Um equilíbrio delicado: a dinâmica das coligações do PT em eleições municipais
(2000 e 2004)
Desde sua fundação, em 1980, o Partido dos Trabalhadores ' PT** tem sido alvo
do trabalho de cientistas sociais ' e não só do Brasil. Entre livros, artigos,
teses e dissertações, a bibliografia sobre o PT pode ser contada às centenas1.
São muitos os motivos deste interesse. Ainda que bebendo da experiência
anterior das lutas operárias no Brasil, das organizações da esquerda marxista e
das comunidades da Igreja católica, o PT representou uma experiência nova de
organização política, diferenciada tanto pela origem social de sua liderança
quanto pela relação que buscava manter com os movimentos populares que
consistiam sua base. Conforme Haquira Osakabe (1987) disse de Luiz Inácio Lula
da Silva, o partido trazia à arena política uma "palavra imperfeita". Não
apenas porque nela introduzia, de forma inédita no Brasil, a prosódia e a
sintaxe próprias das classes populares, mas imperfeita sobretudo porque não se
prendia às fórmulas acabadas, aos modelos prontos das esquerdas tradicionais e,
muito menos, das elites estabelecidas. O discurso se alimentava da experiência
vivida dos trabalhadores e dos embates cotidianos dos movimentos sociais.
Ainda, é claro, que esta "palavra" não pudesse ser atribuída de forma homogênea
a todo o partido, devendo o sucesso de sua empreitada política à capacidade de
absorver uma enorme diversidade de correntes políticas, desde o seu início até
hoje (Oliveira, 2003).
No entanto, a trajetória do PT e de Lula é marcada pelo contínuo
"aperfeiçoamento" de sua palavra, em especial após as eleições de 1989 (Miguel,
2006). Ao deixar a posição secundária que até então ocupava no sistema político
brasileiro, como voz de grupos puristas e radicais, para se tornar a referência
central da esquerda e uma alternativa efetiva de poder, o PT mudou seu
discurso, suas práticas e seu programa. O sucesso eleitoral impôs sua pedagogia
aos petistas, que abandonaram o basismo, o antieleitoralismo, o principismo, o
sectarismo mesmo dos primeiros tempos. Em seu lugar, vieram o pragmatismo, a
moderação, a acomodação com as práticas políticas vigentes. De uma organização
que freqüentemente participava das eleições com o intuito de marcar posição e
fazer proselitismo, nasceu outra, que concorria para vencer, com todas as
implicações desta afirmação. Sob este ponto de vista, a trajetória do PT é um
caso exemplar dos constrangimentos que o campo político inflige ao discurso e à
prática política dos dominados (Bourdieu, 1979).
Dois elementos, em especial, ilustram as transformações do petismo. O primeiro
é a construção da imagem pública de Lula, sobretudo nas eleições. Do
"trabalhador igual a você" nos anos 1980, em que a especificidade e o valor da
condição operária eram afirmados com radicalidade, chega-se em 2002 ao
negociador, ao conciliador e ao líder político vitorioso, que claramente não é
"igual a você" (Rubim, 2003; Miguel, 2006). O segundo é a política de alianças.
Em 1989, o PT recusa o apoio, no segundo turno da eleição presidencial, de um
conservador respeitável como Ulysses Guimarães. Em 2002, coligado com o
direitista PL, coleciona a adesão de oligarcas como José Sarney ou Antônio
Carlos Magalhães.
Este artigo analisa a evolução da política de coligações do PT nas eleições
municipais brasileiras. Ela é intuitivamente descrita como uma progressão rumo
ao pragmatismo. No entanto, é necessário observar que o purismo petista inicial
correspondia, também, a uma resposta às oportunidades abertas pelo campo
político no momento. Pagando o preço de derrotas eleitorais nas primeiras
disputas, o PT pôde constituir uma identidade e, simultaneamente, constituir-se
como marca político-partidária, muito mais do que qualquer outra legenda
brasileira. Na hora de se abrir para a barganha, em busca de vitórias, estava
em posição vantajosa. Assim, ainda que de maneira não plenamente consciente, o
partido estabeleceu uma estratégia de longo prazo, acumulando um capital de
credibilidade que seria resgatado no momento adequado.
COLIGAÇÕES
A ampla utilização de coligações partidárias nas disputas eleitorais é uma das
características marcantes da vida política brasileira ' algo presente no
experimento democrático de 1945-1964 e que foi retomado após a redemocratização
de 1985. Uma perspectiva positiva vê nas coligações "mecanismos democráticos de
relacionamento" que ampliam a tolerância entre interesses divergentes (Favetti,
2004:1). Outra, mais crítica e possivelmente mais difundida, julga que elas
tornam ainda mais confuso, para o eleitor, um sistema partidário que já é
gelatinoso, e que, aplicadas às eleições legislativas, contradizem a
rationaleda representação proporcional (por exemplo, Tavares, 1994).
No caso das eleições proporcionais, um poderoso estímulo às coligações é que
elas facilitam a ultrapassagem do quociente eleitoral, que funciona como
cláusula de barreira. Para os cargos majoritários, as coligações são, muitas
vezes, um subproduto das alianças firmadas com vistas às eleições
proporcionais; em relação ao Poder Executivo, há a esperança de que, em caso de
vitória, os partidos apoiadores sejam contemplados com cargos na administração
pública. Os candidatos apoiados ganham com a redução do número de adversários,
com o presumido suporte dos líderes e candidatos ao Legislativo dos outros
partidos ' apenas "presumido" porque, nas condições de fraca identificação
partidária existentes no Brasil, é freqüente que militantes e mesmo dirigentes
apóiem candidatos que não são os de seu partido ' e com a ampliação do tempo de
que dispõem no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral ' HGPE na televisão e
no rádio. Importante nas disputas nacionais, estaduais e nos municípios de
médio e grande porte (que possuem emissoras em condições de transmiti-lo), o
HGPE é um "grande mecanismo de valorização das hierarquias partidárias"
(Miguel, 2004a:239), na medida em que, para a distribuição do tempo, contam
apenas as decisões formais, não o apoio real dentro de cada partido, e um dos
principais elementos da barganha na construção das coligações.
