Estilos de implementação e resultados de políticas públicas: fiscais do
trabalho e o cumprimento da lei trabalhista no Brasil
INTRODUÇÃO
É fato que a maior parte da atenção pública e da energia política se concentra
nos momentos e nas decisões relativas à formulação de novas políticas públicas
e leis (ou na reforma destas). Muito frequentemente esses momentos são
apresentados como conquistas importantes, avanços ou até soluções para alguns
dos problemas que assolam o Brasil. Contudo, quando observamos mais de perto a
implementação de algumas dessas políticas públicas (seja na área social, seja
na segurança pública, na regulação etc.), não é incomum ficarmos frustrados com
seus resultados ou constatarmos que os resultados de uma mesma política
implementada, em um mesmo local (país, estado ou município), por uma mesma
organização, sejam heterogêneos - isto é, os objetivos formais ou iniciais de
uma política não são alcançados da mesma forma em todos os lugares. Por
exemplo, o cumprimento da legislação ambiental é maior em algumas localidades
do que em outras; em algumas regiões de um município, equipes do Programa Saúde
da Família (PSF) produzem melhores resultados do que em outras. O que explica
essa variação? Por que sistemas burocráticos não implementam políticas de modo
uniforme e objetivo, assim como previsto na perspectiva weberiana?
A literatura especializada aponta muitos fatores que potencialmente afetam a
variação nos resultados de uma política pública (por exemplo, renda/
desenvolvimento local, organização da sociedade civil, redes sociais,
competição entre elites locais/regionais etc.). No entanto, pouco se sabe sobre
o efeito das decisões, práticas e comportamentos de agentes burocráticos sobre
os resultados das políticas públicas. Haveria alguma relação entre estilos de
implementação adotados por esses agentes e os resultados de uma política?
Para abordar essa lacuna, no presente estudo é examinada a política de inspeção
do trabalho no Brasil, à qual compete a implementação e/ou a verificação do
cumprimento da legislação trabalhista, com o intuito de explorar se e como a
variação nas práticas e nas condutas de agentes burocráticos de linha de frente
explica a variação nos resultados obtidos. Para isso, além desta introdução e
da conclusão, o artigo está dividido em três partes.
Primeiramente, apresenta-se uma revisão da literatura sobre implementação de
políticas públicas (sua emergência e evolução como subcampo de estudos) e
identifica-se uma lacuna teórico-empírica importante: a ausência de estudos que
compreendam os elos causais entre variação em estilos/práticas de implementação
e resultados de políticas públicas. Na segunda seção, apresenta-se a estratégia
metodológica (e técnicas de análise comparativa empregadas), além de como se
pretende avançar em direção ao preenchimento dessa lacuna, com base em extensa
pesquisa de campo sobre a implementação da legislação trabalhista no Brasil. Na
terceira parte, partindo de três padrões de resultado da intervenção dos
fiscais do trabalho, ilustrados a partir de exemplos empíricos, é estabelecida
a variação nos resultados da política de inspeção do trabalho. Em seguida, são
apresentados os resultados da análise comparativa que visou avaliar os
potenciais elos causais entre estilos de inspeção e resultados em termos do
cumprimento da lei trabalhista por parte de empregadores e empregados. Por fim,
na conclusão são apresentadas as principais implicações deste estudo para o
campo das políticas públicas.
IMPLEMENTAÇÃO, IMPLEMENTADORES E ESTILOS DE IMPLEMENTAÇÃO: O DEBATE NA
LITERATURA
Há décadas pesquisadores têm se dedicado a compreender o "problema da
implementação". Em parte da Europa e na América do Norte, o planejamento
racional-compreensivo, triunfante nos anos 1950-1960, conduzido por
tecnocracias estatais em expansão desde o período entre guerras, deparou-se com
forte ceticismo a partir da década de 1970. A decepção em relação ao desempenho
do Estado crescia à medida que os resultados insatisfatórios de políticas e
programas se tornavam mais aparentes e recorrentes. Paralelamente às críticas
ao Estado, advindas tanto da esquerda (Estado capturado e não responsivo)
quanto da direita (Estado invasivo e ineficiente), ocorriam avanços no campo
dos estudos organizacionais (por exemplo, a "racionalidade limitada", de Simon
e March, 1958) que abriram o caminho nos anos 1970-1980 para o debate acadêmico
sobre implementação de políticas públicas motivado pela seguinte questão: por
que observamos tanta discrepância entre os objetivos planejados e os
alcançados?
O estudo de Pressman e Wildavsky (1973) sobre a Agência de Desenvolvimento
Econômico de Oakland (e o fomento ao emprego de minorias) é um dos marcos
fundadores do campo de estudos sobre implementação no debate norte-americano.
Esses pesquisadores elegeram para o estudo uma política que, em tese, tinha
tudo para ser bem-sucedida: os recursos estavam garantidos, havia consenso
entre as várias esferas de governo envolvidas e o setor privado, o desenho
institucional era considerado inovador e tecnicamente viável, entre outros
atributos. Contudo, o projeto não foi implementado dentro do cronograma
esperado e não gerou os resultados almejados. Segundo os autores, a explicação
para o fracasso da iniciativa reside em elementos mais prosaicos, que pertencem
ao cotidiano da execução de políticas (em oposição a fatores externos como os
mencionados anteriormente). Pressman e Wildavsky constataram que o processo de
implementação de políticas públicas envolve necessariamente complexidades
(critérios contraditórios, acomodação de interesses conflitantes, múltiplos
atores, processos decisórios longos e tortuosos etc.) muito maiores do que o
debate do período poderia supor:
[...] quando dizemos que os programas falharam, damos a impressão de
que estávamos surpresos. Se pensássemos desde o início que tais ações
tinham de fato poucas chances de ser bem-sucedidas, o insucesso delas
em realizar as metas propostas ou de gerar quaisquer resultados não
demandaria nenhum tipo de explicação especial (ibidem:87; tradução do
autor).
Seguindo essa mesma linha, outros autores enfatizaram o processo de
implementação como uma etapa difícil e complexa da realização de políticas
públicas. Bardach (1977), por exemplo, desenvolveu uma tipologia de "jogos de
implementação" que enfatiza os processos e os constrangimentos institucionais
que criam oportunidades para desvio de recursos, atrasos, distorção e não
realização de objetivos almejados. Segundo o autor, somente a simplificação de
políticas ainda na etapa de seu desenho poderia evitar os problemas da
implementação: "quanto menos etapas envolver o processo de implementação,
menores são as oportunidades para o desastre" (ibidem:250; tradução do autor).
Já a partir dos anos 1980, surge outra resposta ao problema da discrepância
entre objetivos e resultados alcançados que enfatiza a natureza necessariamente
política do processo de implementação. Pesquisadores nessa linha questionaram a
percepção da implementação como um processo (policy cycle) mecânico, linear e
complexo de tradução de metas em rotinas de operação. Em vez disso,
argumentaram que a etapa de implementação diz respeito a questões, conflitos e
decisões fundamentais sobre "quem recebe o quê?". Os estudos de Grindle e
Thomas (Grindle e Thomas, 1989; Thomas e Grindle, 1990), Allison (1969),
Nakamura e Smallwood (1980), e BID-IPES (2006) chamaram a atenção para como
barganhas - em torno de recursos administrativos, poder e diferentes visões
sobre uma política - entre gestores públicos, elites políticas e grupos
interessados afetam e constantemente remodelam os objetivos e os formatos
organizacionais de políticas e programas.
Finalmente, uma terceira linha de pesquisa desagregou o Estado e suas
organizações para chamar a atenção para o papel desempenhado por burocratas de
linha de frente (street-level bureaucrats) e a influência destes na performance
e na redefinição dos objetivos de uma política pública (Lipsky, 1980; Wilson,
1968; 1989; Silbey, 1981; 1984; Silbey e Bittner, 1982; Tendler, 1997; Maynard-
Moody e Musheno, 2003)1. Essa resposta ao "problema da implementação"
introduziu uma mudança paradigmática, visto que chamou a atenção para o papel
crucial desenvolvido por atores até então ignorados nas avaliações de políticas
públicas. De acordo com essa vertente, burocratas de linha de frente gozam
inevitavelmente de um alto grau de discricionariedade (em virtude da escassez
de recursos, de objetivos ambíguos, de dificuldade de supervisão etc.) na
tomada de decisões sobre como implementar a política2. Por consequência, não se
pode compreender a implementação de políticas e o desempenho organizacional sem
considerar as regras, pressões e situações vivenciadas pelos funcionários de
linha de frente (professores, policiais, fiscais etc.) durante o cotidiano de
seu trabalho3.
