A questão da "Internacional Fascista" no mundo das relações internacionais: a
extrema direita entre solidariedade ideológica e rivalidade nacionalista
Introdução
Em fevereiro de 1996, surgiram algumas notas na imprensa internacional sobre a
possibilidade de três líderes da extrema direita assumirem o poder
simultaneamente em três grandes potências ocidentais: Jean Marie Le Pen na
França; Vladimir Zhirinovskij na Rússia e Pat Buchanan nos Estados Unidos.
Nenhuma das três hipóteses se concretizou, mas foi interessante, para não dizer
assustador, notar o entusiasmo de cada um dos três líderes com as idéias e as
propostas políticas dos outros. Zhirinovskij, por exemplo, se disse
particularmente atraído pelas declarações anti-semitas de Buchanan e chegou a
propor a idéia de um projeto conjunto de deportação dos judeus americanos e
russos para Israel. Ao mesmo tempo, Zhirinovskij e Le Pen chegaram a propor a
Buchanan a possibilidade de, junto com outros líderes, criar uma "Central
internacional de ultradireita" para o combate dos "democratas, comunistas e
judeus, que são os verdadeiros inimigos de todas as nações".1
Fazendo um exercício de futurologia e admitindo a possibilidade de Le Pen,
Zhirinovskij, Buchanan e outros menos cotados (Fini na Itália, Haider na
Áustria e até Enéas, no Brasil) assumirem o poder simultaneamente em vários
pontos do Ocidente, o que poderíamos esperar desse mundo organizado pelos
critérios da extrema direita? Não pensamos aqui em termos de organização social
ou de política interna, mas no tocante ao relacionamento entre todos esses
novos Estados "fascistas". A conjugação ideológica deles levaria a algum tipo
de paz sedimentada na participação na mesma família política ou isso seria um
mero detalhe entre Estados que continuariam competindo entre si e, talvez, até
mais do que antes?
Parece óbvio que uma previsão segura seria impossível, dado o sem número de
variáveis a serem consideradas (a globalização, a organização do mundo em áreas
e blocos, a presença das armas nucleares, etc.) e nem cabe ao historiador o
papel de profeta. Já houve, no entanto, no período dos fascismos "clássicos"
entre as duas guerras mundiais, uma experiência de convivência entre os
diversos movimentos e regimes fascistas (ou que se aproximavam do fascismo) e
de criação de uma "Internacional fascista" para tentar coordenar e aproximar
esses grupos.
Tal experiência é normalmente pouco conhecida (ao contrário das
"Internacionais" comunista e socialista, por exemplo) e é certo que seu estudo
não nos daria respostas precisas aos problemas colocados acima. Tal estudo pode
nos fornecer, contudo, alguns elementos para compreender melhor esses problemas
e entender a dinâmica do relacionamento internacional inter-fascismos no caso
de sermos obrigados a conviver novamente com esse tipo de problemática. É nesse
sentido que esse texto foi escrito.
Ele se inicia com uma discussão pontual sobre a questão do relacionamento
inter-fascismos, procurando trabalhar com as diferenças e igualdades entre eles
e discutir como uma das bases centrais da ideologia fascista (o nacionalismo)
acaba por gerar imensas contradições e paradoxos no relacionamento entre os
diferentes movimentos e regimes fascistas. Posto isso, veremos como se deu a
tentativa de construção da "Internacional fascista" e como os problemas e
paradoxos mencionados antes acabaram por sabotar a sua constituição. A questão
do relacionamento da "Ação Integralista Brasileira" com o Fascismo italiano
será então utilizada como "estudo de caso" para comprovar algumas das questões
levantadas anteriormente e delimitar alguns padrões que poderão nos servir de
guia para entender o relacionamento inter-fascismos no período entre guerras e,
com as ressalvas expressas anteriormente, também no momento atual.
Os fascismos: entre unidade e diversidade
Não é este, certamente, o local para retomar a imensa discussão, na história e
na ciência política, a respeito da comparação inter-fascismos e mesmo da
validade e da possibilidade de fazer tal comparação2. Para nossos fins nesse
texto, basta deixar clara a nossa posição de que os diferentes fascismos
formavam uma unidade, mas dentro da qual havia espaço para imensas diversidades
e projetos de mundo diversos (gerando competição e conflito) e que justamente
um dos seus traços comuns o nacionalismo exacerbado fornecia o elemento que
impedia a solidariedade completa entre eles.
Os fascismos do período entre guerras não surgiram, realmente, do vácuo, mas
formaram seu corpus a partir de idéias, conceitos e problemas presentes em toda
a sociedade européia há séculos. A grande inovação dos fascistas, na realidade,
foi reelaborar essas idéias de forma que elas pudessem servir para as
necessidades políticas do período em questão e combiná-las, dando a elas uma
certa coerência (coerência vista aqui em termos subjetivos) de forma que se
tornassem politicamente úteis. É básico, dentro do nosso raciocínio, entender
essa amplitude das idéias fascistas, seu mergulho em séculos de história
européia e ocidental e a maneira como elas, reelaboradas e reorganizadas
naquele contexto específico de crise do capitalismo e da ideologia liberal do
período pós I Guerra Mundial, deram origem às ideologias fascistas.
Essa noção de grupos diversos de idéias sendo reelaboradas em um mesmo contexto
de crise para dar origem ao fascismo (ou aos diferentes fascismos) merece ser
melhor explicitada para evitar mal-entendidos e também porque nos permite
levantar elementos para explicar a unidade e a diversidade dos movimentos
fascistas.
Em primeiro lugar, é claro que a grande crise do capitalismo não foi vivida e
sentida do mesmo modo em todos os países e que, por exemplo, a crise italiana
do início dos anos 20 que deu o poder a Mussolini não foi a mesma vivida pelos
alemães no pós 1929 devido à depressão econômica. Ainda assim, havia um fundo
geral de crise e insegurança que, entre altos e baixos, varreu todo o período
entre guerras e que, como já ressaltamos antes, deve ser levado em conta para
explicar o fascismo. É o fato dos diferentes fascismos estarem respondendo a
esta mesma crise, no mesmo momento e com armas mais ou menos semelhantes
(nacionalismo exacerbado, militarismo, desprezo pela democracia, anticomunismo,
irracionalismo, etc.) oriundas do mesmo caldo cultural e político que dá a eles
a unidade que nos autoriza a chamá-los todos de "fascistas" e que nos permite
recusar as propostas dos que querem vê-los como entidades separadas3 .
