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BrBRHUHu0011-52582009000200002

BrBRHUHu0011-52582009000200002

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0011-5258
Year2009
Issue0002
Article number00002

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Caminhos para o parlamento: candidatos e eleitos nas eleições para deputado federal em 2006

Quando dizemos que os eleitores "escolhem" seus representantes, estamos utilizando uma linguagem muito inexata. A verdade é que o representante se faz escolher pelo eleitor [...]. Para que seu voto tenha de fato alguma eficácia [...], cada eleitor é forçado a limitar sua escolha a um leque muito estreito, em outras palavras, a escolher entre duas ou três pessoas que têm alguma chance de vencer, e os únicos que têm alguma chance de vencer são aqueles cujas candidaturas são apoiadas por grupos, por comitês, por minorias organizadas (Mosca, 1939:154; tradução dos autores).

Este artigo parte do pressuposto de que é preciso levar em conta as características das elites políticas para se compreender adequadamente o funcionamento dos sistemas políticos. Se por um lado aceitamos que o contexto institucional é importante para explicar os outputsde um determinado sistema político, por outro pensamos ser plausível supor que a natureza dos atores politicamente estratégicos que "manejam" as instituições também deve ser levada em consideração1. Se as regras do jogo são importantes, os jogadores também o são. Partindo-se desse pressuposto, um estudo sobre o processo de recrutamentodas elites políticas poderia contribuir para melhor compreender o funcionamento da poliarquia brasileira2.

Mas o que seria um estudo sobre recrutamento? Em geral, no Brasil, as pesquisas que se identificam como estudos de recrutamento são, na verdade, análises do perfil socioeconômico e profissional dos que "chegaram ", isto é, dos ocupantes dos postos mais importantes do sistema político brasileiro (Fleischer, 1981; Love, 1982; Love e Barickman, 1991; Miceli, 1991; Marenco dos Santos, 1997; 2001; Braga, 1998; Santos, 2000; 2003; Rodrigues, 2002; Marenco dos Santos e Serna, 2006; Rodrigues, 2006; Messenberg, 2006).

Estudos sobre "recrutamento político", no entanto, precisam analisar todos os filtros 3 que configuram o processo seletivo de uma elite política. Nesse sentido, não é suficiente apresentar um perfil dos vitoriosos e, a partir das suas características, produzir inferências sobre que grupos sociais são prejudicados ou privilegiados no longo caminho até as posições de elite. Ao traçar o perfil da elite política brasileira, é possível, por exemplo, constatar a baixa presença de mulheres nesse grupo. Contudo, isso, por si , não nos autoriza a dizer que as mulheres foram excluídasdo grupo, pois elas simplesmente podem não se candidatar a essas posições4. Por essa razão, um verdadeiro estudo sobre recrutamento deve dar conta não apenas das características dos eleitos, mas também das características dos membros dos partidos políticos, dos que buscam ser candidatos e dos que efetivamente são indicados como tais, comparando-as com os atributos da população em geral. Somente assim é que poderemos acompanhar, passo a passo, o processo que seleciona os que, por fim, ocuparão os postos de elite e, dessa forma, poderemos ver que grupos sociais simplesmente não se lançam na atividade política, quais buscam a carreira política, mas são dela alijados, e quais se encontram sobrerrepresentados na elite política (Norris, 1997, em especial o cap. 9).

A literatura internacional sobre recrutamento das elites políticas nas democracias tem sugerido que a análise deve começar pelo estudo do processo seletivo dentro dos partidos políticos, que essas seriam as principais instituições por meio das quais teria início o processo de recrutamento. Nos partidos, ocorreria a "filtragem" por meio da qual o amplo universo de "selecionáveis" seria reduzido, pelos "seletores" partidários, a um universo bem menor de aspirantes e candidatos5. Essas instituições seriam, assim, os principais "canais" ou as principais "avenidas" de acesso às posições de elite (Putnam, 1976; Giddens, 1974). No Brasil, esse tipo de estudo se faz ainda mais premente, que, aqui, estar filiado a um partido é condição sine qua nonpara candidatar-se a um cargo eletivo. Saber quem são e como opera mas minorias organizadasque controlam o processo seletivo dentro dos partidos nos parece fundamental para identificar a natureza do leque de opções colocado à disposição do eleitorado e, por conseguinte, o tipo de elite política que finalmente será "escolhida" pelo eleitor para operar o sistema político (Siavelis e Morgenstern, 2004). No entanto, pouquíssimos estudos sobre o recrutamento político dentro dos partidos brasileiros, e os existentes são ainda muito preliminares6.

O objetivo deste artigo é, primeiramente, analisar um dos filtros do processo seletivo das elites políticas (o quarto filtro indicado na nota 3) por meio da comparação entre o perfil dos candidatos a deputado federal nas eleições de 2006 e o dos que foram efetivamente eleitos. O perfil será formado a partir das seguintes variáveis: idade, sexo, ocupação, escolaridadee gastocom acampanhaeleitoral. Em segundo lugar, analisaremos se é possível encontrar diferenças e semelhanças entre os partidos políticos de direita, centro e esquerda no que diz respeito às características dos candidatos e eleitos. A nossa hipótese é que, nos partidos de todas as posições ideológicas, especialmente nos de esquerda, as variáveis propriamente políticas são mais importantes para explicar o sucesso eleitoral7.

O nosso estudo é de natureza quantitativa8 e, por essa razão, sofre das limitações inerentes a esse tipo de abordagem. Primeiramente, é preciso chamar a atenção para a qualidade das informações fornecidas pelos candidatos e a impossibilidade de checá-las adequadamente9. Em segundo lugar, o tipo de análise que fazemos neste artigo pouco ou quase nada revela sobre os processos que caracterizam "os jardins secretos da política partidária", que, para tanto, métodos qualitativos, como entrevistas em profundidade com os envolvidos no processo de seleção de candidatos, seriam necessários e mais adequados (Gallagher e Marsh, 1988:7). A análise quantitativa por si não permite desvendar a natureza e o funcionamento dos procedimentos internos aos partidos e os seus efeitos sobre o perfil dos aspirantes, candidatos e eleitos. Por exemplo, o fato de um indivíduo possuir curso superior ser um atributo que aumenta as suas chances de se tornar candidato e de obter sucesso eleitoral não quer dizer, por si mesmo, que os seletores partidários busquem conscientemente pessoas com alto nível de escolaridade. Esse fato pode indicar apenas que pessoas com melhor formação escolar, pelas habilidades que dominam, se sentem mais capazes para seguir uma carreira política (ibidem:256). Valendo-nos de uma linguagem mais sociológica, o modo de conversão de um capital (escolar) em outro (político) não pode ser desvendado apenas pela análise quantitativa.

