Classe, raça e mobilidade social no Brasil
INTRODUÇÃO
Recentemente, tem sido constante o debate público sobre as desigualdades
raciais e de classe. Embora não haja dúvidas sobre os altos níveis de
desigualdade (Oliveira, Porcaro e Costa, 1983; Hasenbalg, 1979; Hasenbalg e
Silva, 1988; 1992; Hasenbalg, Lima e Silva, 1999; Henriques, 2001), a principal
questão do debate atual continua sendo a de definir se as desigualdades de
oportunidade são determinadas por preconceito de classe ou de raça. Alguns
comentadores afirmam que o preconceito racial é menos importante do que o de
classe, ao passo que outros argumentam que o preconceito racial é importante e
deve ser levado em conta como um fator que vai além do estigma de vir de uma
classe baixa.
Ao analisar estas questões, a grande maioria dos estudos utiliza informações
estatísticas sobre as desigualdades nas condições de vida (renda, educação
etc.) de indivíduos e famílias em um determinado momento, tipicamente em algum
ano ou mês, e freqüentemente comparam estas condições de vida ao longo de
diversos anos. Embora este tipo de abordagem permita observar diversas formas
de desigualdade racial e de classe, não pode ser usada para decidir o que é
mais relevante, raça ou classe, na determinação das chances de ascensão social.
Ou seja, informações sobre desigualdade de resultados não substituem
informações sobre desigualdade de oportunidades. Esta distinção é de extrema
importância porque o principal foco de interesse no debate é a desigualdade de
oportunidades entre pretos, pardos e brancos e entre pobres e ricos, mas os
dados utilizados são freqüentemente sobre desigualdade de resultados em
determinado momento do tempo.
Neste sentido, torna-se fundamental estudar a associação da classe de origem e
da cor da pele com as chances de mobilidade social ascendente, já que este tipo
de análise é uma das únicas formas de se abordar o principal tema do debate: a
desigualdade de oportunidades entre grupos de classe e de cor. As perguntas
relevantes que devemos responder são as seguintes: será que pessoas com origens
de classe distintas e de diferentes grupos de cor ou raça têm oportunidades
desiguais de mobilidade ascendente? De que forma cor da pele e classe de origem
se relacionam às oportunidades de mobilidade ascendente?
São exatamente estas perguntas que me proponho a responder neste artigo a
partir de análises empíricas sobre desigualdades de oportunidade de mobilidade
social. Para realizar estas análises, é necessário utilizar bancos de dados que
tenham informação sobre: origem de classe (mensurada através da ocupação do pai
quando o entrevistado tinha 14 anos); destino de classe (medido pela ocupação
do indivíduo); cor ou raça e escolaridade. As três últimas variáveis estão
presentes em diversas pesquisas usualmente coletadas no Brasil, mas a primeira
não é normalmente obtida. O último banco de dados nacionalmente representativo
contendo informações sobre a ocupação dos pais dos respondentes é a Pesquisa
Nacional por Amostragem Domiciliar PNAD de 1996. Utilizo este banco de dados
em todas as análises deste artigo.
Faço três tipos de análise. Primeiro, descrevo a mobilidade intergeracional
entre a classe dos pais ou classe de origem e a classe de destino de brancos,
pardos e pretos. O objetivo é verificar o que mais influencia a desigualdade de
oportunidades de mobilidade ascendente: a classe de origem e/ou a cor da pele.
Em seguida faço uma decomposição desta mobilidade tomando como ponto
intermediário o nível educacional alcançado. Como é de conhecimento geral, a
educação é um dos fatores mais importantes de ascensão social. Sem
qualificações educacionais, não é possível, por exemplo, ocupar posições de
profissionais liberais entre outras que proporcionam condições de vida
relativamente mais confortáveis. Desta forma, analiso a desigualdade de
oportunidades educacionais, ou seja, procuro verificar o peso da origem de
classe e da cor da pele nas chances de completar diversos níveis educacionais.
Finalmente, analiso as chances de mobilidade para as classes mais privilegiadas
de acordo com o nível educacional alcançado, a origem de classe e a cor dos
indivíduos. Esta análise em três etapas não só permite desvendar quais são as
principais barreiras de mobilidade social ascendente, como também revela em que
pontos raça e classe de origem se combinam como fatores inibidores desta
mobilidade ascendente.
Antes de apresentar as análises empíricas, discuto, na próxima seção, os
estudos anteriores sobre mobilidade social de brancos, pretos e pardos no
Brasil não apenas com o objetivo de descrever os resultados anteriormente
encontrados, mas também com o de definir hipóteses que possam ser testadas e
discutidas a partir das análises empíricas. Na seção seguinte, apresento a
metodologia que utilizo nas análises e as estatísticas de ajuste dos modelos
aos dados. Finalmente, discuto os resultados das análises e proponho respostas
às perguntas iniciais deste artigo.
ESTUDOS ANTERIORES
Embora na literatura sobre relações raciais o tópico da mobilidade social seja
considerado fundamental para determinar se há preconceito ou discriminação
racial, os estudos utilizando metodologia quantitativa sobre o tema não são
muito numerosos no Brasil. Até a década de 1970, a grande maioria dos trabalhos
baseou-se ora em pesquisas qualitativas ora em interpretações históricas. Foi
apenas no final dessa década que começaram a surgir estudos utilizando bancos
de dados agregados e estatísticas descritivas. A maioria destes novos estudos,
no entanto, faz análises das desigualdades de condições, apenas alguns poucos
trataram da mobilidade social e da desigualdade de oportunidades educacionais e
de mobilidade social.
Alguns estudos dos anos 1940, 1950 e 1960 argumentavam que não havia
preconceito racial, mas sim de classe. Donald Pierson, por exemplo, afirmava
que "não existem castas baseadas nas raças; existem somente classes. Isto não
significa que não existe algo que se possa chamar propriamente de
'preconceito', mas sim que o preconceito existente é um preconceito de classe e
não de raça" (1945:402). Esta afirmação de Pierson confirmava a interpretação
de Freyre (1973) sobre a convivência relativamente harmônica entre grupos
raciais no Brasil. Outros estudos realizados na cidade de Salvador (Azevedo,
1996) e em comunidades rurais (por exemplo, Wagley, 1952) também seguiram e
confirmaram a partir de estudos de caso e qualitativos a interpretação
freyriana. Mas nem todos os estudos do período chegaram à conclusão de que o
preconceito era antes de classe do que de raça.
No livro O Negro no Rio de Janeiro: Relações de Raça numa Sociedade em Mudança,
Costa Pinto (1952) propõe uma interpretação distinta. Embora sugerisse que a
modernização da sociedade brasileira tornava a estratificação por classe social
mais relevante do que a por raça ou casta, argumentava que, com o aumento da
mobilidade social advindo de mudanças na estrutura de classes, haveria uma
ameaça ao establishment e, conseqüentemente, um retorno da estratificação por
casta e um acirramento das discriminações raciais. Para chegar a estas
conclusões, utilizou os Censos Populacionais para mostrar que os pretos se
concentravam nas ocupações de trabalho manual e que estes tiveram poucas
chances de mobilidade entre 1872 e 1940. Outros estudos também indicavam a
existência de discriminação racial e as desvantagens de mobilidade social dos
pretos e dos pardos em relação aos brancos no interior de São Paulo (Nogueira,
1998) e no sul do país (Cardoso e Ianni, 1960).