Chamar a todos de fascistas a partir da constatação de elementos comuns e de
uma temporalidade definida não nos permite, porém, esquecer das enormes
diferenças entre os diferentes movimentos, as quais devem ser levadas em conta
para o bom entendimento do fenômeno fascista como um todo.
As diferenças entre os fascismos são tão evidentes que fica difícil selecionar
exemplos. Para os fascistas italianos, por exemplo, o Estado era a base de tudo
enquanto que para os nazistas o Estado era apenas a expressão da "comunidade
racial do povo", a qual seria realmente a chave da sociedade nazista. Do mesmo
modo, o racismo e o anti-semitismo são virtualmente desconhecidos no fascismo
de Mussolini até 1938, enquanto que, sem eles, torna-se impossível entender o
nazismo. Outras possibilidades de comparações entre os fascismos estão
disponíveis4, mas são desnecessárias: é evidente a existência não só de
igualdades, mas também de diferenças, choques e conflitos entre eles.
Sem essa percepção, a possibilidade de equívocos conceituais cresce a olhos
vistos e somos incapazes de distinguir entre movimentos e regimes decididamente
fascistas (como a Alemanha e a Itália) de regimes que mesclaram componentes
maquínicos fascistas5 com outros conservadores, tradicionais, como o franquismo
na Espanha e o salazarismo em Portugal ou ainda de outros que, por mais
autoritários e ditatoriais que fossem, não merecem a alcunha de fascismo, como
o Japão militarista, a Argentina de Perón, etc.
De fato, se nós conseguirmos perceber as máquinas políticas não como realidades
coesas, compactas e impossíveis de serem estudadas a não ser em bloco, mas como
compostas de componentes intercambiáveis (a repressão, a ideologia, a mística,
o tratamento da cultura e da juventude, etc.), podemos entender como algumas
máquinas absorveram alguns componentes do fascismo, mas não a sua totalidade,
conservando, assim, aspectos não fascistas em sua constituição.
A Argentina de Perón e o "Estado Novo" de Vargas são bons exemplos dessa
situação. Ao contrário do Integralismo, por exemplo, que absorveu uma
quantidade tal de componentes do fascismo europeu em sua constituição que pode
ser considerado como membro da família fascista, o "Estado Novo" varguista
conservou o seu caráter de ditadura tradicional onde, por exemplo, não existia
o partido único e nem a mobilização maciça das massas. Apenas um ou outro
componente fascista (a repressão, parte de sua simbologia e de seu sistema de
propaganda) estavam presentes.
Com essa visão mais flexível, podemos entender melhor, assim, as diferenças
internas entre os fascismos (quando um acentua, por razões próprias, um aspecto
ou componente de sua máquina que um outro pode não valorizar tanto) e as
relações entre eles e outros sistemas de dominação (mais tradicionais)
existentes no mundo no período estudado.
O que é fundamental, de fato, é perceber como uma grande crise econômica,
social e de valores motivada em grande parte pela hecatombe da I Guerra Mundial
e pela crise do capitalismo e da democracia burguesa reverberou em situações
políticas, em tradições culturais, em especificidades sociais, etc. semelhantes
em nível macro, mas muito diversas em nível nacional, levando a resultados
também diversos: o reformismo das instituições liberais nos países anglo-
saxões, na França e na Escandinávia; a adoção de mecanismos fascistas
associados a outros componentes de poder tradicionais como na Espanha e em
Portugal; a ascensão de alguns fascismos (como o italiano e o alemão) ao poder
e a eliminação de outros (como o Integralismo no Brasil), a presença de certas
características em um fascismo e não em outro, etc. É nesse trabalho de
entendimento de um contexto geral que, desdobrado em situações culturais,
sociais e econômicas específicas, deu origem a diferentes respostas e
conjunturas que podemos entender as razões do porquê de alguns fascismos
triunfarem e outros não e as características de cada um. Sem essa visão da
unidade e da diversidade dos fascismos não se pode entender o fascismo e toda a
nossa discussão sobre a sua internacionalização perderia o sentido.
A questão da "Internacional fascista"
Logo após a sua ascensão ao controle do Estado em 1922, o fascismo de Mussolini
tinha como prioridade chave a consolidação do seu poder na Itália. Sua política
externa, nesse sentido, foi relativamente comedida nos anos 20. Uma questão
marcava, porém, tanto a concepção dessa política externa como a própria
formação do Estado fascista: a de definir a abrangência do fenômeno e da
ideologia fascista. Seria o fascismo algo típico da Itália, um "fenômeno
italiano" (para usar os termos do famoso discurso de Mussolini de 3/3/1928) ou
algo universal, cuja aplicação poderia se estender também para fora da Itália?
Tradicionalmente, se considera que o fascismo inicialmente se via como algo
italiano e que só depois se converteu em candidato à universalidade (o que
seria indicado por outro discurso de Mussolini, de 27/10/1933) e há indícios de
que realmente os fascistas dedicavam mais tempo aos problemas italianos no
início do partido e do regime do que a longas discussões teóricas sobre os
destinos globais da sua ideologia (D'AMOJA, 1967), o que é uma postura lógica6
. Na realidade, porém, como mostra Meir MICHAELIS (1973), o combate à esquerda,
a idéia da renovação da civilização ocidental e outros aspectos da doutrina
fascista deixavam implícita a idéia da "universalidade" e as contradições e
choques entre os grupos dentro do Partido Fascista que defendiam e combatiam a
idéia do "fascismo universal" foram contínuas desde o início do Partido e nunca
foram eliminadas nem mesmo depois da consolidação do regime.
De fato, enquanto, por exemplo, um fascista "radical" como Giuseppe Bastianini
defendia, desde cedo, a colaboração com os movimentos próximos ao fascismo do
exterior, outros hierarcas, mais ligados à herança dos nacionalistas, recusavam
essa colaboração com argumentos relacionados ao interesse nacional italiano. Um
deles, Giuseppe Bottai chegou a escrever em 1925: "Seria, de fato, muito
estranho recolher sob a mesma bandeira o fascismo italiano e, por exemplo, o
fascismo iugoslavo, que buscam o domínio da mesma terra, a Dalmácia, não com
direitos iguais, mas talvez com igual ardor".7
Destaque-se, aliás, como o grosso das idéias de internacionalização do fascismo
nos anos 20 girava em torno da questão dos italianos e seus filhos residentes
no exterior. Para boa parte dos ideólogos do regime, de fato, essa massa de
emigrantes seria não apenas um excelente instrumento para o jogo geopolítico
mundial da Itália (com o que parte substancial das classes dirigentes italiana
concordava desde o século XIX), como poderia servir para a difusão da ideologia
fascista pelo mundo e para os contatos com os movimentos fascistas do exterior.