Nesse sentido, os dados que apresentamos para caracterizar o universo doscandidatos e dos eleitos nos diferentes partidos não autorizam qualquer afirmação peremptória sobre o modo de funcionamento do processo seletivo no interior dessas instituições. O que eles sugerem, na verdade, é uma questão de pesquisa, qual seja, saber se tais características estão de alguma maneira vinculadas ao funcionamento do processo de recrutamento realizado pelos partidos e às crenças dos seletores partidários, questão esta que, como dissemos, poderia ser respondida lançando-se mão de outros métodos de pesquisa. Além disso, em virtude da escassez ou da simples inexistência de informações sobre outros períodos, os dados aqui apresentados não são longitudinais, o que impossibilita a generalização dos nossos achados para outros períodos da história brasileira recente. Ainda assim, neste artigo, trabalhamos com problemas de pesquisa que talvez possam inspirar outras análises com objetivos semelhantes e, dessa forma, contribuir para o avanço dos estudos de recrutamento - no sentido amplo - da elite política na poliarquia brasileira.

O PERFIL DOS CANDIDATOS E DOS ELEITOS NAS ELEIÇÕES DE 2006 Passemos à comparação entre as características do universo dos candidatos a deputado federal nas eleições de 2006 e as características dos indivíduos que obtiveram sucesso eleitoral. Trata-se de saber se o processo político-eleitoral produz algum tipo de viés no que diz respeito à representação de determinados grupos no universo dos eleitos. Poder-se-ia observar que o único filtro existente nesse momento é o filtro eleitoral ou a "vontade do eleitor". No entanto, isso implicaria não dar a devida importância à citação de Mosca que encima este artigo. É sabido que a força de um candidato depende, em grande parte, do apoio das "minorias organizadas" que controlam os partidos políticos.

Nesse sentido, o momento da eleição pode ser, sim, também considerado um filtro que opera a favor de uns e em detrimento de outros em função das relações de força dentro dos partidos10.

Um dos mais interessantes resultados quando comparamos o universo dos candidatos a deputado federal de 2006 ao universo dos que foram eleitos diz respeito à variável ocupação, como se pode perceber pela Tabela_1 a seguir.

Se fizermos uma distinção simples entre grupos representados (i.e., cujo percentual no universo de eleitos é próximo do percentual no universo de candidatos), sub-representados e sobrerrepresentados, veremos que os funcionários públicos, os assalariados urbanos e os comerciantes são grupos sub-representados. Esses dados reforçam os achados de vários estudos sobre elites políticas. Por exemplo, em geral, esses estudos mostram que quase não trabalhadores manuais nas elites políticas das democracias ocidentais. Quando um partido da classe operária surge e se consolida, uma forte tendência inicial para que essa categoria se faça mais presente na elite política. Porém, com o passar do tempo, mesmo esses partidos acabam sendo dominados pelas classes médias profissionalizadas. O maior exemplo quanto a esse ponto é, certamente, o Partido Trabalhista inglês (Guttsman, 1965; Ranney, 1965).

No entanto, pode-se depreender da Tabela_1 que um dado contraria outro achado recorrente desses mesmos estudos, qual seja, a presença quase certa de funcionários públicos em alguns parlamentos ocidentais (Offerlé, 1999; Guttsman, 1965; Cayrol e Perrineau, 1982; Daalder e Van Berg, 1982). Os funcionários públicos, pela intimidade com as questões do Estado, pelo nível razoavelmente alto de escolaridade, pela possibilidade de, em caso de derrota, terem a garantia de um emprego fixo e, por fim, pelo tempo livre de que dispõem para se dedicar à atividade política, são, em geral, presença garantida nos parlamentos. No caso em análise, eles são um dos mais importantes contingentes no universo dos candidatos, mas, ao menos para essa eleição, não foram bem- sucedidos na sua tentativa de entrar no universo dos eleitos.

Entre os grupos representados estão os advogados e os empresários. Ainda que tenha ocorrido uma pequena diminuição no percentual dessas categorias ocupacionais, ela não foi tão grande a ponto de classificá-los entre os excluídos. Quanto a essas categorias, não novidades. Advogados e empresários (mais os primeiros do que os segundos) são grupos ocupacionais encontrados com alguma frequência nos parlamentos do mundo (Offerlé, 1999; Dogan, 1999; Guttsman, 1965; Fernández, 1970; Rodrigues, 2002).

Os dados mais interessantes se referem aos que são francamente sobrerrepresentados: os médicos, os engenheiros e, acima de todos, os políticos. O percentual de médicos quase dobra e o de engenheiros, mais do que dobra. Com relação aos engenheiros, Santos (2003:118-122) sugere que a maior presença desses profissionais na elite política nacional vem ocorrendo desde o golpe de 1964, quando o recrutamento político foi influenciado pelo viés tecnocrático dos governos militares. As eleições de 2006 sugerem que esse processo não foi revertido.

Contudo, nenhum deles tem presença tão expressiva no grupo dos eleitos quanto os próprios políticos. Observe-se que estes revelam uma diferença significativa até mesmo entre o universo de candidatos e o de não eleitos (percentuais entre parênteses). Isso sugere que o mais importante atributo para passar da condição de candidato à de eleito consiste em ser ou ter sido político11. Assim, quando analisamos os dois universos acima a partir da variável ocupação, começamos a perceber que a inclusão de alguns candidatos entre os eleitos tem muito a ver com a sua inserção prévia na vida política12. Ou seja, parece que o capital político amealhado pelo indivíduo é mais decisivo para que ele seja eleito do que o seu sexo ou a sua atividade profissional anterior à entrada na política.

Com relação ao sexo e à escolaridade, os dados estão resumidos na Tabela_2 a seguir.

No que diz respeito ao sexo dos candidatos e dos eleitos, alguns estudos têm mostrado que, em geral, o percentual de mulheres eleitas reproduz o percentual de candidatas. Esse não parece ser exatamente o caso apresentado pelos nossos dados, que houve uma redução de quatro pontos percentuais entre os dois universos13. De qualquer forma, a diferença está longe de se equiparar àquela encontrada entre a presença das mulheres na PEA (43,7%, segundo a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio - PNAD 2006) e no universo de filiados14,de um lado, e a presença de mulheres no universo de candidatos, de outro. Esses dados, portanto, reforçam a tese de que a exclusão das mulheres da vida política não ocorre apenas no interior dos partidos, mas também, e principalmente, fora deles.

Os dados da Tabela_2 sugerem, sobretudo, o peso da escolaridade como elemento de diferenciação entre os candidatos e os que foram eleitos para a Câmara dos Deputados em 2006. A diferença no nível de escolaridade entre os integrantes dos dois universos é gritante. Confirmam-se, assim, também para esse caso, os achados produzidos pela esmagadora maioria dos estudos sobre elites políticas, os quais mostram que a educação superior se constitui numa das mais importantes credenciais para se ter acesso aos postos de elites nas democracias ocidentais.