O estudo de Cardoso e Ianni (idem) sobre Florianópolis chegava a uma
interpretação diferente da feita por Costa Pinto e se aproximava da perspectiva
de Florestan Fernandes (1965). Segundo este, o Brasil estaria rapidamente se
transformando em uma sociedade de classes, e a estratificação por raça era uma
herança do passado colonial que persistia, mas que seria aos poucos substituída
por discriminações de classe. As desvantagens raciais existiam como um legado
do passado de escravidão.
Três hipóteses sobre a relação entre classe, raça e mobilidade social podem ser
observadas nessa literatura. A primeira é derivada do trabalho de Pierson
(1945) e sugere que "não haveria barreiras raciais fortes a mobilidade
ascendente, mas sim barreiras de classe". A segunda é a de Costa Pinto (1952)
que pode ser formulada da seguinte maneira: a expansão da sociedade de classes
vai levar a um aumento da mobilidade social e na medida em que não-brancos
comecem a entrar nas classes mais privilegiadas haverá um retorno e acirramento
da discriminação racial. A terceira é a de Fernandes (1965) sugerindo que a
discriminação racial no processo de mobilidade social será paulatinamente
substituída pela discriminação de classe, ou seja, o preconceito racial é uma
herança do passado colonial.
Em 1979, Carlos Hasenbalg publicou o livro Discriminação e Desigualdades
Raciais no Brasil. Este livro faz uma revisão da literatura sobre relações
raciais no Brasil e sugere uma hipótese alternativa a de Florestan Fernandes
(1965) que pode ser resumida da seguinte forma: a discriminação racial
continuaria sendo um importante fator de estratificação social na sociedade
brasileira mesmo com a expansão da sociedade de classes advinda da
industrialização. Esta quarta hipótese, portanto, previa que: haveria
desigualdade nas chances de mobilidade social entre brancos e não-brancos
(pretos e pardos) independentemente de sua classe de origem.
Estas quatro hipóteses foram foco de discussão direta ou indiretamente nos
estudos sobre relações raciais realizados a partir do final da década de 1970 e
principalmente a partir de 1976, quando as pesquisas nacionais por amostragem
domiciliar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE começaram
a coletar informações sobre raça ou cor dos entrevistados (principalmente:
branco, preto e pardo). Os principais trabalhos empíricos foram desenvolvidos
por Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva (1988; 1992; Hasenbalg, Lima e
Silva, 1999). Embora a maioria dos artigos tenha sido sobre desigualdade de
condições entre brancos e não-brancos1, estes dois autores também escreveram
sobre desigualdade de oportunidades educacionais e de mobilidade social.
Estudos sobre desigualdade de oportunidades procuram, em geral, analisar a
relação entre origem de classe (O), educação (E) e destino de classe (D). A
figura a seguir apresenta o triângulo básico das análises sobre desigualdade de
oportunidades:
Os estudos sobre desigualdade de oportunidades educacionais dedicam-se a
analisar a relação entre O e E. Procuram, portanto, determinar se há associação
estatística entre origem de classe e raça, por um lado, e transições
educacionais, por outro, para diferentes coortes de idade. Este tipo de análise
utiliza modelos de regressão logística ou de logitos, ou seja, estima o
logaritmo das chances relativas de fazer ou não uma determinada transição
educacional. Normalmente, estas chances relativas são estimadas para cada uma
das coortes de idade. Para cada transição é utilizado um modelo2, por exemplo,
um para as chances relativas de cada coorte concluir o ensino fundamental,
outro para as chances daqueles que completaram o ensino fundamental concluírem
o ensino médio, e assim por diante. Além de variáveis independentes como classe
de origem e raça são utilizadas algumas outras variáveis nas análises. Esta
metodologia foi inicialmente proposta por Mare (1980; 1981) e amplamente
utilizada em pesquisas comparativas (Shavit e Blossfeld, 1993).
O primeiro artigo sobre o Brasil utilizando tal metodologia foi o de Silva e
Souza (1986). Neste estudo os autores são bastante cuidadosos ao destacar que
algumas variáveis importantes (principalmente capacidade cognitiva e aspiração
educacional) não estavam disponíveis no banco de dados da PNAD de 1976 que
utilizaram. De fato, estas variáveis extremamente importantes ainda não existem
nos bancos de dados mais contemporâneos3. De qualquer forma, os autores chegam
à conclusão importante de que, para os homens entre 20 e 64 anos de idade em
1976, tanto a ocupação e a educação do pai quanto a cor dos indivíduos estão
fortemente associadas às transições escolares. Esta associação, como era de se
esperar, diminui para as transições nos níveis mais elevados do sistema
escolar. Posteriormente, Hasenbalg e Silva (1992) utilizaram dados da PNAD de
1982 para mostrar que havia desigualdade racial nas transições educacionais
para pessoas entre 6 e 24 anos de idade. Os pretos e os pardos tinham
desvantagens em relação aos brancos. Silva e Souza (1986) usaram controles para
a idade dos indivíduos, mas não analisou os efeitos das origens de classe.
Posteriormente, Hasenbalg e Silva (1999a) ampliaram o estudo incluindo outras
variáveis independentes além da cor dos indivíduos. Ao incluir variáveis
relativas à estrutura familiar no modelo, mostraram que houve uma diminuição
substancial da magnitude do efeito da cor do indivíduo, mas mesmo assim ele
permanece significativo, indicando a existência de viés racial. Concluíram que
realmente deve haver discriminação racial no momento da matrícula das crianças
no sistema escolar. Finalmente, Silva (2003) analisa as transições escolares de
indivíduos entre 6 e 19 anos em três momentos (1981, 1990 e 1999), também
utilizando dados das PNADs, e chega à interessante conclusão de que os efeitos
da cor nas transições educacionais "crescem conforme se progride dentro do
sistema escolar" (idem:132). Além disso, o efeito da renda familiar (uma
variável socioeconômica) também cresce ao longo das transições.
Outro estudo importante sobre desigualdade de oportunidades educacionais é o de
Fernandes (2005). Neste artigo, a autora analisa as transições educacionais
para diversas coortes de idade utilizando dados da PNAD de 1988. A principal
conclusão é a de que o efeito da raça aumenta nas transições mais elevadas
(conclusão do ensino médio). Embora o efeito das outras variáveis
socioeconômicas diminua ao longo das transições educacionais, não é possível
comparar a magnitude dos efeitos das variáveis socioeconômicas e de raça sobre
as transições educacionais porque o artigo não apresenta coeficientes
padronizados. A autora, no entanto, revela que o efeito da raça diminui ao
longo das transições e aumenta bastante justamente no momento da conclusão do
ensino médio.
No que diz respeito aos efeitos de raça e classe de origem (características
socioeconômicas), os estudos sobre desigualdade de oportunidades educacionais
apontam para a permanência de ambos sobre as transições educacionais. Pessoas
brancas com origens nas classes mais privilegiadas tendem a ter melhores
chances de fazer com sucesso as transições educacionais. Os brancos passam a
ter vantagens ainda maiores para completar o ensino médio. Estas conclusões
corroboram a quarta hipótese apresentada anteriormente (a de Hasenbalg, 1979).
Ou seja, as desigualdades de oportunidades educacionais são marcadas pela
estratificação racial, que parece ser ainda mais acentuada nos níveis mais
elevados do sistema educacional.
Além de estudar as transições educacionais, as pesquisas sobre desigualdade de
oportunidade costumam analisar a mobilidade intergeracional para verificar se
há vantagens e desvantagens de classe e de raça nas chances de ascensão social.