Os impactos dessa mudança de paradigma foram consideráveis. Primeiramente, em
relação aos defensores do planejamento racional-compreensivo das décadas
anteriores (1950-1960), essa linha de pesquisa contribuiu para a consolidação
dos avanços na teoria organizacional (por exemplo, racionalidade limitada,
satisficing vs. maximizing, incertezas, informação imperfeita etc.), no estudo
da implementação de políticas públicas. Em segundo lugar, ao chamar a atenção
para o lugar do indivíduo na burocracia (e para o burocrata de linha de frente
como ator relevante no processo de realização da política pública), essa
abordagem demonstrou que o Estado não é um ator unitário, mas sim fragmentado
de cima a baixo, complicando os argumentos neomarxistas sobre a captura do
Estado (muitas facções a serem capturadas pelos mesmos interesses). Em terceiro
lugar, essa linha consolidou-se, a partir da década de 1990, em uma literatura
que se dedicou a investigar a fundo a estrutura interna do Estado (Wilson,
1989; Hawkins, 1992; Tendler, 1997; Justice, 1986; Joshi, 2000; Bianchi, 2002;
Maynard-Moody e Musheno, 2003; Crook e Ayee, 2006; entre outros).
Em suma, essa terceira resposta ao "problema da implementação" apresenta, como
contribuição definitiva, a abertura do espaço para o vislumbramento de
diferentes práticas e estilos de implementação a partir do fracionamento de
burocracias públicas. Entretanto, essa abordagem ainda avançou muito pouco no
sentido da exploração e do estabelecimento de nexos causais entre variação nas
formas ou nos estilos de implementação adotados por burocratas de linha de
frente e os resultados de políticas observados4.
IMPLEMENTAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA NO BRASIL: COMPREENDENDO A VARIAÇÃO NOS
RESULTADOS
Com o objetivo de preencher a lacuna anterior identificada na literatura e
avaliar se e como estilos de implementação afetam os resultados de uma política
pública, o presente estudo debruçou-se sobre uma política pública específica,
implementada por uma única organização: a inspeção do trabalho. A fiscalização
do cumprimento da legislação trabalhista e das normas de segurança e saúde do
trabalho no Brasil compete à Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), no
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
A fiscalização exercida pela SIT-MTE integra, por força da Constituição de
1988, com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Justiça do Trabalho, um
"tripé" institucional para proteção e garantia dos direitos trabalhistas. Por
um lado, o MPT e a Justiça do Trabalho, respectivamente, incitam e julgam
processos judiciais reforçando ou criando novas interpretações da lei à medida
que esses órgãos fortificaram suas capacidades de intervenção na produção da
regulação do trabalho a partir da década de 19905. Por outro lado, cabe à
inspeção do trabalho a tarefa de "polícia administrativa", por meio da
fiscalização contínua de ambientes de trabalho e da autuação imediata dos
infratores da lei (multas administrativas). Visando ao cumprimento de tal
função no âmbito desse ambiente institucional, a SIT-MTE elabora as diretrizes
nacionais de inspeção e supervisiona as atividades de aproximadamente 3.000
auditores-fiscais do trabalho distribuídos em 27 Superintendências Regionais de
Trabalho e Emprego (SRTEs)6.
Esse contingente de auditores-fiscais do trabalho (AFTs) tem a missão de cobrir
mais de 78 milhões de trabalhadores ocupados (em empregos formais e informais)
e 2,7 milhões de empresas registradas em todos os 5.564 municípios
brasileiros7. Além disso, esses AFTs lidam com a complexidade técnica envolvida
na fiscalização dos 922 artigos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), de
46 artigos da Constituição Federal, 79 convenções da OIT, 30 normas de saúde e
segurança (que somam mais de dois mil itens), e muitos outros atos
administrativos e decisões judiciais. Além das proporções e da complexidade da
tarefa, os AFTs realizam a maior parte de seu trabalho inspecionando empresas
em campo, geralmente mediando, sob tensão e escassez de recursos
administrativos (computadores, veículos etc.), conflitos de interesses. Por
todas essas razões, os fiscais do trabalho correspondem ao perfil do burocrata
de linha de frente típico e, consequentemente, gozam de alto grau de
discricionariedade no exercício de suas funções. Para esses agentes, é
impossível cobrir o universo de empresas/trabalhadores e todos os regulamentos,
e não existe uma forma única de aplicar a legislação para todo o mercado de
trabalho. Assim, esses agentes inevitavelmente têm de: a) escolher que empresas
ou setores vão enfocar e como vão interagir com eles; b) selecionar os
problemas que merecem mais atenção e priorizá-los; c) improvisar e desenvolver
abordagens e soluções específicas e adequadas aos problemas de cada setor ou
caso particular.
Essa situação oferece o contexto ideal para a avaliação da existência de
estilos de implementação e de seus impactos sobre o resultado de políticas.
Nesse sentido, no presente estudo foi utilizada uma metodologia que combinou
pesquisa de campo com técnicas de análise comparativa. Mediante extensa
pesquisa de campo (coleta de dados, documentos, participação em reuniões e 114
entrevistas com os diversos atores envolvidos entre dezembro/2006 e agosto/
2008), foram reunidas informações sobre 24 casos nos quais fiscais do trabalho
intervieram em diversas atividades econômicas e contextos sociais, sobretudo em
três estados: Minas Gerais, Bahia e Pernambuco8. Desse total de entrevistas,
aproximadamente 49 foram realizadas com fiscais do trabalho nos três estados e
no nível central, em Brasília. Durante as entrevistas, solicitou-se aos fiscais
que relatassem, com base em suas próprias experiências ou na experiência de
colegas, casos envolvendo resultados positivos e casos que resultaram em
impasse. A identificação dos casos foi consolidada por meio de triangulação,
entrevistando-se outros 65 atores relevantes envolvidos em cada caso
específico, incluindo empresários, gerentes, trabalhadores e sindicatos,
associações empresariais e outros órgãos públicos (Fundacentro; MPT; bancos de
desenvolvimento; entre outros).
A partir da sistematização das informações coletadas, a primeira etapa da
análise focou as comparações entre casos (cross-case) para determinar os
padrões de resultado existentes entre os diferentes casos e contextos. O Quadro
1 apresenta a tipologia de resultados da intervenção dos auditores-fiscais do
trabalho. A partir da amostra de 24 casos, foram identificados três padrões
distintos de resultado.
O primeiro tipo de resultado diz respeito a situações nas quais os fiscais do
trabalho falham no desempenho de sua missão de garantir o cumprimento da lei
por parte das empresas. Por exemplo, em 2001, dois anos depois que a Ford
iniciou as operações de sua nova montadora em Camaçari (BA), os fiscais do
trabalho observaram um aumento de lesões por esforço repetitivo (LER) entre os
trabalhadores locais. Contudo, apesar de estarem há mais de quatro anos atuando
no caso, os fiscais não conseguiram promover muitas mudanças no modo como a
montadora operava nem na redução das lesões. Da mesma forma, há muito são
conhecidos os danos ambientais causados por empresas de mineração de ardósia e
granito em Papagaio (MG), bem como as doenças ocupacionais causadas pela poeira
lançada por empresas locais. Nos últimos cinco anos, os fiscais não tiveram
sucesso na promoção do cumprimento de itens básicos do código trabalhista nas
empresas (a maioria de pequeno porte) que atuam naquela área.
O segundo tipo de resultado se refere a situações nas quais os fiscais do
trabalho conseguiram promover o cumprimento da lei, mas à custa da
produtividade ou da competitividade das empresas. Essa categoria exemplifica a
suposta incompatibilidade entre direitos trabalhistas e desempenho das
empresas, porque a regularização geralmente leva ao aumento dos custos de
produção. Consequentemente, as empresas encontram pouco incentivo para
continuar regulares ao longo do tempo, exceto pela ameaça contínua de sanções
que provavelmente não continuarão a ser aplicadas por muito tempo, dada a
limitação de recursos dos reguladores. Por exemplo, desde meados da década de
1990, os fiscais do trabalho têm tido dificuldade em coibir a terceirização das
atividades-fim das empresas (em contraste com as atividades-meio, ou
administrativas) para cooperativas de trabalhadores, o que é considerado um
desvio ilegal dos requisitos da legislação trabalhista. Em Recife, as empresas
de informática têm argumentado que empregar diretamente todos os trabalhadores
(especialmente os projetistas de software que recebem por produto desenvolvido)
seria não somente ineficiente mas também muito custoso. Consequentemente,
recorriam às cooperativas de trabalhadores como uma maneira de reduzir custos e
conferir mais flexibilidade (por exemplo, carga horária) a seus projetistas. Ao
proibir as empresas de lançar mão dessas cooperativas, os fiscais do trabalho
conseguiram fazer com que elas cumprissem a lei. Entretanto, conforme
destacaram alguns empresários, basta que o fiscal pare de inspecionar para que
elas voltem ao arranjo das cooperativas de trabalhadores (ou outro arranjo
semelhante para evitar os encargos trabalhistas). Como dizem os empresários, é
mais barato pagar os custos das multas, caso eventualmente sejam pegos pelos
fiscais, do que arcar com o custo de empregar todos os trabalhadores
diretamente.
