Mudanças e permanências na cultura política das metrópoles brasileiras
A relação entre as esferas econômica e cultural nas ciências sociais permite
uma miríade de abordagens teóricas. Recentemente, vários são os cientistas
sociais que vêm apontando mudanças nas atitudes e nos valores que orientavam o
comportamento político relacionado à cidadania convencional (Marshall, 1967)
nas sociedades mais avançadas do capitalismo como consequência das mudanças
estruturais iniciadas na segunda metade da década de 1970, com a reestruturação
produtiva e a globalização econômica (ver, entre outros, Bauman, 1999; Boschi,
2004; Castel, 1998; Harvey, 1993; Putnam, 2000; Turner, 1990). Os efeitos de
tais mudanças estariam gerando a emergência de comportamentos políticos
orientados por novos valores, crenças e disposições sociais, abarcando tanto
elementos considerados tradicionalmente conservadores - adesão ao liberalismo
econômico e consequente diminuição da função reguladora do Estado - quanto
valores considerados progressistas - defesa de direitos socioculturais difusos
(meio ambiente, igualdade de gênero, liberdade de orientação sexual etc.) e
novas formas de participação social e política (participação em redes, apoio a
organizações não governamentais (ONGs), boicote a produtos nocivos ao meio
ambiente, denúncias de empresas que utilizam mão de obra infantil, campanhas
humanitárias etc.).
Reconhecendo a complexidade desse debate, a proposta deste artigo é discutir
aquilo que vem sendo denominado pela literatura de nova cultura política (NCP),
cujo principal formulador é o sociólogo Terry Clark (ver, entre outros, Clark e
Inglehart, 2007; Clark e Hoffmann-Martinot, 1998; e Clark e Navarro, 2007), e
avaliar os limites e as possibilidades dessa abordagem para interpretar a
cultura política brasileira contemporânea1. O centro de nossa preocupação
teórica está vinculado, de modo especial, à compreensão do significado desses
processos sobre as metrópoles como expressão das áreas mais modernas da
sociedade brasileira e à discussão em torno da existência de um possível
"efeito metrópole" sobre a cultura política, sobretudo nos aspectos
relacionados à NCP.
De fato, na formulação dos autores mencionados, a NCP estaria se fortalecendo e
se difundindo, nas últimas décadas, sob os efeitos dos processos de
globalização econômica e cultural, especialmente nos países desenvolvidos, sem,
contudo, ser a única ou mesmo a principal gramática política existente,
competindo com outras, tais como o corporativismo, o clientelismo e o
populismo. Seria esperado que esses efeitos fossem mais visíveis exatamente nas
áreas metropolitanas, por serem o principal locus do processo de modernização
das sociedades de mercado, estejam elas situadas nos países desenvolvidos ou
nos países em desenvolvimento, ainda que, nesses últimos, a NCP deva aparecer
concomitantemente a outras formas de expressão política relacionadas às
dinâmicas de segregação social. Como explicitaremos ao longo deste artigo,
tomando como parâmetro o caso brasileiro, entendemos que a abordagem da NCP
apresenta diversas limitações para a análise dos países emergentes.
Visando dar conta da complexidade e da importância dessa reflexão, dividimos o
artigo em quatro seções. Na primeira, são realizadas algumas considerações
teóricas sobre a relação entre cultura política e a cidade em nossa
contemporaneidade. Em seguida, discutimos o conceito de NCP e os limites de sua
aplicação ao contexto brasileiro. Na terceira seção, dedicamo-nos à reflexão da
especificidade da cultura política brasileira, com base em pesquisas empíricas
recentes realizadas nacionalmente e em várias metrópoles2, abordando aspectos
relacionados a valores e a percepções em torno da cidadania e a práticas
associativas e de mobilização sociopolítica no Brasil. Por fim, na última
seção, fazemos um balanço sobre o tema tratado.
Essa reflexão permite uma instigante perspectiva analítica sobre a relação
entre as transformações dos valores e as atitudes dos cidadãos quanto à
democracia e ao fato metropolitano como morfologia social e cultural. As
pesquisas empíricas realizadas suscitam, com efeito, pistas interessantes para
considerações sobre a sociabilidade inerente ao modo de vida engendrado pela
grande cidade na contemporaneidade, que parece radicalizar o racionalismo, o
individualismo e a fluidez das relações sociais já detectados por clássicos da
sociologia, como Weber (1999; 2004) e Simmel (1979).
NOVA CULTURA POLÍTICA: CONCEITUAÇÃO E IDIOSSINCRASIAS DO CASO BRASILEIRO
Pelas análises dos autores que defendem a emergência da NCP - entre os quais se
enquadram também Manuel Villaverde Cabral e Filipe Carreira da Silva (Cabral e
Silva, 2007) -, essa nova cidadania política, segundo nossa leitura, associaria
valores pós-modernos, com ênfase na defesa dos direitos individuais, maior
tolerância a diferentes padrões de comportamento, abertura para experimentação
no plano individual, menor grau de subordinação às normas preconizadas pelo
Estado (com uma diminuição da valorização, entre outros, do pagamento de
imposto e da prestação do serviço militar como expressão do bom exercício da
cidadania moderna), geralmente acompanhados de certo conservadorismo no nível
de políticas econômicas. Em outras palavras, no que concerne à cidadania, as
tensões existentes (Reis, 2000) entre as dimensões civil (direitos individuais)
e cívica (direitos coletivos) tendem a se acirrar na denominada NCP da pós-
modernidade.
Nesse sentido, poderíamos dizer que, nas áreas mais urbanizadas, caracterizadas
pela heterogeneidade social e habitadas por classes e grupos com maior
capacidade de poder político e econômico, tenderiam a prevalecer traços dessa
cidadania pós-moderna, em contraposição às demais áreas urbanas, que manteriam
maior cristalização dos valores da cidadania clássica hegemônica desde o século
passado, composta de suas dimensões civil, política e social. Em outras
palavras, segundo a abordagem descrita, seria lícito concluir, como afirma
Cabral (2000), que, hoje, o exercício dos direitos de cidadania tenderia a se
manifestar de forma mais expressiva por meio da "geometria variável" da
automobilização do que pelo associativismo clássico, vinculado,
fundamentalmente, às formas convencionais de capital social.
Podemos dizer que a NCP tem sua origem nas transformações políticas,
econômicas, sociais, culturais e institucionais associadas à globalização,
tendo forte relação com a ascensão de valores pós-materialistas em sociedades
que alcançaram níveis de desenvolvimento econômico. Segundo Clark e Inglehart
(2007), a NCP3 se caracterizaria por sete elementos-chave: (i) modificação da
dimensão clássica entre direita e esquerda; (ii) explícita separação entre
questões sociais e econômico-fiscais; (iii) questões sociais têm crescimento e
importância relativamente maiores do que as econômicas; (iv) crescimento
concomitante do individualismo de mercado e da responsabilidade social; (v)
questionamentos ao Estado de bem-estar social; (vi) emergência de políticas
centradas em questões-chave e ampliação da participação cidadã, por um lado, e
declínio das organizações políticas hierárquicas, por outro; e (vii) existência
dos mais fervorosos defensores da NCP nas sociedades menos hierárquicas e entre
os indivíduos mais jovens, mais instruídos e os que vivem mais
confortavelmente.
Cabe, agora, contrastar cada uma dessas características com o contexto
brasileiro:
(i) Modificação da dimensão clássica entre direita e esquerda. A NCP tem
relação com o enfraquecimento da clivagem esquerda-direita como fundamento da
disputa política. Partindo de uma associação da esquerda, com um posicionamento
progressista nos âmbitos social e fiscal (econômico), e da direita, com um
posicionamento conservador nos âmbitos social e fiscal (econômico), a NCP se
caracterizaria por um posicionamento diferente: progressista/liberal no âmbito
social e conservador no âmbito fiscal (econômico). A questão é que, enquanto,
no contexto europeu, a divisão entre direita e esquerda tradicionalmente
organizou - e, em certa medida, permanece balizando - o comportamento político
e cultural da sociedade, no Brasil, em contraposição, essa clivagem somente
fazia sentido para a pequena parcela da população detentora da cultura letrada
e para a que se encontrava organizada nas formas associativas relacionadas ao
trabalho assalariado urbano de alta qualificação ou do setor público. A maior
parte da população movia-se regida por outras gramáticas políticas e culturais,
merecendo destaque o clientelismo, o corporativismo e o populismo (Nunes,
1997). A questão seria discutir em que medida esses elementos conformariam uma
predisposição favorável à adoção de valores e práticas associados à NCP, como a
crença no individualismo orientando o comportamento político.
(ii) Explícita separação entre questões sociais e econômico-fiscais. Nas
sociedades que alcançaram certo grau de igualitarismo, a agenda social tende a
pressionar menos a agenda econômico-fiscal (considerando-se os temas da maior
participação das mulheres, do multiculturalismo, da liberdade de orientação
sexual e da questão ambiental; esta última com fortes impactos sobre a dinâmica
econômica). No caso brasileiro, ainda que haja espaço para esse tipo de agenda,
em razão de também observarmos nítidas mudanças socioculturais semelhantes
àquelas observadas nos países desenvolvidos, as demandas sociais baseadas em
objetivos redistributivos permanecem pressionando fortemente as políticas
econômica e fiscal, tendo em vista o grau de carência e as desigualdades
sociais que vigoram no Brasil. No entanto, é preciso reconhecer mudanças no
significado e no sentido dessa agenda. A construção da agenda reformista no
país, da redemocratização nos anos que antecederam a elaboração da Constituição
de 1988 até os anos 1990, foi resultado de um processo paralelo de atuação de
vários movimentos sociais e da elaboração de uma bibliografia crítica em torno
da questão social brasileira. A partir dos anos 1990, essa agenda passa a
sofrer mudanças decorrentes dos ajustes macroeconômicos de corte neoliberal,
fazendo com que a questão redistributiva perca importância relativa, não
obstante sua pertinência social, passando-se a priorizar políticas
distributivas focalizadas nos grupos sociais mais vulneráveis.
