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BrBRHUHu0034-73292003000100002

BrBRHUHu0034-73292003000100002

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0034-7329
Year2003
Issue0001
Article number00002

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Desafios de uma política externa assertiva

Desde o começo do corrente ano, o Brasil tem um Presidente de esquerda moderada, cujas manifestações públicas, ainda como candidato, e primeiros passos neste período inicial de governo o comprometem com uma política externa mais nacionalista e afirmativa do que a dos governos que o antecederam desde 1990. Em artigo publicado em agosto de 20021, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva afirmava que, "para construir um novo modelo econômico, que terá como base um vasto programa de inclusão social, será necessário aprofundar a democracia em nosso país e garantir uma presença soberana do Brasil no mundo (grifo meu)". Assim, meses antes da sua eleição, o atual Presidente proclamava que uma política externa assertiva seria uma condição necessária para a promoção do desenvolvimento econômico e social do país. Isso foi parte do mandato que recebeu nas urnas.

Em dezembro do mesmo ano, o Embaixador Celso Amorim, formalmente indicado para a posição de Ministro das Relações Exteriores, reiterava a relação entre os objetivos econômico-sociais do futuro governo Lula e sua política externa, embora deixando claro que tal ligação de nenhuma forma diminuía a preocupação com os assuntos político-estratégicos afetos à pasta que então se preparava para assumir2.

No momento em que escrevo, seria claramente prematuro fazer uma análise da política externa do atual governo a partir de suas realizações na área internacional durante o curto espaço de tempo decorrido desde a sua posse. Este artigo limita-se, pois, a apresentar uma breve reflexão sobre alguns dos desafios que deverão ser enfrentados pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no cumprimento daquilo a que se comprometeu como candidato e que reafirmou em suas primeiras declarações e atitudes como Presidente.

Um relance sobre o passado A política externa de qualquer país é condicionada pelo contexto internacional em que se desenvolve, pela posição que o país ocupa ou aspira a ocupar no mundo e pelos meios de que disponha e que considere dever utilizar para preservar ou alcançar tal posição. A maneira como cada um desses elementos influencia a atuação internacional do país freqüentemente depende, porém, menos de dados objetivos do que da percepção que os responsáveis por aquela atuação possam ter de tais condicionantes. Assim, determinada por fatores objetivos e subjetivos, é normal que a política externa de um país excepcionalmente se mantenha linear por períodos relativamente longos.

Isso não impede, porém, que a preocupação duradoura com determinados objetivos ou interesses nacionais assegure à política externa de alguns países um apreciável grau de consistência, mesmo sem alcançar aquela fugidia linearidade.

A política externa brasileira entre o fim da II Guerra Mundial e 1990 é ilustrativa de tal situação. Durante esse período, ela foi marcada por duas constantes: a preocupação com o desenvolvimento econômico nacional que na verdade vinha desde a década de 1930 e, no contexto geral da Guerra Fria, a lealdade à aliança político-militar liderada pelos Estados Unidos. Esta última talvez pudesse ser caracterizada como uma fidelidade de última instância, que não impediu, em distintas ocasiões, divergências com a potência líder do bloco ocidental quando estavam em jogo interesses diretos do Brasil.

Tais divergências eram inevitáveis, dadas não as freqüentes dificuldades de conciliação entre aquelas duas constantes, mas também a circunstância de que diferentes formuladores da nossa política externa atribuíram, ao longo do período considerado, distintas prioridades relativas a cada uma, ainda que sem abandonar inteiramente qualquer das duas. Assim, por exemplo, a Operação Pan- Americana, lançada em 1958, representou um típico esforço de conciliação entre o objetivo de desenvolvimento econômico e a lealdade ao líder do bloco ocidental, criticando o descaso de Washington pelo primeiro, mas sem pôr em dúvida o ideal político do pan-americanismo. as décadas de 1960 e 1970 presenciaram claras variações de prioridade relativa entre aquelas duas preocupações. O começo dos anos 60 viu o surgimento da chamada "política externa independente" (PEI), dos governos Jânio Quadros e João Goulart, que priorizava o interesse nacional e procurava marcar sua independência em relação aos Estados Unidos, às vezes até com provocações desnecessárias, como o episódio da condecoração de Che Guevara. A partir de 1964, porém, o governo militar, embora sem razões objetivas que o justificassem, fez questão de assinalar os novos rumos da nossa diplomacia e de proclamar as razões percebidas de tal mudança. Em julho de 1964, por ocasião da entrega dos diplomas a uma nova turma de diplomatas, o então Presidente Castello Branco declarou: "No presente contexto de uma confrontação de poder bipolar, com radical divórcio ideológico entre os dois centros, a preservação da independência pressupõe a aceitação de um certo grau de interdependência (grifo meu), quer no campo militar, quer no econômico, quer no político". Dez anos mais tarde, o próprio regime militar, então sob a chefia do Presidente Ernesto Geisel, adotaria, entretanto, o denominado "pragmatismo responsável", que em muitos aspectos se aproximava da PEI, inicialmente condenada. A nova orientação mantinha a fidelidade ao Ocidente naquilo que, na percepção de Brasília, era, primordialmente, do interesse da aliança ocidental, mas se reservava o direito de escolher rumos próprios onde o interesse nacional, econômico ou político, fosse percebido como dominante. Episódios de tensão como os relativos ao acordo nuclear com a então República Federal da Alemanha ou às relações com Angola ilustram tal autonomia, que, entretanto, não punha em causa a fidelidade de última instância ao bloco ocidental.