O estudo da mobilidade diz respeito à associação entre origem de classe (O) e
destino de classe (D). No Brasil, a maioria dos estudos sobre a mobilidade
social dos diferentes grupos raciais baseou-se principalmente na análise das
taxas absolutas de mobilidade, ou seja, dos percentuais calculados a partir da
tabela de mobilidade cruzando classe do pai com classe do filho. Mais adiante
mostro por que esta metodologia confunde os efeitos de raça e de classe de
origem nas chances de mobilidade.
Os primeiros estudos sobre mobilidade e raça utilizando metodologia
quantitativa foram realizados por Hasenbalg (1979; 1988; Hasenbalg e Silva,
1988) utilizando respectivamente dados para seis estados da região Centro-sul
do Brasil, das PNADs de 1976 e de 1982. Em todos estes estudos, o autor mostra
que brancos têm mais mobilidade ascendente do que não-brancos e interpreta os
resultados como indicações de que deve haver discriminação racial ou barreiras
raciais no processo de mobilidade intergeracional. Posteriormente, as
conclusões de Hasenbalg foram confirmadas por Caillaux (1994), que comparou os
dados das PNADs de 1976 e de 1988. Em 1996, uma nova PNAD contendo dados sobre
mobilidade social foi coletada. Utilizando estes dados, Hasenbalg e Silva
(1999a) e Telles (2003) confirmaram mais uma vez o que haviam observado nos
estudos utilizando os dados anteriores, ou seja, concluíram que em 1996
continuava a haver barreiras raciais à mobilidade intergeracional.
Apesar de todos estes estudos terem sido fundamentais para avançar o
conhecimento sobre a mobilidade social, o fato de serem baseados na simples
análise de percentuais gera dúvidas sobre quais os efeitos da raça e quais os
da classe de origem nas chances de mobilidade, uma vez que estas duas variáveis
estão correlacionadas. Ou seja, pretos e pardos são um percentual maior das
pessoas que cresceram nas classes mais baixas e menor das que cresceram nas
mais altas. Portanto, ao analisarmos as chances de mobilidade social
ascendente, temos que ficar atentos para esta desproporção inicial. Se houver
mais mobilidade ascendente de brancos, como os estudos antes citados indicam,
isto pode se dever ao fato de o grupo contar com um maior percentual do que os
outros nas classes mais privilegiadas. Para resolver este problema, é
necessário utilizar modelos log-lineares que controlem os marginais das tabelas
de mobilidade, ou seja, controlem a desproporção de brancos e não-brancos nas
classes de origem.
Cientes desta limitação, Silva (2000) e Hasenbalg e Silva (1999b) utilizam
modelos log-lineares para analisar a mobilidade social intergeracional de
brancos, pretos e pardos. Os testes estatísticos utilizando os modelos log-
lineares indicam que destino ocupacional e cor estão associados
independentemente da origem de classe das pessoas, ou seja, os modelos indicam
que há desigualdade de oportunidades de mobilidade social entre brancos e não-
brancos. Uma das limitações dos modelos utilizados é o fato de permitirem
apenas conclusões globais como as indicadas, mas não possibilitarem análise
mais detalhada sobre a interação entre cor e origem de classe. Nas análises
deste artigo, utilizo modelos log-lineares mais avançados que permitem
verificar não só se há interação entre classe de origem e raça nas chances de
mobilidade social, como também qual o padrão desta interação.
Finalmente, há alguns artigos que procuram analisar conjuntamente a relação
entre origem de classe (O), qualificação educacional (E) e destino de classe
(D), bem como seus diferenciais por grupo racial. Os trabalhos de Silva (1988),
Carvalho e Neri (2000) e Osório (2003) analisam diferentes aspectos da relação
entre origem, educação e destino de classe.
Para entender o processo de realização socioeconômica (status attainment),
Silva (1988) propõe modelos de regressão linear para explicar a posição
ocupacional e a renda alcançada pelos indivíduos. Os modelos incluem como
variáveis explicativas características da origem socioeconômica (como ocupação
do pai, instrução do pai), da situação de moradia (como região de residência e
de nascimento), e de educação alcançada (anos de escolaridade). Os modelos são
estimados para brancos e não-brancos. Silva (idem:158) chega à seguinte
conclusão: "além dos indivíduos herdarem uma situação socioeconômica, existe,
ainda, uma herança de raça que faz com que os indivíduos de cor se encontrem em
desvantagem competitiva em relação aos brancos na disputa pelas posições na
estrutura social".
Outro artigo tratando da mobilidade ocupacional é o de Carvalho e Neri (2000)
baseado na análise dos dados da Pesquisa Mensal de Emprego PME de 1996. Além
de fazer as usuais análises percentuais das tabelas de mobilidade (neste caso
de mobilidade intrageracional), os autores estimam modelos de regressão
logística. Chegam à conclusão, por um lado, de que nas tabelas, cruzando
ocupação inicial com ocupação final, há diferencial de mobilidade entre brancos
e não-brancos, e, por outro lado, de que a variável raça não é estatisticamente
significativa quando analisada em conjunto com outras variáveis de origem
socioeconômica na regressão. Chegam à conclusão de que as variáveis
socioeconômicas são mais importantes do que a raça nas chances de mobilidade
intrageracional.
Finalmente, Osório (2003) estima modelos log-lineares incluindo origem de
classe (O), destino de classe (D), escolaridade (E), sexo (S), idade (I) e cor
(C). Embora modelos log-lineares estimados desta forma sejam de complicada
interpretação, Osório faz um bom trabalho e chega a conclusões interessantes
sobre o processo de mobilidade intergeracional. Afirma, por exemplo, que "[...]
Não completar o segundo grau na classe alta representa um risco concreto de
cair para as classes média e baixa, mas ser branco reduz especificamente o
risco de que o movimento se direcione à baixa ' negros terão mais chances de o
terem como destino ' além de aumentar a chance de permanência na classe"
(Osório, 2003:144).
Os resultados destes três artigos são importantes. Por um lado, Silva (1988) e
Osório (2003) mostram em suas análises que há diferença nas chances relativas
de mobilidade entre brancos e não-brancos. Osório (idem) indica que tal
diferença é mais acentuada nas classes mais altas ' resultado que se assemelha
aos que encontro neste artigo. Por outro lado, Carvalho e Néri (2000) indicam
que no processo de mobilidade intrageracional as variáveis socioeconômicas
explicam melhor as chances de mobilidade.
Embora não discutam diretamente suas implicações teóricas, os estudos de Osório
(2003) e Carvalho e Néri (2000) desafiam a hipótese de Hasenbalg (1979) segundo
a qual fatores de desigualdade racial são independentes de fatores de
estratificação por classe. O que estes trabalhos indicam é que alguma forma de
interação entre classe e raça deve existir na formação das desigualdades. De
certa forma, a teoria de Hasenbalg (idem) prevê isso, embora a interpretação
mais simplificadora do argumento não enfatize a interação entre raça e classe.
Uma das implicações dos resultados deste artigo é justamente a necessidade de
pensar mais coerentemente sobre as interações entre raça e classe na produção
de desigualdades sociais.
OS DADOS, OS MODELOS E OS AJUSTES DOS MODELOS
Nesta seção apresento os modelos que utilizo para analisar a desigualdade de
oportunidades de mobilidade social entre homens brancos, pardos e pretos de 25
a 64 anos. Os dados utilizados são os da PNAD de 1996 e são representativos
para todo o Brasil. Ao apresentar as características dos modelos e seus ajustes
aos dados, também descrevo as variáveis que são utilizadas em cada um. Antes,
no entanto, discuto brevemente os quatro estratos que são utilizados para
classificar classes de origem (mensuradas a partir da ocupação do pai dos
respondentes quando estes tinham 14 anos) e de destino (baseadas na ocupação
dos respondentes em setembro de 1996).