(iii) Questões sociais têm crescimento e importância relativamente maiores do
que as econômicas. Essa característica tem, segundo os autores que formulam a
teoria da NCP, forte relação com a situação de prosperidade econômica alcançada
nos países do Primeiro Mundo, o que levaria a uma preocupação mais ligada ao
estilo e à qualidade de vida em face das necessidades econômicas tradicionais.
No Brasil, ao contrário, as necessidades econômicas tradicionais, voltadas para
a reprodução social, permanecem tendo grande relevância na agenda política.
(iv) Crescimento concomitante do individualismo de mercado e da
responsabilidade social. Segundo os mesmos autores, a NCP juntaria o
liberalismo econômico - mais associado aos partidos conservadores - com o
progressismo social - identificado, tradicionalmente, com os partidos de
esquerda. De fato, a NCP também expressa a perda do posicionamento político
referido ao pertencimento das classes sociais. No passado, a classe
trabalhadora (de menor renda e de menor grau de instrução) tenderia a votar na
esquerda, enquanto as classes média e alta (de maior instrução e de maior
renda) tenderiam a votar na direita. No contexto atual, haveria uma tendência
de as classes trabalhadoras votarem mais na direita e as classes média e alta
votarem mais na esquerda. No caso do Brasil, mesmo com nuanças e talvez sem a
direta associação com a dualidade esquerda-direita, observa-se tendência
similar de fortalecimento dos partidos e líderes que associam o liberalismo
econômico ao progressismo social.
(v) Questionamentos ao Estado de bem-estar social. A NCP põe em questão a
eficiência do planejamento centralizado e dos serviços públicos prestados por
grandes burocracias governamentais, propondo a descentralização político-
administrativa para níveis de governo local e mesmo para esferas da sociedade.
Podemos observar relativa difusão de valores semelhantes no Brasil, já que é
nítido o processo de descentralização e de valorização do poder local. Ao mesmo
tempo, por um lado, percebe-se, nos últimos cinco anos, o revigoramento da
crença no planejamento público; por outro, a disputa sobre o sentido e o
conteúdo da descentralização, que se torna objeto de polêmicas e de competição
entre os atores sociais mobilizados.
(vi) Emergência de políticas centradas em questões-chave e ampliação da
participação cidadã, por um lado, e declínio das organizações políticas
hierárquicas, por outro. A NCP tem relação com o enfraquecimento das
hierarquias sociais como fundamento sobre os comportamentos políticos,
decorrente dos movimentos sociais que se organizaram em oposição às hierarquias
políticas, ainda prevalecentes em alguns países. Tal fato tem grande
importância para a dinâmica partidária - os líderes tenderiam a se relacionar
diretamente com a cidadania, e os partidos, a submeter suas decisões e escolhas
aos cidadãos. Dessa perspectiva, poderíamos dizer que a NCP poderia ser
associada ao processo de perda das identidades convencionais/tradicionais que
caracterizam a cidadania na modernidade capitalista - que possibilitavam a
filiação associativa às organizações clássicas, como os sindicatos e as
associações de bairro -, ao movimento de fragmentação do sujeito e ao processo
de constituição de múltiplas identidades que caracteriza a pós-modernidade
(Harvey, 1993). Desse modo, a NCP permitiria o surgimento de novas modalidades
de exercício da cidadania (mais pontual, mais espontâneo), nas quais as pessoas
se engajariam em torno de causas, apesar de essas modalidades continuarem sendo
caracterizadas por um alto grau de civismo e de participação. Tal
característica se traduz na oposição entre dois padrões de ação política: por
um lado, o associativismo clássico, baseado na filiação dos indivíduos a ações
coletivas e motivadas por objetivos permanentes - por exemplo, partidos,
sindicatos e associações de moradores -, por outro, a mobilização
sociopolítica, cujo traço principal é a ação contingencial dos participantes na
arena política - como ilustram os novos movimentos sociais em torno dos
direitos humanos difusos, a participação individual em manifestações, o boicote
a produtos e a participação em fóruns pela internet. Ao mesmo tempo, a NCP tem
relação com o surgimento de uma nova agenda política, fortemente associada a
questões de gênero, étnico-raciais e ambientais. A análise da história
brasileira sugere mais cautela nessa dicotomia entre mobilização e
associativismo, possibilitando, por hipótese, a existência de vínculos não
negligenciáveis entre esses dois processos, especialmente nas áreas urbanas não
metropolitanas, apesar de podermos verificar, também no Brasil, a introdução de
movimentos sociais em torno dos direitos difusos.
(vii) Existência dos mais fervorosos defensores da NCP nas sociedades menos
hierárquicas e entre os indivíduos mais jovens, mais instruídos e os que vivem
mais confortavelmente. Essas transformações tenderiam a ter mais força nas
metrópoles e nos centros urbanos mais modernos - caracterizados por alcançarem
elevados padrões de qualidade de vida - e atingiriam, de forma mais forte, os
jovens. Tal tendência também pode ser observada no Brasil, mesmo que em menor
escala de intensidade, se comparado aos países do Primeiro Mundo, devendo ainda
ser destacada a possibilidade de esses valores da NCP estarem associados mais
fortemente à vida metropolitana - o que podemos denominar de "efeito
metrópole", considerando-se as históricas e fortes desigualdades culturais
entre os mundos sociais agrário e urbano na sociedade brasileira.
De um lado é necessário considerar que estamos diante de transformações
socioculturais e políticas que parecem ainda incipientes, quando se trata da
sociedade brasileira, e fortemente circunscritas a alguns nichos altamente
escolarizados; em geral situados nas grandes metrópoles. De outro, é preciso
refletir sobre os limites e as potencialidades da matriz analítica da NCP em
sua capacidade de explicação das mutações identificadas tanto nas sociedades
desenvolvidas quanto na periferia do sistema. Isso deve ser feito levando-se em
consideração não apenas os dados empíricos levantados na pesquisa realizada,
mas também confrontando-os com outras abordagens explicativas das
transformações da cultura política, em especial aquelas que considerem os
impactos que os processos de diferenciação, segmentação e segregação
socioespacial têm ocasionado na vida social, nos padrões de interação e na
sociabilidade cívica das grandes cidades dos países emergentes.
A COMPLEXA RELAÇÃO ENTRE ECONOMIA, CULTURA POLÍTICA E CIDADE: REFLEXÕES SOBRE O
CASO BRASILEIRO
A teoria democrática tradicionalmente refletiu sobre a questão do exercício da
cidadania e de seu significado para a modernidade, seja na perspectiva clássica
de Marshall (1967), seja nas versões posteriores (Dahl, 1997; Sartori, 1994;
Putnam, 1996; O'Donnell, 1999; Taylor, 1992; Fraser e Honneth, 2003; entre
outros). Dentre as abordagens contemporâneas podemos destacar o estudo de
Putnam (1996), que, em seu conhecido trabalho sobre as diferenças de
participação entre as comunidades do Norte e do Sul da Itália, busca superar o
"dilema olsoniano" lançando mão do conceito de "capital social". Putnam parte
da constatação de que os autores que considerarem a transgressão a atitude mais
racional adotada pelos membros de um grupo social (Olson, 1999) subestimam a
cooperação voluntária, frequente em muitas situações. Reconhece, entretanto,
que, para a dinamização do comportamento cooperativo, é fundamental a
existência de instituições formais capazes de reduzir os custos da fiscalização
dos possíveis infratores e de fazer cumprir os acordos estabelecidos entre as
partes. Baseado nessas premissas, Putnam busca entender as razões pelas quais
certas instituições seriam capazes de superar a lógica olsoniana da ação
coletiva, enquanto outras não o fazem. A resposta estaria, para o autor, no
fato de as primeiras contarem, entre outros atributos, com limites claramente
determinados, a participação dos interessados na definição das regras do jogo,
a aplicação de sanções crescentes aos transgressores e a adoção de instrumentos
pouco onerosos para o equacionamento dos conflitos.
A emergência, o curso da ação e os resultados alcançados por essas instituições
dependeriam, fundamentalmente, do contexto social. É assim que, considerando os
resultados de sua longa pesquisa, Putnam explica a enorme diferença observada
entre o Sul e o Norte da Itália no enfrentamento dos dilemas da ação coletiva
tomando como fundamento o conceito de "capital social". No Sul, mais pobre,
onde o estoque de capital social disponível é escasso, seria observado o que
ele chama de "vida coletiva atrofiada", pela incapacidade de haver cooperação
em proveito mútuo. Longe de significar ignorância ou irracionalidade, a não
cooperação seria produzida pela ausência de confiança mútua, o que levaria a
maioria dos atores a assumir uma atitude oportunista. Em outras palavras, por
falta de confiança em seus pares, os indivíduos adotam, quase sempre, uma opção
"subótima", decorrente do cálculo de não cooperação do parceiro; ou seja, optam
pela postura "dos males o menor". Já no Norte da Itália, a disponibilidade de
capital social seria capaz de garantir o dinamismo econômico e um melhor
desempenho governamental.