No que tange à relação entre, de um lado, eleitos e não eleitos (e não candidatos) e, de outro, gastos de campanha e idade15, pudemos perceber uma correlação altamente significativa, obtendo-se sig=0,000 para ambas e gamma de 0,30 e de 0,21, respectivamente16. No entanto, quando realizamos o teste t para essas duas variáveis, utilizando como variável agrupadora os não eleitos e os eleitos, percebemos que os dados são claros no que diz respeito à idade, que se obtém sig<0,05, indicando uma diferença nas médias entre os grupos com relação a esse item. O teste, porém, revela resultados negativos para gastos de campanha, o que nos impede de concluir pela existência de uma diferença significativa entre as médias dos dois grupos quanto a esse ponto. Todavia, como veremos adiante, diferenças significativas aparecerão quando analisarmos os eleitos e os não eleitos pelas diversas posições no espectro ideológico17.

A fim, portanto, de melhor avaliar o impacto das variáveis em questão nas chances de sucesso eleitoral, elaboramos um modelo de regressão logística binária18, cujos resultados podem ser vistos na Tabela_3.

Como podemos perceber pelo modelo proposto anteriormente, ter mais de 40 anos e ser homem não são variáveis que afetam significativamente as chances de sucesso eleitoral, a menos para o caso em questão. Entre as variáveis que afetam as chances de sucesso eleitoral, algumas despertam muito a atenção.

Antes de tudo, os dados são contundentes ao mostrar o impacto de variáveis propriamente políticas no sentido de aumentar a possibilidade de um candidato tornar-se um deputado federal. Ser político profissional e, em especial, ser deputado aumenta muito as chances de sucesso eleitoral. Ser deputado aumenta em quase vinte vezes a possibilidade de um candidato vir a ser eleito19. Mas não . O pertencimento a alguns partidos políticos, em especial aos de centro, também produz impactos significativos nas chances de ser eleito. Todos os partidos foram incluídos no modelo, mas apenas os que deram resultados significativos foram apresentados na tabela anterior. Observe-se que os partidosque revelaram nãoser importantes para aumentar as chances do sucesso eleitoral dos seus candidatos são exatamente aqueles de pequeno porte, pouco organizados ou de pouco tempo de vida, enfim, partidos de parcos recursos organizacionais, como PPB, PSTU, PSL, PTN, PCB, PSDC, PCO, PV, PSOL, Prona, PTdoB. Ao contrário, partidos consolidados no cenário nacional, fortemente organizados e com alta capacidade de controlar recursos governamentais são fundamentais para o sucesso eleitoral dos seus candidatos, como PT, PMDB, PFL, PSDB e PC do B. Esses dados sugerem que os partidos são algo mais do que simples siglas utilizadas pelos candidatos como pré-requisito para entrar na competição eleitoral.

As informações sobre gastos de campanha ajudam a reforçar a tese de que os partidos são mais importantes para o sucesso eleitoral de um candidato do que pensam alguns autores. Mesmo que os candidatos se dediquem prioritariamente a conseguir recursos financeiros para as suas campanhas políticas e o façam de maneira acentuadamente individualista, como sugere Samuels (2002; 2004), vemos, por meio dos dados, que o volume de gastos de campanha nem de longe se equipara em importância para o sucesso eleitoral ao fato de o candidato pertencer a determinados partidos políticos20. Vale observar que os dados relativos à eleição para deputado federal em 2006 são corroborados pelas análises de Pereira e Rennó (2001) feitas para as eleições de 1998, que revelam o impacto limitado (quase nulo) dos gastos de campanha sobre as chances de reeleição do candidato. Como sugerem esses autores, talvez o mais importante não seja tanto o volume global de dinheiro investido na campanha, mas o modo como os recursos financeiros são gastos.

Por fim, é interessante observar como alguns condicionantes não políticos podem contribuir para aumentar as chances do sucesso eleitoral. Incluímos no modelo várias profissões. Entre elas, algumas se mostraram inócuas com relação à possibilidade de aumentar as chances políticas dos candidatos: surpreendentemente, advogados, funcionários públicos e profissionais da área de comunicação, sempre tão presentes nos estudos sobre elites políticas, revelaram-se, para esse caso, incapazes de aumentar as possibilidades de o candidato ser eleito, assim como assalariados urbanos e profissionais da educação. Ao contrário, engenheiros, médicos, economistas e, sobretudo, produtores rurais mostraram-se importantes para o aumento das possibilidades de um candidato ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados. Além das profissões, ter curso superior aumenta em mais de duas vezes as chances de o evento em questão (ser eleito) ocorrer. Contudo, vale lembrar que essas variáveis societais nem de longe produzem o mesmo impacto nas chances de sucesso eleitoral que as variáveis propriamente políticas.

OS CANDIDATOS, OS ELEITOS E OS PARTIDOS A partir de agora pretendemos saber como as variáveis analisadas anteriormente se distribuem para cada um dos grupos (candidatos e eleitos) entre os partidos de direita, centro e esquerda. À medida que a exposição dos nossos argumentos for avançando, faremos algumas observaçõesmaisaprofundadassobre partidos paradigmáticos das três posições do espectro ideológico.

Valendo-nos dos critérios utilizados pela literatura (e do senso comum político-ideológico), fizemos a seguinte agregação: partidos de direita - PRB, PP, PTB, PSL, PTN, PSC, PL, PFL, PSDC, PRP, Prona, PT do B; partidos de centro - PMDB e PSDB; partidos de esquerda - PDT, PT, PSTU, PCB, PPS, PCO, PSB, PV, PSOL, PCdoB. Por falta de informação, alguns partidos foram classificados como "indefinidos", sendo esse o caso do PAN, do PRTB, do PHS, do PMN e do PTC21.

Alguns autores utilizam uma classificação mais detalhada, incluindo outras categorias, como centro-esquerda, centro-direita, extrema esquerda e extrema direita. Acreditamos que essa classificação se mostra mais útil quando se trata de captar a posição ideológica autodeclarada de alguns indivíduos, que permite ao entrevistador apresentar a questão do modo mais flexível ao respondente, evitando, assim, uma rejeição à pergunta. No entanto, cremos que o uso de todas essas categorias (o que levaria a um espectro ideológico de sete posições) para fazer uma distribuição ideológica dos partidos políticos no Brasil seria de pouca utilidade. Na verdade, quanto mais diversificadas forem essas categorias, mais precisa deve ser a distribuição dos partidos no espectro ideológico. Contudo, por mais que a literatura tenha apontado para a existência de certa coerência ideológica nos nossos partidos (Figueiredo e Limongi, 2001; Rodrigues, 2002), acreditamos que seria um exagero atribuir ao sistema partidário brasileiro tamanha definição com relação a esse ponto.

Os Partidos e os seus Candidatos Quando cruzamos as variáveis analisadas no item anterior com o espectro ideológico dos partidos, todos os cruzamentos se mostraram estatisticamente significativos22. No que diz respeito às ocupações, os dados parecem acompanhar conclusões de Leôncio Rodrigues, para quem os partidos brasileiros - ao menos os principais - possuem uma composição social razoavelmente padronizada (ver tabela_no_Anexo).