Finalmente, há um terceiro tipo de resultado, denominado "cumprimento
sustentável da lei". Nesses casos, os fiscais promovem com sucesso a
compatibilização das normas trabalhistas com o desenvolvimento econômico. Isto
é, fazem com que as empresas cumpram a lei ao mesmo tempo que encontram
soluções legais e/ou técnicas que criam incentivos positivos para que elas
aprimorem suas atividades produtivas, condições de trabalho, e também para que
permaneçam em conformidade com a lei. Em alguns dos casos observados mediante a
pesquisa de campo, os fiscais criaram novas formas de contratação e arranjos
empregatícios, bem como soluções técnicas que tornaram os processos de produção
mais seguros e ao mesmo tempo mais eficientes. Essas soluções técnicas e
legais, por sua vez, estimularam processos de mudança nas práticas
empresariais, assim como facilitaram o encontro entre as normas legais e o
desempenho das empresas. Os dois exemplos a seguir ilustram de forma sucinta
esse terceiro padrão de resultado9:
a) Atualmente, 70% de todos os trabalhadores rurais assalariados no
Brasil são informais (alcançando até 85% na região Nordeste) (IBGE,
2005). Isso ocorre porque produtores rurais em todo o país consideram
proibitivos os custos financeiros e administrativos de contratar
formalmente, com registro na carteira de trabalho, por exemplo, dois
mil trabalhadores safristas para colher feijão por quinze dias10.
Desse modo, frequentemente, esses produtores recorrem a arranjos
ilegais para a contratação desses trabalhadores, como os
arregimentadores ou "gatos", a fim de escapar dos custos associados à
contratação formal. Porém, a intervenção dos fiscais do trabalho nos
pequenos e médios produtores de sementes e grãos da região de
Paracatu e Unaí (MG), a partir do fim da década de 1990, demonstra
que é possível aumentar o nível de formalização da mão de obra no
campo sem que haja aumento significativo do custo de produção. Os
fiscais do trabalho implementaram nessa região, em parceria com o
MPT, o consórcio, ou condomínio, de empregadores rurais. O consórcio
é uma associação formal de produtores rurais individuais em que os
membros compartilham responsabilidades solidárias somente para
questões trabalhistas. Assim, os consórcios permitem, por um lado,
contratação formal, direitos e benefícios para os trabalhadores; por
outro, compartilhamento entre os produtores-membros e consequente
redução do gasto com encargos trabalhistas (por exemplo,
aposentadoria, seguro-desemprego, normas de saúde e segurança do
trabalho etc.). Em 2000, a implementação dos consórcios contribuiu
para a formalização de 22 mil trabalhadores (Miguel, 2004). No ano
seguinte, os números aumentaram para aproximadamente 65 mil
trabalhadores e 3.500 produtores rurais em 103 consórcios
(Zylberstajn, 2003). Atualmente, há mais de 150 consórcios em todo o
país, com uma maior concentração em Minas Gerais (46 consórcios nesse
estado).
b) No Brasil, ocorrem aproximadamente 410 mil acidentes de trabalho
por ano, ou seja, uma média de 1.120 acidentes por dia, dos quais
oito são fatais (Baumecker e Faria, 2006). No setor metal-mecânico
(especialmente o segmento de autopeças), que emprega 309.400
trabalhadores no Brasil, aproximadamente 70% dos trabalhadores lidam
com máquinas, tais como prensas mecânicas, para a fabricação de
componentes a partir de chapas de aço. Os trabalhadores desse setor
são frequentemente vítimas de acidentes graves, envolvendo laceração
e amputação de dedos, mãos e braços, em virtude da obsolescência e da
falta de segurança das prensas em funcionamento. Nas últimas décadas,
empresas do setor vêm enfrentando intensa competição doméstica e
internacional e, por isso, resistiram à adoção de equipamentos de
proteção que poderiam minimizar os riscos de acidentes, em função da
perda de produtividade causada por tais complementos (em alguns casos
chegando a 30%). Em 1999, fiscais do trabalho de Minas Gerais atuaram
nesse setor desenvolvendo e disseminando a utilização de novos kits
de proteção para prensas (que incluíam novos equipamentos, além de
técnicas ergonômicas e outras medidas) que minimizaram
significativamente a perda de produtividade das prensas. Como
resultado, até o fim de 2005, 70% das 350 empresas inspecionadas na
área metropolitana de Belo Horizonte haviam adotado proteção adequada
para suas prensas, incluindo a montadora Fiat, que substituiu todas
as suas máquinas obsoletas por novas. Em 2003, o número de acidentes
oficialmente registrados no setor de autopeças foi reduzido em 66% em
comparação com 2001.
Nesta seção, foi apresentada uma tipologia dos resultados da política de
inspeção do trabalho resultante da análise comparativa entre os casos da
amostra. Contudo, existe alguma relação entre a variação nos resultados da
política de inspeção do trabalho e os estilos de implementação adotados pelos
fiscais do trabalho em cada caso? Em outras palavras, por via de que práticas e
condutas os fiscais do trabalho promovem o cumprimento sustentável da lei e a
compatibilização entre direitos e competitividade? Essas questões são o objeto
da próxima seção.
ESTILOS DE IMPLEMENTAÇÃO E RESULTADOS DE POLÍTICA11
Na segunda etapa da análise, a comparação entre os casos (cross-case) foi
complementada por uma maior atenção aos casos bem-sucedidos ("cumprimento
sustentável da lei"), os quais foram objeto de uma análise de processo
aprofundada (process tracing and within case comparisons)12. A combinação
dessas diferentes técnicas de análise comparativa visou explorar a existência
de potenciais elos causais entre estilos de implementação adotados pelos
fiscais do trabalho (variável independente) e os resultados da política de
inspeção em termos do cumprimento da lei trabalhista (variável dependente).
Como demonstrado a seguir, os resultados dessas análises sugerem uma associação
consistente entre os resultados observados e os conjuntos específicos de
práticas de inspeção implementadas pelos fiscais do trabalho.
A comparação entre casos revelou variações não apenas em termos dos resultados
da política de inspeção do trabalho mas também em termos das estratégias e
práticas empregadas pelos fiscais em cada caso. Foi possível identificar três
padrões distintos de estilos de implementação que, em grande parte dos casos,
tinham forte relação com os resultados. Dois desses estilos observados na
amostra de casos de intervenção dos fiscais do trabalho correspondem a dois
modelos alternativos já prescritos na vasta e consolidada literatura da
sociologia jurídica. No primeiro estilo identificado, a atuação dos fiscais se
assemelha com o modelo repressivo, no qual agentes da lei atuam de forma
exclusivamente punitiva (multas, interdições etc.), castigando os violadores
(Becker, 1968; Stigler, 1971; Ehrlich, 1972; Tullock, 1974; Reiss Junior, 1984;
Polinsky e Shavell, 2000; Weil, 2005)13. O segundo estilo observado na atuação
dos fiscais aproxima-se muito da abordagem pedagógica, de acordo com a qual
agentes da lei deveriam atuar de forma prioritariamente educativa, orientando e
auxiliando empresas a cumprirem a lei, como se fossem uma espécie de
consultores (Bardach e Kagan, 1982; Ayres e Braithwaite, 1992; Hawkins, 2002;
Braithwaite, 2005; Cunningham, Kagan e Thornton, 2003; Piore e Schrank,
2008)14.
Além disso, os resultados da análise comparativa indicaram uma forte associação
entre esses dois estilos e os dois primeiros padrões de resultado descritos na
seção anterior. Nos casos que resultaram em "não cumprimento da lei" ou
"cumprimento da lei" (dois primeiros tipos), em geral observamos que os fiscais
do trabalho implementaram ou apenas práticas coercitivas (sanções, multas,
interdição etc.), ou apenas práticas pedagógicas (orientação, negociação,
concessão de prazos etc.)15.
Contudo, foi possível observar também, em mais de um terço dos casos da
amostra, que os fiscais usaram uma combinação dessas duas abordagens.
Surpreendentemente, nesses casos se descobriu que os fiscais conseguiram não
somente que as empresas cumprissem a lei mas também as ajudaram a reduzir os
custos de regularização ou a melhorar seus produtos para ocupar nichos de
mercado de maior valor agregado, promovendo assim o "cumprimento sustentável da
lei".