As classes de origem e destino foram classificadas da seguinte forma: (1)
profissionais, administradores e empregadores (as médias de renda e anos de
educação para classe de destino são: R$ 2.074,00 e 11 anos); (2) trabalhadores
de rotina não-manual, técnicos e proprietários sem empregados (as médias de
renda e anos de educação para classe de destino são: R$ 801,00 e 8 anos); (3)
trabalhadores manuais e pequenos empregadores rurais (as médias de renda e anos
de educação para classe de destino são: R$ 490,00 e 5 anos); e (4)
trabalhadores rurais (as médias de renda e anos de educação para classe de
destino são: R$ 244,00 e 2 anos). Estes quatro grupos de classe são uma
agregação dos 16 grupos descritos por Costa Ribeiro (no prelo: cap. 2). Estas
16 classes são obtidas a partir das variáveis ocupacionais (que também incluem
posição na ocupação) presentes na PNAD com o objetivo de construir uma versão
brasileira do esquema internacional descrito no segundo capítulo de Erickson e
Goldthorpe (1993) e obtido a partir da metodologia proposta por Ganzeboom e
Treiman (1996). No caso dos dados brasileiros, as classes de trabalhadores
manuais qualificados (VI) e não-qualificados (VIIa) podem ser subdivididas em
sete categorias de acordo com o tipo de indústria em que se concentra o
trabalho. Para analisar a mobilidade intergeracional dos grupos de cor
(brancos, pretos e pardos), fui obrigado a diminuir o número de categorias de
classe porque o grupo de pretos é muito pequeno, o que leva à impossibilidade
metodológica de analisar a tabela de mobilidade para este grupo. Diante desta
limitação, agreguei os grupos de classe de 16 para 4 categorias levando em
conta as características de trabalho de cada grupo e as condições
socioeconômicas expressas nas respectivas médias de escolaridade e renda do
trabalho principal. As médias de renda e de anos de educação para os esquemas
com 16 e 4 categorias são apresentadas na Tabela_B anexa.
Todas as análises deste artigo são baseadas em modelos estatísticos para dados
categóricos. Mais especificamente modelos log-lineares, logit (regressão
logística) e logit multinomial condicional. Todos os três tipos são
matematicamente equivalentes, ou seja, são especificações distintas sobre um
mesmo tipo de modelo. Minhas análises estão na seguinte ordem: inicialmente,
descrevo a mobilidade intergeracional e estimo modelos para verificar se a
força e o padrão de associação entre classe de origem (O) e de destino (D)
variam entre os três grupos de cor (C). Em seguida, analiso a associação entre
origem de classe (O) e transições educacionais (E), por um lado, e os impactos
das qualificações educacionais adquiridas (E) e da origem de classe (O) sobre
as chances de mobilidade para as classes de destino (D), por outro lado. Para
cada uma destas etapas, utilizo modelos distintos.
Para analisar a mobilidade intergeracional, ajustei três modelos log-lineares à
tabela cruzando quatro classes de origem (O) por quatro de destino (D) por três
grupos de cor (C)4. Os três modelos ajustados a esta tabela foram os seguintes.
Modelo de associação constante:
onde log Fijk é o logaritmo da razão de chances que mede a associação entre
origem i e destino j condicional em cor k; o termo µ é a média geral; os termos
liº, ljD e lkC controlam as distribuições marginais de origem, destino e cor; o
termo likOC controla a associação entre origem e cor; e o termo ljkDC controla
a associação entre destino e cor. Como este modelo inclui um termo para a
associação entre origem e destino (lijOD) e não inclui um termo para a
interação entre origem, destino e cor (lijkODC), caso se ajustem aos dados
deve-se concluir que a associação entre origem e destino é a mesma para os três
grupos de cor.
O segundo modelo que ajusto aos dados é o log-multiplicativo proposto por Xie
(1992), cuja formula geral é:
A única diferença deste modelo (M2) para o primeiro (M1) é que o termo lijOD do
primeiro é substituído por exp(yijfk). yij descreve um único padrão de
associação entre origem e destino e é multiplicado por fk, que define a
variação por grupo de cor da força da associação entre O e D. Se este modelo se
ajustar melhor aos dados do que o anterior, podemos concluir que a força da
associação é diferente para cada grupo de cor de acordo com o valor numérico de
fk.
Finalmente, utilizo um último modelo que permite não apenas que a força da
associação entre origem e destino varie por grupo de cor, mas também que o
padrão desta associação seja diferente. Este modelo, que foi proposto por
Goodman e Hout (1998), é o seguinte:
Esta fórmula (M3) simplesmente adiciona o termo lijOD ao modelo anterior (M2).
Ao fazer esta inclusão, permite analisar a diferença no padrão da associação
entre os três grupos raciais, além daquela na força (exp[yijfk]). Este terceiro
modelo pode ser reescrito tornando sua fórmula semelhante à de uma regressão
linear incluindo uma interseção (que mede o padrão da associação ' µij) e uma
inclinação (medindo a força da associação ' µ'ij). Esta maneira alternativa de
conceber o mesmo modelo permite a interpretação mais clara, ajuda a melhorar o
ajuste do modelo a partir de restrições aos seus estimadores e é responsável
pelo nome do modelo "regression-type layer effect model" (idem). A fórmula
alternativa é:
Este terceiro modelo (fórmulas M3 e M3') é bastante complexo, e sua
interpretação correta depende da inclusão de restrições aos termos de
interseção (µij) e/ou de inclinação (µ'ij). A tabela a seguir mostra o ajuste
dos três modelos (M1, M2 e M3) à tabela cruzando quatro classes de origem por
quatro de destino por três grupos de cor (Tabela_A anexa). Além disso,
apresento o ajuste do modelo de mobilidade perfeita (M0), segundo o qual não há
associação entre origem e destino, e o modelo M4 que impõe restrições ao modelo
M3.
Para avaliar o ajuste dos modelos, utiliza-se o teste de qui-quadrado (c2) e o
teste bic, dando-se preferência ao c2. O modelo de mobilidade perfeita (M0) não
se ajusta aos dados, o de associação constante (M1) ajusta-se de acordo com o
bic (quanto mais negativo o bic melhor o ajuste do modelo), o modelo log-
multiplicativo (M2) também se ajusta, mas não representa uma melhora
significativa em relação à M1. Finalmente, o modelo "regression-type" (M3)
ajusta-se de acordo com o bic e o c2. Este modelo deveria ser escolhido como o
melhor ajuste, mas ainda é muito complexo, pois utiliza 9 graus de liberdade a
mais do que M2 (df = 16-7 = 9), por essa razão a estatística bic, que penaliza
modelos muito complexos, é menos negativa do que nos modelos anteriores. Por
causa deste tipo de complexidade, Goodman e Hout (idem) sugerem restrições
específicas aos parâmetros estimados da interseção e/ou da inclinação. Estes
parâmetros para o modelo M3 são apresentados na Tabela_2.