Observadas no contexto histórico mais amplo, tais flutuações nos rumos da nossa política externa podem ser consideradas como oscilações em torno da tendência geral no período considerado, centrada no objetivo de desenvolvimento econômico e na identificação política com os Estados Unidos e a grande aliança ocidental.

Mudanças capazes de caracterizar uma efetiva inflexão naquela tendência ocorreriam a partir de 1990, em função de profundas alterações dos condicionantes externos e internos num curto espaço de tempo.

Em 1989, cai o muro de Berlim. Era o fim do bloco soviético e, para todos os efeitos práticos, do bipolarismo. Em 1990, toma posse o Presidente Fernando Collor, defensor de uma política econômica liberal e de um menor papel do Estado no processo de desenvolvimento econômico, com uma percepção também distinta da posição do Brasil no mundo. Em 1991, desaparece a União Soviética o chamado socialismo real deixa de ser oferecido aos países em desenvolvimento como uma alternativa de organização político-econômica. No novo contexto nacional e internacional, as referidas constantes tradicionais da nossa política externa na segunda metade do século passado teriam de ser reexaminadas. Objetivamente, a fidelidade ao Ocidente, que com os reparos que possam ser feitos à maneira como às vezes se manifestou poderia, no contexto da Guerra Fria, ser explicada como a necessária opção política por um dos dois centros de poder, perde sua justificativa. Em tese, a nova situação ensejava maior autonomia na condução da nossa política externa, mas o pensamento dominante no âmbito nacional tendia a levar o país ao alinhamento com a potência hegemônica. Internamente, o papel até então exercido pelo Estado na promoção do desenvolvimento econômico passa a ser questionado. uma ascensão do pensamento econômico liberal, que fortalece a tendência ao referido alinhamento político. Mas o pensamento dominante ainda convive com outras correntes, criando uma situação que se traduz numa certa indefinição sobre o papel internacional do Brasil. Como diz Amado Cervo, num artigo sobre a era Cardoso, "o desenvolvimento não desapareceu no horizonte da política exterior brasileira desde 1990 (...). Deixou apenas de ser o elemento de sua racionalidade".3 Pode-se dizer que a política externa perdeu seus pontos de referência tradicionais sem que surgisse algo que os substituísse.

Mas não foi a política brasileira; de alguma forma, também a ordem mundial.

O fim do bipolarismo colocou os próprios Estados Unidos, como superpotência remanescente, diante de um dilema: promover, em colaboração com outros países, a construção de uma ordem internacional mais justa e democrática ou, apoiados na sua supremacia político-militar, tratar de estender ao mundo a hegemonia que, durante a Guerra Fria, exercera entre seus próprios aliados. A primeira reação dos formuladores da política internacional de Washington, ao verem seu país guindado à posição de potência hegemônica mundial, foi retoricamente idealista, senão utópica. Discursando nas Nações Unidas em 1990, o Presidente Bush (pai) apresentou a sua visão de "uma nova parceria de nações que transcenda a Guerra Fria. Uma parceria baseada na consulta, na cooperação e na ação coletiva, especialmente por meio de organizações internacionais e regionais. Uma parceria unida por princípios e pelo império da lei, e apoiada pela distribuição eqüitativa de custos e compromissos. Uma parceria cujas metas são ampliar a democracia, aumentar a prosperidade, aumentar a paz e reduzir armamentos". Na verdade, o idealismo retórico continha um elemento implícito de autocongratulação, senão de arrogância: a única razão por que a sua "visão" utópica não se materializara antes teria sido a existência do império soviético, cuja implosão permitiria agora que ela se realizasse. Como a realidade era evidentemente bem mais complexa, a "nova ordem mundial", foi tão entusiasticamente aclamada no primeiro momento quanto rapidamente abandonada no baú das quimeras. Na prática, o que se seguiu foi a crescente afirmação da autoridade do mais forte, inclusive com a efetiva assunção pela Otan de prerrogativas do Conselho de Segurança em questões político-militares. Em suma, o bipolarismo morrera, o multilateralismo não tinha condições de afirmar sua autoridade sobre os efetivos detentores do poder e o unilateralismo não ousava dizer seu nome num mundo que na área militar podia ser considerado rigorosamente unipolar.

Nesse quadro de relativa nebulosidade da política internacional, produziram-se acontecimentos externos e internos que, do ponto de vista brasileiro, fazem recordar, pela sua importância potencial neste começo do século XXI, os desenvolvimentos que, no fim da década de 1980 e começo dos anos 90, levaram a uma inflexão na nossa política externa. No exterior, os atentados de 11 de setembro de 2001 fizeram da luta contra o terrorismo o ponto focal da política externa americana e ofereceram o pretexto perfeito para que a administração de George W. Bush assumisse abertamente o viés unilateralista de que vinha sendo acusada e que, bem antes da eleição do atual Presidente americano, era publicamente defendido por alguns dos seus atuais assessores4. No Brasil, em 2002, pela primeira vez, mais de 50% dos eleitores levaram ao poder um presidente de esquerda, cuja política externa se anunciava substantivamente divergente da linha de Washington, embora com a intenção declarada de manter boas relações com os Estados Unidos e a aparente convicção de que o conseguiria.

Política internacional e aspirações nacionais no discurso de posse5, o Presidente da República colocou o seu governo sob o signo da "mudança" "esta é a palavra-chave, esta foi a grande mensagem da sociedade brasileira nas eleições de outubro". E deixou claro que isso se aplicava tanto à política interna quanto à externa, que "refletirá também os anseios de mudança que se expressaram nas ruas".