De maneira esquemática, é possível identificar duas abordagens às coligações
partidárias. A perspectiva ideológicajulga que a coligação é um instrumento que
permite que partidos que se encontram próximos uns dos outros no espectro
esquerda-direita ampliem suas chances de vitória contra adversários situados em
posição oposta2. Já a perspectiva pragmáticaacredita que os competidores com
chances reais na disputa buscam o maior número possível de apoios, não importa
de onde venham, a fim de garantir a máxima vantagem sobre seus adversários. Nas
eleições presidenciais, o PT, que em 1989, 1994 e 1998 se coligou com PCdo B,
PSB, PPS, PSTU, PV, PDT e PCB, assumindo a primeira perspectiva, teria passado
à segunda em 2002 e 2006, ao se aliar aos direitistas PL e PRB.
Mas estas abordagens são insuficientes. Em primeiro lugar, porque ideologia e
pragmatismo não explicam a variedade de comportamentos dos partidos nas
disputas eleitorais. E também porque ideologia e pragmatismo não são
características naturais de um ou outro ator político, nem opções sempre à
disposição, a serem escolhidas aleatoriamente. O comportamento diante das
possibilidades de coligação é efeito das trajetórias dos partidos no campo
político; ideologia e pragmatismo não são mutuamente excludentes e, pelo
contrário, por vezes se confundem.
A forma pela qual visões de mundo são ofertadas na disputa eleitoral é crucial
para compreender a interação entre sociedade e partidos. Como observou
Bourdieu, na prática o processo representativo é invertido. Não são os
representantes que expressam as vontades da base, mas os eleitores, reduzidos à
posição de consumidores, que devem escolher entre as ofertas a eles
apresentadas (1989:164). Assim, os partidos são os responsáveis por indicar
quais os aspectos mais relevantes à discussão política. Há que lembrar, ainda,
que, no caso brasileiro, os partidos políticos foram constituídos de cima para
baixo (Mainwaring, 2001), o que reforça o caráter reativoda opção eleitoral3.
A atitude de um partido não depende apenas dele mesmo, ela se constrói a partir
de experiências sociais e políticas de seus dirigentes, combinadas com as
regras que limitam a atividade política. Estas normas beneficiam alguns
comportamentos e prejudicam outros. O arranjo institucional brasileiro tem
privilegiado a constituição de coligações, independentemente da orientação
ideológica dos participantes. A ausência de lealdades fortes, que vinculam
parcelas do eleitorado a determinadas legendas, faz com que o ônus simbólico de
coligações ideologicamente estranhas seja, para quase todos os partidos,
reduzido.
No que diz respeito a possíveis explicações de comportamentos partidários,
Soares (1964) é pioneiro ao resumir os motivos por trás das coligações em duas
teorias. A decisão de realizar coligação dever-se-ia a um cálculo racional no
intuito de economizar recursos de mobilização. Sendo assim, haveria uma
"economia de esforços" pelos partidos, as chances de alcançar a votação
necessária para eleição aumentariam e os custos seriam repartidos entre os
participantes da coligação. Contudo, a busca pela maximização de benefícios não
ignora os custos que poderiam advir de uma aliança com grupos ideologicamente
díspares. Desta forma, haveria uma "resistência ideológica" ao determinar quais
parceiros não trariam desvantagens eleitorais.
Vários estudos tomam por base esta classificação, seja para corroborá-la ou
refutá-la4. Oliveira (1973) afirma que as inconsistências ideológicas não são
relevantes, tese contestada por Soares (2001). Souza (1976) observa que o
período 1945-64 apresenta uma reconfiguração ideológica que, apesar de
interrompida pelo golpe militar, caminhava para uma melhor estruturação do
sistema partidário, na qual a nacionalização de projetos partidários
significava o declínio das forças locais e o aumento da racionalização dos
perfis partidários para uma melhor compreensão sobre as opções políticas por
parte dos eleitores. No período pós-ditadura, esta nacionalização mantém-se,
guiada por uma força centrípeta, mesmo que parceiros no nível federal possam
ser adversários estaduais (Krause, 2005; Ribeiro, 2005).
Contrário à perspectiva de nacionalização dos partidos, Lima Júnior (1983)
afirma que o principal motivo da constituição de alianças é aumentar o apoio
local a um candidato e, com isso, impossibilitar alianças com o principal
adversário. A partir desta perspectiva, a necessidade de apoio é fundamental
para o ganho eleitoral ou político. A princípio, os maiores beneficiários de
uma coligação seriam os partidos menores, pois teriam acesso à representação no
sistema proporcional. Porém, uma série de estudos aponta para a importância de
apoio político nas eleições majoritárias. Partidos pequenos coligam-se aos
grandes em eleições majoritárias com a intenção de receber cargos e benefícios
(Lavareda, 1991; Soares, 2001), enquanto partidos grandes buscam apoio dos
menores quando a disputa está polarizada e não existe certeza quanto ao
resultado da eleição (Fleischer, 1984). Para os grandes partidos, entre os
benefícios de se coligar estaria o aumento do tempo no HGPE, uma das principais
formas de interação dos candidatos com os eleitores (Schmitt, 2005; Schmitt,
Carneiro e Kuschnir, 1999; Nicolau, 1996).
Se na maior parte dos estudos sobre coligações as investigações são calcadas na
observação sem reflexão sobre as conseqüências destas para o processo político,
alguns autores nadam contra a corrente. É interessante questionar se o papel
dos partidos políticos restringe-se apenas a vencer eleições ou está conjugado
com a representação de interesses presentes na sociedade. No segundo caso, as
coligações tenderiam a obscurecer as opções políticas e trariam irracionalidade
para o processo (Tavares, 1998)5, provocando, desta forma, distorções na
representatividade (Santos, 1987).
O PT EM 2000
Os números relativos às eleições municipais de 2000 revelam o PT em situação
nitidamente singular no sistema partidário brasileiro. Seu padrão de coligações
é único entre os grandes partidos, indicando uma postura diante das eleições em
que ocupar espaço e marcar posição ' e não só maximizar as chances de vitória '
são objetivos relevantes.
A Tabela_1 sumariza os dados gerais dos partidos nas eleições de 2000. O PT
apresenta uma capilaridade relativamente baixa, para uma legenda que, há mais
de uma década, encarnava a opção de esquerda e o discurso mudancista no país.
Disputou as prefeituras em apenas 2.732 municípios (51,9% do total de 5.263),
menos do que o PDT e pouco mais do que o PPS, para citar duas agremiações do
campo da esquerda, mas com muito menos peso no cenário nacional.