Putnam (1996) define o capital social como um bem público representado por
atributos da estrutura social, tais como a confiança e a disponibilidade de
normas e sistemas, que servem como garantia entre os atores, facilitando ações
cooperativas. Assim como ocorre com o capital convencional, quanto maior a
disponibilidade de capital social, maior a acumulação, que tem como componente
básico a confiança cívica, fundada nas regras sociais de reciprocidade e nos
sistemas de participação cívica. As regras sociais seriam disseminadas e
mantidas por meio da socialização e do condicionamento, mas também da punição,
resguardando a comunidade do oportunismo e fortalecendo a confiança social. A
mais importante dessas regras, segundo Putnam, seria representada pela
reciprocidade - a crença de que a confiança será retribuída -, seja específica,
seja generalizada. Por sua vez, segundo Putnam, os sistemas de participação
cívica constituem uma forma essencial de capital social e são representados por
associações comunitárias, sindicatos, clubes desportivos, partidos políticos,
cooperativas e outras formas associativas nas quais se observa intensa permuta
interpessoal horizontal. Ou seja, essas instituições se assentam em uma relação
simétrica entre agentes com igual poder, garantindo condições para que se
promovam regras de reciprocidade, aumentando as possibilidades de informação
sobre a confiabilidade dos indivíduos e também sobre os custos individuais das
transgressões. Se, em vez de se restringirem a um grupo isolado, englobassem
diferentes categorias sociais, os sistemas de participação horizontal seriam
capazes de promover uma cooperação mais ampla (Azevedo e Mares Guia, 2001).
Inversamente, em sistemas de permuta vertical - no estudo de Putnam (1996),
exemplificados pela Igreja Católica tradicional e pela máfia -, enfrentam-se
dificuldades na promoção e na garantia da confiança e da cooperação. De início,
os fluxos de informação tornam-se menos confiáveis, e as penalidades que
garantiriam a reciprocidade muito raramente seriam aplicadas ao superior pelo
subalterno. Prevalecem a desconfiança mútua, a transgressão, a exploração,
entre outros atributos. É nesse campo, caracterizado pela desigualdade das
obrigações e pela dependência entre as partes, que se estabelecem relações
clientelistas marcadas pelo intercâmbio vertical. Segundo Putnam (ibidem:184),
nesse tipo de relação, "é mais provável haver oportunismo por parte do patrono
(exploração) do que por parte do cliente (omissão)".
O autor conclui que tanto a confiança/reciprocidade quanto a dependência/
exploração seriam capazes de produzir equilíbrios estáveis em uma sociedade,
garantindo sua unidade. Seriam observadas, entretanto, acentuadas diferenças na
eficiência e nos resultados de seu desempenho institucional. Os dilemas da ação
coletiva seriam enfrentados com mais chances de sucesso por meio dos sistemas
horizontais de participação cívica, favorecendo o bom desempenho governamental.
Ou seja, haveria uma forte correlação positiva entre associações cívicas e
instituições públicas eficazes: quanto mais cívico o contexto, melhor o
governo. Nessas sociedades, os valores democráticos de autoridades e de
cidadãos, aliados à infraestrutura social já existente nas comunidades cívicas,
contribuiriam para o bom desempenho do governo4.
Assim, os cidadãos de uma comunidade cívica demandam um bom governo e atuam
nessa direção; reivindicam serviços e equipamentos públicos e são capazes de
agir coletivamente nesse sentido. Já em regiões menos cívicas, onde o capital
social é escasso ou nulo, sem regras e sem sistemas de participação cívica, o
equilíbrio social seria caracterizado pelo "desertar sempre". Em um contexto de
ilegalidade previsível - em que a desconfiança e a corrupção são consideradas
normais - e de escassa participação em associações, os cidadãos acabariam por
assumir "papel de suplicantes cínicos e alienados".
Uma leitura ortodoxa de Putnam poderia nos levar a pensar que as sociedades com
baixo grau de capital social - como a brasileira e a de outros países
emergentes - estariam fadadas ao fracasso no enfrentamento dos dilemas de ação
coletiva por meio de mecanismos democráticos. Cabe ressaltar que trabalhos
recentes têm matizado interpretações culturalistas que superestimam a
importância da confiança interpessoal como elemento central para explicar
políticas e contextos democráticos. Nesse sentido, Feres Júnior e Eisenberg
(2006) fazem uma crítica ao conceito de confiança interpessoal utilizado pelas
abordagens culturalistas como capaz de explicar o surgimento de ambientes
democráticos. Para os autores, tal formulação desconsideraria o papel que as
instituições que processam conflitos (direito, polícia etc.) têm na mediação de
relações interpessoais em todas as sociedades modernas (ibidem).
Com base na análise do trabalho de Inglehart (1999) - que se inspirou em Putnam
e em outros autores culturalistas -, Feres Júnior e Eisenberg (1996) buscam
mostrar que, em virtude de sua fragilidade analítica, o conceito de confiança
interpessoal é ineficaz como ferramenta empírica. Nesse sentido, respostas
obtidas nas pesquisas de opinião pública referentes ao conceito de confiança e,
ainda, eventuais correlações entre "confiança interpessoal e estabilidade
democrática" devem ser vistas com cautela. Nas palavras dos autores, "não há, a
princípio, nenhuma razão para crer que este tipo de confiança não possa
existir, ou mesmo vicejar, em ambientes de degradação da cultura democrática,
segregação, autoritarismo, ou mesmo em sociedades fortemente hierarquizadas"
(ibidem:458). Em contraposição a essa perspectiva, Feres Júnior e Eisenberg
defendem a "confiança em instituições" como ferramenta de aferição de como os
regimes políticos reais se aproximariam ou se afastariam do modelo democrático
normativo, sugerido por eles, baseado no tripé: reconhecimento do sujeito,
justiça distributiva e possibilidade de rediscussão das normas (discussão,
deliberação e revisão) mediada por procedimento democrático. Dessa maneira,
conforme observado por Levi (1996:83), as instituições resolvem problemas da
ação coletiva trazendo à tona contribuições de indivíduos que, por sua vez, só
conseguem realizar seus desígnios porque há alguém (ou algumas pessoas) que tem
(ou têm) o poder de coordenar, ou coagir, ou mobilizar um grupo de pessoas para
agir conjuntamente.
O debate contemporâneo não se restringe, porém, à dimensão do capital social e
da confiança como elementos que possibilitam entender os diferentes padrões de
participação cívica. Enquanto as obras clássicas difundiram a percepção de que
a extensão da cidadania era um processo histórico, desde os direitos civis e
políticos até os de caráter social, as recentes interpretações, além de
incorporarem a dimensão dos chamados direitos difusos (meio ambiente,
multiculturalismo, biodiversidade, orientação sexual, entre outros), convergem
na constatação da existência de um crescente déficit de participação política e
de menor identificação da população com as instituições democráticas, pelo
menos desde a década de 1990. Tal processo seria observado tanto nas
democracias consolidadas do Primeiro Mundo quanto nas chamadas "novas
democracias" dos países emergentes (O'Donnell, 1999).
Os autores que abordam a questão da cidadania contemporânea identificam, em
maior ou menor grau, as mudanças na cultura política e nas modalidades de ação
coletiva na pós-modernidade que, em nosso entender, não pode ser compreendida
fora do contexto atual da globalização. Como afirma Harvey (2004:88), podemos
conceber a globalização contemporânea como "um processo de produção de
desenvolvimento temporal e geográfico desigual" na atual fase de
desenvolvimento do capitalismo.
Tomando como referência o próprio Harvey, mas também diversos outros autores
(ver, por exemplo, Castel, 1998; Bauman, 1999; Castells, 1985; Clark e
Inglehart, 2007; Harvey, 1993; Hobsbawm, 1995), podemos condensar os principais
processos relacionados ao fenômeno da globalização: (i) ela decorreria de dois
fatores: da revolução tecnológica e da liberalização financeira dos mercados de
capitais dos países industrializados; (ii) traria tanto uma maior
homogeneização do consumo e da produção de bens de baixa e média tecnologia
quanto uma maior individualização e diversificação de produtos "nobres" -
relacionados ao lazer e ao bem-estar individual -, proporcionadas pelas
profundas mudanças tecnológicas, pelas inovações dos produtos e pela adoção de
modos mais flexíveis de acumulação do capital; (iii) a redução no custo e no
tempo das comunicações e dos transportes de mercadorias e pessoas causaria
fortes impactos sobre as formas hegemônicas pelas quais experimentamos a
sensação de compressão do tempo e do espaço, fragmentando as conexões entre
atores e instituições, e tornando a sociabilidade fragilizada e destituída de
valores e crenças duradouras; (iv) a ascensão de novas formas culturais de
representação associadas à pós-modernidade estaria relacionada à condição
histórico-geográfica específica da longa trajetória do capitalismo; (v) o
processo de crescimento, apogeu e crise do Welfare State e da sociedade
assalariada, bem como dos sindicatos, acarretaria o enfraquecimento do modo de
integração social até então vigente; (vi) a desregulamentação financeira
geraria o enfraquecimento do Estado-Nação em sua capacidade de promover a
articulação entre mercado, território e sociedade; (vii) a maior visibilidade
social das questões étnicas e multiculturais como o epicentro da
conflitualidade social em relação aos conflitos centrados nas classes sociais;
e (viii) o fortalecimento do individualismo como valor ético, sem significar a
diminuição, pelo menos na retórica, da questão social.
Nesse novo cenário internacional, algumas características do panorama político
global se destacam. A mais evidente delas é o enfraquecimento relativo do
Estado nacional, instituição central da política desde a "Era das Revoluções",
em virtude tanto de seu monopólio do poder público e da lei quanto do fato de
constituir o campo efetivo de ação política para a maioria dos atores
(Hobsbawm, 1995).