Os partidos de direita têm os maiores percentuais de advogados, comerciantes e trabalhadores da área de comunicação; os partidos de centro, os maiores percentuais de empresários, políticos profissionais, engenheiros, economistas e outras profissões com formação superior; os partidos de esquerda, os maiores percentuais entre bancários, professores de ensino superior, trabalhadores assalariados urbanos, médicos, funcionários públicos e trabalhadores da educação. No entanto, os dados indicam que nenhuma posição no espectro ideológico revela uma marca social inequívoca. O que encontramos, ao analisarmos os partidos de forma agregada, são tendências a uma posição social mais elevada nos partidos de direita e de centro e uma tendência a posições sociais médias e baixas nos partidos de esquerda.

O retrato adquire uma resolução um pouco maior quando analisamos alguns partidos separadamente. Por exemplo, no PFL, no PP e no PL, encontramos os maiores percentuais de empresários (7%, 11,9% e 9%, respectivamente) e profissionais liberais, notadamente médicos e engenheiros (9,6%, 12% e 6,2%).

Na esquerda, o quadro muda substancialmente. No PT, no PSTU e no PSOL, temos os mais altos percentuais de candidatos funcionários públicos (8%, 33,3% e 25,9%, respectivamente). A discrepância nesses percentuais se explica, sem dúvida, pelo afastamento do PT com relação ao funcionalismo público depois de ter assumido o governo e promovido uma série de reformas que desagradaram a categoria que historicamente apoiou o partido. Os três partidos contam também com uma presença significativa de trabalhadores da educação: 8,9%, 25,9% e 6,3%. Por fim, os partidos de centro, PMDB e PSDB, contam com percentual alto de candidatos empresários (11,5% e 8,7%), médicos e engenheiros (6,7% e 8,7%).

Duas categorias ocupacionais fornecem dados interessantes. Primeiramente, os advogados estão significativamente presentes nos principais partidos, com percentuais que variam de 8,6% no PTB a 14,3% no PPS. O que impressiona com relação a esses dados é que são poucas as profissões que atingem percentuais tão altos dentro dos partidos. Os advogados, portanto, continuam sendo um dos mais importantes viveiros para ativistas políticos (não necessariamente bem- sucedidos eleitoralmente), como lembra Dogan (1999). Em segundo lugar, exceto nos casos do PDT, do PSC, do PPS e do PV, em todos os outros partidos os políticos constituem a categoria ocupacional com o maior percentual. Os três maiores são: o PMDB, com 23,5% dos seus candidatos declarando-se políticos; o PFL, com 23,3%; e o PT, com 22,9%. Desse modo, os políticos compõem não a maioria do universo dos candidatos em todos os partidos mas também, de longe, conquistam a maioria das vagas entre os eleitos (ver Tabela_4). Desse modo, por mais que os partidos tenham aberto a sua lista à participação de indivíduos oriundos das mais diversas profissões (ainda que predominantemente dos estratos médios da sociedade), os dados de 2006 apontam para um domínio acentuado por parte daqueles que são os profissionais do campo. Lembre-se de que isso ocorre mesmo com o fim da "candidatura nata" para ocupantes de cargos eletivos, decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2002.

Com relação ao sexo, ainda que as diferenças sejam pequenas, percebe-se que os partidos de esquerda e de centro têm mais candidatas do que os partidos de direita: 13,5%, 13,1% e 10,7%, respectivamente. No que diz respeito à escolaridade, as três posições ideológicas têm a maioria dos seus candidatos entre os que possuem título superior, mas os partidos de centro e de esquerda apresentam um percentual significativamente maior de candidatos nessa faixa de escolaridade, 67,2% e 56,7%, respectivamente, contra apenas 48,4% nos partidos de direita.

Para idadee gastos de campanha, fizemos novamente um teste t, que agora dividindo entre as posições ideológicas direita, centro e esquerda.

Inicialmente, comparamos os candidatos de direita com os de centro, em seguida os de direita com os de esquerda e, por fim, os de esquerda com os de centro.

Na comparação entre os candidatos de direita e centro, os resultados são significativos para idadee gastos de campanha(ambos sig=0,000). Na comparação entre direita e esquerda, a diferença é significativa para idade(sig=0,001).

Comparando-se a esquerda com o centro, as diferenças são significativas para as duas variáveis, especialmente para idade(sig=0,000); no que diz respeito a gastos de campanha, a significância é menor (sig=0,04). Resumindo, os resultados do teste t indicam que os candidatos de direita, centro e esquerda são efetivamente diferentes. Direita, esquerda e centro são diferentes no que diz respeito à idade; direita e esquerda, por um lado, e centro, por outro, são efetivamente diferentes no que se refere a gastos de campanha.

Os Partidos e os Eleitos É preciso saber agora quais são os grupos de candidatos que têm a sua representação mantida, aumentada ou diminuída entre os eleitos dos partidos de direita, centro e esquerda. Os resultados aqui também foram estatisticamente significativos23.

Com relação à ocupação de candidatos e eleitos nas diversas posições ideológicas, os dados revelam aspectos interessantes acerca da representação dos grupos sociais nos dois universos, como revela a Tabela_4.

Comecemos pelas uniformidades. Observando a Tabela 4, percebemos que grupos representados, sub-representados e sobrerrepresentados nas três posições ideológicas. O primeiro deles é constituído pelos advogados, que, como vimos desde o início deste artigo, têm sua presença monotonamente repetida em todos os universos analisados. O mesmo ocorre com os profissionais de economia e administração. Desse modo, advogados e economistas parecem ser profissionais necessários a qualquer partido, independentemente de sua posição no espectro ideológico. Entre as categorias ocupacionais sub-representadas em todas as posições ideológicas estão os comerciantes, os funcionários públicos e os assalariados urbanos. Entre os sobrerrepresentados em todas as posições ideológicas encontramos apenas uma categoria: a dos políticos profissionais.

Vimos, portanto, que os políticos não representam apenas um alto percentual entre os candidatos mas também um alto percentual entre os eleitos em qualquer que seja a posição ideológica analisada. Esses dados, ainda que válidos apenas para 2006, reforçam a tese de que tem ocorrido uma crescente profissionalização da política, o que faz com que os políticos de profissão tenham grandes vantagens na luta por um cargo. Entre elas, talvez a principal, como lembra Mosca (1939), seja o apoio preferencial das minorias organizadas que controlam os partidos políticos, das quais, aliás, provavelmente façam parte25.

Se observarmos as especificidades, perceberemos o seguinte: na esquerda, estão representados os bancários/economiários e os professores de ensino superior; na direita, os empresários (que estão sub-representados nas outras duas posições do espectro ideológico); os engenheiros encontram-se sobrerrepresentados nos partidos de direita e de centro e representados nos partidos de esquerda; os médicos, sobrerrepresentados na direita e na esquerda, assim como os produtores agropecuários26. Nos partidos de centro, os médicos estão entre os eleitos quase na mesma quantidade em quese encontram entre os candidatos. Os trabalhadores de comunicação estão representados nos partidos de direita.