O Quadro_2 classifica alguns casos exemplares (já ou a serem mencionados) em
termos dos estilos de implementação adotados. Na sequência, as subseções
apresentam as evidências empíricas que dão suporte às associações entre estilo
de implementação e resultados descritas anteriormente.
Comparações entre Casos
As comparações entre casos sugerem que aqueles em que os fiscais usaram apenas
estratégias coercitivas (célula 3) ou pedagógicas (célula 2) não evoluíram com
tanto sucesso - em termos da promoção do cumprimento sustentável da lei -
quanto os casos em que os fiscais combinaram sanções com assistência (célula
1).
Exemplos de casos em que os fiscais não puderam ou não quiseram empregar
sanções contra empresas/produtores irregulares foram as intervenções na região
produtora de sisal no nordeste da Bahia e nas empresas de produção de fogos de
artifício de SAJ, centro-oeste da Bahia. Há muito a região do sisal é conhecida
por sua alta taxa de mutilações entre os trabalhadores rurais que operam um
motor de trituração primitivo (conhecido como "paraibana") que extrai a polpa
da fibra do sisal. Os fiscais relutaram em empregar sanções nesse caso dada a
dificuldade de se identificar claramente quem é o empregador e quem é o
trabalhador em uma região habitada por pequenos produtores rurais
e trabalhadores rurais pobres. Do mesmo modo, a produção de fogos de artifício
em SAJ é baseada em unidades domésticas pequenas e informais, o que cria
dificuldades para que os fiscais identifiquem e imponham sanções às empresas
onde ocorrem explosões acidentais. Como consequência, em ambos os casos, os
fiscais limitaram sua intervenção a estratégias pedagógicas (oficinas de
técnicas preventivas, materiais educativos e sessões de treinamento para
trabalhadores e empresários estão entre as mais comuns). Com isso, conseguiram
reduções muito pequenas nas taxas de acidentes, sem promover um clima de
mudança ou de melhorias significativas nas práticas empresariais e nos
processos de produção.
Por sua vez, os casos nos quais os fiscais implementaram somente práticas
coercitivas, sem a provisão concomitante de assistência técnica ou legal
(práticas pedagógicas), também evoluíram na direção de mudanças incipientes na
forma como as firmas violadoras da lei operavam. Em alguns casos, os auditores-
fiscais falharam em promover qualquer melhoria em termos do cumprimento da lei
por parte das empresas. Por exemplo, os fiscais do trabalho em Minas Gerais
identificaram um aumento significativo da incidência de lesão por LER e de
problemas de saúde mental entre os trabalhadores do setor de telemarketing na
região metropolitana de Belo Horizonte. Dentre as violações das normas de
segurança e saúde encontradas, destacavam-se a proibição de intervalos para
repouso (os trabalhadores não podiam deixar suas estações de trabalho para ir
ao banheiro fora dos poucos intervalos predeterminados) e a pressão excessiva
sobre os trabalhadores para aumentar o ritmo do trabalho (com uma meta de
encerrar cada ligação dentro de 30 segundos, sob pena de perder a gratificação
sobre os salários). Os fiscais, nesse caso, penalizaram as empresas maiores no
setor com multas pesadas, mas estas, por sua vez, deslocaram suas operações
para outro estado com o objetivo de evitar a fiscalização.
Também observamos resultados semelhantes nas tentativas de outros fiscais do
trabalho de lidar com a alta incidência de LER na fábrica da Ford em Camaçari
(BA) e com os acidentes ocupacionais e o adoecimento por silicose na mineração
de pedras ornamentais (mármore, granito, ardósia etc.) nos estados de Minas
Gerais e Espírito Santo. Em todas essas situações, os fiscais do trabalho
lançaram mão de sanções, porém não as combinaram com nenhum tipo de
assistência, orientação e apoio para a adequação das empresas à lei. Assim, em
geral, essas empresas preferiram pagar as multas - ou pagar um advogado que
pudesse recorrer destas ao Judiciário - a investir tempo e dinheiro na mudança
de seus processos produtivos.
Em outros casos nos quais os auditores-fiscais do trabalho também limitaram
suas intervenções à imposição de sanções, houve melhoria nos níveis de
cumprimento da lei imediatamente após a intervenção, mas tais resultados não se
sustentaram ao longo do tempo, pois a maior parte dessas firmas acabou
retrocedendo à irregularidade na ausência da fiscalização.
A inspeção rural no oeste da Bahia (célula 3) é mais um exemplo dos casos em
que a imposição puramente coercitiva do cumprimento da lei pelos fiscais leva à
redução da competitividade ou da produtividade das empresas, tendendo portanto
à insustentabilidade ao longo do tempo16. Os fiscais da SRTE da Bahia
projetaram um sistema de informação sofisticado (unificando as bases de dados
relevantes), por meio do qual conseguem prever os picos de demanda por
trabalhadores rurais na época da colheita e planejar ações de fiscalização para
apanhar o maior número possível de trabalhadores e produtores informais de uma
só vez. Após a identificação das áreas de maior incidência, um grupo de fiscais
é designado para "pegar pesado", aplicando todas as sanções possíveis aos
produtores rurais que empregam trabalhadores informais. Nessas ocasiões, os
fiscais exigem que os produtores formalizem imediatamente os trabalhadores
temporários e, assim, a SRTE da Bahia ganhou o título de "campeã nacional" em
número de formalizações. Entretanto, como o próprio fiscal responsável admitiu,
"só conseguimos isso quando monitoramos os produtores constantemente. Todo ano
os mesmos produtores tornam a empregar trabalhadores informais para a safra".
De forma semelhante, nas intervenções nos polos calçadistas de Jequié (BA) e
Nova Serrana (MG), fiscais do trabalho adotaram o estilo puramente coercitivo
para forçar a formalização de todos os trabalhadores da indústria. Contudo, à
medida que a regularização aumentou os custos de produção, sem nenhum ganho
aparente em termos de negócio, as empresas começaram a terceirizar etapas de
seu processo produtivo (por exemplo, a costura de peças ou o pesponto) para
antigos empregados, que passaram a trabalhar informalmente de suas residências.
Em outro caso, envolvendo produção de carvão vegetal e reflorestamento, os
fiscais interpretaram que as siderúrgicas da região de Camaçari (BA) eram
responsáveis pelas violações trabalhistas encontradas em seus terceirizados,
pois estes operavam sob contratos exclusivos com as siderúrgicas. Assim, os
auditores-fiscais aplicaram sanções para forçar o fim das terceirizações e a
verticalização da produção, fazendo com que as siderúrgicas absorvessem os
custos da produção de carvão vegetal sem que houvesse nenhum ganho, em termos
de negócio, advindo da regularização dessas siderúrgicas e de seus
terceirizados.
Em suma, recorrendo às sanções, os fiscais conseguiram temporariamente afastar
as empresas da informalidade, mas a falta de qualquer forma de assessoria
jurídica e/ou técnica impediu o desenvolvimento de soluções mais sustentáveis
para o cumprimento da lei - tais como as descritas anteriormente -, a partir
das quais empresas têm incentivos para se manterem em conformidade com a
legislação.
Análise de Processo no Interior dos Casos
Os contrastes entre os casos analisados indicam que a combinação entre práticas
coercitivas e pedagógicas pode ter um papel significativo na explicação dos
casos que resultaram em cumprimento sustentável da lei. Nesta subseção, a
análise enfoca o "rastreamento de processos" no interior de quatro casos bem-
sucedidos (célula 1, Quadro_2) para identificar os potenciais elos causais
entre o estilo de implementação que combina práticas coercitivas e pedagógicas
e o resultado "cumprimento sustentável da lei".
"A sanção é o primeiro passo de um uma boa orientação"
As intervenções no cluster de produção de fogos de artifício em SAM e na região
produtora de grãos de Paracatu/Unaí (consórcio de empregadores rurais), ambas
em Minas Gerais, são bons exemplos daquilo que um fiscal do trabalho me disse
uma vez: "A sanção é o primeiro passo de uma boa orientação".