Na interpretação do Presidente, esses anseios devem conduzir a uma ação diplomática que "estará orientada por uma perspectiva humanista e será, antes de tudo, um instrumento do desenvolvimento nacional". Dentro desse enfoque, uma grande preocupação com o comércio exterior visto como peça-chave para a redução da vulnerabilidade externa e, mais genericamente, com as questões econômicas. Mas a ênfase no econômico deverá ser o instrumento para beneficiar o cidadão, para elevar o padrão de vida da população: "Por meio do comércio internacional, da capacitação de tecnologias avançadas e da busca de investimentos produtivos, o relacionamento externo do Brasil deverá contribuir para a melhoria das condições de vida da mulher e do homem brasileiros, elevando os níveis de renda e gerando empregos dignos".

Com vistas à consecução deste objetivo último, o Presidente parece atribuir igual importância às negociações da Alca, àquelas entre o Mercosul e a União Européia e às que se devem realizar na Organização Mundial de Comércio, nas quais o Brasil se propõe lutar contra o protecionismo e os "escandalosos subsídios agrícolas" dos países ricos, bem como contra os obstáculos que se opõem às nossas exportações de produtos industriais, tratando de obter "regras mais justas e adequadas à nossa condição de país em desenvolvimento". Nesse contexto, atribui também importância a que tais negociações não comprometam o nosso futuro, para o que se faz necessário, em todos esses foros, "preservar os espaços de flexibilidade para nossas políticas de desenvolvimento nos campos social e regional, de meio ambiente, agrícola, industrial e tecnológico". Essa preocupação com o potencial de asfixia que as normas acordadas em tais negociações podem ter sobre o nosso processo de desenvolvimento parece particularmente bem-vinda, que ele tem estado surpreendentemente ausente, por exemplo, do debate interno sobre a Alca, mais centrado no problema imediato do equilíbrio da liberação comercial entre os Estados Unidos e o Brasil.

As colocações sobre a política externa estão sempre ligadas, porém, ao problema social e à afirmação da soberania nacional, duas preocupações aparentemente percebidas como complementares, num processo sinergético em que a solução de uma questão tenderia a ajudar na da outra. Assim, o Presidente foi enfático na afirmativa de que não perderá de vista que "o ser humano é o destinatário último do resultado das negociações. De pouco valerá participarmos de esforço tão amplo e em tantas frentes se daí não decorrerem benefícios diretos para o nosso povo. Estaremos atentos também para que essas negociações, que hoje (...) englobam um amplo espectro normativo, não criem restrições inaceitáveis ao direito soberano do povo brasileiro de decidir sobre seu modelo de desenvolvimento".

Essa importância atribuída pelo Presidente recém-empossado às questões econômicas e sociais nacionais projeta-se também na sua visão da ordem internacional, especialmente em relação à América do Sul: "a grande prioridade da política externa durante o meu governo será a construção de uma América do Sul politicamente estável, próspera e unida, com base em ideais democráticos e de justiça social". E o ponto de partida para a consecução de tal objetivo será "uma ação decidida de revitalização do Mercosul, enfraquecido pelas crises de cada um de seus membros e por visões muitas vezes estreitas e egoístas do significado da integração. O Mercosul, assim como a integração da América do Sul em seu conjunto, é sobretudo um projeto político", embora apoiado em "alicerces econômico-comerciais que precisam ser urgentemente reparados e reforçados". E com visão ambiciosa do processo integracionista, propõe-se cuidar também das suas "dimensões social, cultural e científico-tecnológica".

Na sua aparente determinação de liderar um movimento integracionista sul- americano, o Presidente declarou desde logo sua disposição de promover a criação de novas instituições capazes de fortalecer a unidade sub-regional e regional, de uma forma a que o Brasil se tem até agora mostrado pouco inclinado: "Apoiaremos os arranjos institucionais necessários, para que possa florescer uma verdadeira identidade do Mercosul e da América do Sul".

Mas a proclamada disposição do atual governo de, sem veleidades de intervencionismo, participar ativamente da política sul-americana não se limita ao esforço integracionista: "Vários dos nossos vizinhos vivem hoje situações difíceis. Contribuiremos, desde que chamados e na medida de nossas possibilidades(grifo meu), para encontrar soluções pacíficas para tais crises, com base no diálogo, nos preceitos democráticos e nas normas constitucionais de cada país". E como que para evitar possíveis interpretações de que sua preocupação com a América do Sul seja excludente de outros países latino- americanos, explicitou que "o mesmo empenho de cooperação concreta e de diálogos substantivos teremos com todos os países da América Latina". A impressão geral da fala presidencial é, porém, de que, compreensivelmente, as prioridades da sua política regional seriam, nesta ordem, o Mercosul, a América do Sul e, finalmente, outros países da América Latina. Seria, em última análise, a percepção de quem se propõe um papel protagônico entre os países em desenvolvimento do continente, área na qual se considera em condições de exercer uma liderança natural, a qual, entretanto, se tornaria menos nítida na medida em que se aproximasse da área de influência mais direta dos Estados Unidos. Seria uma visão realista, não perceptivelmente distinta daquela manifestada pelo próprio governo de Fernando Henrique Cardoso ao convocar a primeira reunião de cúpula dos países da América do Sul6.