Quando olhamos os dados para sexo, percebemos que em todas as posições do espectro os eleitos são esmagadoramente homens. Mais do que isso, percebemos que em todas as posições o número de eleitas diminui com relação ao número de mulheres que se lançaram como candidatas. Entre os partidos de direita, 10,7% eram candidatas e apenas 6,1% dos eleitos eram mulheres; nos partidos de centro, os números são, respectivamente, 13,1% e 7,7%; para os partidos de esquerda, 13,5% de candidatas e 11,6% de mulheres eleitas. Apesar das semelhanças, percebe-se que é entre os partidos de esquerda que a sub- representação feminina é menor, sendo a diferença entre o universo de candidatas e de eleitas de apenas 1,9 ponto percentual. Entre os partidos de direita e de centro essa diferença éd e 4,6 e 5,4 pontos percentuais, respectivamente.

Os dados sobre escolaridade revelam que o grupo dos que possuem ensino superior completo é largamente sobrerrepresentado, se comparado ao universo dos candidatos, em todas as posições do espectro ideológico. Como vimos, entre os partidos de direita, 48,4% dos candidatos tinham ensino superior completo, sendo que, entre os eleitos, esse percentual sobe para 78,7%; para os partidos de centro, os percentuais são 67,2% e 85,2%; para os partidos de esquerda, 56,7% e 78,6%, respectivamente. Enquanto no universo dos candidatos um desnível significativo entre os percentuais de indivíduos com curso superior, entre os eleitos os números quase se igualam, havendo apenas uma diferença de aproximadamente 6,6 pontos percentuais entre os partidos de direita e esquerda, de um lado, e os partidos de centro, de outro.

No que diz respeito à comparação entre eleitos e não eleitos por posição ideológica, levando-se em consideração gastos de campanhae idade, fizemos novamente, para uma descrição mais adequada dos grupos, um teste t. Podemos perceber que somente na direita a diferença entre eleitos e não eleitos é significativa para gastos de campanha(sig=0,000), corroborando o que vimos nas medidas de associação. No centro, na direita e na esquerda, encontramos diferenças significativas entre eleitos e não-eleitos no que se refere à idade (sig=0,000 para centro e direita; sig=0,002 para esquerda). Ou seja, nos partidos de centro e nos partidos de esquerda, os grupos de eleitos e não eleitos não são significativamente diferentes no que diz respeito a gastos de campanha.

Assim como fizemos anteriormente, resolvemos aplicar um modelo de regressão com as mesmas variáveis preditoras a fim de avaliarmos o seu impacto sobre a chance de ser eleito em cada uma das posições ideológicas. Os resultados podem ser vistos na Tabela_5 a seguir.

Vejamos, primeiramente, aquelas que não afetam as chances de os candidatos serem eleitos nas três posições do espectro ideológico. Apenas uma variável se encaixa nessa situação: ser homem não afeta significativamente a chance de os candidatos de direita, centro ou esquerda serem eleitos. Idade, por sua vez, não afeta as chances de sucesso eleitoral no centro e na esquerda, e até mesmo diminui tais chances na direita. O volume dos gastos de campanha revelou ser significativo para a esquerda e para a direita, mas em ambos os casos com efeitos bastante limitados.

As variáveis propriamente societais do modelo, isto é, as ocupações não políticas, produzem resultados interessantes. Inicialmente, como era de se esperar, a condição de empresário aumenta em mais de duas vezes a chance de um candidato de direita ser eleito, sem que a mesma ocupação produza resultados parecidos no centro e na esquerda. A profissão de engenheiro aumenta significativamente as chances eleitorais na direita e no centro, mas não produz o mesmo efeito na esquerda. A profissão de médico, por sua vez, não produz resultados significativos no centro, mas produz impactos importantes na direita e na esquerda. É surpreendente e aparentemente contraditório o impacto que a ocupação de produtor agropecuário produz na direita e na esquerda. Na direita, aumenta em mais de onze vezes a chance de um candidato ser eleito; na esquerda, em mais de nove vezes. Os dados fornecidos pelo TSE não permitem diferenciar o tamanho da propriedade nos dois casos, mas é lícito supor, pelo que se sabe, que, no caso dos partidos de direita, estejamos falando de grandes proprietários rurais e, no caso dos partidos de esquerda, de pequenos proprietários.

Por fim, se com relação às ocupações e aos gastos de campanha é possível encontrarmos algumas diferenças entre as três posições ideológicas, o retrato muda completamente no que diz respeito às variáveis propriamente políticas. Em todas as três posições ideológicas, a condição de político profissional afeta muito as chances de ser eleito. Ainda mais impactante quanto a esse ponto é o fato de o candidato ter atuado como deputado, sendo que, nesse caso, as chances são bem maiores para os partidos de esquerda. Aliás, com relação a esse ponto, vale a pena observar que somente para a esquerda a condição de vereador se revelou significativa, aumentando a chance de o candidato ser eleito em mais de três vezes. Esse dado indica que, na esquerda, começar a carreira política nos postos mais baixos do Legislativo é mais importante para se chegar a deputado federal do que nos partidos de direita e de esquerda, sugerindo a existência de um cursus honorumlegislativo mais institucionalizado entre os partidos de esquerda do que entre os partidos de direita e de centro. Ou seja, o processo de profissionalização política, que estaria bastante adiantado nas três posições ideológicas, seria ainda mais profundo entre os partidos de esquerda.

CONCLUSÃO O que foi dito anteriormente nos permite sugerir algumas interpretações acerca do processo de recrutamento e dos filtros sociopolíticos no interior dos partidos que concorreram às eleições para deputado federal em 2006.

Primeiramente, ao compararmos o universo dos candidatos e dos eleitos sem dividi-los por posições ideológicas distintas, veremos que algumas variáveis societais são importantes para aumentar a chance de sucesso eleitoral, sobretudo no que se refere ao exercício de determinadas ocupações, notadamente produtor agropecuário, empresário, engenheiro, médico e economista.

No entanto, nem de longe essas variáveis têm o mesmo peso que os fatores propriamente políticos. Com relação a esse ponto, cabe observar que lançar-se como candidato a um cargo de deputado federal por alguns partidos aumenta significativamente as chances de sucesso eleitoral. Como vimos, os partidos mais vantajosos nesse sentido são exatamente aqueles que se constituem em organizações mais poderosas no cenário político nacional e capazes de controlar recursos de governo. Mas nada é capaz de aumentar as chances de sucesso eleitoral como declarar-se político de profissão e, em especial, deputado. Ou seja, atuar no campo político, estar inserido em uma poderosa organização partidáriae,por fim, teratuadonacarreirapolíticacomodeputado parecem ter se constituído no mais importante capital para garantir uma eleição à Câmara dos Deputados em 2006.