Em ambos os casos, os fiscais responsáveis relataram que previram condições
adversas em campo e perceberam que teriam de criar um clima de mudança nos
locais a serem fiscalizados, além de encontrar formas de comunicar que as
práticas empresariais vigentes não seriam mais toleradas. Até 1998, a produção
de fogos de artifício em SAM ainda era muito artesanal e pouco profissional. A
procuradora do MPT envolvida com os fiscais do trabalho na intervenção em SAM
relatou: "Quando chegamos lá, observamos que em quase todas as fábricas havia
imagens de santos nas paredes perto dos locais mais perigosos do processo de
produção. Essas eram as medidas de proteção e segurança existentes". A fiscal
responsável complementou:
[Empresários e trabalhadores] estavam acostumados a uma média de seis
mortes por ano. Era parte da cultura da cidade. Acreditavam que os
acidentes eram lamentáveis, mas naturais. E que a produção de fogos
de artifício era uma atividade necessariamente arriscada, alguém
morre de vez em quando. Frequentemente compararam os riscos da
atividade com as mortes no trânsito e nas estradas. Costumavam me
dizer que mais pessoas morrem nas estradas do que na indústria de
fogos de artifício. Nós tivemos que quebrar com essa cultura [...].
Tivemos que mostrar a eles que a taxa de acidentes era inaceitável.
Até o fim dos anos 1990, os produtores de grãos e sementes no noroeste de Minas
Gerais foram poupados de inspeções por décadas, em virtude das disputas
jurisdicionais internas no serviço de fiscalização (entre as SRTEs de Minas
Gerais e do Distrito Federal). Na ausência de fiscalização nessa região de
expansão agrícola relativamente recente, as relações trabalhistas eram
tradicionalmente precárias. Quando os fiscais do trabalho chegaram, em 1998,
encontraram até mesmo formas de trabalho escravo nas fazendas produtoras de
grãos e sementes nos municípios de Unaí e Paracatu. Os produtores de grãos de
porte médio, que representavam o poder econômico e político da região, eram
abertamente contrários à formalização do trabalho rural.
Novamente, em ambos os casos (cluster de fogos de artifício e região produtora
de grãos, em Minas Gerais), dadas a condição inicial de irregularidade
generalizada e a fraca atuação dos sindicatos de trabalhadores locais, os
fiscais: a) adotaram uma estratégia abrangente, focando todas as empresas/
produtores em seu respectivo município/região; e b) "pegaram pesado" com as
empresas/produtores, lançando mão de suas prerrogativas atribuídas pela CLT e
aplicando rigorosamente centenas de multas sobre as empresas/produtores, além
das ameaças de ações criminais contra as empresas de fogos de artifício e a
desapropriação de terras dos produtores rurais para fins de reforma agrária.
Esses choques coercitivos abrangendo todo o setor criaram uma atmosfera de
incerteza e sinalizaram a necessidade de mudança, gerando discussões entre
regulados e reguladores sobre o sentido de tais mudanças. Em ambos os casos,
empresas/produtores rurais contestaram as ações de fiscalização, discutindo
como a adoção de cada parte específica da legislação afetaria a capacidade de
se manterem no mercado (exemplos nos parágrafos seguintes). Foi nesse ponto que
a assistência técnica e/ou jurídica fornecida pelos fiscais teve um papel
decisivo na promoção de soluções de regularização nos dois casos.
No episódio dos fogos de artifício (SAM), em consequência das interações
conflituosas, os fiscais reavaliaram e flexibilizaram algumas das exigências
legais, até mesmo recuando temporariamente17. Assim, conseguiram que
aproximadamente 90% das empresas assinassem um Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC) junto ao MPT - inclusive as empresas líderes do cluster -, que incluía um
cronograma de regularização envolvendo o cumprimento de um conjunto de normas
básicas de saúde e segurança. Estas variavam de acordo com o porte da
empresa18, e o TAC instituía penalidades ainda mais severas do que as aplicadas
inicialmente no caso de descumprimento. Para algumas das exigências incluídas
no documento, os fiscais foram além de simplesmente oferecer um cronograma de
regularização e prestaram assistência técnica direta em parceria com um
engenheiro químico da Fundacentro - instituto nacional de pesquisa em saúde e
segurança ocupacional vinculado ao MTE. Um exemplo da assistência foi a
assessoria e a capacitação prestadas às empresas pelos fiscais e pelo
engenheiro químico para a substituição do clorato de potássio - usado
tradicionalmente nos explosivos fabricados por empresas em SAM, mas proibido
oficialmente em muitos outros países - pelo perclorato de potássio. O fiscal do
trabalho e o técnico da Fundacentro orientaram as empresas no processo de
ajuste das fórmulas e das misturas antigas para tornar os fogos de artifício de
SAM mais seguros, sem perder a qualidade do produto. Nas entrevistas que
fizemos com empresários, todos concordaram que a substituição do clorato de
potássio pelo perclorato de potássio foi uma medida-chave para reduzir o número
de acidentes sem aumentar substancialmente os custos de fabricação.
Da mesma forma, no caso da produção de sementes e grãos em Paracatu e em Unaí,
as interações igualmente conflituosas entre regulados e reguladores
sensibilizaram os fiscais, que entenderam que formas alternativas de empregar
formalmente trabalhadores rurais temporários eram necessárias porque, de fato,
a legislação vigente impunha encargos financeiros e burocráticos excessivamente
pesados aos produtores. Os fiscais de Minas Gerais tinham ouvido de seus
colegas nos estados de São Paulo e Paraná, bem como dos promotores do MPT,
relatos sobre tentativas malsucedidas de formalizar consórcios de empregadores
rurais. Em 1999, planejaram uma visita técnica a Rolândia, Paraná, onde um
grupo de produtores de cana-de-açúcar travava uma batalha judicial para validar
seu arranjo empregatício. Os fiscais perceberam que podiam adaptar e melhorar
essa experiência para remediar a situação que estavam enfrentando no noroeste
de Minas Gerais, e buscaram apoio técnico e assessoria jurídica dos promotores
do MPT e de dois advogados trabalhistas do Paraná, que os ajudaram a
transformar o consórcio em um instrumento jurídico (um acordo formal entre
produtores) que: a) respeita os princípios básicos do código trabalhista e
outras leis que regulam o emprego rural; b) garante as proteções e os
benefícios exigidos para os trabalhadores (por exemplo, aposentadoria, seguro-
desemprego etc.); e c) reduz os encargos da formalização para cada produtor
individual, pois os membros do consórcio passaram a compartilhar os custos
administrativos e financeiros de empregar trabalhadores formalmente (como
descrito na seção Implementação da Legislação Trabalhista no Brasil:
Compreendendo a Variação nos Resultados, p. 739). De acordo com um fiscal, "
[...] nós os castigamos com multas, mas também oferecemos os consórcios como
uma alternativa para atender os dispositivos essenciais da legislação
trabalhista. Mostramos a eles que a adoção do consórcio seria uma maneira mais
barata de cumprir a lei"19.
Após a criação de vários consórcios na área de Paracatu/Unaí, os fiscais
realizaram oficinas de sensibilização e de capacitação em dez capitais e
elaboraram um manual detalhando passo a passo como os produtores rurais
poderiam implementar consórcios em suas áreas.
"Por que devo ouvir suas recomendações? É assim que conduzo meus negócios desde
[...]"
Diferentemente das duas experiências analisadas anteriormente, a sequência de
intervenções foi exatamente o inverso do ocorrido no caso dos cordeiros do
carnaval - trabalhadores que seguram as cordas dos blocos - e da indústria de
autopeças (proteção de prensas), respectivamente na Bahia e em Minas Gerais. A
intervenção nesses casos começou com estratégias pedagógicas - as quais foram
incentivadas por meio de instruções normativas a partir de 1998 -, mas só
produziu impactos significativos mais tarde, quando os fiscais combinaram os
esforços em andamento com sanções rigorosas.
No caso do carnaval, os fiscais tentaram inicialmente discutir, com as três
associações de blocos de trio em Salvador, a questão da formalização dos
cordeiros, enviando uma notificação na qual os blocos e as empresas
subcontratadas eram convidados para uma reunião e solicitando as listas de
trabalhadores a serem empregados para o carnaval de 2003. Como os blocos de
trio de Salvador sempre empregaram os cordeiros informal e precariamente, as
associações não tinham interesse em mudar a situação e não atenderam à
notificação dos fiscais. Em resposta, a SRTE da Bahia enviou quarenta fiscais
para verificar as condições de trabalho durante a festa de rua. Os fiscais
aplicaram multas para cada irregularidade encontrada nos blocos de trio
(chegando a aproximadamente R$ 200 mil no caso do maior bloco de Salvador, em
um total de 400 multas, em virtude da falta de registro formal nas carteiras de
trabalho dos cordeiros).
Somente assim os blocos responderam por meio de suas associações, resistindo e
contestando as ações de fiscalização20. Argumentaram que a formalização de
centenas de cordeiros por alguns dias era administrativa e financeiramente
impossível. Por sua vez, os próprios cordeiros estavam relutantes em relação à
formalização de seus empregos. De acordo com o vice-presidente do sindicato dos
cordeiros criado recentemente,
muitos de nós não querem ter um contrato formal registrado na
carteira. Muitos cordeiros sequer têm carteira de trabalho e os
documentos necessários para iniciar o processo de registro na
carteira. A maioria das pessoas não quer ser discriminada tendo a
palavra "cordeiro" escrita na carteira e por ter sido contratado e
despedido em poucos dias.