Tendo em vista que inclinações entre -0,3 e + 0,3 são praticamente iguais a
zero, podemos definir as inclinações nas coordenadas i e j (2,1), (2,2), (3,1)
e (3,2) como sendo iguais a zero. Uma vez aplicada esta restrição, temos o
modelo M4 da tabela anterior. Este modelo (M4) utiliza menos graus de liberdade
do que M3 (é menos complexo), ajusta-se melhor aos dados do que todos os outros
modelos anteriormente propostos (para M4, o c2 = 14,93 com valor de p = 0,497),
e, portanto, será utilizado na próxima seção para interpretar a variação entre
os três grupos raciais na associação entre origem e destino de classe.
Além de analisar a mobilidade intergeracional, investigo a correlação entre
classe de origem e transições educacionais. Para analisar estas transições,
utilizo modelos de regressão logística cujas fórmulas são encontradas em
diversos livros de metodologia (por exemplo, Powers e Xie, 2000:49). Estes
modelos são utilizados para estimar seis transições educacionais importantes:
1) entrada na escola (comparando os que concluíram a 1ª série do ensino
fundamental com todos os que não concluíram);
2) completar com sucesso a 4ª série do ensino fundamental (tendo em vista que
terminaram a 1ª série do ensino fundamental);
3) completar com sucesso a 8ª série do ensino fundamental (para os que
terminaram a 4ª série mas não completaram a 8ª);
4) completar com sucesso o ensino médio (para os que concluíram o ensino
fundamental);
5) entrar na universidade (comparando os que completaram um ano de universidade
com todos que terminaram o ensino médio); e
6) completar a universidade (comparando os que completaram o curso com todos
que completaram apenas um ano).
Cada uma destas transições, a partir da segunda, é condicional em relação à
anterior. Ou seja, para que se tenha a chance de fazer uma dada transição
educacional, é necessário ter sucesso na transição anterior. Os modelos
estimados para as seis transições são apresentados na Tabela_3.
Cada modelo analisa as probabilidades de fazer ou não uma transição educacional
de acordo com cor ou raça, origem de classe e coorte de idade. Todos os modelos
se ajustam bem aos dados (as estatísticas bic são negativas) e serão
interpretados mais adiante.
Finalmente, utilizei um modelo "condicional para logitos multinomiais" para
explicar a associação entre raça, classe de origem e escolaridade, por um lado,
e as chances relativas de entrar em uma das quatro classes de destino, por
outro. Este tipo de modelo é totalmente equivalente a um modelo log-linear, mas
permite inclusão de mais de três variáveis sem tornar a interpretação muito
complexa (como ocorre, por exemplo, no trabalho de Osório, 2003). Apesar de ter
sido considerado por Logan (1983), Breen (1994) e DiPrete e Grusky (1990) como
importante para a análise da mobilidade social, o modelo só passou a ser
utilizado na literatura sociológica depois que Hendrickx (2000) disponibilizou
sintaxes para rodá-lo usando o pacote estatístico STATA. A fórmula para a
versão que utilizo neste artigo é:
onde Lij é o logit para o indivíduo i na classe de destino j, gj (j = 2, 3 e 4)
são variáveis indicadoras da classe de destino; (a1ri.1 + ajrij) são os
parâmetros de herança de classe (probabilidades de imobilidade);d é o efeito da
origem no destino de acordo com o padrão de associação uniforme (associação
linear com escala de origem e destino idêntica) para o indivíduo i na classe de
destino j; bj1 é o efeito de ser branco na classe j para o indivíduo i; e bj2 é
o efeito de cada ano de educação do indivíduo i5. Ajustei duas versões do
modelo anterior: (1) uma excluindo as variáveis independentes para raça e
educação (bj1ci +bj2ei); que equivale ao modelo log-linear de associação
uniforme com restrições para a diagonal, e (2) outra incluindo todas as
variáveis independentes. A segunda versão melhora bastante o ajuste do modelo,
como fica claro pelo valor do pseudo R2 na Tabela_4. Os efeitos de imobilidade
e de associação uniforme (UA) diminuem quando incluímos raça e anos de
educação. A vantagem dos brancos é mais acentuada para entrar na classe 1 do
que na 2 e 3; e cada ano de educação tem um efeito positivo aumentando as
chances de mobilidade ascendente. A interpretação detalhada do modelo será
feita mais adiante.
RAÇA OU CLASSE: OS DETERMINANTES DA MOBILIDADE SOCIAL
O principal problema metodológico que um estudo sobre as chances de mobilidade
social ascendente de pessoas em grupos de cor diferentes e com origens de
classe distintas enfrenta é que em geral estas duas variáveis estão
relacionadas. Ou seja, pretos e pardos são um percentual maior das pessoas que
cresceram nas classes mais baixas e menor das que cresceram nas classes mais
altas. Portanto, ao analisarmos as chances de mobilidade social ascendente
temos que ficar atentos para esta desproporção inicial. Usando dados de 1996,
podemos observar este fato (ver Tabela_C anexa). Enquanto 61% dos pardos e 56%
dos pretos eram filhos de trabalhadores rurais, apenas 49% dos brancos tinham
esta origem familiar. As famílias de trabalhadores rurais são historicamente as
mais pobres no Brasil. Podemos, então, facilmente concluir que uma proporção
maior de pretos e pardos do que de brancos cresceu em famílias pobres. O
inverso se dá com as famílias mais ricas. Entre todos os brancos, 9% são filhos
de profissionais e pequenos empresários, e apenas 4% dos pardos e 2% dos pretos
têm origem semelhante. Portanto, uma proporção maior de brancos do que de
pretos e pardos advém de famílias mais abastadas.
Esta maior proporção de pretos e pardos com origem nas classes baixas e brancos
com origens na classe alta se reflete no destino de classe, as ocupações, em
que os indivíduos se encontram contemporaneamente. Em 1996, 56% dos pretos, 48%
dos pardos e 43% dos brancos eram trabalhadores manuais urbanos (classe também
muito pobre). No topo há mais brancos e menos pretos e pardos. Em 1996, 18% dos
brancos eram profissionais e pequenos empresários, e apenas 7% de pardos e 5%
de pretos tinham esta posição de classe.
Logo, a diferença na posição de classe em 1996 é em parte determinada pela
diferença na posição de classe de origem. Por exemplo, não podemos simplesmente
dizer que a desproporção de pretos e pardos na classe de profissionais e
pequenos empresários em 1996 é fruto do preconceito racial, porque, como vimos,
pretos e pardos se concentram, mais do que brancos, nas classes de origem
baixas, o que diminui suas chances de mobilidade social ascendente. De fato,
50% dos brancos, 45% dos pardos e 43% dos pretos tiveram mobilidade ascendente.
Para definirmos o papel da raça e da classe de origem nas chances de mobilidade
social ascendente, temos que utilizar modelos que controlem estatisticamente as
desproporções nas classes de origens. Depois de implementar as diversas
análises estatísticas apresentadas na seção anterior, cheguei a um modelo
(modelo M4 na Tabela_1) que, embora complexo matematicamente, expressa de forma
clara a interação entre raça e classe de origem nas chances de mobilidade
ascendente. A principal maneira de expressar os resultados deste modelo é a
partir de um valor numérico conhecido como "razão de chances", que define as
chances relativas de pessoas com origens de classe semelhantes em grupos de cor
distintos alcançarem as mesmas classes de destino. Estas razões de chance, ou
melhor, o logaritmo delas, permite desenhar a figura a seguir, que mostra o
diferencial nas chances relativas de mobilidade social ascendente entre
brancos, pardos e pretos, controlado pelas desproporções nas classes de origem
que comentei anteriormente. Se a reta ligando pretos, pardos e brancos for
completamente horizontal ao eixo dos escores de cor em cada gráfico da figura,
então as "razões de chances", ou chances relativas de mobilidade, são idênticas
para pretos, brancos e pardos. Caso contrário, há desigualdade entre os grupos
de cor nas chances relativas de mobilidade ascendente.