Em contraste, às relações com os Estados Unidos não parece ser atribuída outra prioridade que não aquela decorrente da importância daquele país como potência hegemônica regional e mundial: "Procuraremos ter com os Estados Unidos da América uma parceria madura, com base no interesse recíproco e no respeito mútuo". A noção do que se espera seja essa "parceria madura" tinha sido algo mais elaborada pelo Embaixador Celso Amorim, então designado Ministro das Relações Exteriores, em entrevista à Gazeta Mercantil7. Tratar-se-ia de sair "de queixas recorrentes para uma visão mais estratégica, na qual os Estados Unidos reconhecem no Brasil um parceiro indispensável para a estabilidade da América do Sul e mesmo da África. (...) Na realidade global de hoje, todo mundo acentua o grande predomínio americano, e ele é verdadeiro. Mas vários outros pólos de poder. O Brasil pode contribuir para a multipolaridade, que é saudável para todos e até para a grande potência". Este último aspecto foi também mencionado especificamente pelo Presidente em seu discurso de posse: "Visamos a (...) estimular os incipientes elementos de multipolaridade da vida internacional contemporânea".

Dentro desse enfoque geral, que procura rejeitar o unipolarismo e promover o multipolarismo e o universalismo, o discurso de posse do Presidente Lula proclama sua intenção de "fortalecer o entendimento e a cooperação com a União Européia e os seus Estados-membros, bem como com outros importantes países desenvolvidos, a exemplo do Japão". Da mesma forma, ressalta a disposição do seu governo de aprofundar as relações com importantes países em desenvolvimento, como a China, a Índia, a Rússia, a África do Sul, e ressalta "os laços profundos que nos unem ao continente africano".

Em coerência com tal visão das relações internacionais, comprometeu-se o Presidente a "valorizar as organizações multilaterais, em especial as Nações Unidas, a quem cabe a primazia na preservação da paz e da segurança internacionais", ressaltando a necessidade do respeito às resoluções do Conselho de Segurança e da solução pacífica de crises internacionais como a do Oriente Médio.

E é ainda no mesmo espírito de respeito à ordem mundial formalmente estabelecida que se propõe enfrentar os desafios "da hora atual, como o terrorismo e o crime organizado, valendo-se da cooperação internacional e com base nos princípios do multilateralismo e do Direito Internacional(grifo meu)".

Pode-se dizer que as preocupações centrais da política externa que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva se propõe seguir, quando vistas numa perspectiva histórica, são apenas parcialmente inovadoras. Em certo sentido, representam uma volta, num quadro nacional e internacional distinto, a objetivos perseguidos pela nossa diplomacia em outros bons momentos de nossa atuação internacional num passado não muito remoto. Assim, é difícil, por exemplo, não ver, em trechos do discurso de posse do nosso Presidente, considerável analogia entre os objetivos de política externa do governo atual e aqueles indicados na fala do então Presidente Ernesto Geisel, por ocasião da primeira reunião ministerial do seu governo, em março de 1974. Nela, o general-presidente estabelecia como tarefa prioritária da diplomacia brasileira promover "nosso relacionamento com as nações irmãs da circunvizinhança, de aquém e de além- mar". E prosseguia afirmando que ela estaria "a serviço, em particular, do nosso comércio exterior, da garantia do suprimento adequado de matérias-primas e produtos essenciais e do acesso à tecnologia mais atualizada de que não dispomos ainda"8.

Dois pontos essenciais marcam, porém, uma enorme distância entre as circunstâncias de execução da política externa do atual governo e a de qualquer daqueles que o precederam, mesmo antes de 1990. O primeiro, positivo, é o mandato popular em que ela se apóia. Embora a política externa não tenha tido maior destaque durante a campanha eleitoral, o pensamento do candidato Luiz Inácio Lula da Silva sobre importantes problemas internacionais era de conhecimento público, sendo, pois, sua orientação parte do mandato que lhe foi conferido pelos 53 milhões de brasileiros que o elegeram. É um grau de legitimidade que poucos de seus antecessores poderiam reivindicar na matéria, independentemente dos méritos intrínsecos do respectivo programa de política exterior. O segundo ponto é antes um complicador: o Brasil tornou-se muito mais complexo e o mundo no qual ele pretende afirmar sua "presença soberana" encontra-se, desde o fim do bipolarismo, numa fase de indefinição, em que coexistem as veleidades unilateralistas de um e as esperanças multilateralistas de muitos. E o governo Lula propõe-se contribuir, na medida de suas possibilidades, para o fim de tal indefinição e a construção de uma ordem mundial mais justa e democrática, fundada no multilateralismo e no Direito Internacional.

Afirmação nacional e unipolarismo Tal como se depreende do programa de governo do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, do discurso de posse do Presidente, de declarações públicas do seu Ministro das Relações Exteriores e das iniciativas e atitudes até agora tomadas, a política externa do atual governo optou por uma linha de defesa ativa dos interesses e da soberania nacionais, o que implica trabalhar também por uma ordem internacional mais justa e eqüitativa. Por mais acertada e mesmo necessária que seja tal orientação, é inevitável que ela desperte, porém, consideráveis resistências externas e, provavelmente, também algumas internas.

No plano mais geral aquele que tem a ver com a própria ordem mundial o Ministro Celso Amorim, em sua citada entrevista à Gazeta Mercantil, deixou claro que o governo pretende "ser muito afirmativo na busca de maior democratização das relações internacionais", precisando que "isso passa pela reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas". Como declaração de objetivo, tal posição é inatacável, mas cabe não desconhecer que ela fere o cerne de uma ordem mundial baseada no predomínio dos mais fortes. O caso do Conselho de Segurança, citado pelo Ministro Celso Amorim, é emblemático. Aquele órgão é o centro de uma estrutura mundial de poder formalmente oligárquica. Em essência, a Carta das Nações Unidas atribuiu ao Conselho o monopólio do uso da força, exceto em casos de auto-defesa, mas conferiu a cada um dos seus cinco membros permanentes o direito de veto. Portanto, respeitada a Carta, o emprego da força seria possível contra países que não os Cinco Grandes.