Essas pretensões e essa disputa entre os que viam os emigrantes como meros
instrumentos geopolíticos, de Realpolitik, e os que viam neles também um canal
para difundir o fascismo pelo mundo não cessaram durante toda a duração do
regime fascista italiano8 e são indícios chave de como a idéia de que o
fascismo não era algo apenas italiano estava realmente presente desde o início
no regime e da enorme tensão que persistiu dentro dele a respeito da questão da
internacionalização do fascismo e dos seus efeitos na política externa
italiana.
Já nos anos 20 e ainda pensando apenas no universo do fascismo italiano,
contudo, os termos do problema estão dados claramente: seria possível algum
tipo de ligação amigável entre partidos e Estados fascistas a partir de traços
comuns e laços ideológicos ou a competição nacionalista minaria inevitavelmente
esses laços? E o que predominaria como eixo da política externa italiana e do
relacionamento inter-fascismos a partir da chegada de Mussolini no poder: os
interesses tradicionais de poder da nação italiana ou os novos interesses
ideológicos do fascismo?
Nos anos 20, há indícios de que as preocupações de ordem nacionalistas
dominaram a política externa italiana e de que, apesar das ambigüidades
prosseguirem, os interesses ideológicos estavam subordinados aos interesses
estratégicos nacionais italianos naquele momento9 . Nesse sentido, mesmo quando
subsidiava e apoiava movimentos fascistas, ou simpáticos ao fascismo, no
exterior (o que fazia desde o início da década de 20 PETERSEN, 1975 e BLATT,
1971), o objetivo central do regime não seria o de espalhar o "fascismo
universal", mas sim o de instrumentalizar esses movimentos afins para a defesa
dos desígnios italianos. E mesmo esse apoio e subsídio, porém, eram precários e
desenvolvidos sem um plano global de ação (MILZA e BERNSTEIN, 1995: 377-382 e
SANTARELLI, 1981: 484-501).
O que parece ter convencido o regime de que o fascismo era realmente uma
solução universal e a alimentar essa idéia para além de contatos esporádicos
com os outros fascismos e da difusão da ideologia fascista nas coletividades
italianas do exterior (que, afinal de contas, sempre podiam ser consideradas
partes da nação italiana simplesmente longe do território nacional) foi a
grande crise do capitalismo a partir de 1929. Em 27 de outubro de 1930, de
fato, Mussolini proclamou o fascismo como o remédio universal que a Europa
precisava: "Se pode portanto prever uma Europa fascista, uma Europa que se
inspire as suas instituições na doutrina e na prática do fascismo. Uma Europa
que resolva, em sentido fascista, o problema do Estado moderno, do Estado do
século XX... O fascismo hoje responde a exigências de caráter universal. Ele
resolve, de fato, o tríplice problema das relações entre Estado e indivíduo,
entre Estado e grupos e entre grupos e grupos organizados".10
Parece evidente que o fato da crise internacional fazer com que muitas pessoas
fora da Itália passassem a ver no fascismo uma solução extremamente adequada
para um capitalismo e uma democracia burguesa que pareciam entrar em colapso e
com que pipocassem os movimentos fascistas fora da Itália também foram
fundamentais para convencer o regime da realidade universal de sua ideologia.
Certamente, a grande maioria das pessoas que passou a simpatizar com o fascismo
fora da Itália nesse período jamais se converteu realmente à sua ideologia, mas
a renovada simpatia de certos setores políticos e sociais do mundo ocidental
pelo regime (que sempre havia existido, mas que cresceu notavelmente com a
crise11 ) parece ter ajudado a convencer o regime de que o fascismo era a onda
do futuro e que cabia a Roma guiar essa onda.
Questões internas do regime também estavam certamente presentes. Como
demonstraram, de fato, diversos autores (LEDEEN, 1971 e BOREJZA, 1971), a
década de 30 viu a emergência de uma nova geração educada nos ideais do regime,
insatisfeita com a esclerose de seus ideais de mudança social e desejosa de
mudanças que recuperassem esses ideais. Esses jovens intelectuais viram na
internacionalização do ideal fascista um dos caminhos centrais não só para
difundir o que eles consideravam a solução para os problemas de todo o mundo
ocidental (e não só da Itália), como para fazer uma correção de rota e resgatar
os valores fascistas dentro do próprio país.
A competição com a Alemanha nazista também parece ter sido fundamental para
levar a Itália aos caminhos do internacionalismo fascista. A ascensão do
nazismo na Alemanha, de fato, certamente reforçou em Mussolini a convicção de
que a idéia fascista era a "onda do futuro", a ser exportada e difundida
(MICHAELIS, 1973). A Alemanha nazista, contudo, também era uma rival potencial
tanto geopoliticamente como na liderança do universo fascista e era necessário
uma reação firme frente a esta ameaça. Não é por acaso que o sistema de
propaganda fascista tenha sido tão potencializado nesses anos e que a idéia de
congregar e controlar mais firmemente os movimentos próximos ao fascismo no
exterior tenha crescido justamente nesse momento (BOREJSZA, 1971).
O resultado final de toda essa fermentação ideológica, debate político e
interesses de política interna e externa foi a criação dos Comitati d'azione
per l'universitalità di Roma (CAUR) em 1933. A criação desse órgão foi um marco
importante na idéia da internacionalização do fascismo e seu primeiro marco
institucional. Seu objetivo era o de integrar os movimentos fascistas mundiais
em uma agremiação formada por participantes teoricamente autônomos, mas que
deveriam manter os traços comuns de nacionalismo, corporativismo e valorização
da juventude como força revolucionária.
O auge dos CAUR foi no seu Congresso em Montreux em 1934. Uma nova reunião de
movimentos fascistas patrocinada pelo CAUR ocorreu em janeiro de 1935 em Paris
e uma outra em Amsterdã em abril do mesmo ano. Logo depois, contudo, a
tentativa italiana de organizar a "Internacional fascista" entra em decadência
e, apesar da Itália ainda utilizar a idéia do fascismo internacional em sua
propaganda nos anos seguintes e não ter renunciado nem à idéia de
internacionalizá-lo, nem aos contatos com os movimentos fascistas fora da
Itália, preferiu retirar seu apoio de organismos como os CAUR e de qualquer
idéia de um órgão institucional dessa natureza (LEDEEN, 1973).
