geralmente homem, e cônjuge) ou monoparental (entenda-se chefia feminina), tampouco tem peso expressivo na explicação da vulnerabilidade. Esse resultado contradiz a compreensão vulgar de que as famílias monoparentais com filhos encontram-se bem mais expostas ao risco de vulnerabilidade do que as famílias nucleares também com filhos, que respondem ao modelo ainda prevalecente entre nós. A presença de um casal à frente de uma família reduz muito pouco a probabilidade desta ser vulnerável vis-à-vis a contribuição dada pela chefia única (família monoparental).

Além dos coeficientes retratados na Tabela_21, agregamos à nossa análise (Tabela_22) um exercício extra, calcado na construção de uma família hipotética, reproduzindo, no entanto, a presença de filhos e o perfil biparental ou monoparental. Os percentuais relativos à probabilidade estimada pelo modelo10, conforme os dois tipos de famílias e a presença ou não de crianças, adolescentes e idosos, estão assinalados na Tabela_22.

Resumidamente, observamos que: 1) a probabilidade de uma família sem crianças ser vulnerável varia entre 1,4% e 8,8%, em virtude da presença ou não de um idoso detentor de um benefício previdenciário e da existência de um cônjuge ocupado; 2) essa mesma configuração familiar, isto é, sem a presença de crianças, revela que as famílias monoparentais femininas registram probabilidade de serem vulneráveis muito semelhante àquela observada nas famílias biparentais chefiadas por homens. Essa diferença é menor do que 0,5% quando se verifica presença de aposentados/pensionistas e alcança aproximadamente 2% quando não aposentados; 3) considerando-se a presença de crianças na família11, o que eleva em muito a probabilidade de qualquer tipo de arranjo familiar ser vulnerável, as famílias monoparentais têm mais chance de serem vulneráveis do que aquelas biparentais nas quais o cônjuge se encontra desocupado. O mais interessante, porém e que merece destaque , é a pequena margem de desvantagem, muito aquém do que se poderia imaginar, da ordem apenas de 15%, quando não se registra presença de aposentados/pensionistas na família, caindo para 2,2% quando esses estão presentes. Portanto, o que é digno de nota é a constatação de que a probabilidade de uma família monoparental feminina ser vulnerável é, na pior as hipóteses, pouco maior do que a de uma família biparental de chefia masculina.

Nessa mesma linha de raciocínio, constatamos ainda que a presença de um cônjuge ocupado (o que ocorre apenas nas famílias biparentais) reduz significativamente a probabilidade de uma família ser vulnerável. Os dados empíricos mostraram, na parte inicial do artigo, que a maioria das cônjuges está fora do mercado de trabalho. Isso significa que se fosse possível às famílias biparentais liberar e valorizar o potencial de trabalho feminino, e, dessa maneira, ampliar as oportunidades de emprego dos cônjuges, na sua maioria mulheres, as chances de tais famílias saírem da pobreza aumentariam. Ora, o que restringe tal potencial para além dos constrangimentos derivados da dinâmica inerente ao mercado de trabalho ao reproduzir as desigualdades de gênero (baixa mixidade ocupacional, diferenciais salariais) é o efeito conjugalidade. Em todas as composições familiares analisadas, observamos que os cônjuges mulheres, em famílias com ou sem crianças, mostraram desempenho inferior ao das mulheres chefes12 (taxa de atividade, rendimentos do trabalho, horas trabalhadas etc.). Portanto, o que represa uma melhor inserção feminina no mercado de trabalho todo o resto mantido constante é menos o fator presença de crianças (leia-se cuidados de maternagem) e mais o contrato conjugal, que coloca as mulheres em uma relação de subordinação e dependência no âmbito familiar e da divisão sexual do trabalho, reduzindo sua autonomia. Tolhidas não apenas por afazeres domésticos (fato que afeta a todas as mulheres), mas também limitadas no seu desenvolvimento por uma relação contraditória e assimétrica estruturada em um modelo patriarcal no qual a figura masculina é a do provedor tradicional, as mulheres na posição de cônjuges acabam reduzindo seu escopo de oportunidades de emprego, notadamente nas camadas mais pobres, no afã de conciliar encargos familiares e trabalho.

Podemos, portanto, concluir que sempre que for possível reduzir os trade-offs entre trabalho e família, externalizando os conflitos de gênero derivados da disputa em torno à alocação do tempo de trabalho doméstico, reduzindo-o para todos os membros embora se trate de um tempo ainda e consistentemente assumido pelas mulheres , mediante a provisão de serviços públicos, estar-se-á contribuindo para alavancar o potencial produtivo das mulheres em geral, e notadamente daquelas que se encontram na posição de cônjuges, ou seja, em uma posição subordinada. Para isso, mais do que transferências de renda monetária às famílias carentes, é indispensável retomar o investimento público na escola de tempo integral, com ensino de qualidade, e ampliar a oferta de creches, por parte das prefeituras, para crianças na faixa pré-escolar, de modo a galvanizar a autonomia das mulheres. a universalização do acesso e do padrão de qualidade dos serviços desmercantilizados são capazes de reduzir profunda e rapidamente os diferenciais de gênero e as desigualdades sociais no país.

Políticas de renda bem desenhadas, como é o caso da garantia de renda mínima para idosos carentes com mais de 65 anos (BPC), são indispensáveis na redução da probabilidade de uma família ser vulnerável, mas insuficientes para reverter a pouca contribuição do trabalho remunerado das mulheres cônjuges à diminuição da pobreza e da iniqüidade. O que falta ao Brasil é desenhar uma política universal de renda voltada para famílias com crianças, para atuar com efetividade na redução das vulnerabilidades e das desigualdades sociais. Estas atingem a todas as famílias em situação de insegurança socioeconômica, independente do sexo do chefe e do seu perfil (mono ou biparental).

NOTAS 1. Em Lavinas (2001:12, Gráfico 8), observa-se, com base em médias móveis, uma evolução positiva do índice de rendimentos do trabalho das mulheres vis-à-vis os homens no período 1982-1998. A redução do hiato salarial foi ainda mais acentuada na década de 1990, quando a recuperação dos salários femininos se deu em progressão bem superior à dos homens.

2. Cabe assinalar que, desde 2001, o Código Civil brasileiro eliminou a referência à chefia masculina na sociedade conjugal; para fins deste artigo, porém, estaremos usando alternadamente as palavras chefia, chefe ou pessoa de referência.

3. Isso explica por que o número de famílias varia tanto entre os décimos da distribuição.

4. Essencialmente, licença-maternidade e estabilidade para as gestantes.

5. Os dados relativos às famílias monoparentais com pessoa de referência do sexo masculino, por serem de peso absolutamente inexpressivo, são computados no item Outros. Logo, na prática, essa categoria, no caso brasileiro, não tem equivalente para os homens.

6. Foram computados aqui os empregados e as domésticas.

7. Conforme assinalam Goldani e Verdugo Lazo (2004), com base na Pesquisa sobre Padrões de Vida do IBGE, de 1998, menos de 30% dos homens declaram estar envolvidos com algum tipo de função do lar, contra 79% das mulheres.

8. Ver, a esse respeito, Lavinas e Garson (2004).

9. A análise detalhada dessa tendência e de suas causas foi amplamente discutida por Lavinas e Dain (2005) e Lavinas (2005); por essa razão, não desenvolveremos tal análise no âmbito deste artigo.

10. Ver metodologia detalhada desse exercício no Anexo Estatístico.

11. O exercício adotado considerou famílias com presença de duas crianças, tipo padrão.

12. Não vamos esquecer que as mulheres chefes são majoritariamente mães com crianças.


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