É claro que, na prática, o perfeito funcionamento do sistema teria dependido de haver, entre os próprios oligarcas, um grau de entendimento e de respeito das normas internacionais que nunca existiu. Durante a Guerra Fria, o uso conflitante do poder de veto ou a mera possibilidade do seu uso entre os adversários declarados da época frustrou o bom(?) funcionamento da estrutura normativa vigente. Depois, com o desaparecimento do fator de coesão antes representado pela ameaça soviética, tornaram-se mais evidentes as divergências entre os próprios aliados, para não falar daquelas com a Rússia e a China. Em todo caso, uma ordem internacional oligárquica tem hoje poucos atrativos para Washington, que não deixa dúvidas quanto à sua preferência por um mundo unipolar sob a sua hegemonia. Por outro lado, os outros membros permanentes do Conselho, que muito teriam a perder com o unipolarismo, tampouco têm motivos para favorecer a diluição do próprio poder, que resultaria da democratização de uma ordem mundial que pelo menos formalmente, mas em alguma medida também na prática lhes assegura um status especial.

Por outro lado, é claro que a reforma do Conselho de Segurança, por importante que seja, não esgota nem por si permite alcançar o objetivo explicitado pelo então candidato Luiz Inácio Lula da Silva de "constituição de uma ordem política e econômica mundial mais justa"9. Ele mesmo cita, nesse contexto, questões como o respeito aos direitos humanos, a proteção ambiental do planeta e o combate a todas as formas de criminalidade internacional, para não falar de toda a problemática econômica. Nessas como em outras questões relevantes para o estabelecimento de uma ordem internacional mais adequada aos interesses da maioria da comunidade internacional, o quadro normativo vigente reflete, porém, dominantemente, a posição dos mais fortes, que prevaleceu na sua formulação.

Uma política externa tendente a modificar tal situação encontra dois tipos de obstáculos. De um lado, a resistência dos beneficiários da ordem vigente a toda proposta de mudança que percebam como suscetível de afetar negativamente seus interesses. A posição dos Estados Unidos em relação ao Protocolo de Quioto ou ao Tribunal Penal Internacional é ilustrativa de tal atitude. De outro, a relativa indiferença da grande maioria dos países menores, preocupados sobretudo com problemas tópicos de seu interesse direto e remotamente com reivindicações mais abrangentes que, embora importantes em tese, pouco os beneficiariam a curto ou médio prazos.

Na prática, é aos países de porte médio, como o Brasil, que mais interessam as mudanças normativas da ordem internacional. Eles formam, porém, um grupo numericamente pouco significativo e seu peso econômico, embora expressivo quando tomado em conjunto, sofre de evidente assimetria frente às grandes potências. Em que pesem tais limitações, são eles nossos aliados naturais em qualquer esforço tendente a mudar o sistema normativo que hoje serve na medida em que é respeitado de alicerce jurídico à ordem internacional. É, pois, plenamente válida a intenção declarada pelo então candidato Luiz Inácio Lula da Silva de buscar "desenvolver um bilateralismo forte com a China, a Índia, a Rússia e outros países que têm importância geopolítica e econômica e com os quais podemos não desenvolver relações complementares como estabelecer linhas comuns de intervenção nos grandes organismos internacionais".10 Mas seria tão fútil subestimar a importância dessa cooperação quanto desconhecer as dificuldades para a formulação de posições operacionais comuns. No tocante ao Conselho de Segurança e, mais genericamente, a uma eventual reforma da Carta da ONU, por exemplo, a China e a Rússia, como membros permanentes daquele órgão, provavelmente terão percepções diferentes da nossa. Por outro lado, não é impossível que vejam alguma vantagem numa redistribuição do poder dentro daquele Conselho, especialmente na medida em que ela pudesse contribuir para diluir o peso relativo dos Estados Unidos. Isso cria uma área de entendimento possível ainda que de difícil operacionalização que não pode deixar de ser explorada. O ponto central é que, além das possibilidades de cooperação concreta no plano bilateral, esses países têm, em comum com o Brasil, interesse em "estimular os incipientes elementos de multipolaridade da vida internacional contemporânea", para repetir as citadas palavras do Presidente em seu discurso de posse. E é justamente essa a questão em torno da qual se decidirá a ordem mundial neste começo de século.

Em síntese, temos hoje um mundo onde, como assinalou Joseph Nye11, a distribuição de poder é complexa, adaptando-se mal a caracterizações abrangentes de unipolarismo ou multipolarismo. Ele é unipolar no terreno militar, onde os Estados Unidos são incontestavelmente hegemônicos; multipolar na área econômica, onde a economia americana, embora ocupando um espaço muito maior do que a de qualquer outro país isoladamente, não tem a avassaladora superioridade de meados do século passado; paralelamente, um número de atividades transnacionais, legais e ilegais, fora do controle direto dos governos nacionais, assume importância crescente, criando uma área de poder difuso, onde não se poderia falar de unipolarismo, multipolarismo ou hegemonia.

Tal situação põe em causa o caráter abrangente da dominação americana, que deve basear-se, sobretudo, na superioridade militar. Assim, pelo menos em tese, ela abre possibilidades àqueles que desejam promover o surgimento de uma ordem mundial mais democrática ou, pelo menos, multipolar, onde a rivalidade entre vários centros de poder deixe aos demais países algum espaço de manobra para exercerem uma relativa autonomia. , pois, um claro choque de objetivos entre, de um lado, a atual potência político-militar hegemônica, apoiada por aqueles países que preferem aceitar-lhe a liderança, reforçando-lhe assim o poder; e de outro, aqueles que aspiram a criar o seu próprio espaço de manobra ou mesmo estabelecer-se eventualmente como pólos alternativos num mundo multipolar. O primeiro grupo favorece o statu quo, caracterizado pelo unipolarismo militar e pelo relativo unilateralismo político da potência hegemônica; o segundo busca transformações que levem, pelo menos, ao multipolarismo do poder e ao multilateralismo das decisões. Embora sem possibilidade de constituir-se num centro mundial de poder no futuro previsível, o Brasil, com a política declarada do governo atual, posiciona-se claramente no segundo grupo.