Mesmo ocorrendo interpretações divergentes sobre a caracterização da crise do
Estado, a maioria dos estudiosos concorda que as sociedades contemporâneas
passam por um período de rápida reestruturação. Pode-se dizer que os processos
de transformação econômica em curso nas últimas duas décadas romperam as
amarras regulatórias tradicionais do Estado (Touraine, 1995). Assim, mesmo em
contextos e em setores em que não ocorreu uma desregulação oficial ou formal da
economia, na prática, parte considerável do quadro legal tornou-se superada. Em
suma, um dos desafios no início deste século seria a formação de um novo marco
de regulação, por parte do Estado, que desse conta da profunda complexidade e
das idiossincrasias das sociedades contemporâneas. Lembram alguns autores que a
ampliação da esfera pública e o fortalecimento progressivo do poder de
regulação do Estado ao longo do século XX (leis antitrust, legislação
trabalhista, previdência, seguridade social etc.) ocorreram, fundamentalmente,
para se contrapor aos efeitos perversos do "mercado livre" (Castel, 1998)5.
Atualmente, embora variando em função das características locais, há uma
tendência de diminuição da participação direta do Estado como produtor direto
de bens e serviços, e de aumento das atividades referentes ao incentivo e à
orientação dos investimentos do setor privado em áreas consideradas, pelo setor
público, estratégicas ou prioritárias, bem como o incremento das atividades de
regulação e de parcerias com diferentes atores da sociedade civil (Osborne e
Gaebler, 1992). Essa tendência não significa que o Estado deixou de ser um
instrumento político relevante - como poderia levar a crer uma interpretação
ingênua do processo de globalização -, mas que é necessário refletir sobre seus
novos papéis nos contextos do desenvolvimento capitalista contemporâneo e das
mudanças culturais associadas à condição pós-moderna, bem como sobre seus
impactos nos arranjos institucionais liberais e na dinâmica democrática.
As atuais características do sistema financeiro internacional reduzem
fortemente as margens de manobra econômica dos governos nacionais,
especialmente na periferia do sistema. Qualquer intento de realizar medidas
heterodoxas implica, imediatamente, uma fuga de capitais, o que equivale, nas
palavras de Reis (2000), a um "golpe de mercado". Como bem lembra Boschi
(2004), nessa conjuntura, os políticos das democracias emergentes, como a
brasileira, são levados a apresentar retóricas e práticas aparentemente
paradoxais, pois, nos períodos pré-eleitorais, enfatizam a necessidade de
criação de empregos, de altas taxas de crescimento econômico e a ampliação das
políticas sociais para terem possibilidade de ser eleitos. Passadas as
eleições, deparam-se com a necessidade de adotar - com maior ou menor
flexibilidade - políticas ortodoxas de contenção da inflação, equilíbrio
macroeconômico, juros elevados etc., sob pena de terem que enfrentar crises de
grandes proporções (ibidem).
Tendo em vista esse quadro, torna-se necessário refletir sobre os impactos
dessas transformações econômicas e sociais na cultura política. Estamos nos
referindo à cultura política entendida como "a generalização de um conjunto de
valores, orientações e atitudes políticas entre os diferentes segmentos"
sociais e que "resulta tanto dos processos de socialização, como da experiência
política concreta dos membros de uma comunidade política" (Moisés, 1992:7).
Segundo Moisés, é difícil determinar as causas últimas geradoras da cultura
política; ou seja, se são as instituições que geram a cultura política ou o
inverso. Nesse sentido, concordamos com o autor que "as decisões tomadas pelos
atores relevantes sobre a estrutura política sofrem o impacto contextual; isto
é, da natureza das disputas políticas [e econômicas], das concepções que os
atores têm sobre ela e dos padrões de comportamento político vigentes ou
herdados do passado" (idem, ibidem:19). Por isso, seria mais apropriado
falarmos de uma mútua influência entre os contextos social, econômico e
institucional e os valores e as crenças políticas.
Nessa perspectiva, caberia indagar sobre as consequências das transformações
relacionadas à globalização contemporânea no processo de modernização dos
países em desenvolvimento e seus impactos na cultura política, refletindo, ao
mesmo tempo, como a cultura política preexistente incide sobre esse processo de
transformação. A nosso ver, a permanência e a reprodução de uma cultura no
longo prazo - por exemplo, a manutenção da cultura patrimonialista e patriarcal
- só são possíveis quando essa cultura se adapta ou, no mínimo, não entra em
contradição com os interesses hegemônicos e com a correlação de forças
existentes em uma dada sociedade. No curto prazo, em momentos de grandes
transformações econômicas e sociais, é razoável um descompasso maior entre
essas dimensões culturais e as condições econômicas e institucionais6.
As dificuldades de mudanças políticas decorrem, normalmente, da resistência de
atores que temem perder privilégios ou vantagens relativas. Poderíamos dizer
que mudanças na cultura política são de tal modo marcadas por comportamentos de
atores hegemônicos que, mesmo quando, do ponto de vista da retórica oficial e
da legislação legal, se logra avançar para relações mais simétricas, isso não
se reflete da mesma forma nas interações sociais. A farta bibliografia sobre
relações de gênero e entre etnias são exemplos marcantes que afetam - ainda que
em grau diferenciado - tanto a civilização ocidental como diversas formações
culturais do Oriente, atingindo países desenvolvidos e emergentes.
Cabe ressaltar que, pelo menos no caso ocidental, há uma clara correlação entre
modernização capitalista e diminuição das desigualdades culturais; ou seja, as
desigualdades que têm por base origem, credo religioso, gênero e cor da pele.
Em outras palavras, o desenvolvimento capitalista tem um caráter progressista,
pois, ao definir o mercado lato sensu como o único balizador das desigualdades,
tende a diminuir as diferenças de ordem adscritivas.
Assim, no caso do Brasil, cremos que é necessário levar em consideração a
questão das desigualdades sociais como um elemento-chave que marca nossa
modernidade e nossa cultura política. Entre os autores contemporâneos que
analisam a questão da desigualdade nos países periféricos, buscando fornecer
subsídios para explicar as fortes tensões entre cultura e economia, chama a
atenção - pela autenticidade da interpretação e por instigar o debate em pauta
- Jessé de Souza (ver Souza, 2000; 2003). Esse autor, questionando as
interpretações clássicas de abordagens baseadas no paradigma do dualismo
cultural (personalismos, herança patrimonialista, homem cordial, resíduos pré-
modernos, hibridismos, entre outros), defende uma nova leitura que possibilite
compreender o Brasil como uma economia de mercado extremamente complexa.
Segundo Souza (2003), o que tornaria possível legitimar a desigualdade social
tanto no Brasil como em qualquer economia capitalista adiantada seria a
ideologia do desempenho que se encontra arraigada de forma pré-reflexiva nas
sociedades de mercado. Nas palavras do autor, todo indivíduo, para ter a
possibilidade de ser incluído em uma determinada sociedade de mercado,
necessita possuir
um conjunto de predisposições psicossociais refletindo, na esfera da
personalidade, a presença da economia emocional e das precondições
cognitivas para um desempenho adequado ao atendimento das demandas
(variáveis no tempo e no espaço) do papel de produtor, com reflexos
diretos no papel do cidadão, sob condições capitalistas modernas
(ibidem:170).
O autor, inspirado em Bourdieu, denomina esse conjunto de atributos "habitus
primário", sendo a internalização deles, aliada à disciplina do trabalho,
fundamental para se alcançar o princípio básico do consenso do cidadão nas
modernas sociedades capitalistas. A inexistência do desempenho compatível e da
disciplina no trabalho levaria a um habitus marcado pela precariedade,
designado por Souza como "habitus precário".
O que diferiria o Brasil e as demais emergentes economias de mercado dos países
desenvolvidos seria que o percentual dos casos de "habitus precário" seria
muito elevado. Para Souza, no Brasil estamos diante
de uma gigantesca "ralé" de inadaptados às demandas da vida produtiva
e social modernas, constituindo-se em uma legião de "imprestáveis",
no sentido sóbrio e objetivo do termo, com óbvias consequências,
tanto existenciais, na condenação de dezenas de milhões a uma vida
trágica sob o ponto de vista material e espiritual, quanto
sociopolíticas, como a endêmica insegurança pública e a
marginalização política e econômica desses setores (ibidem:184).
Debatendo com DaMatta, para quem a aplicação das regras e das leis em situações
sociais assimétricas apresenta por parte dos atores envolvidos uma
intencionalidade favorável àquele que possui contatos e relações privilegiadas
no aparelho de Estado7, Souza entende que esse processo se daria sem nenhum
acordo consciente. O que existiria seriam "acordos mudos e subliminares, mas,
por isso mesmo, tanto mais eficazes que articulam, como que por meio de fios
invisíveis, solidariedades e preconceitos profundos e invisíveis" (ibidem:175).
Segundo o autor, esses consensos sociais pré-reflexivos se dariam pela forte
distinção não consciente entre os "europeus" e a "ralé".
Souza ressalta ainda que, desde meados do século XIX, a questão do desempenho
tem sido valorizada e não pode ser considerada "coisa para inglês ver". Para o
autor, relacionamentos privilegiados ocorrem em todas as economias de mercado,
o mesmo acontecendo com a corrupção e a promiscuidade entre atores políticos.
Em nossa interpretação, entretanto, Souza não consegue demonstrar que esses
fatos tenham a mesma dimensão em países desenvolvidos e periféricos.