O que singulariza o PT é, em primeiro lugar, sua disposição para concorrer
sozinho às eleições municipais. Com exceção dos dois micropartidos trotskistas,
cuja presença na disputa foi mínima (o PSTU esteve presente em apenas 1,6% dos
municípios e o PCO, em 0,3%), há uma tendência amplamente dominante à
realização de coligações, o que é um efeito dos incentivos que a legislação
eleitoral brasileira dá à realização desta prática. Quase todos os partidos
estão coligados em mais de 90% das disputas de que participam; as únicas
exceções, à parte os trotskistas, são o PMDB e, sobretudo, o PT, que corre
sozinho em mais de 28% das vezes.
Existem fortes oscilações regionais. O PT saiu sozinho com mais freqüência nos
dois estados do extremo sul do país (52,2% das vezes no Rio Grande do Sul;
52,3%, em Santa Catarina), seguidos de Rondônia (48,9%) e Rio Grande do Norte
(48,8%), mas alcançou 100% de coligações em outros dois pequenos estados do
norte, Roraima e Acre.
Mas, quando se coliga, o PT de 2000 apresenta um perfil pouco destoante do
restante dos partidos. Como regra geral, quanto maior a capilaridade nacional
de um partido ' isto é, quanto maior o número de municípios em que ele
participa das eleições ', maior a porcentagem de coligações nas quais ele é o
cabeça-de-chapa (tem um candidato a prefeito apoiado por outras siglas). O
PMDB, que concorre em mais municípios, é o único a ter a cabeça-de-chapa em
mais da metade de suas coligações6; seguem-se PFL e PSDB, na faixa dos 40%, e
assim por diante. Para os 15 maiores partidos da Tabela_1, há uma progressão
monótona, com apenas duas exceções. Uma é o PC do B, que possui muito menos
cabeças-de-chapa do que seria esperado, além de ter disputado sozinho em poucos
municípios ' reflexo de sua estratégia "pragmática", que privilegia a obtenção
de cadeiras no Poder Legislativo e de postos secundários no Poder Executivo. A
outra é o PT, que é apoiado mais vezes do que o previsto, mas nada de
especialmente notável: é o cabeça-de-chapa em 27,8% das coligações de que
participa, algo como três pontos percentuais acima do que o modelo sugeriria.
Medida em termos de sucesso eleitoral imediato, a opção do PT nas eleições
municipais de 2000 mostrou-se pouco feliz. A Tabela_2 apresenta as vitórias
conquistadas pelos partidos mais importantes, definidos como aqueles que
participaram das disputas para prefeituras de pelo menos 700 cidades. As
porcentagens são calculadas sobre o total de pleitos disputados pelo partido
naquela condição (sozinho, coligado etc.), tal como indicado na Tabela_1.
Não é surpreendente que os partidos com maior capilaridade alcancem um índice
de sucesso maior nas eleições municipais, uma vez que os pequenos tendem a
estar pouco presentes nos municípios menores, com até 5 mil eleitores, onde a
disputa é menos intensa. Ainda assim, é notável que o PT mostre uma proporção
de vitórias muito inferior à das outras legendas grandes e médias; na verdade,
neste quesito, ele só está à frente dos micropartidos da extrema esquerda
(PSTU, PCO e PCB). Em relação aos grandes partidos (PMDB, PFL e PSDB), com os
quais rivalizava no cenário nacional, chama a atenção o fato de que a diferença
no sucesso petista foi maior quando concorreu sozinho e menor quando apoiou
candidatos de outros partidos. Isto é, a opção de disputar isolado ou de exigir
a cabeça-de-chapa não correspondeu a uma avaliação realista das chances de
vitória.
Além de participar de menos coligações, o PT participou de coligações menores.
Como regra, os partidos menores tendem a integrar coligações maiores ' mais uma
vez, porque concentram sua participação nos municípios grandes, em que existem
mais legendas disponíveis para integrar alianças; e também porque as alianças
para as prefeituras costumam ser reproduzidas nas listas para as câmaras de
vereadores e, sozinhos, os pequenos partidos raramente conseguem alcançar o
quociente eleitoral. Mas as coligações integradas pelos petistas são menores do
que se esperaria, reunindo, em média, 2,8 partidos, número superior apenas ao
do PSTU7. Apenas para comparação, os números são 2,9 para PMDB ou PFL; 3,1 para
PSDB ou PPB; 3,3 para PTB; 3,4 para PPS; 3,7 para PL ou PSB.
Na Tabela_3, é possível verificar quais foram os parceiros do PT em suas
coligações. À primeira vista, é notável o ecumenismo: não há legenda com a qual
os petistas não tenham, em algum município, se coligado. O PMDB é o parceiro
mais freqüente, reflexo de sua capilaridade superior, mas os dados da tabela
deixam claro que os aliados preferenciais do PT são as legendas à esquerda:
PDT, PSB, PPS e PCdo B.
As diferenças regionais, aqui também, são notáveis. No Rio Grande do Sul, o PDT
participou de 67,9% das coligações integradas pelo PT, mas o PMDB, principal
adversário local, não passou de 3,2%. Já no vizinho estado de Santa Catarina, o
PMDB, opositor das oligarquias dominantes abrigadas no PP e PFL, integrou 54,1%
das coligações do PT, número que chega a 63,6% no Paraná (certamente graças à
influência do governador Roberto Requião, que representa a esquerda do PMDB) e
a 82,7% em Tocantins, onde ambos os partidos estão na oposição ao grupo
político da família Siqueira Campos. Situações semelhantes explicam a forte
presença do PSDB no Acre (participa de 72,7% das coligações do PT) ou em
Roraima (60%), estados em que, muitas vezes, a linha divisória das opções
políticas é o apoio ou o combate ao banditismo.
O principal elemento explicado, porém, parece residir no porte dos municípios,
conforme sumarizado na Tabela_4.
Como esperado, quanto maior o município, mais as coligações se guiam por
critérios de coerência ideológica ou se vinculam às alianças políticas
nacionais. É o efeito da maior "sofisticação" do eleitorado dos grandes centros
ou, dito de outra forma, do fato de, diante de um jogo político mais complexo e
da maior distância que o separa dos líderes partidários e dos problemas em
pauta, este eleitorado tornar-se mais dependente do balizamento fornecido por
noções abstratas como esquerda e direita ou governo e oposição.
As coligações do PT com legendas ao centro e à direita no espectro partidário
estão concentradas nos municípios pequenos, ao passo que PC do B, PSB e PPS
são, de longe, os parceiros preferenciais nos grandes centros (acima de 100 mil
eleitores) e mesmo nas cidades de porte médio (entre 50 mil e 100 mil
eleitores). O PCdo B, em particular, pouco presente nos pequenos municípios
devido à baixa capilaridade de seus diretórios, é parceiro constante nas
metrópoles, refletindo sua vinculação eleitoral, já desde há alguns anos, ao
petismo, do qual tende a se tornar um satélite.