Tal posicionamento nos coloca em situação de divergência objetiva com o primeiro grupo e não apenas no tocante a eventuais mudanças dos grandes instrumentos jurídicos que supostamente governam a conduta da comunidade internacional, como a Carta da ONU ou as normas da Organização Mundial de Comércio. Elas podem nem ser a questão mais premente. Uma reforma da Carta, por exemplo, poderá não ser objeto de decisão por vários anos ainda. Na verdade, em muitos casos, obter o respeito às normas vigentes pode ser mais importante do que conseguir modificá-las. A intervenção da Otan na questão do Kosovo sem autorização prévia do Conselho de Segurança, por exemplo, foi um flagrante desrespeito à Carta da ONU e ao multilateralismo que defendemos, independentemente da repulsa que nos possa ter causado a atuação da Sérvia de Slobodan Milosevic. Como ainda mais chocantemente o foi o ataque dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha ao Iraque. Assim, independentemente do que faça a comunidade internacional no sentido de estabelecer normas jurídicas mais justas e democráticas, a linha geral de política externa proclamada pelo Presidente no tocante à ordem mundial tenderá a condicionar nossa atitude em relação a uma ampla gama de problemas internacionais, colocando-nos freqüentemente em divergência com as grandes potências, particularmente com os Estados Unidos.

Multipolarismo e política externa nacional Tais divergências tenderão a ser mais freqüentes e delicadas na medida em que nossa política inclua, como declaradamente inclui, o estabelecimento de fortes vínculos bilaterais com países como a China, a Índia, a Rússia, entre outros, que não raro se afastam da orientação preconizada por Washington. Um episódio ocorrido ainda durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso ilustra o problema. Em maio de 1998, a Índia (e pouco depois o Paquistão) realizou testes nucleares veementemente condenados pelas grandes potências ocidentais. Não cabe aqui discutir o acerto ou desacerto da decisão de Nova Délhi. O inegável é que para ela contribuíram fortes considerações estratégicas, entre as quais a ameaça representada, na percepção indiana, pela China e pela aproximação sino-americana12. Na época, o Brasil preferiu ignorar tais circunstâncias e colocar-se firmemente ao lado dos que condenavam, sem qualificações, a atitude indiana, numa manifestação de fidelidade simplista à idéia de não-proliferação. Com isso, desgastamo-nos gratuitamente com a Índia, quando teria sido mais adequada uma atitude matizada, que procurasse conciliar nossa posição contrária às armas atômicas com a crítica à política falaciosa das grandes potências. Hoje, tal alinhamento acrítico ao bloco ocidental seria improvável, que é incoerente com a linha política proclamada pelo atual governo.

Nos poucos meses de sua gestão, o Presidente Lula tem-se mostrado favorável a uma diplomacia de perfil alto, levando suas teses a foros de projeção mundial e a outros líderes nacionais. Tal atitude foi ilustrada por sua decisão de comparecer ao Foro Social Mundial, em Porto Alegre, onde encontrou excelente caixa de ressonância para as suas teses sociais e afirmou a oposição do Brasil ao clima de beligerância internacional que culminaria, semanas depois, na guerra contra o Iraque. Ela se confirmaria, logo a seguir, pela sua presença no Foro Econômico Mundial, em Davos, onde defendeu a criação de um fundo internacional para o combate à fome e a miséria nos países pobres, associando sua proposta a uma mensagem de política internacional: "A paz não é um objetivo moral. É também um objetivo de racionalidade. É necessário admitir que, muitas vezes, a pobreza, a fome e a miséria são o caldo de cultura onde se desenvolvem o fanatismo e a intolerância". E esses conceitos foram emitidos pouco depois de o Secretário de Estado americano, Colin Powell, ter afirmado, diante da mesma platéia, que os Estados Unidos estavam prontos a atacar o Iraque a qualquer momento.

Entre a reunião de Davos e o início das operações militares contra Bagdá, numa atmosfera de crescente beligerância da parte de Washington e de seus aliados, o Presidente manteve sua linha de oposição à guerra, em contactos telefônicos com outros chefes de Estado ou de governo e com o Secretário Geral da ONU. Iniciado o conflito, sua avaliação da iniciativa dos Estados Unidos e de seus aliados foi cáustica, qualificando-a de desrespeito às Nações Unidas e criticando diretamente o Presidente Bush, a quem negava o direito de decidir o que era bom ou mau para o mundo. dois dias depois, o discurso presidencial foi sensivelmente atenuado no tom, mas não na firmeza da crítica substantiva.

Na verdade, os prováveis desdobramentos políticos de médio e longo prazos do ataque ao Iraque tendem a apresentar um enorme desafio à política internacional do governo brasileiro. Ao desprestigiar a ONU, provocar a cisão da Otan e causar, no mínimo, considerável retrocesso à construção política da Europa, a iniciativa americano-britânica pôs em cheque a noção de multilateralismo e abalou o sistema político internacional. De alguma forma, torna-se preciso redesenhá-lo, mas isso é extremamente difícil num mundo dividido entre uns poucos que apóiam um poder que abdicou da própria legitimidade e uma maioria que ainda não sabe como dar poder a uma legitimidade tornada impotente. E tampouco se sabe em que medida a cisão entre antigos aliados e o descrédito do multilateralismo, hoje centrados na área política, poderá contagiar organismos econômicos, como a Organização Mundial de Comércio (OMC). Tudo isso torna particularmente difícil o trabalho da diplomacia de um país que, com uma capacidade de projeção mundial ainda limitada, propõe-se contribuir para a reforma das instituições internacionais e a construção de uma ordem mais justa e democrática.