Quando analisamos esses dados comparando os grupos ideológicos da direita, do centro e da esquerda, encontramos uniformidades e diferenças interessantes. No que diz respeito aos candidatos, percebemos que as três posições ideológicas se diferenciam com relação à ocupação, ao sexo, à escolaridade, à idade e aos gastos de campanha, sem que tais diferenças sejam radicais. Na verdade, o que encontramos são algumas tendências: os partidos de direita tendem a ter candidatos originários de posição social mais elevada; os de esquerda e de centro, candidatos com maior nível de escolaridade; os partidos de esquerda tendem a ter mais jovens. Essas tendências diferenciadoras, mas não radicais, se repetem quando analisamos o universo dos eleitos dividido pelas três posições ideológicas.

O mais interessante, porém, quando analisamos comparativamente os eleitos dos partidos das três posições ideológicas, aparece quando observamos os dados sobre as variáveis propriamente políticas. Essas variáveis revelam, ao mesmo tempo, semelhanças e diferenças significativas. No que se refere às semelhanças, podemos perceber que, em todas as posições do espectro ideológico, declarar-se político de profissão, em especial deputado, foi a mais importante variável a produzir impactos nas chances de sucesso eleitoral do candidato.

Some-se a isso o fato de que, em todas as posições ideológicas, os gastos de campanha produziram resultados muito limitados no que diz respeito a aumentar as chances de sucesso eleitoral do candidato, o que, por sua vez, nos permitiu sugerir que, ao contrário do que normalmente se diz, os partidos políticos são muito mais importantes nesse processo.

Contudo, uma diferença significativa entre os partidos de direita, de centro e de esquerda quanto a esse ponto. Ser deputado aumenta muito mais as chances de um candidato ser eleito à Câmara dos Deputados entre os partidos que se situam à esquerda do espectro ideológico. Mais importante ainda é que, somente entre os partidos de esquerda, ter sido vereador afeta significativamente as chances de sucesso eleitoral, aumentando em mais de três vezes a razão de chance de ser eleito.

Esses dados sugeremque, tanto nos partidos de direita quanto nos partidos de centro e de esquerda, a lógica da competição política da democracia representativa não admite amadorismo. Profissionalizar-se é um imperativo que se coloca a todos os partidos como o resultado lógico da dinâmica eleitoral institucionalizada. É provável que esse processo seja menos intenso nos partidos de direita e mais intenso nos partidos de esquerda. Nos primeiros, como sugere a literatura, seus membros dependeriam menos dos incentivos fornecidos pela organização por possuírem acesso a fontes alternativas de apoio à sua atividade política, o que os dispensaria de uma longa dedicação ao partido e os permitiria começar a sua carreira política em postos mais altos.

Ao contrário, nos partidos de esquerda, a predominância de indivíduos de origem social baixa faria com que os seus membros fossem muito mais dependentes dos incentivos fornecidos pela organização para que pudessem seguir uma carreira política. O acesso a esses recursos exigiria, portanto, a dedicação integral ao partido, a profissionalização da atividade política desde cedo e a necessidade de seguir uma carreira que começasse desde os cargos mais baixos na hierarquia política (Panebianco, 2005:61-64; Duverger, 1987:99-103). Daí que, na esquerda, ser vereador seria mais importante entre os partidos de esquerda do que entre os de direita. Saber em que medida as razões anteriores de fato se aplicam ao caso brasileiro é algo que demanda outro tipo de pesquisa.

No entanto, como dissemos, essas diferenças são tênues se comparadas às semelhanças, marcadas, sobretudo, pela importância central da profissionalização política para os partidos situados nas três posições ideológicas. Ou seja, apesar dessas nuanças, a baixa representatividade social do universo dos eleitos e, em especial, o predomínio esmagador de homens com experiência política prévia parecem confirmar, no início do século XXI, as observações feitas por Mosca no fim do século XIX. O campo político, sob o impacto da crescente complexidade social e do sufrágio universal, tende a ser, cada vez mais, um espaço reservado aos indivíduos oriundos das classes médias que, para se elegerem seguidamente, têm de fazer da política uma atividade profissional de tempo integral. Nesse processo, o acúmulo de capital político (objetivado no controle da máquina partidária, no acesso a cargos, na rede de relações políticas e na "força eleitoral") torna esses profissionais capazes de controlar ostensivamente o universo da representação política. Esse fato, se pudesse ser generalizado para as eleições anteriores e se for aprofundado no futuro, colocaria evidentes problemas para a democracia representativa brasileira, que se poderia tornar cada vez menos democrática (i.e., cada vez mais fechada aos outros estratos da população) e cada vez menos representativa (i.e., dominada por políticos preocupados quase que exclusivamente com sua reeleição).

NOTAS 1. Não é o caso de desenvolvermos, neste artigo, a defesa desse pressuposto.

Basta observarmos por ora que, em geral, a literatura defende a importância explicativa das elites em três dimensões: a) em momentos de inflexão histórica, quando seus membros são chamados para construir novas instituições políticas e sociais; b) em processos decisórios rotineiros, em particular no que diz respeito à definição da agenda política; c) como a manifestação visível de mudanças estruturais profundas na sociedade. Para o primeiro caso, ver Hunt (2007); para o segundo, Bachrach e Baratz (1969); para o terceiro, Putnam (1976). No entanto, como lembra Offerlé, defender a ideia de que o backgroundda elite é importante para entender a política não implica necessariamente cair no "sociologismo" ou na "desautonomização da política". Cf. Offerlé (1999:34).

2. Segundo Siavelis e Morgenstern (2004:9-10), por exemplo, a natureza dos processos de recrutamento e seleção gera tipos de candidatos que, uma vez eleitos, adotam comportamentos que podem afetar significativamente o funcionamento das instituições políticas. Os tipos ideais de candidatos produzidos pelos processos de recrutamento e seleção nos diferentes partidos na América Latina seriam os seguintes: party loyalist, constituent servant, group delegatee entrepreneur. O critério que permite aos autores elaborar essa tipologia se refere às relações de lealdade que um determinado processo de recrutamento estabelece, o qual, por sua vez, constrangeria o comportamento do político uma vez no cargo. Com relação ao Brasil, ver Samuels (2004).