Em resposta, a SRTE criou um grupo de estudos constituído de fiscais para
analisar e estudar possibilidades de resolver o conflito, porque, como um
fiscal comentou, "[nós] não sabíamos como aplicar a lei nesse caso específico,
envolvendo uma forma tão atípica de emprego". Após uma série de reuniões
realizadas ao longo de três meses entre o grupo de fiscais e as associações de
blocos de trio, os fiscais decidiram ceder na exigência da carteira de trabalho
contanto que todos os blocos assinassem um acordo coletivo para um novo arranjo
empregatício. No lugar da exigência da carteira, os fiscais admitiram, no
acordo coletivo, a possibilidade de classificar os cordeiros como "prestadores
de serviço individuais" (em vez de trabalhadores diretos), permitindo assim que
assinassem contratos de serviço com os blocos ou suas respectivas empresas
subcontratadas21. O acordo coletivo22, firmado por 178 blocos comerciais e
blocos sem fins lucrativos, com disposições diferentes para cada tipo de
organização, especifica o conteúdo do contrato de serviço e inclui um modelo
desse contrato, composto de cláusulas relacionadas às condições de trabalho,
como um valor fixo de diária de trabalho, condições de saúde e segurança
(luvas, proteção auricular, protetor solar etc.), e um seguro pago pelo
empregador para cobertura de acidentes e atenção à saúde23. Após a assinatura
do acordo, os fiscais, em colaboração com a Secretaria de Saúde de Salvador,
distribuíram um panfleto informando os direitos trabalhistas dos cordeiros e o
conteúdo do acordo coletivo.
De forma semelhante, no caso da indústria de autopeças, além de uma tentativa
fracassada de mediar um acordo de negociação coletiva entre o sindicato dos
metalúrgicos e a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg)
para a proteção de prensas e outras máquinas, em 1999-200024, os fiscais
começaram investindo na prestação de orientação técnica às empresas, a fim de
melhorar o índice de conformidade com a legislação. Em 2001, formaram um grupo
de nove fiscais, um procurador do MPT e pesquisadores da Fundacentro, visando
superar a falta de conhecimento técnico sobre o funcionamento das máquinas e
padronizar os procedimentos de fiscalização para evitar inconsistências (que
poderiam ser usadas na justiça contra eles). De acordo com um dos fiscais da
equipe,
costumávamos realizar reuniões regulares durante toda a operação para
discutir práticas de inspeção e acumular conhecimento técnico com as
experiências uns dos outros. Nossa equipe também atuou como grupo de
estudo, e pesquisamos o funcionamento das máquinas, os catálogos dos
fornecedores de equipamentos protetores, tudo para conhecer as
melhores alternativas de controle da perda de produtividade e todo o
material escrito disponível sobre as experiências de colegas fiscais
em outros estados, como São Paulo e Rio Grande do Sul.
Como resultado, convidaram um grupo de 120 empresas de autopeças (o grupo-alvo)
para um evento de formação na Fundacentro, no qual as empresas receberam uma
notificação coletiva e instruções técnicas detalhadas sobre o que deveriam
fazer para regularizar a situação de suas máquinas (chegando a descrever os
equipamentos específicos necessários e como instalá-los). Contudo, mesmo tendo
fornecido instruções e assistência técnica às empresas, os fiscais descobriram,
alguns meses mais tarde, que 98% das empresas do grupo-alvo ainda tinham
máquinas desprotegidas, e o índice de acidentes ainda era muito alto (uma média
de dois acidentes por mês, envolvendo mutilação, na área metropolitana de Belo
Horizonte). Em resposta, os fiscais interditaram a operação de todas as prensas
e equipamentos similares sem proteção. Até 2005, 400 prensas ou equipamentos
similares foram interditados em 59 empresas (50% do grupo-alvo). Algumas
empresas tiveram 100% de suas máquinas interditadas. Além de proibir a operação
das máquinas, os fiscais também coletaram mais provas e documentação para uso
dos procuradores do MPT e para os parentes das vítimas dos acidentes em
processos penais contra as empresas. Como resultado do rigor dos fiscais, as
empresas adequaram suas máquinas e conseguiram a liberação de aproximadamente
70% das prensas interditadas. Em alguns casos, as máquinas foram adaptadas em
menos de uma semana. O fiscal responsável pela intervenção comentou:
Foi preciso muita pressão para fazer com que as empresas mudassem
suas práticas [...] proibindo a operação das máquinas, o que causou
um grande problema para os fornecedores, que tinham contratos a
cumprir com a Fiat. A medida finalmente chamou a atenção das empresas
para a necessidade de mudança. As notificações e orientações
anteriores não haviam surtido efeito25.
Um Elo Causal?
A análise comparativa desenvolvida neste artigo visou explicar a variação nos
resultados da política de inspeção do trabalho no Brasil e identificar os
possíveis elos causais entre os resultados observados e os estilos de
implementação adotados pelos auditores-fiscais do trabalho. Quando observamos o
conjunto dos casos que integram a amostra investigada nesta pesquisa (Quadro
3), podemos perceber a alta correspondência entre os padrões de resultados
observados (apresentados no Quadro_1) e os estilos de implementação (descritos
anteriormente e no Quadro_2). Essa alta correspondência entre os resultados e
as hipóteses explicativas provém de uma explicação consistente do impacto de
estilos de implementação sobre a variação nos resultados de políticas públicas.
A amostra, composta de 24 casos (Quadro_3), não foi construída com o objetivo
de ser representativa de todos os casos trabalhados pelos fiscais do trabalho
no Brasil. Mais precisamente, o objetivo dessa amostra é capturar uma ampla
variação de contextos e de situações para testar o argumento causal proposto
sob condições as mais adversas possíveis. A partir dessa amostra, foram
selecionados quatro casos de cumprimento sustentável da lei para uma análise
aprofundada. Entretanto, esses não são os únicos casos ilustrativos da
associação entre a combinação de práticas coercitivas e pedagógicas e os
resultados de cumprimento sustentável da lei. Ao longo da pesquisa de campo,
identificamos tais resultados em setores tão distintos quanto o petroquímico
(Camaçari-BA), o de galvânicas (ABC-SP), assim como na erradicação de formas
contemporâneas de trabalho escravo nas áreas rurais do norte e do nordeste do
país (sobretudo no Pará). Nas indústrias petroquímica e de galvanização, baixos
níveis de cumprimento das normas de segurança e de saúde no trabalho coexistiam
com taxas relativamente altas de adoecimento ocupacional (incluindo câncer), em
virtude da exposição dos trabalhadores a derivados de benzeno e zinco. Nesses
dois casos, fiscais do trabalho empregaram seu poder coercitivo (autuando as
empresas e acionando outros órgãos de fiscalização, como o Ministério Público)
e trabalharam com as empresas de maior porte no desenvolvimento de um sistema
tripartite de monitoramento do manuseio de produtos químicos por seus
fornecedores e terceirizados. O caso do trabalho escravo é outro exemplo no
qual houve combinação de sanções pesadas contra produtores rurais com outras
estratégias, tais como a criação de uma lista suja - que publiciza os
empregadores envolvidos com trabalho escravo - utilizada por instituições
financeiras públicas e privadas para negar financiamento a produtores rurais
violadores da lei.
Em outro caso da amostra, os auditores-fiscais também empregaram uma combinação
de sanção com assistência, mas falharam na produção do cumprimento sustentável
da lei. Ainda que a intervenção desses agentes - por exemplo, com vistas a
melhorar as condições de segurança na indústria da construção civil em Belo
Horizonte - incluísse multas, negociação e treinamento, as empresas possuíam
incentivos para evitar a regularização e reduzir seus custos de produção. Da
mesma forma, existem também casos nos quais os fiscais empregaram apenas
sanções ou apenas práticas pedagógicas e que resultaram no cumprimento
sustentável da lei. Esses casos incluem as convenções coletivas mediadas pelos
fiscais do trabalho no setor metal-mecânico no ABC (SP) e na indústria de
celulose e de papel no sul da Bahia, além da "primeirização" em uma operação da
Vale em Itabira, uma vez que a empresa percebeu, a partir das ações coercitivas
dos fiscais, as vantagens em termos de redução de custo da contratação direta
de mineradores.