A fim de facilitar a visualização dos dados, os partidos foram alocados em três
grandes grupos ideológicos, seguindo a divisão corrente na ciência política
brasileira. À esquerda, ao lado do PT, estão PCB, PC do B, PCO, PDT, PHS, PMN,
PPS, PSB, PSTU e PV. No centro, PMDB e PSDB. À direita, PFL, PL, PPB e PTB,
além de uma miríade de micropartidos (PAN, PGT, PRN, Prona, PRTB, PSC, PSD,
PSDC, PSL, PSN, PST, PT do B e PTN). Atribuído o valor +1 para cada coligação
feita com partido de direita, 0 para coligações com partidos de centro e -
1 para coligações com partidos de esquerda, calcula-se um "índice de viés
ideológico das coligações", que é o somatório desses valores dividido pelo
número total de coligações realizadas8. Assim, o índice tem como valores
extremos +1 (correspondendo a alianças realizadas exclusivamente à direita do
espectro político) e -1 (coligações só com partidos de esquerda).
O valor médio das coligações do PT em 2000 ficou em -0,165, o que representa
uma posição ligeiramente à esquerda do centro do espectro político. No entanto,
este valor esconde profundas diferenças regionais. O coeficiente de variação
entre os estados chegou a 81,84%. O Rio Grande do Sul apresenta um índice de -
0,892, o que coloca o PT local fazendo alianças quase que exclusivamente à
esquerda; segue-se o Acre, com -0,639. Não por acaso, são (ao lado do Mato
Grosso do Sul) estados cujos governos, na época, o PT controlava. Se o perfil
do diretório gaúcho ajuda a explicar o viés à esquerda, no caso acreano é mais
plausível julgar que a presença no governo estadual contribuiu para que os
aliados tradicionais do PT se organizassem para disputar as eleições em mais
municípios. Assim, nos 22 municípios acreanos, o PCdo B concorreu em 15; o PPS,
em 14; e o PSB em 13 ' em quase todos os casos, coligados ao PT.
No extremo oposto, o Amazonas, com índice igual a +0,221, mostra um perfil de
coligações mais próximo da centro-direita. A maior parte dos estados (18 em 26)
concentra-se do centro para a esquerda, na faixa de viés ideológico situada
entre -0,4 e +0,1; é o caso de São Paulo (-0,298), Rio de Janeiro (-0,171) e
Minas Gerais (+0,046).
Quando a atenção se desloca para o porte dos municípios, fica evidente o peso
da coerência ideológica nas maiores cidades. Nos municípios com menos de 5 mil
eleitores, até por falta de parceiros disponíveis entre os partidos menores de
esquerda, as coligações do PT alcançam um índice de +0,029, quase no exato
centro. A partir daí, há um deslocamento linear para a esquerda. Nas metrópoles
com mais de 500 mil eleitores, o PT fez ao todo 47 alianças, incluindo apenas
cinco partidos de direita, o que resultou em um índice de -0,787. Mesmo nas
cidades com de 100 mil a 500 mil eleitores, o índice, de -0,508, já situa as
coligações com clareza no campo da esquerda.
Do ponto de vista do rendimento eleitoral, a abertura às coligações com
partidos de direita mostrou-se mais bem-sucedida. Enquanto o índice de viés
ideológico geral das coligações do PT é de -0,165, a média das coligações
vitoriosas fica em -0,065. Para qualquer faixa de porte do município, o índice
das coligações vitoriosas apresenta-se mais à direita, em uma diferença que não
chega a ser gigantesca, mas tampouco é desprezível, oscilando entre 0,043 e
0,193.
Um segundo índice permite apreciar outro aspecto da estratégia eleitoral do PT
nas eleições de 2000. Atribuiu-se o valor +1 para os partidos que compunham a
base de sustentação do governo federal, identificados como PSDB, PFL, PMDB, PTB
e PPB, e o valor '1 para os partidos de oposição ao governo federal (PT, PSB,
PCdo B, PDT, PV, PTN, PHS, PST, PL, PSL, PCB, PSTU, PCO e Prona). Valeu, assim,
a posição oficial de cada diretório nacional à época das eleições. Os demais
partidos, todos pequenos, sem relevância na política nacional, apresentam
posição neutra ou ambígua em relação ao governo Lula e foram excluídos da base
de cálculo9. No caso das eleições de 2000, os dois índices tendem a coincidir,
já que todos os partidos à esquerda faziam oposição ao governo de Fernando
Henrique Cardoso. Ainda assim, é de notar que o viés de oposição, nas
coligações do PT, tende a ser um pouco maior do que o viés de esquerda.
O "índice de governismo das coligações" em 2000 alcança uma média nacional de -
0,220, oscilando, nos estados, entre -0,867 (no Rio Grande do Sul) e +0,231 (em
Tocantins). A maior parte (18 dos 26 estados) fica no intervalo entre -0,1 e -
0,7. O peso do alinhamento ao governo federal na composição das coligações fica
evidente quando os municípios são divididos por porte. Naqueles com mais de 500
mil eleitores, as coligações são perfeitamente oposicionistas, alcançando o
índice de -1; mesmo quando o eleitorado fica nas faixas anteriores, o índice é
muito elevado, chegando a -0,798 (entre 100 mil e 500 mil eleitores) e a -0,675
(50 mil a 100 mil eleitores).
Como o Gráfico_1 indica, há uma forte correlação entre os índices de governismo
e de viés ideológico. O PT de 2000 situa-se claramente no lado da oposição, ao
escolher seus parceiros; e também na esquerda. As diferenças estaduais existem,
mas o único estado que ocupa uma posição claramente discrepante é o Rio Grande
do Sul, no canto inferior esquerdo do gráfico.
Com base nos dados apresentados, pode-se dizer que o PT possui, nitidamente, um
comportamento diferenciado no que se refere à estratégia partidária para as
eleições. Devido à sua capilaridade relativamente baixa, esperar-se-ia, tendo
em vista as regras eleitorais, a realização do maior número possível de
coligações para aumentar sua representação. Trata-se de um dos fatores que
favorecem a vitória de um partido, sendo que, no caso do PT, sua taxa de
sucesso ao concorrer sozinho ' 4,81% ' é bastante inferior à taxa de quando
apoiado por outros partidos ' 27,47%.