Ainda que o universalismo de procedimentos no Brasil - predominante nos países
democráticos desenvolvidos - venha aumentando paulatinamente sua importância ao
longo das últimas décadas, está longe de constituir a gramática hegemônica de
nosso dia a dia. Nesse sentido - mesmo aceitando-se a interpretação de Souza no
plano mais estrutural -, para o caso brasileiro, a perspectiva damattiana não
poderia ser totalmente descartada. Apesar do avanço paulatino nos serviços
públicos de procedimentos universalistas, como a utilização de senhas para
atendimentos em hospitais, escolas públicas, delegacias de polícia, bancos,
companhias de aviação etc., continuam a funcionar paralelamente - ainda que de
forma discreta - atendimentos preferenciais marcados por relações
personalizadas. Esse é um mecanismo tão arraigado, legitimado e generalizado no
país que corta transversalmente toda a estrutura organizacional das empresas de
prestação de serviços, pois tanto os dirigentes como os funcionários dos
diversos escalões hierárquicos, em suas respectivas áreas de competência,
lançam mão desses procedimentos para favorecer parentes, amigos e até mesmo
pessoas indicadas por conhecidos.
Isso é ainda mais óbvio nas regiões menos desenvolvidas do país. Como lembra
Nunes (1997), no Brasil se usam diferentes gramáticas políticas, dependendo do
momento e do local: universalismo de procedimentos, clientelismo,
corporativismo e insulamento burocrático. No caso brasileiro, é bastante comum
a utilização dessas diferentes abordagens de forma cruzada; por exemplo,
clientelismo, mas respeitando-se um teto meritocrático básico.
A extrema desigualdade de nossa estrutura social termina por criar "submundos
sociais" tão distintos que apresentam, sob alguns aspectos, pouca porosidade
entre si (Reis, 1988). Conceitualmente, quando buscamos discutir temas como
tratamento médico, salário, lazer, moradia, transporte, associativismo,
mobilização e cidadania, as diferenças e as percepções dessas e de outras
questões são tão grandes, entre os diversos setores sociais, que exigiriam
análises diferenciadas ou, pelo menos, matizadas.
Nesse sentido, é fundamental destacar a especificidade da dimensão
metropolitana para a compreensão da sociedade brasileira. O Brasil possui vinte
e oito regiões metropolitanas, sendo que as nove primeiras foram
institucionalizadas na década de 1970, durante o regime militar, e as demais,
nos anos 1990, por iniciativa de governos estaduais. Essas regiões
metropolitanas reúnem cerca de 65 milhões de pessoas, o que corresponde a 47%
da população urbana e a 38% dos habitantes do país. As grandes metrópoles
brasileiras se caracterizam não só por concentrarem a maior parte da riqueza
nacional como também por possuírem expressivos focos de pobreza e de exclusão
social: encontram-se, nas regiões metropolitanas, 48% dos pobres, 90% dos
domicílios localizados em favelas e, simultaneamente, 69% do Produto Interno
Bruto (PIB) brasileiro (Davidovich, 2001). A partir dos anos 1990, o processo
de metropolização avança e se diversifica no território nacional. Temos regiões
metropolitanas com diferentes dinâmicas econômicas e demográficas, desde
megacidades, como São Paulo, reunindo mais de 19 milhões de habitantes, até
pequenas aglomerações urbanas institucionalizadas como metropolitanas. Muitas
dessas metrópoles e aglomerações urbanas se articulam, configurando novos
arranjos espaciais, com redobrada importância nos planos econômico e social, e
também redobrada complexidade política e cultural. Ao lado das evidências do
aumento da importância demográfica e econômica, as metrópoles brasileiras estão
concentrando, hoje, a problemática social, cujo lado mais evidente e dramático
é a exacerbação da violência, com seus impactos sobre as formas de exercício da
cidadania. O aumento da violência nas metrópoles guarda fortes relações com os
processos de segmentação socioterritorial em curso, que separam as classes e os
grupos sociais em espaços de abundância e de integração virtuosa e em espaços
de concentração da população vivendo simultâneos processos de exclusão social
(Ribeiro e Santos Junior, 2007).
Tendo em vista as características de nossa cultura política, marcada por
diferentes segmentações sociais e espaciais, torna-se necessário refletir sobre
os impactos das transformações relacionadas à globalização contemporânea -
anteriormente analisada - em nossa dinâmica social e política. Uma análise do
panorama da cultura política brasileira, com foco em alguns dos principais
centros urbanos do país, pode contribuir nesse sentido.
CULTURA POLÍTICA E EXERCÍCIO DA CIDADANIA NO BRASIL
Tomando como referência a pesquisa realizada pelo Observatório das Metrópoles,
em parceria com outras instituições nacionais e internacionais, podemos cotejar
o debate anterior em torno da cultura política - nas dimensões valorativa,
cognitiva e afetiva - com algumas informações empíricas sobre o Brasil,
buscando entender e explicar o exercício da cidadania e traçar uma radiografia
comparativa da motivação dos brasileiros8 na ação política. Nessa análise,
procuramos, de um lado, comparar o Brasil com outros seis países onde a mesma
pesquisa foi realizada (Canadá, Estados Unidos, França, Suécia, Espanha e
Portugal); de outro, ressaltar a cultura política dos principais centros
urbanos metropolitanos do país, comparando os dados nacionais com os de outras
sete cidades selecionadas (São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Recife, Natal e Goiânia), a fim de identificar diferenças que possam
ser relacionadas à dinâmica metropolitana. Para tanto, privilegiamos os
seguintes indicadores: a) associativismo e mobilização; b) predisposição para a
ação política; c) percepção sobre deveres e direitos relativos ao exercício da
cidadania.
a) Associativismo e mobilização
A última pesquisa realizada sobre o tema do associativismo no Brasil apontava
que 27% das pessoas adultas com 18 anos ou mais, moradoras das regiões
metropolitanas, estavam filiadas a algum tipo de associação (IBGE, 1997), fosse
esta de caráter religioso, esportivo, cultural, reivindicativo, corporativo,
social ou político. Assim, à primeira vista, pareceria possível afirmar que
prevalece, no Brasil, um baixo grau de associativismo. Entretanto, tomando como
referência os dados mais recentes de nossa pesquisa, quando comparamos a
intensidade da participação e do pertencimento a associações no Brasil com a de
diversos países desenvolvidos onde pesquisa similar foi realizada, constatamos
que, apesar de estarmos muito abaixo dos índices dos países anglo-saxônios e
escandinavos (Estados Unidos, Canadá, Suécia), situamo-nos em posição
intermediária se comparados a países latino-europeus; estamos acima de Portugal
e Espanha e abaixo da França (Tabela_1).
No caso brasileiro, chama a atenção o fato de a participação e o associativismo
religioso serem relativamente mais importantes, alcançando índices que superam
em mais do que o dobro aqueles alcançados pelas demais formas associativas. É
interessante notar ainda que mesmo os países com forte associativismo religioso
- inclusive superiores ao brasileiro, como Estados Unidos, Canadá e Suécia -
não apresentam grandes diferenças entre esse tipo de associativismo e os
demais, especialmente aqueles vinculados aos grupos desportivos e culturais e
aos sindicatos e associações profissionais, tal como verificado no Brasil.
Em geral, assim como observado nos demais países onde essa pesquisa foi
aplicada, o Brasil apresenta níveis de mobilização sociopolítica10 superiores
aos níveis de participação em organizações associativas (Tabela_2). No entanto,
deve-se destacar que - diferentemente dos níveis de associativismo, no qual
mantemos uma posição intermediária - o grau de mobilização sociopolítica no
Brasil é inferior aos de todos os demais países considerados, até mesmo quando
se observam os diferentes tipos de ação examinados, com exceção da participação
em comícios (em que superamos, levemente, Suécia, Espanha e Portugal) e em
fóruns pela internet (quanto a isso, os brasileiros aparecem um pouco mais
engajados do que os franceses e espanhóis).
Analisando esses diferentes tipos de mobilização sociopolítica, podemos
constatar que as duas modalidades com maior participação dos brasileiros são a
assinatura de abaixo-assinados e a participação em comícios. No primeiro caso,
caracteriza-se por um baixo custo de engajamento, não se exigindo mais do que
uma simples assinatura, sem maiores consequências. Já no que se refere aos
comícios, é preciso levar em consideração os incentivos seletivos
tradicionalmente utilizados para a mobilização popular por meio de "showmícios"
com artistas conhecidos, especialmente nas periferias das grandes cidades e no
interior do país.
No que diz respeito às modalidades de menor engajamento dos brasileiros,
aparecem a participação em fóruns pela internet e o contato com a mídia. No
entanto, há que se destacar que, apesar de baixo, o grau de envolvimento
sociopolítico pela internet segue o padrão médio alcançado pelos demais países.
Por outro lado, a maior diferença relativa encontrada nessa comparação se
refere ao boicote de produtos por questões éticas, políticas e ambientais, em
que praticamente todos os países apresentam um índice de engajamento nesse
quesito duas ou mais vezes maior do que o do Brasil.
Vale lembrar que a abordagem da NCP sustenta que estaria ocorrendo uma mudança
nos padrões de ação política, com a passagem de formas mais tradicionais
(vinculadas aos partidos e sindicatos) para outras mais flexíveis, em que os
vínculos seriam mais pontuais e ligados a diferentes causas políticas (em
especial, relacionadas à agenda ambiental e aos valores pós-materialistas). Na
pesquisa em questão, há indícios de que, apesar de crescentes, as práticas que
caracterizariam a presença da NCP seriam ainda incipientes entre nós,
persistindo a força relativa das organizações associativas tradicionais e suas
respectivas modalidades de mobilização (abaixo-assinado, manifestações,
comícios, greves etc.).