A experiência dos CAUR faliu pela incompetência dos que tentaram organizá-la,
pela fraqueza da maioria dos movimentos fascistas que deveriam integrar a
"Internacional" e a relutância deles em se colocar ao serviço de Roma e,
também, pelo problema nazista. De fato, em um primeiro momento, a competição
fascismo/nazismo12 e o boicote nazista à "Internacional" foram fatais para sua
constituição efetiva, enquanto a melhoria das relações entre Roma e Berlim no
momento posterior também ajudou a sabotar a idéia, pois Mussolini queria evitar
motivos de atrito com seu novo aliado13 . Tal situação nos obriga a um exame um
pouco mais detalhado da relação do nazismo com o fascismo italiano e do seu
posicionamento frente à questão da "Internacional fascista".
Em termos de atividades além fronteiras, o regime nazista concentrouseus
esforços nos seus próprios conacionais no exterior e, especialmente, naqueles
localizados nas regiões européias fronteiriças com a Alemanha, onde eles
poderiam, potencialmente, servir de pontas de lança para uma futura invasão
alemã. Nisso, não foram diferentes dos italianos (BERTONHA, 1999b).
Os alemães também fizeram, novamente de forma análoga aos italianos (BERTONHA,
1998), propaganda dos ideais nazistas entre as populações estrangeiras
(BOREJZA, 1971:172-188) quando e onde isso pudesse ser de interesse para o
Reich. Mas, se o seu anti-semitismo e anticomunismo eram populares em vários
locais, como a Europa do Leste, não o eram seu imperialismo e racismo, que
dificilmente poderiam ser aceitos por aqueles que seriam visivelmente as
vítimas desse imperialismo e desse racismo. O fascismo era mais popular e
aceitável pela própria fraqueza da Itália14 e as aproximações de vários estados
do Leste Europeu e de vários movimentos fascistas em direção à Alemanha nos
anos 30 foram mais um efeito da força e do poder da Alemanha do que da
compatibilidade ideológica automática com o nazismo.
Ainda em 1933, Joseph Goebbels proclamava que o nacional-socialismo era um
fenômeno alemão. A Alemanha jamais pensou seriamente, de fato, em criar a sua
própria "Internacional fascista", com as poucas iniciativas nesse sentido sendo
imediatamente sufocadas e com a propaganda para não alemães no exterior sendo
menos importante como arma de conquista (mas não em volume) do que foi para o
fascismo italiano.
Isso ocorreu devido ao fato da Alemanha dispor efetivamente de poder para
conquistar o mundo (MICHAELIS, 1973) e ao caráter violentamente racista e
imperialista do nazismo, interessado em impor sua ideologia e sua dominação
pela força e só fazendo propaganda no sentido mais instrumental do termo
(GALLO, 1970). A importância chave da questão racial dentro do corpo teórico
nazista o tornava, de fato, muito menos aberto a qualquer idéia de colaboração
com movimentos no exterior do que o fascismo italiano15 . A idéia da dominação
da raça ariana não permitia, realmente, que se aceitasse a igualdade e a
colaboração de igual para igual, ainda que teórica, com outros povos e
fascismos e ainda em 1939 Alfred Rosenberg ressaltava como, mesmo que todo o
mundo se tornasse nazista, o conflito entre arianos e não arianos seria
inevitável16 . A pretensão do domínio total excluía a priori a idéia da
universalidade, a não ser aquela restrita à raça ariana (VENERUSO, 1971 e
MICHAELIS, 1973).
Na crítica de pensadores nazistas frente ao fascismo, este é sempre visto como
aquele que havia tido um papel chave na história européia ao abrir caminho para
a ascensão da direita. Goebbels, Rosenberg e vários outros diziam, contudo, que
seus erros no tocante à Igreja Católica, aos judeus e, no caso da ala de
Strasser, na reorganização social da Itália o desqualificavam como regenerador
da Europa17. O nazismo faria isto, mas com base única e exclusiva (na teoria,
mas não na prática, como a experiência do recrutamento de centenas de milhares
de Waffen SS não nórdicos na II Guerra Mundial vem a demonstrar) na futura raça
dominante, o que obviamente reduzia os candidatos a possível colaboração e
aliança com base ideológica.
Isso não significa que o fascismo italiano também não pensasse em termos de seu
próprio poder e domínio. Há analistas (MILZA e BERNSTEIN, 1995: 377-382;
SANTARELLI, 1981: 500), de fato, que apresentam o esforço internacionalista do
fascismo como, acima de tudo, um instrumento de política externa e de projeção
do poder italiano. Nessa concepção, o regime não teria interesse real em
instaurar o fascismo em países como França, pois isso acabaria gerando, no
limite, países fortes que se oporiam à Itália. Os fascismos do exterior só
seriam apoiados enquanto força de desestabilização dos adversários geopolíticos
da Itália ou nos locais onde estes movimentos poderiam dar origem a estados
satélites controlados por Roma ou, no mínimo, ao aumento da influência italiana
local18.
É fácil comprovar que esse condicionamento geopolítico esteve muitas vezes
presente no pensamento do regime voltado ao relacionamento inter-fascismos e
que esse relacionamento era pensado muitas vezes como instrumento de
substituição da fraqueza militar e econômica italiana, sendo o seu apoio ao
Heimwehr austríaco ou a sua hesitação em fortalecer os fascismos do Oriente
mediterrâneo (SANTARELLI, 1981: 116-188 e 136) outros excelentes exemplos nesse
sentido.
Dificilmente, porém, seria possível separar, na estrutura de um regime
grandemente fundado em princípios de uma ideologia, os interesses diretamente
geopolíticos e os ideológicos. De fato, é possível identificar uma tendência
dentro da política externa fascista que esteve presente desde os anos 20, mas
que adquiriu mais força e visibilidade nos anos 30: a fusão dos objetivos
nacionais do Estado italiano com aqueles de divulgação e expansão da ideologia
fascista.
Dentro dessa tendência, os interesses nacionais italianos e a ideologia
fascista se fundiam em um todo muitas vezes contraditório e ambíguo, mas que
passou a condicionar cada vez mais a política externa italiana a partir de
então: os interesses do Estado italiano podiam ser atingidos através da carta
ideológica, de solidariedade dos regimes de caráter fascista e a própria
expansão da ideologia fascista se daria pelos mecanismos de poder do Estado
italiano.