Embora a Figura_2 seja bastante complexa, o que ela revela é bastante simples e
muito importante para avaliarmos em que a classe de origem é mais importante do
que a raça na determinação das chances de mobilidade social e vice-versa.
Os dois primeiros gráficos das linhas dois e três indicam que não há diferença
nas chances relativas de mobilidade ascendente entre pretos, pardos e brancos
cujos pais estavam nas classes mais baixas. Estes gráficos comparam as chances
relativas de filhos de trabalhadores rurais e de trabalhadores manuais urbanos
experimentarem mobilidade ascendente para as classes de profissionais e
trabalhadores não-manuais urbanos. Em nenhuma destas comparações há diferença
entre as chances relativas de mobilidade de homens pretos, pardos e brancos.
Por exemplo, independentemente de sua cor ou raça, os filhos de trabalhadores
manuais urbanos têm 1,3 vezes mais chances de chegar à classe de profissionais
do que filhos de trabalhadores rurais. Em suma, as chances de mobilidade
ascendente de pessoas com origens nas classes mais baixas são inteiramente
determinadas pela origem de classe e a cor da pele não tem relevância. Não há
desigualdade racial nas chances de mobilidade ascendente de pessoas com origem
nas classes baixas.
No entanto, se observarmos as chances relativas dos filhos de profissionais e
trabalhadores não-manuais de rotina (representadas nos três primeiros gráficos
na primeira linha da Figura_2), observamos que as chances relativas de
imobilidade no topo e de mobilidade descendente são diferentes para pretos,
pardos e brancos. Por exemplo, filhos brancos de profissionais têm 2 vezes mais
chances de permanecer nesta classe do que de descer para a classe de
trabalhadores não-manuais de rotina, ao passo que filhos pretos de
profissionais têm apenas 1,2 vezes mais chances. Em suma, as chances de
mobilidade descendente e de imobilidade de pessoas com origens nas classes mais
altas são significativamente influenciadas pela cor da pele. Há desigualdade
racial nas chances de mobilidade descendente e de imobilidade de pessoas com
origem nas classes altas.
O que estas análises sugerem é que o preconceito racial se torna mais relevante
na medida em que subimos na hierarquia de classes no Brasil. Pessoas com origem
nas classes mais baixas encontram dificuldades de mobilidade ascendente porque
são de classes mais baixas e não por sua cor ou raça. No entanto, há evidências
importantes sugerindo que, tendo origens nas classes mais altas, pessoas negras
tenham desvantagens, ou seja, tenham menos chances do que os brancos com origem
nestas mesmas classes de permanecer no topo e mais chances de mobilidade
descendente. As análises revelam que a desigualdade de oportunidades de
mobilidade social é racial apenas nas classes altas, mas não o é nas classes
baixas. Esta conclusão é bastante importante porque indica que o preconceito
racial deve estar presente com mais força no topo e não na base da hierarquia
de classes.
DESIGUALDADE DE OPORTUNIDADES EDUCACIONAIS
Na sociedade contemporânea, uma das mais importantes vias de mobilidade social
é a educação formal. Para ocupar certas posições de prestígio, é essencial ter
qualificação educacional, não basta ser filho de alguém qualificado. Por
exemplo, para se tornar médico ou juiz de direito, é necessário ter educação
superior. Ser filho de médico ou juiz não qualifica ninguém como médico ou
juiz, o que qualifica são as escolas de medicina e de direito. No entanto, é
fato amplamente discutido que filhos de profissionais qualificados têm mais
chances do que filhos de trabalhadores não-qualificados de alcançarem níveis
educacionais mais altos. Além disso, no debate contemporâneo no Brasil muito se
fala sobre chances educacionais desiguais entre brancos e não-brancos. Estas
pressuposições devem ser investigadas empiricamente.
A metodologia sociológica moderna para o estudo da estratificação educacional
indica que é necessário estudar as diversas transições educacionais
importantes. Ou seja, devemos ver quais as principais características
influenciando as chances de as crianças e jovens fazerem com sucesso uma
transição. Neste artigo, analiso seis transições: (1) entrada na escola; (2)
conclusão da 4ª série do ensino fundamental; (3) conclusão da 8ª série do
ensino fundamental; (4) conclusão do ensino médio; (5) entrada na universidade;
e (6) conclusão da universidade.
Uma das conseqüências esperadas ao longo destas transições educacionais é que
as características herdadas (tais como classe de origem, raça ou gênero) tendem
a ter mais peso nas primeiras transições do que nas últimas, já que a cada
transição é feita uma seleção em termos de qualificação educacional. Por
exemplo, pessoas com diferentes origens de classe que entram na universidade
têm uma importante semelhança entre si: todos completaram o ensino médio.
Embora diversas características influenciem as chances de sucesso em cada uma
das transições educacionais (nos modelos de regressão logística que utilizei,
incluí origem de classe, idade e cor), apresento no Gráfico_1 apenas o peso da
origem de classes e da cor das pessoas em cada transição. O objetivo é
verificar qual a magnitude da desigualdade de oportunidades educacionais em
termos de raça e classe de origem em cada transição.
O Gráfico_1 realmente revela que a influência das classes de origem e da cor
das pessoas diminui progressivamente ao longo das transições educacionais. Além
disso, a origem de classe parece ter um efeito maior do que a cor das pessoas
nas chances de fazer transições. Ou seja, pessoas cujos pais estavam nas
classes mais altas (eram, por exemplo, profissionais) têm mais chances de ter
sucesso nas transições educacionais do que pessoas cujos pais estavam em
classes mais baixas. Brancos também têm mais chances de sucesso do que não-
brancos, mas o peso da classe de origem é maior do que o da raça. Em outras
palavras, podemos dizer que há mais desigualdade de oportunidades educacionais
em termos de classe do que de raça. No entanto, nas últimas transições a raça
passa a ter um efeito semelhante ao da classe, ou seja, as chances de entrar e
completar a universidade são desiguais em termos raciais e de classe. Vejamos
um exemplo: filhos de profissionais têm 15 vezes mais chances de entrar na
escola do que filhos de trabalhadores rurais, e brancos têm 3 vezes mais
chances do que não-brancos de entrar na escola. Há desigualdade de
oportunidades educacionais tanto em termos de classe de origem quanto de raça,
embora a primeira seja mais forte do que a segunda. Para ingressar na
universidade, filhos de profissionais têm 4 vezes mais chances do que filhos de
trabalhadores rurais; e brancos têm 2 vezes mais chances do que não-brancos. Em
suma, no início da carreira escolar, a desigualdade de classe é muito mais
forte do que a de raça, ao passo que nos níveis educacionais mais elevados, os
dois tipos de desigualdade diminuem em relação ao que ocorre nas primeiras
transições e se tornam mais semelhantes. Ou seja, nas transições educacionais
de níveis mais altos, as desigualdades de raça e de classe têm magnitudes
semelhantes.
Estas conclusões sobre as transições educacionais reforçam as conclusões sobre
mobilidade ascendente apresentadas na seção anterior deste artigo. Em termos de
oportunidades, a desigualdade de classe é muito mais forte nas transições
iniciais do que a de raça. Em contraposição, a desigualdade racial passa a ser
mais relevante, em relação à de classe, nas transições mais elevadas do sistema
educacional. Na medida em que subimos na hierarquia socioeconômica da
sociedade, a desigualdade racial parece se tornar mais importante que, ou pelo
menos tão importante quanto, a de classe.