O fato de que esses casos não confirmam a associação entre estilos de
implementação e resultados de política sugere apenas que o argumento aqui
desenvolvido não é determinístico, mas sim probabilístico - isto é, a adoção de
um estilo de implementação que combina sanções e orientação aumenta a propensão
da incidência de resultados como o cumprimento sustentável da lei (Quadro_3). A
margem de erro sugerida pelos casos desviantes anteriormente descritos serve
apenas como um lembrete de que muitas outras variáveis não examinadas neste
estudo - por exemplo, o nível de organização de associações empresariais e
sindicatos de trabalhadores, ciclos econômicos locais, pressões de compradores
ou fornecedores domésticos e estrangeiros, entre outras - podem interferir
criando novas oportunidades e constrangimentos, tanto para as empresas quanto
para os fiscais buscarem a promoção do cumprimento sustentável da lei.
Entretanto, a contribuição do presente argumento - que sugere uma forte (porém
não determinista) associação entre combinação de práticas e resultados
sustentáveis - reside em sua capacidade de demonstrar empiricamente a
importância da variável "estilos de implementação" para a compreensão da
variação nos resultados de políticas públicas.
CONCLUSÃO
Neste estudo, chamamos a atenção para a implementação como variável importante,
mas frequentemente negligenciada, para a explicação da variação nos resultados
de políticas públicas. Mais especificamente, o presente argumento desagrega
burocracias implementadoras ao tomar como base uma literatura que reconhece o
papel do indivíduo na burocracia; ao sistematizar possíveis idiossincrasias
(decisões, práticas e comportamentos de agentes burocráticos) em variedades de
estilos de implementação; e, finalmente, ao avaliar os impactos desses estilos
sobre os resultados de políticas públicas.
Quando aplicado ao caso da política de inspeção do trabalho, responsável pela
implementação da legislação trabalhista no Brasil, o presente estudo apresentou
uma perspectiva analítica alternativa capaz de gerar novas interpretações e
entendimentos sobre um tema altamente polêmico, caracterizado por um debate
ideologicamente polarizado e impasse político. Por um lado, a literatura
econômica mainstream e atores como organismos internacionais e associações
empresariais domésticas frequentemente descrevem a legislação trabalhista
brasileira como anacrônica, obsoleta e geradora de ineficiências econômicas26
(podendo acumular encargos trabalhistas de até 103% sobre salários); e,
consequentemente, propõem a desregulamentação e a flexibilização do mercado de
trabalho. Por outro lado, atores como entidades sindicais e seus órgãos de
assessoria (como o Dieese - Departamento Intersindical de Estatísticas e
Estudos Socioeconômicos), movimentos internacionais e alguns partidos políticos
defendem a manutenção das proteções e dos direitos sociais como conquistas
históricas essenciais para o bem-estar do cidadão. Alguns estudos nessa linha
têm desafiado metodologias existentes no cálculo dos encargos trabalhistas27 e
demonstrado que direitos trabalhistas e proteção ao emprego no Brasil não são
obstáculos à inovação e à competitividade internacional (Noronha, De Negri e
Artur, 2006). Assim, como resultado desse debate envolvendo posições extremas,
observa-se, desde a promulgação da Constituição de 1988, um impasse político
que impede a realização de reformas e a percepção de alternativas para
conciliar desenvolvimento econômico e social no Brasil.
Nesse sentido, a perspectiva analítica que enfoca a atuação dos fiscais do
trabalho e seus estilos de implementação oferece uma alternativa ao atual
debate, ao demonstrar que no cotidiano da implementação da lei existe uma
margem de manobra mais ampla do que as discussões correntes poderiam antecipar.
Desse modo, a identificação de diferentes estilos de implementação, como
possibilidades empíricas para a atuação dos fiscais do trabalho, contribui para
a compreensão de por que em algumas situações observamos resultados positivos e
em outros episódios nos deparamos com fracassos na aplicação da legislação
trabalhista no Brasil.
Em suma, os resultados deste estudo sugerem que a incorporação da variável
estilos de implementação se faz necessária ao desenvolvimento de uma
compreensão mais refinada sobre a atuação de burocracias governamentais e ao
avanço do debate sobre políticas públicas, seus aprimoramentos e resultados.
NOTAS
1. A percepção de que funcionários de linha de frente possuem
discricionariedade na condução de suas tarefas laborais cotidianas já era
corrente em estudos anteriores sobre corporações policiais ou agentes do
Judiciário desde os anos 1960 e 1970 (ver Davis, 1969; Wilson, 1968; Van
Maanen, 1973; e Bittner, 1967).
2. Burocracias de linha de frente (street-level bureaucracies) são
caracterizadas pela insuficiência de recursos diante de demandas abundantes em
um contexto de objetivos ambíguos. Seus funcionários frequentemente lidam com
"clientes" não voluntários (beneficiários de programas) e trabalham "em campo",
distantes de seus supervisores, em situações complexas e não reduzíveis a
objetivos programáticos. O argumento principal de Lipsky (1980) é que, sob
essas condições, burocratas de linha de frente "definem" as políticas, que
originalmente eles eram responsáveis por implementar, à medida que lidam com as
circunstâncias, pressões e incertezas envolvidas em seu trabalho.
3. O livro Administrative Behavior, de Herbert Simon (1947), já continha um
insight semelhante: "A tarefa concreta de realização dos objetivos de uma
organização recai sobre as pessoas que operam nos níveis mais baixos da
hierarquia administrativa. [...] No estudo de organizações, o funcionário de
nível operacional deve ser o foco de atenção, pois o sucesso da estrutura será
julgado com base em seu desempenho dentro dela. Uma melhor compreensão sobre a
estrutura e o funcionamento de uma organização pode ser obtida por meio da
análise da maneira pela qual as decisões e os comportamentos de tais
funcionários são influenciados no âmbito de e pela organização" (ibidem:1-2;
tradução do autor).
4. Este estudo está centrado na análise do impacto da variação de estilos de
implementação sobre os resultados de políticas. Não se inscreve no escopo deste
artigo uma análise do processo por meio do qual burocratas de linha de frente
desenvolvem ou aderem a estilos de implementação. A literatura existente
oferece algumas explicações, ainda que incompletas, sobre a origem dos estilos.
Por exemplo, para Lipsky (1980), diferentes estilos derivam de uma percepção
racional-estratégica por parte do burocrata para ganhar controle sobre seu
trabalho/público; para Maynard-Moody e Musheno (2003), estilos derivam da
participação em comunidades e do compartilhamento de valores, normas, símbolos
etc., entre outros argumentos.
5. Uma análise mais detida da atuação do MPT e da Justiça do Trabalho foge ao
escopo do presente estudo. Análises sobre esse órgãos podem ser encontradas em
Cardoso e Lage (2007) e Artur (2007).
6. Em Cardoso e Lage (2005; 2007), encontram-se estudos de referência sobre
regulação, justiça e inspeção do trabalho no Brasil. Os autores descrevem mais
detalhadamente a estrutura organizacional da inspeção do trabalho e sua
evolução histórica. De forma semelhante à abordagem desenvolvida neste artigo,
Cardoso e Lage enfatizam a necessidade da observação empírica de como se dá o
cumprimento da lei e sua efetividade para além de sua normatividade ("lei
escrita").
7. Dada a dimensão da tarefa, o número de fiscais no Brasil é 50% menor do que
o recomendado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), e o índice por
100 mil trabalhadores no Brasil está abaixo dos índices apresentados por outros
países da América do Sul, como Argentina, Uruguai e Chile (Piore e Schrank,
2008).
8. A seleção dos casos em três estados - Minas Gerais, Bahia e Pernambuco -
visa garantir variação em termos de contextos e níveis de desenvolvimento
social e econômico. Por um lado, dois estados (Minas Gerais e Bahia) estão
entre os lugares menos propensos à implementação de estratégias de
desenvolvimento favoráveis aos trabalhadores. Ambos os estados têm uma longa
tradição de política industrial baseada na atração de investimentos por meio de
incentivos fiscais (mais agressivamente na Bahia), setor público relativamente
forte e baixa oposição política (continuidade dos partidos de centro-direita no
governo estadual nas últimas duas décadas, exceto na Bahia em 2007). Já em
Pernambuco, uma política industrial relativamente menos agressiva coexiste com
um forte movimento sindical e organização patronal no campo e alta
contestabilidade e alternação no poder entre elites políticas (DFID, 2007).
Além disso, existem outras diferenças importantes entre os três estados. Minas
Gerais tem um desempenho significativamente melhor do que Bahia e Pernambuco no
que se refere à maioria dos indicadores sociais - como Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), taxa de analfabetismo, índice de mortalidade,
entre outros - e à maioria dos indicadores econômicos (como distribuição de
renda, índice de Gini, PIB). Além disso, estudos anteriores (Avritzer, 2007)
demonstraram que a sociedade civil (incluindo os sindicatos de trabalhadores) é
significativamente mais organizada e atuante em Minas Gerais e em Pernambuco do
que na Bahia.