Parece evidente que a política nacional de um Estado ou seus "interesses
nacionais" não podem ser considerados, em qualquer situação, cem por cento
autônomos em relação a princípios ideológicos ou de política interna. De fato,
mesmo uma política baseada inteiramente no realismo político e na busca
absoluta de aumento do poder e da influência internacionais do Estado só pode
ser compreendida a partir dos princípios e ideais que norteiam seu grupo
dirigente e a própria sociedade como um todo em um momento histórico delimitado
(D'AMOJA, 1981).
Sérgio Romano (1983) escreveu palavras elucidativas a este respeito, mostrando
como foi o positivismo do século XIX que criou a idéia de que a política
externa estaria separada da interna e que os países teriam, se não fossem mal
influenciados, interesses permanentes e comportamentos naturais determinados
pela geografia e pela natureza. Na realidade, como demonstra esse autor, os
interesses permanentes de um país são cultural e historicamente determinados
o interesse só existe a partir da concepção momentânea que uma nação tem de si
e de seu papel no mundo e política interna e externa não são, assim, opostos,
mas esferas diversas de uma mesma concepção de Estado e sociedade. Essa análise
poderia servir, em um primeiro momento, para todos os Estados nacionais
conhecidos.
O próprio Romano e, especialmente, McGregor KNOX (1984 e 1991), contudo,
ressaltam como a conjugação política interna/política externa teve
configurações especiais dentro do universo do fascismo italiano e também dentro
do nazismo. Para ele, nesses dois regimes, a consolidação interna era vista
como base para uma política externa agressiva, enquanto esta agressividade
seria a base para mudar instituições e valores nacionais e fazer uma revolução
interna. Para ele, essa notável inter-relação entre política interna e externa
seria uma singularidade desses dois regimes, ainda mais do fascismo italiano,
que queria criar um povo italiano viril, guerreiro e conquistador em um país
onde esses valores não estavam tão presentes e onde o grau de controle do
partido sobre o Estado e a sociedade era menor do que na Alemanha.
Nesse contexto, falar em Realpolitik ou "política baseada na ideologia" como
pólos totalmente opostos seria equivocado e apenas confirmaria a tentativa de
parte dos pensadores e políticos italianos de dissociar a política externa
fascista daquela pretendida pelos tradicionais formuladores da política externa
italiana, cem por cento voltados aos "interesses nacionais italianos", o que
seria errôneo19. O mesmo poderia ser dito da Alemanha nazista e seu esforço
para tornar o Estado nacional alemão senhor da Europa e, ao mesmo tempo,
reorganizar racialmente o mundo.
Um exemplo clássico nesse sentido é a análise que a revista Anti Europa de
Asvero Gravelli fazia do apoio do fascismo italiano aos ustaches croatas. Para
a revista, o apoio ao fascismo croata seria um primeiro passo para uma aliança
austríaca/croata/húngara que deveria ser a base não só da hegemonia política
italiana nos Bálcãs, como de uma "Internacional fascista" de cunho italiano no
coração da Europa (SANTARELLI, 1981: 116). Ideologia e Realpolitik estão, pois,
em muitos casos, tão entrelaçados que seria difícil separá-los20.
Ainda assim e apesar de efetivamente não existirem "interesses nacionais"
neutros que não sejam readaptados e redefinidos a partir da realidade política
nacional e internacional21, algum nível de diferenciação há e certamente a
política externa fascista (especialmente a dos anos 30) não seguia diretrizes
exatamente iguais às da Itália liberal, absorvendo padrões de ação derivados da
doutrina fascista que não se coadunariam com uma política de poder clássica,
como a seguida pela velha Itália22.
Levando esse raciocínio ao extremo, autores como Jens Petersen (1975), por
exemplo, consideram que, apesar de rivalidades em questões estratégicas como a
Áustria e o Tirol do Sul e pela liderança dos movimentos fascistas, a aliança
entre fascismo e nazismo era inevitável, dadas as semelhanças ideológicas e o
fato dos dois eixos de expansão imperial (Mediterrâneo/Europa Oriental) não
colidirem frontalmente. Para ele, a aliança teria obrigatoriamente que ocorrer
e os acontecimentos apenas teriam confirmado isso.
Que a falta de uma rivalidade estratégica absoluta e a forte radicalização
política/ideológica mundial dos anos 30 (HOBSBAWM, 1997) fazendo as duas
versões centrais do universo fascista se aproximarem dentro de uma luta maior
contra a esquerda e a democracia indicava um enorme potencial de alianças, é
aceitável. As relações nunca estiveram, porém, tão historicamente dadas e
pressupostas ideologicamente como quer Petersen23 e as relações entre Berlim e
Roma e entre os diferentes fascismos nesse fim da década de 30 jamais
conseguiram se livrar desses problemas de fundo, dessas contradições entre
solidariedade e competição ideológica e entre solidariedade ideológica e
competição geopolítica que marcavam o relacionamento entre os Estados
fascistas.
Esse é, aliás, um outro aspecto fundamental da questão. No caso das duas
matrizes centrais do universo fascista (a italiana e a alemã), a ideologia
fascista que, em linhas gerais, ambos compartilhavam, não era fonte apenas de
solidariedade (em oposição ao nacionalismo e à competição geopolítica, que os
separariam), mas também de competição. Como vimos, de fato, se, em uma
polarização maior direita/esquerda e democracia/ditadura, fascismo e nazismo
podiam ser vistos como membros da mesma família, eram irmãos que discutiam e
disputavam todo o tempo não só pelo poder e espaço, mas também por projetos de
mundo em boa medida diversos. Essa situação jogava novos problemas dentro do
relacionamento entre eles.
É justamente por causa dessas ambigüidades, aliás, que a historiografia se
revela incapaz de chegar a um consenso quando tenta analisar as relações ítalo-
alemãs nos anos 30 e o papel da competição/solidariedade ideológica e da
disputa geopolítica como eixos nessas relações.