3. Resumindo, poderíamos identificar quatro filtros no processo de recrutamento das elites políticas democráticas: o primeiro opera, predominantemente, por meio de obstáculos sociais à política e pode ser detectado pela comparação entre os atributos da população em geral e os atributos daqueles que se filiam a um determinado partido; o segundo, de natureza tanto social quanto organizacional, poderia ser identificado por meio da comparação entre os atributos dos filiados ao partido e os atributos dos aspirantes (isto é, daqueles que almejam ser candidatos); o terceiro, predominantementeorganizacional, pode ser identificado comparando-se os atributos dos aspirantes e os atributos dos que efetivamente são lançados como candidatos; por fim, o quarto, predominantementepolítico, apareceria por meio da comparação entre atributos dos candidatos e dos eleitos. A ênfase no advérbio é importante para que evitemos as falsas dicotomias: sociedade ou instituições; ambiente ou organização. Com relação a esse último ponto, ver Panebianco (2005:cap. 1). Trata-se, evidentemente, de um modelo ideal de análise. A escassez de dados quase sempre inviabiliza o estudo de todas essas etapas. Siavelis e Morgenstern (2004:6-7) estabelecem uma diferença entre recrutamento e seleção. Para eles, "recrutamento" é o modo como candidatos potenciais são atraídos para competir por um cargo político; "seleção" é o processo pelo qual os candidatos são escolhidos a partir do poolde candidatos potenciais. Essa distinção é apenas analítica, pois, com muita frequência, processos de recrutamento são, ao mesmo tempo, processos de seleção. Por fim, vale observar que a sequência de filtros enunciada anteriormente, como se percebe, contempla tanto a dimensão do recrutamento quanto a da seleção.

4. O que, evidentemente, exigiria explicar por que as mulheres não se candidatam aos postos políticos. Quanto a esse ponto, ver Araújo (2001a; 2001b) e Htun (2001).

5. Ver, por exemplo, Guttsman (1965; 1974); Ranney (1965); Fernández (1970); Gallagher e Marsh (1988); Recchi (1996); Norris (1997); Pennings e Hazan (2001); Hopkin (2001); Rahat e Hazan (2001); Katz (2001); Siavelis e Morgenstern (2004). De acordo com Pesonen, citado por Gallagher e Marsh (1988: 2), "o estágio de indicação [dos candidatos] elimina 99,96% de toda a população elegível. Os eleitores escolhem a partir apenas de 0,04%". A importância dos partidos para a seleção das elites políticas não deve ser, entretanto, absolutizada. Evidentemente, a seleção começa bem antes, em processos que, aparentemente, nada têm a ver com a política partidária. É o caso, por exemplo, da ausência das mulheres e dos trabalhadores manuais, cuja exclusão da elite política talvez se deva mais à natureza das relações sociais em que tais grupos estão inseridos do que a um filtro político conscientemente operado por seletores partidários. Quanto a esse ponto, ver referências ao primeiro filtro na nota 3. Segundo Rahat e Hazan (2001:298), o processo de seleção de candidatos dentro dos partidos é apenas um aspecto de um processo de recrutamento que sofre interferências bem mais amplas, oriundas do contexto social como um todo.

6. Cf., por exemplo, Braga (2006) e Álvares (2006; 2007). Os estudos sobre eleições para o Poder Legislativo têm focado, em geral, três temáticas: as características do sistema eleitoral e seus efeitos sobre o sistema partidário, o comportamento dos eleitores e o comportamento parlamentar. Pouco se diz sobre o processo de recrutamento no interior dos partidos. Para uma boa revisão da literatura, ver Pereira e Rennó (2001).

7. Do nosso ponto de vista, a comparação entre os atributos demográficos dos candidatos e os da População Economicamente Ativa (PEA) seria de fundamental importância para se obter alguns indícios daquele primeiro filtro a que nos referimos na nota 3. No entanto, como as informações referentes à PEA não fazem parte da nossa base de dados, seria difícil realizar uma análise comparativa adequada. De qualquer forma, as características dos candidatos com relação ao sexo, à idade e à escolaridade revelam que esse universo é o resultado de um profundo processo seletivo com relação à PEA: o universo dos candidatos é formado majoritariamente por homens, entre 40 e 49 anos, com alta escolaridade e que exercem preferencialmente a ocupação de político, advogado, funcionário público e empresário. Ainda que tais achados sejam sistematicamente reproduzidos nos estudos sobre elites políticas, muito ainda falta dizer sobre como e por que são os indivíduos com essas características (e não outros) que reúnem as maiores possibilidades de se dedicarem à atividade política. Se, como veremos mais adiante, a condição de político profissional é fundamental na determinação do sucesso eleitoral, torna-se também fundamental saber por que e como alguns indivíduos portadores de determinados atributos conseguem se profissionalizar politicamente, processo que, evidentemente, começa por tornar- se ativista político e candidatoacargoseletivos. A nosso ver, a explicação para esse processo não pode ser encontrada apenas nos limites internos do campo político.

8. Este estudo foi produzido com base num banco de dados elaborado a partir das informações sobre os candidatos às eleições legislativas (deputados estaduais, deputados federais e senadores) de 2006, colocadas à disposição pelo sítio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O banco "Eleições 2006: Candidatos ao Poder Legislativo no Brasil" foi elaborado por Angel Miríade, Bruno Bolognesi e Julio Gouvêa, sob a coordenação do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira, e encontra-se à disposiçãonosítio do Consórcio de Informações Sociais (CIS)/Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs).

9. O avanço do estudo do recrutamento das elites políticas brasileiras passa forçosamente por uma séria discussão acerca da qualidade das fontes colocadas à disposição do pesquisador. No caso específico das fontes utilizadas neste artigo, problemas sérios com relação ao caráter excessivamente genérico de algumas informações. Por exemplo, vários candidatos se declararam "empresários", sem que houvesse qualquer qualificação que permitisse ao analista identificar o tamanho do empreendimento. Além disso, os dados sobre gastos de campanha são pouco confiáveis. Outros autores têm chamado a atenção para problemas da mesma natureza. Cf., por exemplo, Rodrigues (2006:18).

10. Quanto a esse ponto, ver nota 4.

11. É importante observar que, com relação aos candidatos que se declararam políticos, o banco do TSE não nos permite saber: a) quando eles ocuparam os cargos eletivos declarados (vereador, deputado e senador); b) se, quando se declaram "deputado", atuaram na esfera estadual ou federal; c) se foram ocupantes de cargos executivos e em que níveis; d) quanto tempo se dedicam à política profissional; e) se exercem ou não outra profissão junto com a de político; e, por fim, f) se concorrem ou não à reeleição. A ausência desses dados impõe importantes limites à nossa análise. Por exemplo, informações sobre o tempo de profissionalização na atividade política e se o candidato concorre ou não à reeleição nos ajudariam a tornar mais complexo o modelo de regressão proposto mais adiante.

12. Evidentemente, a própria inserção prévia na política demanda, na maioria dos casos, a posse de certo capital social, cultural e econômico. No entanto, uma vez iniciada a carreira política, o próprio domínio das regras do campo político e o acúmulo de recursos específicos desse campo (o capital eleitoral, os apoios, os contatos, os cargos) parecem ser mais importantes do que os recursos trazidos de fora, o que não equivale a dizer que tais recursos sejam desprovidos de importância. Eles são importantes sobretudo quando podem ser reconvertidos em capital político. Cf., por exemplo, Offerlé (1999:34), Coradini (2001) e Charle (1987). A respeito das vantagens daqueles que se encontram inseridos na atividade política, ver o excelente estudo de Ranney (1965) sobre os candidatos trabalhistas, conservadores e liberais ao Parlamento inglês. Ver também as conclusões de Gallagher e Marsh (1988:248), relativas a nove países, e as considerações de Álvares (2006; 2007). Todos esses dados apontam para o lento e inexorável processo de profissionalização e de autonomização da política.