DESTINOS DE CLASSE: EFEITOS DE RAÇA, ORIGEM DE CLASSE E QUALIFICAÇÃO
EDUCACIONAL
Tendo analisado a mobilidade social intergeracional e a estratificação
educacional nas duas seções anteriores, cabe agora integrar as duas análises.
Em outras palavras, resta saber quais os efeitos da origem de classe, da cor e
da educação alcançada nas chances de mobilidade social para as classes de
destino em 1996, ano em que foram coletados os dados do IBGE que estou
analisando neste artigo.
Cabe também aqui a utilização de modelos estatísticos que sejam capazes de
controlar pela proporção diferente de brancos, pardos e pretos com origens em
classes altas e baixas. Além disso, introduzi a variável "anos completos de
escolaridade" como um dos principais fatores determinando a mobilidade social.
O modelo que utilizei é conhecido como "modelo logit multinomial condicional"
(veja seção sobre metodologia).
Os resultados do modelo (segundo a Tabela_4) reforçam ainda mais as conclusões
a que cheguei anteriormente. A desigualdade racial realmente parece ser mais
forte para entrar nas classes mais altas do que para entrar nas mais baixas. Ou
seja, a entrada nas classes mais baixas é desigual antes em termos de origem de
classe do que de raça, ao passo que, para entrar nas classes mais altas, há
desigualdade de oportunidade entre brancos e não-brancos (pardos + pretos)
indicando que a discriminação racial fica mais forte na medida em que se sobe
na hierarquia de classes.
O Gráfico_2 apresenta as chances relativas de homens brancos e não-brancos
entrarem na classe de trabalhadores manuais urbanos ao invés de trabalhadores
rurais de acordo com os anos de escolaridade que completaram. O cálculo destas
chances também leva em conta a classe de origem. Em linguagem estatística,
dizemos que estamos controlando pela classe de origem, ou seja, estamos
observando as chances condicionais (em termos de educação e classe de origem)
de brancos e não-brancos entrarem na classe de trabalhadores manuais.
O que o gráfico revela é que não há diferença entre as chances de brancos e
não-brancos, e que quanto mais anos de educação maiores as chances de entrar na
classe de trabalhadores urbanos (mais alta hierarquicamente do que a de
trabalhadores rurais).
Um resultado completamente diferente é encontrado quando analisamos as chances
de entrar na classe de profissionais ao invés de na classe de trabalhadores
rurais (os dois extremos da hierarquia de classes). O Gráfico_3 apresenta
justamente esta comparação de acordo com o mesmo modelo que foi utilizado para
desenhar o gráfico acima.
Este gráfico revela que há uma diferença significativa nas chances de brancos e
não-brancos entrarem na classe de profissionais. Com os mesmos anos de
escolaridade do que os brancos, os não-brancos têm chances bastante menores de
se tornarem profissionais (lembre-se que esses dados controlam pela origem de
classe). Por exemplo, entre os homens que completaram 15 anos de escolaridade
(que concluíram a universidade), brancos têm 3 vezes mais chances do que não-
brancos de se tornarem profissionais. É interessante observar que, apesar de
não haver desigualdade racial nas chances de completar a universidade, há
fortes evidências de que não-brancos formados em universidades encontram mais
dificuldade de entrar em posições de profissionais do que brancos com o mesmo
nível educacional.
Estas análises confirmam mais uma vez o que observei anteriormente. A
desigualdade racial no processo de mobilidade ascendente está presente
principalmente nos níveis mais elevados da hierarquia de classes, ao passo que
as chances de ascensão de quem tem origem nas classes baixas são determinadas
pela posição de classe e não pela raça ou cor da pele.
CONCLUSÕES
A principal conclusão deste artigo é que a desigualdade racial nas chances de
mobilidade está presente apenas para indivíduos com origem nas classes mais
altas. Homens brancos, pardos e pretos com origem nas classes mais baixas têm
chances semelhantes de mobilidade social. Cheguei a este resultado a partir da
análise detalhada de três aspectos da mobilidade social: (1) as desigualdades
de oportunidades de mobilidade intergeracional entre classes de origem e de
destino; (2) as desigualdades nas chances de fazer transições educacionais; e
(3) os efeitos da educação alcançada e da origem de classe nas chances de
mobilidade social. Em todas as análises, enfatizei as comparações entre os
efeitos da cor da pele e da classe de origem.
O principal problema na análise da mobilidade intergeracional de brancos,
pardos e pretos é que o primeiro grupo tende a ser representado em maior
proporção nas classes de origem mais altas, e os dois últimos grupos nas
classes de origem mais baixas. Este fato faz com que as oportunidades de
mobilidade de brancos sejam maiores do que as de pretos e pardos. Portanto, ao
analisar as chances de mobilidade utilizando apenas as taxas brutas
(percentuais), não temos como separar o efeito da classe de origem do da cor da
pele. Por este motivo, utilizei modelos estatísticos que controlam esta
desproporção na classe de origem, e que permitem analisar a variação entre os
grupos de cor do padrão e da força da associação entre classes de origem e de
destino. Em outras palavras, permitem verificar não apenas quais os efeitos de
classes de origem e cor da pele nas chances de mobilidade, mas também como
estes efeitos se combinam (interagem) ou não.
Os resultados desta análise levaram à conclusão de que para os homens com
origens nas classes mais baixas (trabalhadores rurais, trabalhadores manuais
urbanos e pequenos empregadores rurais) não há desigualdade racial nas chances
de mobilidade ascendente, ou seja, nos estratos mais baixos, brancos, pardos e
pretos enfrentam dificuldades semelhantes de mobilidade ascendente. Em
contrapartida, homens brancos, pardos e pretos com origens nas classes mais
altas (profissionais, administradores e pequenos empregadores; e trabalhadores
de rotina, técnicos e autônomos) têm chances de imobilidade e mobilidade
descendente distintas. Os brancos têm mais chances do que os pardos e os pretos
de imobilidade no topo da hierarquia de classes, enquanto estes últimos têm
mais chances de mobilidade descendente. Ou seja, há desigualdade racial nas
oportunidades de mobilidade intergeracional para homens com origem nas classes
mais altas. Estes resultados revelam que: a desigualdade de oportunidades está
presente no topo da hierarquia de classe, mas não na base desta hierarquia.
Esta conclusão nos leva a sugerir que a discriminação racial ocorre
principalmente quando posições sociais valorizadas estão em jogo6.
Outro aspecto fundamental do processo de mobilidade social é a aquisição de
educação formal. A escolarização é um dos principais fatores que levam à
mobilidade social. A análise das desigualdades de oportunidades educacionais,
portanto, é fundamental para entendermos o processo de mobilidade. Neste
sentido, analisei os efeitos de raça e classe de origem nas chances de fazer
seis transições educacionais: (1) completar a 1ª série do ensino fundamental;
(2) completar a 4ª série do ensino fundamental, tendo feito a transição 1; (3)
completar o ensino fundamental, tendo feito as transições 1 e 2; (4) completar
o ensino médio, tendo feito as transições anteriores; (5) completar um ano de
universidade, tendo feito as transições anteriores; e (6) completar a
universidade, tendo feito todas as transições. Segundo a interpretação corrente
(Shavit e Blossfeld, 1993), o efeito das variáveis de origem de classe tende a
diminuir ao longo das transições educacionais. Esta tendência se confirma nas
minhas análises. No entanto, meu maior interesse foi o de verificar qual o peso
da cor da pele e da classe de origem nas chances de fazer transições
educacionais.