K. HOEPKE (1971), por exemplo, considera que Mussolini pensava centralmente em
termos de concorrência ideológica quando se relacionava com o nazismo. Este, de
fato, em uma análise racional e baseada em critérios de poder e disputa
geopolítica, deveria ter preferido, a princípio, apoiar integralmente os
nazistas24, mas teria optado por dividir seu apoio entre os nacionalistas e os
nazistas, com alguma preferência para os primeiros, pois, estes seriam
candidatos menos sérios a estabelecer uma concorrência ao fascismo italiano
dentro da família ideológica fascista. Só os contínuos sucessos eleitorais de
Hitler a partir de 1930 teriam convencido o governo italiano de que a opção
nazista era talvez não a melhor, mas a única disponível para aumentar a
influência italiana na Alemanha, o que teria levado à melhora dos contatos
entre os movimentos, inclusive com a instalação de seções do Partido Nazista na
Itália25. A ideologia levaria, pois, à competição e apenas os interesses
geopolíticos superariam essa desconfiança.
Já as observações de Jens PETERSEN (1975 e 1976) invertem o raciocínio de
Hoepke e procuram demonstrar como o apoio de Mussolini ao nazismo desde 1925
era derivado de preocupações ideológicas claríssimas (difundir a idéia fascista
a nível europeu a qualquer custo), preocupações estas que, inclusive, iam
contra o interesse nacional italiano ao criar um pólo alternativo de poder
geopolítico e um rival ideológico. Nesse raciocínio, os interesses geopolíticos
seriam irrelevantes e a ideologia levaria à solidariedade.
Ainda assim, as informações de HOEPKE (1971); MICHAELIS (1975 e 1975ª) e DE
FELICE (1975) indicam como, em última instância, havia mais desconfiança e
ambigüidade do que solidariedade completa entre nazistas e fascistas por
motivos ideológicos e estratégicos no período pré 1930 e que o interesse de
Roma pelo nazismo nos anos 20 era mais instrumental do que outra coisa, o que
levava a contatos com toda a direita alemã (mas, sintomaticamente, não com a
esquerda, supondo que houvesse alguma interessada em se aliar com os fascistas)
e não só com o NSDAP. Como visto anteriormente, contudo, dificilmente a
situação poderia ser considerada tão cristalina nos anos 30, quando a situação
internacional mudou e todas as ambigüidades e problemas acima descritos vieram
à tona.
Asvero Gravelli e outros teóricos italianos da "Internacional Fascista"
tentaram resolver esses problemas assumindo que os ideais fascistas eram ideais
"europeus"26 acima de tudo e que a "Internacional fascista" daria apenas uma
visão universal e uma coordenação às várias revoluções nacionais. Eles não
conseguem, contudo, deixar de identificar na Itália a base dessa central e a
sua fonte de inspiração, cabendo a Roma, pois, a primazia entre os fascismos,
que deveriam girar em torno do Palazzo Venezia27. O fato do estímulo final para
a criação da "Internacional fascista" ter sido, como vimos, a competição com a
Alemanha, apenas ressalta esse caráter "nacionalista" do internacionalismo
fascista.
A prova final, contudo, de que o destino final do relacionamento entre os
Estados fascistas era a competição e o domínio do mais forte foi a
satelitização dos fascismos durante a II Guerra Mundial, sob a égide do poder
alemão (VENERUSO, 1971 e 1973 e LUKACS, 1980) e graças à opção, pela maior
parte das elites européias, pela aliança com o nazismo (mesmo sendo este
alemão, imperialista e que claramente não trataria, como não tratou, todos os
seus súditos, mesmo os mais fiéis, igualmente) dentro da grande guerra civil
travada no interior da "Fortaleza européia'' nazista. O exemplo das tropas
multinacionais recrutadas pelas Waffen SSapenas ressalta isso, pois, seu
"internacionalismo europeu", que via a Alemanha como o baluarte da civilização
européia contra o comunismo e que é continuamente recuperado pelos defensores
da aliança da direita radical européia de hoje, não deixava de ressaltar a
hierarquia (alemães e germânicos em primeiro lugar; europeus ocidentais em
segundo e alguns europeus orientais selecionados em terceiro) desses europeus,
fossem eles ou não ferrenhos fascistas em seus países de origem.
É a partir desse quadro geral que podemos entender os casos particulares de
relacionamentos inter-fascismos e compreender o que é particular e o que geral
em cada caso. Nesse sentido, um exemplo chave é o do relacionamento entre o
fascismo italiano e a Ação Integralista Brasileira.
Temos tentado, nos últimos anos, fornecer, através de diversos trabalhos
(BERTONHA, 1997, 1998, 2000 e 2000a), um quadro das relações entre o fascismo
italiano e o Integralismo e certamente não é este o local para reproduzirmos
tais reflexões em detalhes. Gostaríamos de destacar, contudo, o uso
instrumental que Roma fez do movimento dos camisas verdes para a defesa de seus
interesses no país e as enormes ambigüidades no relacionamento (oscilando entre
cooperação e conflito) tanto entre os dois movimentos, como entre fascistas
italianos e integralistas em território brasileiro; entre nazistas e fascistas
no interior do Integralismo e mesmo entre os italianos imigrantes e seus
filhos, em oscilação entre um e outro grupo. Ora, todas essas questões, que, em
uma análise inicial, poderiam ser consideradas específicas da realidade
brasileira, adquirem um novo contorno quando colocadas no plano de fundo maior
do relacionamento inter-fascismos em nível global e da questão da
"Internacional Fascista".
De fato, o relativo desinteresse de Roma pelos incipientes movimentos fascistas
brasileiros dos anos 20 e seu despertar nos anos 30, por exemplo, só é
compreensível dentro do quadro dos escassos interesses italianos no Brasil do
período (e da fraqueza desses movimentos em apoiar esses interesses) e de
potencialização da idéia da "Internacional fascista" nos anos 30, enquanto as
enormes ambigüidades do relacionamento entre nazistas, fascistas e
integralistas em território brasileiro e dentro do próprio movimento dos
camisas verdes adquire novos contornos dentro do quadro apresentado acima.
Também a relação de Roma com a AIB (na qual questões geopolíticas e de
solidariedade ideológica se contrapunham e se associavam, mas o uso da
solidariedade ideológica como instrumento de poder e o predomínio da opção
italiana de usar o Integralismo de maneira instrumental eram predominantes) é
perfeitamente integrada ao padrão mais geral que indica, como vimos, que o
relacionamento entre movimentos e Estados fascistas gira em torno da competição
nacionalista e da solidariedade/competição ideológica, mas que, no limite, ele
acaba conduzindo ou a conflitos inadministráveis ou à subordinação de um pelo
outro. Esse era um dilema que fatalmente minaria as relações do Integralismo
com italianos e alemães e levaria um Brasil integralista e um Eixo vitorioso na
guerra ou à guerra aberta ou, o que é mais provável, à subordinação imperial.