A baixa quantidade de coligações não se explica, assim, por uma lógica
eleitoral imediatista. Ela reflete uma estratégia de médio prazo, focada na
construção de uma marca político-partidária distinta, capaz de credenciar o PT
diante da fatia do eleitorado que buscava comportamentos diferenciados da
política tradicional.
O PT EM 2004
Em 2004, o PT apresentou uma capilaridade muito maior do que quatro anos antes.
Disputou as prefeituras em 4.741 municípios, um salto de 73,5% em relação às
eleições de 2000. Seus parceiros no governo federal também se fizeram bem mais
presentes; o PTB disputou em 4.261 municípios (21,4% a mais); o PL, em 3.930
(62,6% a mais); o PPS, em 3.373 (38,2% a mais); o PSB, em 2.655 (39,2% a mais);
o PCdo B, em 1.366 (88,4% a mais). Já o PMDB permaneceu praticamente estável,
até por faltar espaço para crescimento, participando das eleições em 5.088
municípios (1,6% a mais), o mesmo ocorrendo com o PSDB, presente em 4.564
municípios (5% a mais), enquanto o PFL, que disputou as prefeituras de 4.414
cidades, sofria um pequeno decréscimo (de 5,4%).
Como regra, em todo o país, o PT de 2004 mostrou-se um partido aberto a
coligações. Concorreu sozinho em apenas 737 municípios, isto é, 15,6% das
vezes, contra 28,8% em 2000. Regionalmente, as oscilações no número de
candidaturas isoladas do PT foram atenuadas, permanecendo Santa Catarina,
Rondônia e Rio Grande do Sul os estados nos quais o PT concorre sozinho mais
vezes ' 31,95%, 23,08% e 21,41%, respectivamente. Em 58,8% das vezes, o PT
sustentou chapas encabeçadas por legendas aliadas; e nos outros 25,6%, seus
candidatos foram apoiados por outros partidos. Apesar disto, ele se manteve
como o partido com menor taxa de coligações, à exceção do PCO e do PSTU.
Ocorreu um crescimento razoável do número de prefeitos eleitos pelo PT, saindo
de 187 em 2000 para 411 em 2004, um aumento de pouco mais de 100%. Mas, apesar
do crescimento, a porcentagem de vitórias do PT ainda permanece abaixo das
taxas de sucesso alcançadas pelos grandes partidos. Como se pode constatar pela
Tabela_5, enquanto partidos como PMDB, PSDB, PTB e PP mantêm uma porcentagem de
40% de vitórias sobre suas participações o PT obtém 34,1% de vitórias. Um dos
fatores que pode contribuir para esta situação é a dificuldade com que o PT
consegue obter vitórias isoladamente. Ganhou em menos de 6% das vezes em que
concorreu sozinho, contra mais de 30% do PMDB ou mais de 20% do PFL ou PSDB10.
Ao se observar o número de vitórias do PT, em conjunto com o aumento da sua
participação nas eleições municipais, constata-se haver alguma relação entre o
número de exposições à disputa eleitoral e a melhoria da taxa de sucesso
eleitoral. Algumas explicações podem ser aventadas.
A primeira é que a participação em locais não explorados politicamente ' ao
menos no que concerne ao Executivo municipal ' pode ter permitido aflorar um
apoio político potencial. A segunda deriva da posição de poder ocupada pelo PT,
uma vez que ser o detentor do Poder Executivo federal lhe possibilitou uma
mobilização de recursos muito maior do que nos anos precedentes.
Em média, o PT de 2004 aliou-se a 2,92 outros partidos para disputar as
eleições, mas existem fortes oscilações regionais. A média de coligações tende
a ser maior em estados com menor eleitorado, como Amazonas (4,93); Roraima
(4,69); Amapá (4,47); e Espírito Santo (4,61), mas atinge um número elevado
também no Rio de Janeiro (4,3). É menor nos dois estados do extremo sul, Santa
Catarina (1,55) e Rio Grande do Sul (1,85), seguidos por São Paulo (2,59). Há
indícios de que a tendência a participar de coligações maiores é influenciada
pelo zelo ideológico: quanto mais o PT procura manter sua identidade de
esquerda, menor o arco de alianças. A correlação entre o índice de viés
ideológico das coligações e o número de coligações não foi especialmente
impactante, mas tampouco é desprezível, ficando em 0,36.
No entanto, o PT ainda apresenta uma média de coligações significativamente
inferior às dos outros partidos brasileiros. Seus 2,92 estão acima apenas das
duas legendas da extrema esquerda, o PSTU (média de 0,26 coligações por
município em que disputou) e o PCO (2,52)11. Os outros micropartidos, que
buscam maximizar suas chances eleitorais e raras vezes se arriscam a disputar
sozinhos, possuem médias muito elevadas, em geral acima de 5 ou até de 6. De
fato, também em 2004, como regra geral, quanto menor a legenda, maior o número
médio de coligações realizadas. Mas é importante observar que mesmo os outros
grandes partidos ' PMDB, PSDB, PFL e PP ' apresentam médias de coligações
bastante acima do PT, girando em torno de 3,75 (ver Tabela_6). Todos eles
apresentam oscilações significativas, de estado para estado; e em todos eles,
também, os dois estados do extremo sul estão entre aqueles com as médias de
coligações mais baixas.
De volta aos dados relativos ao PT, a média de coligações tende a aumentar de
acordo com o tamanho do município, passando de um mínimo de 2,49 coligações nos
municípios com menos de 5 mil eleitores a 4,33 nos municípios com mais de 500
mil eleitores (o pico está na categoria anterior, com 4,73 coligações em média
nos municípios entre 100 mil e 500 mil eleitores). O dado reflete, em grande
medida, a maior disponibilidade de parceiros nos municípios maiores, que em
geral contam com mais partidos organizados localmente, mas também a maior
valoração da vitória nestes locais por parte da cúpula petista, que
incentivaria a formação de alianças com maior viabilidade eleitoral. Por outro
lado, as chances de êxito do PT aumentavam com a ampliação das coligações. O
partido obteve êxito em 35,4% das disputas municipais de que participou,
proporção que desce a 11,2% quando são isoladas aquelas em que disputou
sozinho. Na média, as chapas vitoriosas integradas pelo PT reuniam 4,04
partidos, ao passo que as derrotadas incluíam 2,31 legendas. O dado é mais
significativo quando se leva em conta que foi nos pequenos municípios (nos
quais as coligações tendem a ser mais restritas) que o PT obteve seu melhor
desempenho: foi vitorioso na disputa de 40,6% das prefeituras pequenas (com
menos de 5 mil eleitores) a que concorreu, contra apenas 27,8% nos municípios
maiores (com mais de 500 mil eleitores). A cobertura do programa Bolsa Família,
principal política de atendimento à população mais pobre do governo Lula, pode
ter contribuído para esta expansão do Partido dos Trabalhadores nos menores
municípios (Nicolau e Peixoto, 2007).