13. O percentual de eleitas também ficou abaixo do percentual de candidatas nos últimos dois pleitos para a Câmara dos Deputados. Em 1998, tivemos 10,4% de candidatas (N=353) e 5,3% de eleitas (N=27). em 2002, o percentual de mulheres concorrendo foi de 11,3% (N=491); o de deputadas eleitas, de 8,2% (N=42). Fonte: sítio do TSE.

14. Segundo Álvares (2006:29), "os 27 partidos que concorreram às eleições de 2002 apresentaram um total de 11.101.881 filiados, sendo destes 43,5% de mulheres e 56,2% de homens".

15. Na nossa base de dados, as variáveis gastos de campanhae idadeestão presentes como variáveis contínuas e, enquanto tais, foram utilizadas para a realização do teste t, cujos resultados serão apresentados a seguir. Contudo, a fim de facilitar os cruzamentos e as demais análises com essas variáveis, optamos por reduzir os dados por meio da recodificação automática propiciada pelo SPSS, transformando-as em variáveis ordinais. Essa ordenação se pelo agrupamento dos casos em intervalos de níveis de idade e gasto. Tal procedimento nos pareceu necessário porque a variável original tinha certa ordenação natural (como toda variável contínua), porém excessivamente ampla.

16. Como a variável não eleito/eleito(0 e 1) é ambígua, podendo ser tratada como nominal ou ordinal, rodamos outras medidas de associação. Os resultados foram igualmente significativos para d de Somers (medida para duas variáveis ordinais) e para coeficiente de contingência (medida para duas variáveis nominais).

17. Apesar de as nossas análises se terem referido até aqui aos "candidatos" e aos "eleitos", o teste t, que compara a média entre dois grupos independentes, foi aplicado à comparação entre "eleitos" e "não eleitos", pois ambos são um subconjunto do universo dos candidatos.

18. A regressão logística é uma ferramenta de análise estatística útil nos casos em que se pretende predizer ou explicar a presença ou a ausência de determinada característica a partir dos valores de um conjunto de medidas preditoras. Nesse sentido, é similar aos modelos de regressão linear, mas pode ser aplicado nas situações em que a variável dependente é dicotômica. As variáveis independentes ou preditoras podem ser intervalares ou categóricas, sendo que, nesse último caso, devem ser codificadas como medidas indicadoras ou dummy. Neste artigo, os coeficientes obtidos com os modelos propostos são usados como estimativas das razões de chance (estimate odds ratios) para cada uma das variáveis independentes introduzidas no modelo. Cf. Powers e Xie (2000).

19. Para traduzir esses números em porcentagem, podemos realizar o seguinte procedimento: (19,873-1).100=1887,3%. Ou seja, ser deputado eleva em 1887,3% a chance de ser eleito.

20. Isso poderia ser um indicativo de que o partido não é importante apenas na esfera parlamentar, como sugerem alguns, mas também na esfera eleitoral, ao contrário do que afirma a maioria da literatura sobre partidos políticos no Brasil. Para a fraqueza dos partidos na esfera eleitoral, em que os candidatos agiriam por meio de estratégias individuais de pork barreling, ver Ames (1995); para a força dos partidos na esfera legislativa, ver Figueiredo e Limongi (2001); para um resumo da literatura, cf. Pereira e Rennó (2001).

21. A distinção entre esquerda e direita operacionalizada neste artigo segue duas sugestões. Do ponto de vista teórico, adotamos a tese de Bobbio (1995), segundo a qual a esquerda se define, essencialmente, como forças políticas que lutam em prol da igualdade (econômica, social, cultural, de gênero, racial etc.). Do ponto de vista prático, a distribuição dos partidos brasileiros entre as três posições do espectro ideológico segue sugestões encontradas na literatura. Cf. Figueiredo e Limongi (2001) e Rodrigues (2002). A ideia de uma categoria de "indefinidos" foi retirada diretamente de Carreirão (2006:143).

Para uma forma alternativa de distribuir os partidos pelo espectro ideológico, bastante interessante, ver Braga (2007).

22. Para idade, ocupação, escolaridade e gastos de campanha obtivemos sig=0,000. Os coeficientes de contingência foram 0,23; 0,28; 0,19; e 0,54, respectivamente. Para sexo obtivemos sig=0,03 e coeficiente de 0,04.

23. O cruzamento entre resultado da eleição (eleito-não eleito) e idade deu resultados significativos na direita, no centro e na esquerda, sendo sig=0,000 para todos e gamma 0,24, 0,20 e 0,16, respectivamente. Os resultados também foram significativos com d de Somers e com o coeficiente de contingência; o cruzamento entre resultado da eleição e gastos de campanha se revelou significativo apenas para a direita e para a esquerda (sig=0,000 para ambas), com gamma 0,32 e 0,19, respectivamente, sendo também significativo para d de Somers e coeficiente de contingência; o cruzamento entre resultado da eleição e sexo se revelou significativo apenas para a direita e para o centro, com sig=0,04 e 0,024 e coeficiente de contingência 0,04 e 0,08, respectivamente; o cruzamento entre resultado da eleição e escolaridade se mostrou significativo para a direita, o centro e a esquerda (sig=0,000), com gamma 0,57, 0,53 e 0,48, respectivamente, sendo também significativos os resultados quando usamos d de Somers e o coeficiente de contingência; por fim, o cruzamento entre o resultado da eleição e a ocupação se mostrou significativo para todos (sig=0,000), com coeficiente de contingência de 0,39, 0,43 e 0,36 para a direita, o centro e a esquerda, respectivamente.

24. Trabalhamos apenas com as ocupações que apresentaram dados interessantes.

As demais foram excluídas dessa tabela.

25. Os dados apresentados anteriormente apontam para o predomínio de dois tipos de "categorias ocupacionais", tanto entre candidatos quanto entre eleitos de todos os partidos, quais sejam, as "camadas médias" e os "políticos profissionais". Sendo assim, as eleições para deputado federal de 2006 poderiam ser vistas como um exemplo típico da profissionalização/autonomização da política e da ascensão das camadas médias, fruto da universalização do sufrágio e da crescente complexidade da estrutura social. Quanto a esse ponto, ver dois importantes estudos dedicados ao caso francês: Birnbaum (1994:cap. II) e Charle (1987:cap. I).

26. Com relação aos produtores agropecuários, a sua sobrerrepresentação na direita e na esquerda provavelmente se deve ao fato de essa categoria não fazer distinção entre grandes, médios e pequenos proprietários.


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