Um destino melancólico, a nosso ver, para os muitos brasileiros que acreditaram
na renovação da nação brasileira pela doutrina integralista e que eles, talvez
pelo caráter ambíguo com que essas relações se deram na época e ao fato do
momento de definição final nunca ter chegado, não parecem ter percebido ou
preferido ignorar, mas totalmente previsível dentro da própria estrutura do
pensamento fascista.
Conclusão
O fascismo não morreu no pós II Guerra Mundial (reelaborando-se e
reorganizando-se como um vírus dentro da sociedade contemporânea) e sobrevive
hoje nas franjas da sociedade. Se, por uma confluência de fatores, ele voltasse
a assumir o poder em algumas regiões do mundo ocidental e a hipótese
apresentada na Introdução desse artigo se concretizasse, é difícil acreditar
que ele retornaria em sua forma clássica. Muito teria que ser mudado e a
experiência do breve governo de Berlusconi na Itália e da transição do
Movimento Sociale Italianopara a mais "respeitável" Alleanza Nazionale na
Itália nos últimos anos talvez indique o padrão desse novo fascismo reciclado
que tenta retomar o poder28.
Dificilmente esse fascismo reciclado poderia fugir, contudo, das suas grandes
contradições, a saber, a promessa de mudança social associada, normalmente, a
uma prática política de aliança com as forças conservadoras e, como demonstrado
nesse texto, a da contradição entre o desejo de fundir todos os fascistas do
mundo em um bloco único soldado pela idéia de construção de uma nova
civilização e a competição nacionalista, de idéias e pelo poder entre eles.
Isso indica que um mundo dominado pelo fascismo dificilmente seria um mundo de
relações pacíficas entre os Estados, no que seria coerente com seu encantamento
pela guerra e pelas virtudes militares.
Obviamente, poderíamos ter uma repetição daquilo que HOBSBAWM (1997) chamou de
a grande guerra ideológica do século XX, a II Guerra Mundial, quando a
radicalização política e social abriu espaço para os diferentes fascismos
aceitarem sua subordinação e se articularem em torno do dominante, o alemão.
Uma reelaboração do conceito fascista clássico de nação para um maior, pensado
em termos de civilização ocidental e de raça branca (como os nazistas, como
vimos, tentaram, aliás, dentro de certos limites, fazer), também poderia ajudar
os movimentos e Estados fascistas a se agregarem e as marchas conjuntas que
vemos hoje entre neonazistas americanos e alemães, por exemplo, indicam que
esse caminho não é considerado absurdo. Nesse caso, talvez Samuel Huntington
(HUNTINGTON, 1997) não estivesse tão equivocado em suas teorias e um mundo de
guerra entre civilizações dominadas por seus fundamentalismos (dos quais o
fascismo é seguramente um deles) poderá ser a ordem do dia. Em qualquer caso, a
experiência histórica demonstra que, em um mundo fascista, dificilmente
deixaríamos de ter dominação de povo contra povo ou guerra entre eles. Outro
motivo para tentarmos nos prevenir dessa hipótese e trabalharmos para que a tão
falada "nova ordem internacional" não desemboque, por pouco provável que isso
seja, em uma nova guerra mundial contra ou entre os fascismos e que todo o
sangue vertido na última delas não tenha sido em vão.
Notas
1 Ver "Fascisti del Duemila" in La Repubblica, Roma, 24/2/1996.
2 Para a bibliografia clássica sobre a comparação inter-fascismos, ver PAYNE
(1980); MOSSE (1996) e LAQUEUR (1978). Ver também PINTO (1991).
3 TRANFAGLIA (1976 e 1995) e COLLOTTI (1989) demonstram como a tentativa da
escola historiográfica de Renzo de Felice de separar o fascismo italiano do
nazismo alemão não se sustenta historicamente e é, na verdade, uma bem montada
operação para a sua reabilitação.
4 Ver, por exemplo, as diferenças entre regimes autoritários e totalitários
presentes em ARAÚJO (1988, cap. 5) e FALCON (1991: 29-43).
5 A fundamentação teórica para essa visão das máquinas fascistas como formadas
por componentes destacáveis veio de GUATTARI (1987).
6 Nos anos 20, aliás, a maioria dos simpatizantes do fascismo no exterior não
tinha filiação ideológica direta com o fascismo e não se pensava normalmente
que ele pudesse ser reproduzido integralmente fora da Itália, já que era um
"fenômeno italiano". Ver VENERUSO (1981). Não residia em outra fonte, também, a
dificuldade dos antifascistas italianos refugiados no exterior em angariar
apoios concretos de seus aliados de esquerda de outros países. Ver BERTONHA
(1999 e 1999a) para o caso brasileiro e também para bibliografia sobre a
situação em diversos países do mundo.
7 BOTTAI, G. "L'internazionale fascista" in Epoca, 27/2/1925, citado em
MICHAELIS (1973: 575).
8 Uma reconstrução detalhada da história dos fasci all'esteroe do uso dos
italianos do exterior na política externa italiana e na difusão da ideologia
fascista no exterior está em BERTONHA (1998ª e 1999c).
9 Ainda que, mesmo nesses anos 20, separar claramente o que era "interesse
nacional italiano" e o que era "interesse ideológico fascista" seja, como
mostra PETERSEN (1976), algo problemático. Voltaremos a este tópico a seguir.
10 MUSSOLINI (1951:139-142), discurso de 27/10/1930.
11 Para a questão da popularidade do fascismo no mundo ocidental e
especialmente no Brasil, ver BERTONHA (1999).
12 Em alguns momentos, os subsídios de Roma aos outros movimentos fascistas se
destinavam mais a combater o nazismo e sua influência do que em combater os
inimigos comuns (LEDEEN, 1973, p. 172). Renato Mori (1976) tem opinião oposta e
acredita que os ideólogos italianos da "Internacional fascista" tenderiam
naturalmente, por afinidades ideológicas, à aliança com o nazismo, o que
contradiz as informações disponíveis sobre os imensos choques entre nazistas e
fascistas nesses anos. Ver MORI (1976: 87-88).
13 Ver VENERUSO, 1981. A aproximação com o nazismo, aliás, teria frustrado
terrivelmente os jovens fascistas adeptos da internacionalização do fascismo,
levando muitos, inclusive, ao antifascismo. Um outro indício de que as
preocupações internacionais foram absolutamente prioritárias na formação e
dissolução dos CAUR. Ver LEDEEN (1973); ARMON (1972) e WANROOY (1982).