Nesse sentido, talvez seja interessante refletir sobre a relação entre
associativismo e mobilização no Brasil, onde os processos de mobilização
sociopolíticos parecem engajar pessoas com algum vínculo às organizações
associativas existentes (Tabela_3), se bem que existam muitas diferenças quando
consideramos o tipo de associativismo e a modalidade de mobilização. O
associativismo religioso, que mobiliza o maior percentual de pessoas no país, é
o que menos engaja, proporcionalmente, na participação em ações de mobilização
sociopolítica, qualquer que seja a modalidade considerada; o associativismo
partidário sobressai na participação em comícios ou em reuniões políticas; o
associativismo sindical, na participação em greves; o associativismo cultural,
na participação em manifestações; e as outras associações voluntárias (que
reúnem as associações de moradores e as ONGs), no boicote aos produtos, nos
abaixo-assinados, na doação de dinheiro para causas públicas e nos fóruns de
discussão pela internet.
Segundo a literatura existente, quanto maiores os níveis de escolaridade, mais
elevados são os percentuais de associação civil (Santos, 1993; Ribeiro e Santos
Junior, 1996). Em um contexto social marcado por grandes desigualdades
educacionais, como no caso brasileiro, e levando-se em conta nosso nível
associativo, tal fato se apresenta como um fator de risco de reprodução das
desigualdades sociais, tendo em vista que a dinâmica de participação cívica nas
cidades ainda é restrita a um pequeno segmento social que convive com a apatia
política de amplas parcelas da população. Na pesquisa aqui realizada, essa
assertiva é complementada pela relação entre o nível educacional e a
mobilização política: aqueles que possuem nível superior apresentam um grau de
engajamento muito maior do que os que têm baixa escolaridade, sobretudo no que
se refere às práticas associadas às novas formas de ação sociopolítica, tais
como participar de fórum pela internet, boicotar produtos e contactar ou
aparecer na mídia (Tabela_4).
Além disso, é interessante notar que os padrões predominantes de mobilização
sociopolítica se alteram de acordo com as faixas de escolaridade consideradas.
Assim, até a quarta série fundamental (atual quinto ano) predomina a
participação em comícios, enquanto os fóruns pela internet são o que menos
mobiliza esse segmento. A partir dessa faixa de escolaridade, vigora com mais
força a participação em abaixo-assinados. É interessante destacar o crescimento
em importância da participação em fóruns pela internet, cinco vezes mais forte
como fator de engajamento no segmento superior em relação ao setor de menor
nível educacional, além de se constituir na quarta modalidade mais importante
para esse primeiro grupo.
Buscando identificar mudanças na cultura política das metrópoles brasileiras,
busca-se, agora, estabelecer a comparação entre as diferentes cidades onde a
pesquisa foi realizada12. Nessa perspectiva, os dados indicam que São Paulo e
Porto Alegre se diferenciam do conjunto das demais cidades por alcançarem
índices bem superiores à média nacional, tanto no que se refere à intensidade
de associativismo como no que se refere à intensidade de mobilização
sociopolítica (Tabela_5). As demais cidades se situam mais próximas da média
nacional, com exceção de Belo Horizonte, que, nos dois casos, atingiu índices
bem inferiores.
b) Predisposição para a ação sociopolítica
Os níveis de associativismo e de mobilização sociopolítica certamente estão
relacionados às percepções em torno do sistema político, mas os comportamentos
sociopolíticos são resultado de processos de aprendizagem, implicando, segundo
o contexto social e as opções pessoais, atitudes políticas ativas ou passivas.
Entendendo que os comportamentos sociopolíticos são passíveis de aprendizado,
podemos dizer que o comportamento de uma pessoa "como sujeito ativo ou como
indivíduo politicamente passivo tem muito a ver com a própria trajetória"
(Saraí Schmidt apud Baquero e Baquero, 2007), o que põe em xeque o processo de
socialização para a cidadania vivenciado pelos agentes sociais. Ou seja,
existem processos de socialização que incidem sobre as percepções e as
atitudes, e que, genericamente, poderiam ser identificados como vivências
definidoras da predisposição para a ação política.
Como sintetizam Baquero e Baquero (2007:143), pode-se dizer que os modelos
teóricos prevalecentes sobre socialização estão baseados em dois princípios: o
princípio da primazia, que sustenta que a "aprendizagem de criança dura toda a
vida", e o princípio da estruturação, que defende que "as orientações básicas
adquiridas durante a infância estruturam a aprendizagem posterior de crenças
sobre assuntos específicos". Em ambas as abordagens, revela-se um "consenso
entre os estudiosos deste tema que os valores e normas internalizadas pelas
crianças são importantes como determinantes das atitudes quando adultos", ou
seja, o comportamento dos agentes tenderia "a revelar uma certa consistência
com aquilo que se aprende na infância e na adolescência". Como afirmam Baquero
e Baquero (ibidem:143),
quando as crianças alcançam o início da adolescência e chegam à fase
pré-adulta, seu sistema de crenças já está enraizado. A partir daí,
essas crenças sofrem um processo de diferenciação face à exposição
aos meios de comunicação, a novos grupos de referência e ao impacto
de eventos conjunturais (desemprego, qualidade de vida...) no
cotidiano das pessoas.
Assim, os autores concluem que "o comportamento social e político é resultado
de um processo de aprendizagem e esta aprendizagem começa na infância e, em
muitos sentidos, é complementada na adolescência" (ibidem).
Tendo em vista esse quadro de referência, tomamos como indicador do processo de
socialização política - ou seja, como um dos fatores que podem influenciar a
predisposição para a ação sociopolítica - a frequência com que se discutia
política em casa e/ou na escola, ou na universidade, observando a adolescência
e a juventude.
Se considerarmos esse fator um elemento de socialização primária na política,
podemos perceber que, em geral, os brasileiros não têm o costume de falar de
política, quando jovens, nos espaços onde vivem ou estudam. De fato, na média,
os brasileiros raramente discutem política nesses espaços. Nesse tema,
comparando-se as cidades brasileiras, mais uma vez se destacaram, situando-se
acima da média nacional, as cidades de São Paulo e de Porto Alegre; dessa vez
acompanhadas pela cidade do Rio de Janeiro (Tabela_6).
Não obstante a importância dos processos de socialização primária, é preciso
levar em conta os novos processos de diferenciação decorrentes da exposição a
novos grupos de referência e a novas experiências de vida. Nesse sentido,
também é importante avaliar em que medida as pessoas conversam sobre política
em seu cotidiano, considerando o local de trabalho; encontros informais com os
amigos; a própria casa ou a de seus familiares; reuniões associativas; ou ainda
as conversas com os vizinhos. No âmbito da pesquisa, julgamos essas práticas
processos de socialização secundária. Em geral, os índices nesse quesito se
mostraram muito coerentes com o anterior, acompanhando o baixo grau de
socialização primária na política. Em outras palavras, apenas raramente se
discute política nesses espaços. Também aqui se destacaram, situando-se acima
da média nacional, as cidades de São Paulo e Porto Alegre, novamente
acompanhadas pela cidade do Rio de Janeiro (Tabela_6).
Como mencionado anteriormente, outro aspecto importante na construção das
percepções em torno da política diz respeito ao acesso e à exposição à mídia
informativa. Nesse ponto, é interessante observar as diferenças entres as
cidades brasileiras pesquisadas. Sem grandes surpresas, repete-se o destaque
para as cidades de Porto Alegre e São Paulo, cujos moradores aparecem mais
expostos à mídia informativa, sendo seguidos, nesse item, pelos moradores de
Belo Horizonte. Analisando-se os dados relativos ao Brasil, destaca-se o alto
índice alcançado, em todas as cidades, pelo acesso à televisão como principal
fonte de informação política. No caso de Porto Alegre, cabe mencionar a alta
frequência da leitura de jornais como fonte de informação política, situando-se
muito acima das demais cidades brasileiras (Tabela_7). Aqui, devemos levar em
conta o impacto diferenciado das diferentes fontes de informação na construção
da opinião crítica dos cidadãos, quando consideramos o acesso a informações
veiculadas via rádio e televisão, em comparação com diários e revistas
semanais, no caso brasileiro agravado pela extrema desigualdade social, que
torna a capacidade cognitiva extremamente diferenciada segundo os níveis de
escolaridade. Em geral, esses dois últimos meios de comunicação exigem do
leitor maior capacidade de abstração e permitem compreensão mais aprofundada da
dinâmica política.
c) Percepção sobre deveres e direitos relativos ao exercício da cidadania
Quando analisamos as opiniões em torno dos deveres relacionados ao bom
exercício da cidadania, podemos perceber a tendência de os brasileiros
valorizarem, pelo menos no plano discursivo, práticas comumente relacionadas
aos deveres associados ao exercício da cidadania, envolvendo o dever de votar
nas eleições, pagar impostos, obedecer às leis, ajudar as pessoas e prestar
serviço militar, entre outras questões (Tabela_8).
De forma geral, quando analisamos as médias para o Brasil, destaca-se o fato de
que os dois temas menos valorizados foram "escolher os produtos que consome" e,
bastante preocupante, "participar em associações, sindicatos e partidos". A
relativa menor valorização do primeiro tema talvez possa ser explicada pelo
ainda fraco movimento de defesa do consumidor em face dos países do chamado
Primeiro Mundo. Por um lado, os avanços institucionais nessa área - entre eles,
a criação do Código de Defesa do Consumidor e a criação de órgãos
governamentais municipais de defesa do consumidor - têm menos de três décadas.
Por outro, em virtude da extrema desigualdade social no Brasil, a maioria da
população pobre tenderia a priorizar, em relação à qualidade, o acesso à
quantidade dos produtos necessários à sua sobrevivência, o que implica a
escolha de mercadorias mais baratas. De qualquer modo, é possível dizer que
isso tem mudado de forma incremental. Primeiramente, quanto aos produtos
consumidos pela classe média; e, de maneira mais lenta, quanto aos produtos de
consumo de massa.