Um continente, duas percepções É, porém, no nosso próprio continente que tendem a produzir-se os desencontros mais sensíveis e imediatos, como as primeiras iniciativas de Lula na área internacional parecem evidenciar. Antes mesmo de empossado, ele enviou a Caracas seu principal assessor para assuntos internacionais, o Professor Marco Aurélio Garcia, com o objetivo de ajudar governo e oposição a encontrarem uma saída para a crise política que então os defrontava. Os entendimentos do enviado brasileiro praticamente se limitaram à área governamental, que a oposição viu com maus olhos uma iniciativa que lhe parecia favorecer o Presidente Hugo Chavez, a quem o então Presidente eleito do Brasil se dispunha inclusive a prestar ajuda material. Da mesma forma, os Estados Unidos não viram com simpatia a proposta brasileira de constituição de um grupo de "países amigos da Venezuela" para ajudar na busca de uma solução para a crise política daquele país. Para os americanos que em abril tinham favorecido um golpe de Estado, finalmente fracassado, para depor o atual presidente venezuelano parecia preferível manter todo esforço de conciliação centralizado nas mãos do Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), supostamente mais afinado com Washington do que o grupo de "países amigos" sugerido pelo Brasil.

No final, chegou-se a uma fórmula conciliatória, criando-se um "Grupo de Amigos para a Venezuela", que deveria auxiliar o Secretário Geral da OEA (não o substituindo, portanto), contaria com a participação dos Estados Unidos e, por proposta desse, seria coordenado pelo Brasil. Embora de conteúdo formalmente processual, o episódio deixou claras as diferenças de posições. De um lado, o desejo de Washington de assegurar que o país que fornece cerca de 14% das suas importações de petróleo tenha um governo que lhe seja favorável. De outro, o primeiro passo concreto do novo Presidente brasileiro no sentido de assumir na América do Sul um papel politicamente ativo e independente dos Estados Unidos.

O objetivo brasileiro não era opor-se aos Estados Unidos, mas, ao tentar ajudar os venezuelanos a encontrarem eles mesmos uma saída constitucional para a crise, tampouco dava prioridade aos interesses de Washington, que, como ficara demonstrado em abril, pouco têm a ver com a democracia ou a autonomia venezuelanas.

Apesar do desfecho formalmente satisfatório do episódio, ficou evidente o conflito de percepções estratégicas entre Washington e Brasília. A política americana em relação à América Latina tem variado de acordo com a relevância atribuída à região em diferentes momentos, mas, como assinala Federico Gil, "tem perseguido dois objetivos de maneira constante. O primeiro tem sido excluir do Hemisfério Ocidental potências extracontinentais rivais ou hostis. O segundo tem sido assegurar a presença político-econômica dominante dos Estados Unidos na região. Implícita nesses objetivos está a manutenção na América Latina de regimes estáveis, capazes de salvaguardar os interesses dos Estados Unidos ".13 Desde os atentados de 11 de setembro de 2001, o Hemisfério Ocidental parece ocupar posição de pouco relevo na agenda política de Washington, mas isso não significa que os objetivos assinalados por Federico Gil tenham sido abandonados. Eles apenas não têm sofrido ameaças de âmbito continental e, portanto, sua defesa não tem requerido dos Estados Unidos iniciativas mais abrangentes. Onde foi percebida alguma ameaça significativa a interesses americanos relevantes, a ação de Washington não se fez esperar.

Quando os guerrilheiros das Farc e do ELN, em conluio com o narcotráfico, passaram a representar, ainda antes daqueles atentados, uma ameaça à ordem estabelecida, foi lançado o Plano Colômbia, formalmente um programa de cooperação destinado a ajudar o governo daquele país em sua luta contra os traficantes. Em tal contexto, o combate à guerrilha não aparecia como um objetivo prioritário. Na esteira dos atentados de Nova Iorque e Washington, entretanto, os rebeldes, como eram até então considerados, passaram a ser classificados de terroristas e a luta declarada contra eles ganhou nova ênfase.

Para a política dos Estados Unidos, tornara-se ainda mais importante esmagar a guerrilha e assegurar uma presença americana mais firme numa área da América do Sul ameaçada de mudança política desfavorável aos seus interesses. Da mesma forma, na Venezuela, importante fornecedor de petróleo aos Estados Unidos, a subida ao poder de um presidente populista e nacionalista, embora democraticamente eleito, ligado por laços de amizade a líderes de países particularmente mal vistos em Washington, foi considerada inconveniente. O desagrado americano traduziu-se inclusive, como mencionado, no favorecimento a um golpe de Estado que afastou do poder, por quarenta e oito horas, o líder constitucional indesejado.