14 Também o apelo do modelo italiano de fascismo (mais autoritário do que
totalitário na maior parte do tempo) era maior do que o alemão para as elites
conservadoras de boa parte do mundo, incluindo o Brasil e, por exemplo, os
países bálticos. Ver BERTONHA (1999) e BOREJSZA (1974).
15 A idéia de que a origem de esquerda de Mussolini e de boa parte dos
militantes fascistas teria deixado alguma influência do "internacionalismo
marxista" no regime fascista e aberto as portas para as idéias universalistas
do fascismo (MICHAELIS, 1973), porém, não parece digna de crédito pelo simples
fato de que a entrada dos nacionalistas no fascismo evidentemente sublimou
esses ideais internacionalistas.
16 Discurso de 7/2/1939, citado em MICHAELIS (1973: 577).
17 Kurt Ludecke e Otto Banzert foram outros autores nazistas que proclamaram a
tendência universal do nazismo e sua missão de regenerar a Europa via dominação
da raça superior e de sua representante, a Alemanha, e sucedendo o fascismo na
marcha da História. Ver HOEPKE (1971, cap. 3).
18 A ação italiana de apoio ao fascismo suíço do coronel Fonjallaz parece ter
seguido esse padrão, tanto que ele diminuiu quando se tornou claro que os
fascistas suíços não seriam capazes de cumprir as metas desejadas. Ver CERUTTI
(1986: 388-477). O mesmo pode se dizer da Inglaterra, onde os italianos usaram
os fascistas de Oswald Mosley para sua propaganda durante a guerra da
Abissínia, mas sem se empenharem em apoio aberto à eles (GOGLIA, 1984).
19 Ver informações e referências bibliográficas em BOREJSZA (1971) e PETERSEN
(1976). Na realidade, as posições teóricas sobre a questão da "Internacional
fascista" se relacionam diretamente com esse debate. Para os defensores do
"realismo" da política externa fascista, os movimentos fascistas do exterior
eram sempre manipulados a partir do interesse nacional italiano. Para os que
defendem a "ideologização" das relações exteriores da Itália, especialmente na
década de 30, a relação com os fascistas do exterior era movida única e
exclusivamente pelo desejo de expandir o ideal fascista pelo mundo ocidental
com vistas à criação de uma nova civilização.
20 Os debates sobre essa fusão foram travados inclusive pelos intelectuais do
regime, notadamente os das revistas Civiltà Fascistae Politica, a partir de
1936/37. Eles discutiam a "função imperial da ideologia" e a possibilidade de
realmente fundir os tradicionais interesses geopolíticos italianos e a
ideologia fascista. Um debate que faz parte de um outro maior sobre o caráter
do fascismo, sua missão, etc. que se desenvolveu na Itália no pós 1936 e que
indica que, ainda que ideologia fascista e interesse nacional italiano não
tenham se fundido completamente no período, essa fusão esteve cada vez mais
próxima no final dos anos 30. Ver SANTARELLI (1981: 231-236) e D'AMOJA (1967).
21 O próprio fascismo refutava a idéia de "política externa ideológica" e
enfatizava que era cem por cento "realista" na defesa da Itália e dos
interesses eternos do país. O fascismo, assim, usava uma ideologia (no sentido
de pensamento falso, não adequado à realidade), ou seja, a do realismo como
ideologia (no sentido de conjunto de idéias) Ver PETERSEN (1976).
22 Na realidade, apesar da crescente importância dos pressupostos ideológicos
fascistas na condução da política externa italiana desde os anos 30, o regime
jamais deixou de viver a contradição entre os fascistas mais "conservadores",
mais centrados no antigo nacionalismo e na conservação da ordem e os
"revolucionários", interessados em subverter realmente a ordem estabelecida no
mundo ocidental. Essa situação transpareceu na guerra civil espanhola, quando
os fascistas moderados consideravam aceitável uma simples ditadura apoiada nos
militares e nos católicos, solução que radicais como Farinacci consideravam
conservadora, preferindo a "Falange" para subverter realmente a realidade
espanhola. Ver VENERUSO (1975 e 1981: 221).
23 Não é certamente este o local para uma discussão acentuada sobre o papel da
aproximação ideológica fascismo/nazismo dentro da formação do Eixo Roma/Berlim.
Dificilmente, porém, seria possível considerar que a aproximação das duas
potências fascistas não tenha incluído ao menos um pouco de solidariedade
ideológica. Ver referências bibliográficas para esse debate em PETERSEN (1975).
De fato, certamente nunca houve uma total e completa "neutralidade ideológica"
na política das grandes potências européias na cada vez mais politizada década
de 30, o que indica que a liberdade de movimento da Itália ou da Alemanha não
era tão absoluta como quer, por exemplo, QUARTARARO (1980).
24 Os nacionalistas, de fato, apesar de verem com bons olhos a ideologia
fascista, não conseguiam esquecer a "traição" italiana na I Guerra Mundial e a
questão do Tirol alemão dominado pela Itália, enquanto o nascente partido
nazista tinha sua italofobia controlada por Hitler, que era notoriamente pró
Itália e admirador de Mussolini e que aceitava até a continuação do domínio
italiano sobre o Tirol do Sul. Ver HOEPKE (1971).
25 As seções do "Auslandsabtleilung der NSDAP" (as equivalentes alemãs dos
"fasci all'estero") começaram a ser instaladas em várias cidades da Itália e,
especialmente, na região de língua alemã do Tirol a partir de 1931.
Sintomaticamente, o "Ministero degli Affari Esteri" e os setores nacionalistas
do Partido fascista as consideravam danosas e perigosas, enquanto as "alas
esquadristas" do Partido apoiavam os contatos e Mussolini permanecia em uma
posição cautelosa e dúbia. Ver MICHAELIS (1973ª).
26 Sobre a idéia do fascismo como arma para a união européia, ver COFRANCESCO
(1983).
27 Ver GRAVELLI (1932 e 1934). O fascismo, segundo Gravelli, seria, aliás,
muito mais adequado ao papel de coordenador da "Internacional fascista" do que
o nazismo, dado o seu "nacionalismo positivo" e a resistência dos italianos e
dos fascistas em desprezar outros povos. Ver GRAVELLI (1934: 319-342).
28 Ver um aprofundamento dessas discussões em BERTONHA (1995).