Em relação ao segundo tema, a menor valorização da participação em associações,
sindicatos e partidos pode ser explicada tendo em vista as características do
sistema político e social brasileiro, no qual o universalismo de procedimentos
- ainda que, na qualidade de retórica oficial, venha aumentando,
paulatinamente, seu espaço na história republicana do país - é sobrepujado ou
apareça entrelaçado por outras gramáticas políticas, como o corporativismo, o
clientelismo e, em menor grau, o insulamento burocrático (Nunes, 1997).
No que concerne aos valores com índices mais elevados, destacam-se as opiniões
relativas a "ajudar as pessoas necessitadas", tanto brasileiras como de outras
partes do mundo. É provável que esse comportamento decorra, sobretudo, do
caráter fortemente relacional de nossa sociedade, que, em termos de valores,
prioriza as necessidades do grupo familiar, em sua perspectiva ampliada - que
comportaria, até mesmo, agregados e amigos -, em detrimento de interesses
individualistas, vistos como reprováveis socialmente (DaMatta, 1979). Isso
permitiria a formação, na esfera da sociabilidade, de redes pessoais de apoio,
para os momentos de infortúnio, fortemente ancoradas em vínculos familiares e
de vizinhança, mormente para as famílias pobres que habitam as periferias
metropolitanas.
Na comparação entre os centros urbanos pesquisados, o que mais chama a atenção
são as diferenças que opõem, novamente, as cidades de São Paulo e Porto Alegre
- caracterizadas por serem os lugares onde menos se valorizam comportamentos
comumente relacionados aos deveres da cidadania moderna - às de Recife, Natal e
Goiânia - caracterizadas pela maior valorização dessas mesmas práticas. As
cidades do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte ocupam um lugar intermediário
nessa escala17.
Ocorre uma situação similar quando analisamos as opiniões relativas aos
direitos de cidadania (Tabela_9). Os brasileiros, em geral, consideram muito
importante ter um nível de vida digno, o respeito aos direitos das minorias, o
tratamento igualitário, ser escutado e ter mais oportunidades de participação
nas decisões de interesse público. No entanto, também nesse caso, podemos
perceber que os cidadãos de São Paulo e de Porto Alegre, dessa vez acompanhados
pelos de Belo Horizonte, valorizam menos esses temas vinculados aos direitos de
cidadania; inversamente, os moradores de Recife, Natal e Goiânia, agora com os
do Rio de Janeiro, conferem maior importância a essas questões.
Diante dos valores e das percepções evidenciadas ao longo deste tópico, não é
de se estranhar que os brasileiros não demonstrem muito interesse por política,
pelo menos da forma como percebem a política oficial no Brasil. Na média,
poderíamos definir a posição do brasileiro como sendo de quase nenhum
interesse. Coerentes com as diferenças observadas ao longo da análise,
novamente São Paulo e Porto Alegre são as capitais que mais se diferenciam da
média nacional, ultrapassando a barreira do pouco interesse. De qualquer forma,
vale registrar que as cidades de Goiânia, do Recife e do Rio de Janeiro também
ficaram levemente acima da média, apesar de distantes dos dois centros
anteriormente mencionados (Tabela_10).
Como vimos ao longo desta análise, os indícios de uma polarização entre, de um
lado, São Paulo e Porto Alegre, e as demais cidades pesquisadas, de outro,
possibilitam levantar a hipótese de que as mudanças no comportamento e nos
valores culturais estão relacionadas ao dinamismo econômico, político e social
dos centros urbanos considerados e aos processos de relativo enfraquecimento
dos valores clássicos relacionados ao bom exercício da cidadania nesses
espaços, que combinam tradição sindical e de participação cívica com mudanças
socioculturais relacionadas aos processos de globalização contemporânea.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: CULTURAS POLÍTICAS ENTRELAÇADAS
Parece inegável que, sobretudo a partir dos anos 1980, a agenda política dos
movimentos sociais brasileiros se tornou mais complexa e diversificada,
acompanhando a dinâmica dos movimentos sociais, alargando as reivindicações
urbanas e inserindo, na agenda pública, questões relacionadas às desigualdades
de gênero, às desigualdades étnico-raciais, ao meio ambiente, à mobilidade
urbana, aos direitos da criança e do adolescente, à liberdade sexual, à
economia solidária, entre outros tantos temas, expressando uma agenda social e
política cada vez menos pautada por reivindicações estritamente materiais -
reivindicações salariais, distribuição de renda e acesso aos equipamentos
urbanos. As transformações na dinâmica urbana e o processo de metropolização
verificado no Brasil certamente também se constituem em importante substrato
das mudanças ocorridas em nossa cultura política. No entanto, apesar de
reconhecermos a crescente importância de demandas relacionadas às concepções e
aos modos de vida defendidos por diferentes grupos sociais, não devemos
subestimar a permanência dessas demandas e das reivindicações materiais,
sobretudo em uma sociedade com elevados níveis de desigualdades sociais, como a
brasileira.
Uma questão central diz respeito, como verificamos ao longo deste artigo, à
existência de diferenças significativas na cultura política dos brasileiros
quando consideramos as diferentes cidades metropolitanas do país. Essas
diferenças parecem indicar a existência de uma relação direta entre as
dinâmicas urbana e socioeconômica, de um lado, e a adoção de padrões de
comportamento relacionados à NCP, de outro. No caso brasileiro, dois centros
metropolitanos - Porto Alegre e São Paulo - se sobressaem, pelo fato de se
aproximarem, comparativamente, mais desse padrão do que as demais cidades
consideradas, com seus cidadãos expressando opiniões, valores e atitudes
associados à NCP. Quanto a todos os demais centros metropolitanos analisados -
Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Goiânia e Natal -, porém, é possível
dizer que há sinais de comportamentos similares, mesmo que restritos a pequenos
grupos sociais; em geral, com maior nível de renda e de escolaridade.
A nosso ver, valores e comportamentos relacionados à NCP no Brasil, mesmo que
se tenham fortalecido nas últimas décadas, estão longe de se constituírem na
principal gramática cultural existente. Além disso, a gramática cultural
clássica (esquerda e direita tradicionais) nunca alcançou os níveis dos países
ocidentais desenvolvidos. Por outro lado, vertentes híbridas, como o
clientelismo, em suas diferentes formas (tradicional e mediada por máquinas
políticas controladas por líderes carismáticos), e o corporativismo,
apresentam-se com grande pujança. Por fim, há experimentos de organização
popular e de sindicalismo fundados no fortalecimento da autonomia e no
protagonismo de seus integrantes, além da criação de partidos políticos
programáticos, de base sindical e popular. Nesse sentido, poderíamos dizer que,
no Brasil, há um entrelaçamento de múltiplas gramáticas culturais criando
cenários extremamente diversificados de percepções, valores e comportamentos
dos agentes sociais.
Nesse contexto, há que se refletir em que medida as mudanças evidenciadas podem
ser satisfatoriamente explicadas pela teoria da NCP. De fato, há transformações
na cultura política, mas talvez elas estejam menos relacionadas ao suposto
desenvolvimento de uma agenda pós-materialista e mais vinculadas a algum tipo
de relação com a emergência de modos flexíveis de acumulação do capital
(Harvey, 1993) e a "reorientação das posturas das governanças urbanas adotadas
nas últimas duas décadas" (idem, 2005:167), disseminando-se em todos os países
capitalistas.
Assim, inspirados na análise de Harvey sobre a condição pós-moderna, poderíamos
formular a hipótese de que essas mudanças, quando confrontadas com a cultura
política associada a instituições liberais republicanas, se mostram mais
vinculadas às transformações na dinâmica inerente a essas instituições - com
sua crescente incapacidade de representação política da multiplicidade de
interesses existentes na sociedade e sua atual crise de legitimidade - do que à
expressão de alguma nova cultura pós-materialista ou mesmo pós-liberal
inteiramente nova.
Ao longo deste ensaio exploratório, problematizamos as formas pelas quais, no
Brasil, estariam sendo incorporadas as mudanças econômicas e culturais
decorrentes da globalização contemporânea e discutimos seus impactos na cultura
política. Assim, buscamos refletir em que medida as concepções e os
comportamentos associados à NCP se aproximariam da cultura política dos
brasileiros, destacando alguns centros urbanos metropolitanos como espaços
sociais onde se poderiam observar, mais explicitamente, essas mudanças, em
razão do efeito metrópole.
Estamos conscientes de que os desafios que se apresentam nessa empreitada não
podem ser subestimados, motivo pelo qual acreditamos que os avanços serão
incrementais e acumulativos. Ainda que muito instigante, o conceito de NCP,
tanto no que se refere à sua robustez teórica como no que se refere à sua
aplicação a países emergentes, como o Brasil, merece ser discutido tendo em
vista suas possibilidades e limites na identificação e na explicação das
mudanças em curso na contemporaneidade.
NOTAS
1. Apesar de o escopo deste artigo estar centrado no debate sobre o Brasil,
entendemos, naturalmente, que a discussão sobre a pertinência do conceito de
NCP pode ser realizada também para os chamados países do Primeiro Mundo,
questionando os pressupostos e as conclusões alcançadas pelos autores já
citados.
2. As pesquisas foram realizadas pela Rede Observatório das Metrópoles no
âmbito do projeto Milênio. Na etapa nacional, a pesquisa de campo foi
desenvolvida em parceria com o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro (IUPERJ); nas demais metrópoles, apenas pela Rede Observatório das
Metrópoles. Em seu conjunto, as pesquisas estão incluídas nas redes do
International Survey Research Programme (ISRP) e da European Social Survey
(ESS). Cabe ressaltar ainda que foi realizado um convênio com o Instituto de
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL) em virtude de um projeto
comparativo sobre a análise das atitudes sociais de brasileiros e portugueses.