O arco de alianças foi eclético o suficiente para incluir todos os partidos
políticos. Mais uma vez, o parceiro mais freqüente foi o PMDB, com o qual o PT
esteve unido em 1.579 municípios, ou 33,3% daqueles em que disputou. Em grande
medida, o dado reflete a maior capilaridade do PMDB, que assim estava
disponível para alianças em mais localidades. A evolução em relação a 2000
(quando o PT se associou ao PMDB em 25,9% dos municípios nos quais concorreu),
porém, é pequena, quando se lembra que, antes, os dois partidos estavam em
lados opostos do eixo governo/oposição e, em 2004, estavam juntos. O PCdo B,
por sua vez, foi parceiro do PT em apenas 16,2% das disputas, mas estas 768
coligações correspondem a mais da metade dos municípios em que os pecedobistas
estiveram presentes.
A Tabela_7 indica a freqüência de alianças do PT com os diversos partidos da
política nacional. São significativas as coligações com legendas de oposição ao
governo (PSDB), claramente identificadas com posições de direita (PP) ou ambos
(PFL).
A comparação entre as Tabelas_3, com dados das eleições de 2000, e 7, com dados
das eleições de 2004, revela o peso do apoio ao governo Lula na política de
alianças do PT. Como é natural, os partidos maiores, presentes em mais
municípios, são parceiros mais freqüentes. Mas, entre estes, ganham peso
legendas como PTB (sétimo maior parceiro em 2000, segundo, em 2004) e PL (nono
maior parceiro em 2000, quinto, em 2004), situadas à direita, mas que
sustentavam o governo federal. Avariável ideológica permanece atuante,
sobretudo quando o foco é deslocado para as legendas de oposição, o que ajuda a
explicar o perfil diferente do PSDB, partido de centro, com o qual os petistas
se coligam mais vezes se comparado com o do PFL, de direita. A redução da
distância entre a proporção de coligações feitas com o PSDB e com o PFL, entre
2000 e 2004, é sobretudo um efeito da maior capilaridade do PT, que participou
de mais disputas por prefeituras menores, nas quais as questões ideológicas
tendem a ser irrelevantes.
Por outro lado, o comportamento das microlegendas de direita ' que antes
incluíam o PT em algo como 5% a 10% de suas coligações, proporção que passa
para cerca de 20% em 2004 ' mostra que, no governo, o partido se tornou um
parceiro mais interessante.
As oscilações regionais são fortes. As condições da política local explicam por
que, no Rio Grande do Sul, são significativamente menores as taxas de aliança
com o PFL (5,2%); o PSDB (8,6%); o PL (9,1%); o PPS (9,9%) e mesmo o PMDB
(25,1%), ao passo que desponta como parceiro preferencial o PDT (41,3%). Na
Bahia, a baixa presença de coligações com o PFL (2,2%) é compreensível à luz da
rejeição do petismo local à figura de Antônio Carlos Magalhães. O principal
elemento explicativo, porém, mais uma vez parece residir no porte dos
municípios, conforme sumarizado na Tabela_8.
Da mesma forma que, nas eleições de 2000, quanto maior o município, maior a
coerência dos parceiros, tanto em termos do perfil ideológico quanto do
alinhamento ao governo federal. Entre os partidos maiores, os aliados à direita
no governo Lula, PL e PTB, despontam como principais coligados nas grandes
cidades, seguidos pelo PSB, também da base de sustentação do governo federal,
mas à esquerda. Partidos de oposição (PSDB, PFL e PDT) simplesmente nãose
coligam com o PT nos municípios com mais de meio milhão de eleitores (embora,
em relação a 2000, seja notável a maior abertura dos petistas a coligações com
o PFL nos municípios entre 100 mil e 500 mil eleitores). Em posição
intermediária, PPS, PMDB e PP revelam as ambigüidades de sua relação com o
governo federal.
O índice de viés ideológico mostra de maneira mais sintética a evolução das
coligações do PT no espectro esquerda-direita. De um índice de -0,165 em 2000,
o partido passa para +0,052 em 2004, o que significa que a média de suas
coligações se coloca (muito) ligeiramente à direita do centro. Isto é, em 2004,
o PT optou por coligações mistas, reunindo parceiros à esquerda e à direita. A
Tabela_9 revela que, mesmo em estados considerados mais rigorosos
ideologicamente, como Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o viés à esquerda é
bastante tênue. Em apenas um estado, o Acre, o índice mostra os petistas
ancorados firmemente na centro-esquerda; e em outro estado da Região Norte,
Roraima, o viés pode ser indicado como de centro-direita. No restante do país,
o viés das coligações oscila pouco, entre -0,216 e +0,206, alcançando uma média
zero quase perfeita em São Paulo e não se afastando muito disso (com uma
levíssima inclinação mais à direita) no cômputo geral.
Com exceção de Goiás e do Amazonas, em todos os estados o PT fez em 2004 um
perfil de coligações mais à direita do que em 2000, com o deslocamento sendo
mais intenso em estados tão díspares como o Rio Grande do Sul, Rio Grande do
Norte e Amapá. A correlação entre os índices das duas eleições é alta (0,77),
mostrando que as discrepâncias se devem a composições diferenciadas das
direções petistas e a peculiaridades da política local. Nacionalmente, as
opções se tornaram um pouco mais homogêneas, com o desvio-padrão caindo de
0,267 para 0,157.
Mais uma vez, o quadro fica mais nítido quando é introduzida a variável porte
do município, conforme a Tabela_10 mostra. Embora, em todos os casos, o índice
gire em torno do zero, o PT se abre mais para coligações à direita nos menores
municípios ' e a diferença é mais relevante quando se lembra que, em boa parte
destes, as microlegendas, que são majoritariamente de direita, não se encontram
organizadas. É possível adiantar uma hipótese para explicar a propensão de
coligações mais à esquerda nos municípios de porte médio para grande (de 50.001
a 500.000 eleitores), em comparação com as metrópoles. Neles, a disputa
política já se encontra ideologizada, havendo dificuldade para a militância
aceitar alianças muito heterogêneas, ao passo que a importância do cargo não é
grande o suficiente para fazer com que incidam as pressões da direção
partidária por uma composição com maior viabilidade eleitoral12.