9. Para mais detalhes sobre esses dois casos, assim como outros casos que
resultaram no cumprimento sustentável da lei, ver Pires (2008a; 2008b).
10. A legislação sobre salários e jornada de trabalho no Brasil, instituída em
1943, sobretudo com base nas características típicas do emprego na indústria
(por exemplo, relacionamentos de longo prazo), é universal, aplicável a
trabalhadores e a empregadores em todos os setores da economia.
11. Algumas partes desta seção se baseiam em artigo de minha autoria publicado
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em agosto de 2008 (Pires,
2008a).
12. Rastreamento (ou análise) de processos no interior de casos envolve a
exploração de evidências sobre processos causais e mecanismos que associem a
variável independente à variável dependente em busca dos elos específicos por
meio dos quais a primeira (por exemplo, estilos de inspeção) se conecta com a
segunda (por exemplo, resultados de políticas públicas). Diferentemente da
técnica de comparação entre casos (cross-case), o rastreamento de processos
emprega ferramentas para inferência causal (com base nas evidências colhidas em
entrevistas, documentos etc. que explicitam o link entre as variáveis
dependente e independente) que não dependem da análise do relacionamento entre
variáveis na comparação entre casos. A análise de processos no interior de
casos (within-case) permite que a investigação vá além das inferências a
respeito da probabilidade de que a hipótese testada seja encontrada em amostras
mais amplas (ou na "população"), facilitando, por sua vez, a identificação de
como e em que medida a hipótese explicativa causou os resultados observados em
cada caso. Para uma discussão mais detalhada a respeito dessas técnicas
metodológicas, ver Brady e Collier (2004) e George e Bennet (2004).
13. De acordo com o modelo repressivo, o cumprimento das normas é o resultado
de uma análise de custo-benefício na qual as empresas desistem de violar a lei
quando a probabilidade de ser pego (fiscalização) e o custo da punição (multas)
são mais altos do que os benefícios do descumprimento da lei. Assim, sob esse
modelo, espera-se que os fiscais encontrem todo tipo possível de irregularidade
e apliquem as respectivas sanções para cada uma delas quando inspecionam os
locais de trabalho. Estudos anteriores sobre a inspeção do trabalho no Brasil
enfatizaram tal perspectiva (Cardoso e Lage, 2007).
14. De acordo com os proponentes da abordagem pedagógica, a aplicação rigorosa
da lei, baseada em relacionamentos de oposição e punição entre reguladores e
regulados, leva à falta de razoabilidade e cria desincentivos para a
regularização. Nesse caso, espera-se que os fiscais priorizem a persuasão e a
orientação em vez de meios coercitivos de fiscalização (Piore e Schrank, 2006).
15. Ambos os estilos, "punitivo" e "pedagógico", têm respaldo nas leis e nas
normas que regulamentam a atuação dos fiscais do trabalho no Brasil. A
promulgação da CLT, em 1943, pelo presidente Vargas, conferiu aos fiscais do
trabalho a competência de zelar pela aplicação de suas disposições e concedeu-
lhes o poder de intervir em empresas privadas e penalizá-las por infrações
cometidas. Posteriormente, o Regulamento da Inspeção do Trabalho (RIT),
promulgado em 1965 e revisado em 2002, institui que para cada infração
identificada durante uma inspeção caberá a respectiva autuação, tal como
estipulado em lei. Entre 1994-2002, durante a gestão de Fernando Henrique
Cardoso, diversas tentativas de flexibilização da legislação trabalhista
fracassaram, mas algumas mudanças na gestão da inspeção do trabalho foram
introduzidas por meio de portarias ministeriais e de instruções normativas,
como as "mesas de entendimento", que possibilitam ao fiscal mediar conflitos
entre trabalhadores e empregadores e firmar "termos de compromisso" entre as
partes. Uma discussão detalhada e histórica sobre o porquê e sob que condições
os fiscais do trabalho escolhem entre os estilos de implementação definidos
anteriormente será objeto de estudo de um artigo subsequente.
16. Outro exemplo já mencionado (Quadro_2) é o das cooperativas no setor de
informática em Recife (PE).
17. Os exemplos de exigências reavaliadas pelos reguladores e mencionados pelos
empresários incluíam: placas indicando rotas de evacuação no caso de explosão
("quando tem uma explosão, é como o estouro da boiada, ninguém vê as placas",
disse um empresário); botas antiestáticas específicas, não disponíveis no
mercado doméstico; lavagem dos uniformes dos empregados diariamente pela
própria empresa; entre outros.
18. Em geral, os fiscais do trabalho concederam prazos mais longos para as
empresas menores, e todas as empresas se beneficiaram de prorrogações nos
prazos para as exigências técnicas mais complexas (por exemplo, construção de
novas instalações, laboratório de testes etc.).
19. Minas Gerais é o estado com o maior número de consórcios rurais
implementados no Brasil desde a década de 1990. Também é o estado com o maior
número de multas emitidas durante a fiscalização nas áreas rurais. Em 2005, os
fiscais de Minas Gerais emitiram quase três vezes mais multas do que seus
colegas em São Paulo, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Goiás e Tocantins, e seis
vezes mais do que os fiscais da Bahia, sendo todos estados com setores
agrícolas de grande porte.
20. Muitas empresas contestaram as multas judicialmente. No início de 2007, o
Tribunal de Justiça do Trabalho da Bahia decidiu manter as multas, legitimando
a ação dos fiscais.
21. A interpretação atual da Justiça do Trabalho no Brasil proíbe a
subcontratação de atividades-fim (ao contrário das atividades auxiliares/
administrativas, nas quais a subcontratação é permitida). Contudo, os fiscais
do trabalho entenderam, nesse caso, que, como não há relação pessoal entre os
administradores dos blocos e os cordeiros, estes podem ser considerados
prestadores de serviço em vez de trabalhadores regulares.
22. O acordo coletivo é assinado todo ano para permitir novas negociações -
aumento da diária, por exemplo -, e os fiscais monitoram o cumprimento dos
termos do acordo. Em 2007, os fiscais recorreram a procuradores do Ministério
Público do Trabalho para a operação, aumentando o poder de sanção (valor das
multas) ao transformar o acordo coletivo em TAC.
23. O seguro foi incluído no contrato como forma de compensar as dificuldades
administrativas de se pagar a contribuição previdenciária exigida para cada
trabalhador (muitos cordeiros na época não tinham inscrição na previdência).
Assim, quando não era possível pagar a contribuição previdenciária, os blocos
ou as empresas subcontratadas adquiriam seguro para cada cordeiro a fim de
cobrir acidentes individuais ou atendimento à saúde.
24. Para alguns entrevistados, o acordo de negociação coletiva fracassou porque
os sindicatos dos trabalhadores queriam incluir demandas além da proteção das
máquinas, como estabilidade no emprego e comitês de chão de fábrica. Para
outros, o acordo não se materializou porque a Fiemg fez tudo para atrasar a
assinatura e exigiu um tempo muito longo para seu pleno cumprimento (proteção
para todas as máquinas).
25. Os fiscais ainda estão acompanhando as empresas para melhorar a questão da
produtividade. Promoveram um seminário sobre proteção de prensas e equipamentos
similares em 2003; e mais tarde, no mesmo ano, uma audiência pública na
Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa do estado para discutir o
problema e promover a conscientização sobre a necessidade de melhorar as
condições de trabalho no setor de autopeças. Também em consequência desse
processo, ainda em andamento, nos últimos cinco anos surgiu um mercado de
consultoria e de assistência técnica. Essas empresas têm ajudado os produtores
de autopeças a enfrentar o desafio de melhorar a produtividade e, ao mesmo
tempo, a investir na segurança das máquinas (por meio de capacitação, desenho
de projetos de proteção, ergonomia, equipamentos de proteção mais modernos,
manutenção etc.).
26. A pesquisa World Business Environment Survey, do Banco Mundial (Batra,
Kaufmann e Stone, 2003), identifica a regulação do mercado de trabalho como um
dos principais obstáculos para a construção de condições propícias para o
funcionamento e o crescimento das empresas. Esse e outros estudos argumentam
que a ampliação de direitos trabalhistas e proteções ao emprego estão
associados às causas da ineficiência das empresas, ao crescimento das taxas de
desemprego e à expansão do setor informal.
27. Ver Cardoso e Lage (2007) e Noronha e Artur (2006) para uma discussão sobre
diferentes metodologias para o cálculo dos encargos trabalhistas (que variam de
36% a 103% sobre salários).