3. Clark vem analisando, durante os últimos trinta anos, a evolução da cultura
política no âmbito local, concluindo que as tendências de emergência de uma
"nova cultura política" estariam se consolidando até em partidos políticos de
caráter nacional (Clark e Inglehart, 2007). Na visão de seus formuladores, a
NCP constituiria uma transformação de caráter societal de normas e valores,
derivada de mudanças nas estruturas socioeconômicas das sociedades
desenvolvidas e tendo como um de seus resultados a erosão das formas
tradicionais de interação cívica e social. Assim, as mudanças de normas e
valores afetariam não somente os conteúdos da agenda (temas materialistas, com
base em clivagens das classes, esquerda/direita etc.), como também engendram
uma combinação de atitudes conservadoras, no que diz respeito a temas fiscais e
sociais, acopladas a comportamentos liberais progressistas em relação aos
costumes e estilos de vida, além da adoção de novas formas de ação política
(Clark e Navarro, 2007).
4. Estabelecendo um paralelo com o Norte e o Sul da Itália, o autor afirma que,
diferentemente dos Estados Unidos, que se teriam beneficiado da tradição
inglesa de civismo, os países da América Latina teriam sido prejudicados pelo
autoritarismo, pela exploração e pela dependência legados pela colonização
ibérica, em uma herança que marcou, definitivamente, a trajetória dos países aí
situados (Putnam, 1996).
5. Esse processo de regulação do mercado pelo Estado é inerente ao próprio
capitalismo. Como destaca Polanyi (2000:84), "subordinar a substância da
própria sociedade às leis do mercado" resultaria no desmoronamento da
sociedade. Segundo o autor, essa ameaça torna inevitável o surgimento (como
ocorreu ao longo dos séculos XIX e XX) de alguma forma de protecionismo que
limite o poder do livre mercado: "Despojados da cobertura protetora das
instituições culturais, os seres humanos sucumbiriam sob os efeitos do abandono
social" (ibidem:85). É para proteger a sociedade "desse moinho satânico"
(ibidem:86) que surgem os contramovimentos de proteção social. De fato, até as
próprias transações capitalistas devem ser também protegidas do funcionamento
irrestrito do mercado.
6. Os exemplos são por demais evidentes. Para não alongar a lista, o caso da
China é ilustrativo, com a introdução de uma forte economia de mercado nas
"zonas especiais" e nas grandes metrópoles, convivendo com o discurso da
construção do socialismo adaptado às condições chinesas.
7. Para DaMatta (1979), há, na sociedade brasileira, uma distinção entre
"pessoa" - digna de consideração quando a interpretação da lei é matizada de
forma favorável - e "indivíduo" - que não possui relações privilegiadas,
correndo o risco de ser tratado com os rigores da lei.
8. Na amostra nacional, foram entrevistadas 2.000 pessoas; e,
complementarmente, mais 2.804 pessoas, distribuídas pelas seguintes cidades:
São Paulo (384), Rio de Janeiro (500), Porto Alegre (384), Belo Horizonte
(384), Recife (384), Natal (384) e Goiânia (384). No que se refere à amostra
nacional, temos 51,2% de mulheres e 48,9% de homens, todos maiores de 18 anos,
distribuídos entre as seguintes faixas etárias: 34,6% entre 18 e 29 anos; 31,6%
entre 30 e 44 anos; 19,9% entre 45 e 59 anos; 11,8% entre 60 e 74 anos; e 2,2%
com mais de 75 anos. A maior parte dos entrevistados é solteira (49%), mas
também é significativo o percentual de casados (37%). A amostra também contou
com 7% de viúvos e 7% de separados ou divorciados. Em geral, o nível de
escolaridade dos entrevistados é baixo, prevalecendo pessoas que cursaram até o
nível médio incompleto (68% da amostra).
9. A pergunta da entrevista foi: "Por vezes, as pessoas participam de grupos ou
de associações. Para cada um dos grupos mencionados, diga se: (a) participa
ativamente; (b) pertence, mas não participa ativamente; (c) já pertenceu; (d)
nunca pertenceu". Considerou-se a participação em partidos políticos;
sindicato, grêmio ou associação profissional; igreja ou organismo religioso;
grupo desportivo, recreativo ou cultural; e outras associações voluntárias.
10. Considerou-se, na pesquisa, como expressão da mobilização sociopolítica, a
participação nas seguintes atividades: assinatura de abaixo-assinados; boicote
a produtos por questões políticas, éticas e ambientais; manifestações
políticas; comícios; contato com políticos ou altos funcionários do Estado;
doações de dinheiro ou recolhimento de fundo para causas públicas; contato com
a mídia; e fóruns pela internet.
11. No questionário, a pergunta foi formulada da seguinte forma: "Abaixo são
listadas algumas formas de ação política e social que as pessoas podem ter. Por
favor, indique, para cada uma delas se: (1) fez no último ano; (2) fez em anos
anteriores; (3) nunca fez, mas poderia ter feito; (4) nunca o faria. Formas de
ação política e social: assinar uma petição ou fazer um abaixo-assinado;
boicotar ou comprar determinados produtos por questões políticas, éticas ou
ambientais; participar em uma manifestação; participar em um comício ou em uma
reunião política; contactar, ou tentar contactar, um político ou um funcionário
do governo para expressar seu ponto de vista; dar dinheiro ou tentar recolher
fundos para uma causa pública; contactar ou aparecer na mídia para exprimir
suas opiniões; participar em um fórum ou em um grupo de discussão pela
internet".
12. Para controlarmos, estatisticamente, a comparação das médias dos índices
para cada cidade, realizamos uma análise de variância (Anova) para
distinguirmos médias que não se diferenciam, significativamente, e formamos
grupos de médias que diferenciam, significativamente, entre si.
13. Os índices de associativismo e de mobilização foram construídos com base
nas médias das respostas das questões relativas a cada um dos índices (ver
Tabelas_1 e 2), tendo como resultado um índice que varia de 0 a 3.
14. Na socialização primária, o índice corresponde à média alcançada em duas
perguntas: "(i) quando o(a) senhor(a) tinha 14/15 anos, com que frequência se
falava de política em sua casa?; (ii) na escola/universidade, com que
frequência se fala, ou se falava, de política?". Na construção do índice, foram
dados pesos diferenciados, de acordo com as seguintes respostas: "(4)
frequentemente; (3) algumas vezes; (2) raramente; e (1) nunca". Na socialização
secundária, o índice corresponde à média alcançada em uma pergunta dividida em
cinco itens: "Hoje em dia, fora dos meios de comunicação (televisão, rádio e
jornais), com que frequência ouve falar de assuntos políticos em cada um dos
seguintes locais: (i) local de trabalho; (ii) encontros com os amigos; (iii) a
própria casa ou a de seus familiares; (iv) reuniões associativas; (v) conversas
com os vizinhos. Na construção do índice, foram dados pesos diferenciados de
acordo com as seguintes respostas: (4) frequentemente; (3) algumas vezes; (2)
raramente; e (1) nunca".
15. O índice corresponde à média alcançada para a seguinte pergunta: "Com que
frequência o(a) senhor(a) faz cada uma das seguintes coisas?: (i) lê assuntos
de política nos jornais; (ii) vê os noticiários na televisão; (iii) ouve os
noticiários da rádio; (iv) utiliza a internet para obter notícias e informação
política. Sendo: (5) todos os dias; (4) 3-4 dias por semana; (3) 1-2 dias por
semana; (2) menos de 1 dia por semana; e (1) nunca".
16. A pergunta do questionário era a seguinte: "Há muitas opiniões diferentes
sobre o que se deve fazer para ser um bom cidadão. Em uma escala de 1 a 7, em
que 1 significa nada importante e 7 muito importante, que importância o(a)
senhor(a) atribui, pessoalmente, a cada um dos seguintes aspectos: (i) votar
sempre nas eleições; (ii) nunca sonegar impostos; (iii) obedecer sempre às leis
e aos regulamentos; (iv) manter-se informado sobre as atividades do governo;
(v) participar em associações, sindicatos e partidos; (vi) tentar compreender a
maneira de pensar das pessoas com opiniões diferentes das suas; (vii) escolher
produtos por questões políticas, éticas ou ambientais, mesmo que eles custem
mais caro; (viii) ajudar as pessoas que, no Brasil, vivem pior do que o(a)
senhor(a); (ix) ajudar as pessoas que, no resto do mundo, vivem pior do que o
(a) senhor(a); e (x) estar disposto a prestar serviço militar quando for
preciso".
17. Se considerarmos apenas as médias gerais, Rio de Janeiro e Belo Horizonte
se aproximam das cidades de São Paulo e Porto Alegre, mas, de fato, olhando os
diferentes componentes da pesquisa, percebe-se que as duas primeiras flutuam
fortemente na importância atribuída aos diferentes valores.
18. A pergunta do questionário foi a seguinte: "Há muitas opiniões diferentes
sobre os direitos das pessoas em uma democracia. Nesta escala de 1 a 7, em que
1 significa sem importância e 7 muito importante, que importância o(a) senhor
(a) atribui a: (i) todos os cidadãos terem um nível de vida digno; (ii) as
autoridades respeitarem e protegerem os direitos das minorias; (iii) as
autoridades tratarem todas as pessoas da mesma maneira, independentemente de
sua posição social; (iv) os políticos escutarem os cidadãos antes de tomarem
decisões; e (v) dar às pessoas mais oportunidades de participar nas decisões de
interesse público".
19. A pergunta do questionário foi: "O(A) senhor(a) diria que é interessado(a)
em política? Sendo: (4) muito interessado; (3) interessado; (2) não muito
interessado; e (1) não tem interesse nenhum".