Um dado adicional é obtido quando se computa um índice apenas para cabeças-de-
chapa, isto é, candidatos a prefeito de outros partidos, apoiados pelo PT. No
cômputo geral, a diferença é irrisória, mas nos municípios maiores o
deslocamento à esquerda é bastante significativo. A quantidade de casos diminui
muito, já que foi grande a tendência dos petistas de apresentarem candidatos
próprios nas maiores cidades; ainda assim, os dados revelam a maior dificuldade
de nelas apoiar candidatos de direita (Tabela_11).
O índice de governo agrega informações relevantes. Para as eleições de 2004,
atribuiu-se o valor +1 para os partidos que, ao lado do PT, compõem a base de
sustentação do governo federal, identificados como PC do B, PL, PMDB, PMN, PP,
PPS, PSB, PSL, PTB e PV, e o valor -1 para os partidos de oposição ao governo
federal (PCO, PSTU, PDT, PFL, Prona e PSDB). Valeu, novamente, a posição
oficial de cada diretório nacional à época das eleições. Os demais partidos,
todos pequenos, sem relevância na política nacional, apresentam posição neutra
ou ambígua em relação ao governo Lula e foram excluídos da base de cálculo13. O
"índice de governismo das coligações" mostra uma nítida predominância de
alianças com partidos pertencentes à base do governo, em todos os estados
(Tabela_12).
O viés à esquerda e o viés governista nas coligações apresentam, como esperado,
correlação negativa, calculada em -0,48. No entanto, o peso dos fatores locais
parece predominante. O mais alto índice de governismo (+0,877) é registrado no
Acre, estado com o viés à esquerda mais pronunciado (-0,452). Mas é no Rio
Grande do Sul, estado com o terceiro maior viés à esquerda (-0,158), que se
registra o pior índice de governismo (+0,379). No Acre, sob o segundo governo
estadual petista, foram reforçadas as parcerias com PCdo B e PSB, legendas de
esquerda na base do governo Lula, que também participam da administração
petista local. No Rio Grande do Sul, por sua vez, o aliado preferencial foi o
PDT, partido de esquerda com forte penetração regional, mas que havia rompido
com a administração federal.
A Tabela_13 transfere o foco para o porte dos municípios. Naqueles com mais de
500 mil eleitores, nas eleições de 2004, é quase total a vinculação das
coligações petistas com a base de apoio do governo federal. Em apenas um caso,
uma legenda de oposição aparece coligada (o Prona, que, ao lado do PT, apoiou o
candidato do PSB à prefeitura de Duque de Caxias, município do interior do
Estado do Rio de Janeiro). Mesmo em municípios médios, a partir de 50 mil
eleitores, a predominância de coligações com outras legendas governistas é
significativa.
O contraste com as eleições de 2000 é instrutivo. Nas três faixas de municípios
com maior eleitorado, os índices de governismo das coligações de 2004
praticamente espelham os de 2000 ' isto é, o PT alia-se a apoiadores do governo
Lula tanto quanto se aliava a opositores do governo Fernando Henrique Cardoso.
O Gráfico_2 ilustra as estratégias eleitorais do PT em 2004, nos diferentes
estados, mostrando o cruzamento entre o índice de viés ideológico (eixo X) e o
índice de governismo (eixo Y) das coligações. Aparecem destacados Acre, Pará e
Rio Grande do Sul, estados em que a predominância de coligações com as siglas
mais à esquerda é mais acentuada (como, no caso do Acre, um índice de
governismo notavelmente mais elevado); e, no lado inverso, Roraima. Os 22
estados restantes formam um bloco compacto, próximo ao centro do eixo
ideológico e com índice médio-alto de governismo.
CONCLUSÕES
Os quatro anos que separam 2000 de 2004 são apenas uma parcela na trajetória do
Partido dos Trabalhadores. Um período importante, é claro, marcado pela vitória
nas eleições presidenciais de 2002 que, por sua vez, emblematiza a guinada
pragmática do partido em sua política de alianças (e, na verdade, em toda sua
perspectiva diante do processo eleitoral). De acordo com Meneguello (1989), o
momento da inflexão foi 1985, na escolha dos prefeitos das capitais e dos
antigos municípios de segurança nacional. A partir daí, o PT teria começado a
rever o impacto de seus compromissos ideológicos sobre sua estratégia
eleitoral.
Há, contudo, um marco, posterior, que é mais significativo. Em 1989, ao chegar
com Lula ao segundo turno das eleições presidenciais, o PT sentiu, pela
primeira vez, que poderia alcançar o poder, pelo voto, em curto espaço de
tempo. A partir daí, a obtenção de sucesso na competição eleitoral tornar-se-ia
o objetivo cada vez mais exclusivo do partido. A postura leninista inicial, que
via nas eleições um momento de educação política e entendia o partido como um
instrumento de intervenção permanente na vida social, aos poucos sai de cena, e
o PT se torna, plenamente, um partido eleitoral.
Mas esta conversão carrega as marcas da trajetória anterior do partido e da
posição que ocupava no campo político brasileiro. No seu estudo já clássico
sobre a social-democracia européia, Przeworski (1985) observa como a dinâmica
da competição eleitoral levou os partidos operários à diluição de sua base
social e à abertura para um discurso mais universalista. No caso do Partido dos
Trabalhadores brasileiro, o projeto inicial de ser o representante político da
classe operária foi combinado com um apelo mais amplo ' o do partido diferente
dos outros, fiel a seus princípios, afastado das barganhas escusas,
transparente diante de seus militantes e do público. Enquanto o país vivia de
escândalo em escândalo, os petistas permaneceram relativamente incólumes e
fizeram do diferencial ético o instrumento para a superação do discurso
classista inicial.
Convém lembrar que, nas democracias contemporâneas, entre elas a brasileira, os
partidos desfrutam do monopólio legal da representação política formal. Isto é,
ainda que o sistema partidário possua baixa credibilidade, que a confiança
popular nos partidos seja minguada, apenas eles podem disputar os cargos de
poder. Mas, como estes estão em concorrência entre si, um diferencial de
credibilidade representa um ativo valioso. Cada vez que este capital é
utilizado ' para avalizar uma aliança duvidosa, por exemplo ' ele se desgasta.
Trata-se, assim, de algo a ser utilizado com parcimônia, em momentos cruciais.