As análises indicam que há desigualdade nas chances de fazer transições tanto
em termos de cor da pele quanto de classe de origem, mas que o segundo tipo de
desigualdade é maior do que o primeiro. Além disso, enquanto a desigualdade de
classe diminui ao longo das transições, a desigualdade racial aumenta na
transição cinco, completar ou não o primeiro ano de universidade. Até a quarta
transição (completar o ensino médio) os efeitos de classe de origem são pelo
menos seis vezes maiores do que o efeito de raça. Ou seja, até a quarta
transição a desigualdade de classes é maior do que a de raça. Na quinta e na
sexta transição (completar o primeiro ano da universidade e terminar a
universidade), a desigualdade racial torna-se mais semelhante à desigualdade de
classe, tendo em vista que o peso da classe de origem é apenas 2,5 vezes maior
do que o da cor da pele. Ter origens nas classes mais altas aumenta as chances
de fazer com sucesso as transições educacionais, ser branco ao invés de não-
branco (preto ou pardo) também aumenta. Em suma, nas transições educacionais
até a entrada no ensino médio, a desigualdade de classe é muito maior do que a
de raça, ao passo que para, completar um ano de universidade e terminá-la, a
desigualdade racial é quase tão grande quanto a de classe.
Finalmente, analisei os efeitos de escolaridade alcançada, raça e classe de
origem nas chances de mobilidade ascendente. Nestas análises, que combinam as
duas anteriores, ficou claro que o efeito da raça sobre as chances de
mobilidade, levando-se em conta escolaridade e classe de origem, estão
presentes apenas para pessoas com mais de 10 ou 12 anos de educação entrando na
classe de profissionais, administradores e empregadores. Com mais de 12 anos de
escolaridade, brancos têm em média três vezes mais chances do que não-brancos
de experimentar mobilidade ascendente para as classes mais privilegiadas.
Embora educação seja importante para qualquer tipo de mobilidade ascendente, a
desigualdade racial está presente apenas nas chances de mobilidade para o topo
da hierarquia de classes. Mais uma vez os resultados comprovam que só há
desigualdade racial nas chances de mobilidade ascendente para as classes mais
altas hierarquicamente.
Os resultados desta pesquisa são extremamente relevantes para discutirmos as
quatro teorias sobre estratificação racial e de classe que apresentei
resumidamente na seção 2 deste artigo. A primeira, derivada do trabalho de
Pierson (1945), sugerindo que: não haveria barreiras raciais fortes à
mobilidade ascendente, mas sim barreiras de classe. A segunda, apresentada por
Costa Pinto (1952), sugere que a expansão da sociedade de classes vai levar a
um aumento da mobilidade social, e na medida em que não-brancos comecem a
entrar nas classes mais privilegiadas haverá um retorno e acirramento da
discriminação racial. A terceira, apontada por Fernandes (1965), diz que a
discriminação racial no processo de mobilidade social será paulatinamente
substituída pela discriminação de classe, ou seja, o preconceito racial é uma
herança do passado colonial. Finalmente, o trabalho de Hasenbalg (1979) sugere
que a discriminação racial continuaria sendo um importante fator de
estratificação social na sociedade brasileira mesmo com a expansão da sociedade
de classes advinda da industrialização.
Esta apresentação das quatro perspectivas é, obviamente, reducionista. Até
mesmo Pierson (1945:221-239) sugere que alguma forma de estratificação por raça
poderia surgir de um aumento da competição dos não-brancos com os brancos por
posições socialmente privilegiadas7. Neste ponto, a perspectiva de Pierson
parece se aproximar da de Costa Pinto (1952), embora o segundo argumente que há
discriminação racial. Embora minhas análises não permitam avaliar as mudanças
temporais nas chances de mobilidade, na medida em que analiso a mobilidade
apenas em um determinado momento do tempo, elas sugerem que as competições por
posições sociais hierarquicamente mais elevadas são marcadas por desigualdades
raciais, ao passo que as chances de ascensão daqueles com origens nas classes
mais baixas são inteiramente determinadas por sua posição de classe. Este
resultado indica que a desigualdade racial está presente no topo da hierarquia
de classes, mas não na base.
Estas conclusões também desafiam as teorias de Fernandes (1965) e de Hasenbalg
(1979). A idéia de Fernandes (1965) de que a desigualdade racial é uma herança
do passado seria bem representada se as análises não tivessem levado em conta a
desproporção de não-brancos e brancos na classe de origem. Esta desproporção,
que influencia as taxas brutas de mobilidade, é uma conseqüência da
desigualdade do passado que determina as chances de mobilidade do presente. No
entanto, ao controlar estas diferenças iniciais, a metodologia que utilizei
permite dizer que as formas de desigualdade racial nas chances de mobilidade
encontradas não são apenas uma conseqüência da desigualdade do passado. Não são
tampouco generalizadas como a teoria de Hasenbalg (1979) sugere, ou seja, a
idéia de que haveria desigualdade nas chances de mobilidade entre não-brancos e
brancos independentemente de sua origem de classe não é comprovada em minhas
análises. Pelo contrário, indiquei que as desigualdades raciais nas chances de
mobilidade são marcadas por diferenças significativas nas origens de classe8.
Os resultados das análises apresentadas neste artigo indicam que há necessidade
de novas sínteses teóricas sobre a relação entre classe, raça e mobilidade
social. A resposta não pode ser simplesmente a de que há ou não discriminação e
desigualdade racial nas chances de mobilidade. Este tipo de visão maniqueísta,
que parece estar presente em grande parte do debate atual, não ajuda no
desenvolvimento de novas teorias e análises sobre as relações raciais no
Brasil. Este estudo pretende ser uma pequena contribuição ao debate acadêmico.
Análises sobre o tema que incluam mudanças ao longo do tempo nas chances de
mobilidade seriam possibilidades interessantes de extensão deste trabalho.
NOTAS
1. Utilizo a categoria não-branco para enfatizar que a soma de pretos e pardos
é antes uma necessidade metodológica do que uma escolha política ou com alguma
fundamentação teórica.
2. Há casos de análise conjunta de todas as transições em um único modelo, mas
para os dados brasileiros isso ainda não foi feito.
3. Sobre este assunto, veja a crítica de Cameron e Heckman (1998) a metodologia
de Mare (1980; 1981).
4. Veja Tabela_A anexa.
5. Tendo em vista que a diferença entre pretos e pardos não é estatisticamente
significativa, ela não foi incluída neste modelo, ou seja, trabalhei com a
diferença entre brancos e não-brancos (pretos + pardos). A variável anos de
educação completos varia entre 0 e 15 anos.
6. Conclusões sobre discriminação com base em estudos estatísticos como o que
apresento neste artigo não são inequívocas. Pode haver uma série de outros
fatores que levem ao padrão de desigualdade racial que apresento aqui. Uma
alternativa interessante para estudar diretamente a discriminação são estudos
quase-experimentais. Para uma discussão metodológica a partir do caso norte-
americano, ver Pager (2003).
7. Agradeço ao parecerista anônimo de Dados por ter me alertado para estes
pontos.
8. Mais uma vez agradeço ao parecerista anônimo de Dados por me alertar para
este ponto.