Entre 2000 e 2004, as coligações petistas ficaram ligeiramente maiores (de 2,8
para 2,9 partidos coligados) e se deslocaram sensivelmente para a direita (o
índice de viés ideológico passa de -0,165 para +0,052). O alinhamento no eixo
governo-oposição, no entanto, se fortalece, com o índice passando de -0,220, um
oposicionismo moderado ao governo Fernando Henrique Cardoso, para +0,513, uma
forte prevalência de coligações com parceiros do governo Lula. Nas duas
eleições, a variável mais importante é o porte do município. Quanto maiores,
maior é a preocupação com a manutenção de algum tipo de coerência ideológica e
maior é o peso do alinhamento na política nacional para a realização das
coligações.
Os dados mostram que, quanto mais o PT se flexibilizou para constituir
coligações das mais abrangentes possíveis, melhores foram os seus resultados.
Ao mesmo tempo, a flexibilidade representa a redução do diferencial do partido.
Contudo, não é possível desconsiderar o fato de que, mesmo o PT assimilando um
comportamento eleitoral parecido com os partidos políticos tradicionais, ele
ainda se apresenta como o único partido de grandes proporções a se diferenciar
na forma como encara a disputa política. Sua taxa de coligação está entre as
menores, caracterizando um comportamento desviante à regra para os partidos
brasileiros.
As coligações do Partido dos Trabalhadores revelam a complexidade de sua
estratégia. Ignorar por inteiro os incentivos que as regras eleitorais dão à
formação de alianças significaria desperdiçar sistematicamente chances de
vitória e, no limite, resignar-se a uma posição marginal permanente no campo
político brasileiro, como parece ser o caso dos micropartidos trotskistas14.
Mas aceitá-los sem ressalvas impediria a construção de um diferencial
importante aos olhos de parcelas expressivas do eleitorado e de grupos da
sociedade civil, transformando o PT em um partido igual aos outros ' como
aconteceu com o PPS, herdeiro do velho PCB.
Entre um extremo e outro, os petistas buscaram manter um equilíbrio delicado,
ampliando sua força eleitoral, elegendo mais candidatos, mas mantendo sua
identidade. O mosaico de coligações municipais mostra esta estratégia, em que a
sensibilidade às questões locais e regionais ' inevitável em um território tão
vasto e diversificado quanto o Brasil ' se combina com a manutenção de um
perfil nacional coerente e distinto. A chegada ao poder federal, com as
eleições de 2002, revelou um PT bem mais ajustado às práticas políticas
tradicionais e bem mais à direita do que sua base eleitoral histórica desejava,
mas ainda assim o partido se esforçou para (e, em alguma medida, logrou)
manter-se como diferenciado. É o que revelam os discursos de campanha, como o
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006, e também o perfil de suas
coligações.
A trajetória do PT é exemplar para o entendimento do funcionamento do campo
político brasileiro. Ajustar-se às suas imposições foi essencial para o sucesso
do partido, mas um ajuste demasiado perfeito o jogaria numa vala comum que o
impediria de aproveitar diferenciais potencialmente valiosos. O resultado
líquido, sob a perspectiva da busca da transformação social, foi a redução
drástica da radicalidade do projeto petista. O que ilustra, mais uma vez de
forma exemplar, o caráter tradicional das estruturas de nosso campo político.
NOTAS
1. Dentre estes estudos é possível citar Azevedo (1995), Couto (1995; 1998),
Keck (1991), Lacerda (2002), Meneguello (1989), Novaes (1993) e Oliveira
(2003).
2. Faz-se aqui uma adaptação da idéia de "coalizão de amplitude [ideológica]
mínima", apresentada por Lijphart (2003:119) em sua tipologia das coalizões
parlamentares. Ao contrário do Parlamento, em que se conhece o peso de cada
partido e, portanto, quão mínima pode ser a amplitude, na disputa eleitoral é
impossível determinar em quantos votos cada apoio se traduz.
3. O que surpreende, no caso do PT, é o fato de ser o único partido constituído
no período pós-ditatorial que foi produto de uma organização social e manteve
laços estreitos com suas bases durante boa parte de sua existência.
4. As afirmações de Soares são refutadas por Oliveira (1973) e Santos (1987),
enquanto são aceitas e retrabalhadas por Souza (1976), Sousa (1996), Lima
Júnior (1983; 1993), Lavareda (1991), Fleischer (1984), Figueiredo (1994) e
Schmitt (1999).
5. O estudo de Soares (1964) aborda a racionalidade do ponto de vista do
partido. Contudo, ignora a constituição da intenção de voto pelo eleitor. Ao
chamar de racional a ação partidária movida pelo fim de se eleger, retira-se da
discussão a perspectiva do eleitor: como ele encara a organização partidária e
percebe as opções a ele oferecidas no momento da eleição.
6. Não custa reforçar que, neste momento, o universo é dado pelas coligações,
isto é, excluídos os municípios nos quais o partido disputou sozinho.
7. Os números do outro partido trotskista, o PCO, chamam a atenção ' ele teria
se coligado apenas em três ocasiões, mas a média chegaria a 6,3 partidos por
coligação. É possível que exista um erro na base de dados do Tribunal Superior
Eleitoral ' TSE, sobretudo porque as coligações, sempre em pequenos municípios
do interior, envolvem legendas de direita, incompatíveis com o perfil
ideológico do PCO.
8. O índice foi desenvolvido em trabalho anterior (Miguel, 2004b).
9. Caso fossem incluídos, com valor 0, a diferença nos resultados em geral se
situaria na segunda casa decimal.
10. A maior parte das vitórias sem coligações, para qualquer dos partidos,
ocorre nos municípios de pequeno porte, com menos de 5 mil eleitores. Em
relação aos outros, porém, o PT apresenta uma proporção maior de vitórias em
municípios um pouco maiores, com 10 mil a 50 mil eleitores.
11. Dado o perfil ideológico do PCO, a média de coligações parece alta, assim
como chamam a atenção algumas de suas alianças, em municípios pequenos, com
partidos à direita no espectro político. Não deve ser descartada, também para
2004, a possibilidade de erro nos dados do TSE.
12. As coligações vitoriosas integradas pelo PT têm viés ligeiramente mais à
direita do que as derrotadas (+0,093 e +0,012, respectivamente). A regra vale
para qualquer porte de município.
13. Caso fossem incluídos, com valor 0, a diferença nos resultados em geral se
situaria na segunda casa decimal.
14. Mas esta marginalização não é sentida como especialmente danosa para
partidos com estratégia preferencial extra-eleitoral, como é o caso de PSTU e
PCO.