Do ponto de vista da política brasileira no continente, uma pergunta fundamental é como os Estados Unidos reagirão a um continuado ativismo do Brasil na América do Sul. Em sua citada entrevista à Gazeta Mercantil, o Ministro Celso Amorim, então ainda não empossado, manifestou-se otimista, achando possível os dois países chegarem a uma "visão mais estratégica", na qual Washington reconheceria no Brasil um parceiro "indispensável para a estabilidade da América do Sul e mesmo da África". Ao analista independente é lícito, porém, um certo ceticismo. O otimismo pelo menos ostensivo do nosso chanceler seria plenamente fundado se, dentro da visão estratégica que supostamente marcaria as relações bilaterais, os dois países perseguissem objetivos coincidentes ou complementares. Ora, na prática, a estabilidade da América do Sul, supostamente desejada por ambos, é relevante para os Estados Unidos na medida em que sirva aos interesses americanos. Em outras palavras, devem ser estáveis aqueles governos que sejam favoráveis a Washington, como ficou demonstrado pela atitude americana em relação ao referido golpe de Estado de abril de 2002, na própria Venezuela, para não falar de episódios menos recentes e ainda menos edificantes em diversos países. Essa não é, entretanto, a percepção de Brasília. A mencionada iniciativa de Lula em relação à crise política em Caracas deixou isso bem claro e o desagrado da grande potência setentrional o confirmou. Por outro lado, as escaramuças processuais que se seguiram talvez sejam indicativas do tipo de atitude que se pode esperar de Washington em eventuais situações futuras semelhantes. Em vez de declarar oposição frontal, o Departamento de Estado tratou de imprimir à proposta brasileira um formato mais palatável: o grupo sugerido pelo enviado do então Presidente eleito brasileiro deveria assistir o Secretário Geral da OEA, que continuaria como o principal responsável por ajudar na busca de uma solução; sua composição, que incluiria o Brasil e os Estados Unidos, foi negociada de forma a assegurar que, com a possível exceção do governo Lula, ele fosse integrado por países tradicionalmente receptivos aos argumentos da potência hegemônica; os próprios americanos puderam então, numa barretada a Brasília, sugerir que nos coubesse a coordenação do grupo, que, no formato finalmente acordado, deixara de oferecer os principais inconvenientes inicialmente percebidos por Washington. Esboçavam-se dessa forma, ainda tentativamente, os limites de uma eventual cooperação "estratégica" entre a grande potência continental e mundial e o maior país da América Latina, subitamente disposto a assumir uma inusitada liderança regional: os Estados Unidos poderiam aceitar o novo ativismo brasileiro na América do Sul, desde que ele se exercesse de forma a não causar maiores tropeços efetivos à política da potência maior. E, no caso específico, o Brasil aparentemente deu-se por satisfeito.

O episódio venezuelano não se situa, porém, no centro da área de divergência estratégica potencial entre os dois maiores países do continente. Assim, o ocorrido em relação à crise política de Caracas, embora importante, pode, afinal, não ser indicativo das atitudes de Brasília e de Washington quando se trate de situações que afetem a essência das visões que cada uma das duas capitais, respectivamente, alimenta em relação ao continente. E esse é o maior e mais imediato desafio com que se defronta o governo Lula.

Formalmente, o grande projeto dos Estados Unidos para o continente é o estabelecimento de uma área hemisférica de livre comércio, a Alca, que, tal como proposta, representaria a "anexação" das economias latino-americanas pela dos Estados Unidos, várias vezes maior do que a soma de todas as demais. Parece claro, porém, que a Alca em si, embora útil, não é essencial à política regional de Washington. Ela teria a grande vantagem de enquadrar o essencial da política econômica dos países da região num sistema normativo uniforme, inspirado e dominado por Washington, mas seus benefícios econômicos e políticos poderiam ser igualmente alcançadas por acordos bilaterais com distintos países latino-americanos. Seria mais trabalhoso e estruturalmente menos elegante, mas igualmente eficaz. E teria a vantagem de restringir a possibilidade de um país como o Brasil dificultar a implantação de todo o projeto. Na prática, Washington, ao dirigir suas ofertas na Alca a países latino-americanos individuais, em vez de fazê-las a todos, com uma cláusula de nação mais favorecida aplicável regionalmente, parece ter optado por uma forma de bilateralismo divisivo.

A política do atual governo brasileiro, disposto a forjar, a partir do Mercosul, um bloco sul-americano econômica, política e socialmente integrado, mais apto a resistir a pressões externas, é a antítese daquela visão americana, de países individualmente satelitizados pelo poderio econômico e político do norte. Em tese, o objetivo político de Brasília é coerente não apenas com o nosso interesse nacional, mas com o da América do Sul, que, em seu conjunto, muito teria a perder com uma integração assimétrica (global ou por meio de acordos bilaterais), que frustraria suas aspirações de desenvolvimento econômico e autonomia política. Mas o problema é ainda mais complexo, que os obstáculos ao objetivo brasileiro não se limitam à oposição de Washington situam-se também na América Latina e no próprio Brasil.

Nosso país representa cerca de 72% do PIB e uns 80% da população do Mercosul, enquanto a Argentina responde por cerca de 24% e 17% de cada um desses dois agregados, respectivamente. Juntos, os dois países, com mais de 95% dos habitantes e do produto interno do agrupamento sub-regional, praticamente são o Mercosul ou poderão sê-lo na medida em que suas percepções dos objetivos da integração coincidam ou, pelo menos, sejam mutuamente compatíveis algo que até agora não se verificou. Sem tal coincidência ou compatibilidade de objetivos, não haverá condições para realizar a ampla integração do Cone Sul preconizada pelo Presidente Lula. Ela seria a base necessária para as concessões que os dois parceiros maiores terão de fazer-se mutuamente para a construção da estrutura institucional necessária ao êxito do empreendimento comum defendido pelo atual governo brasileiro. E seria igualmente indispensável para a introdução dos mecanismos compensatórios em favor dos sócios menores, sem os quais estes últimos não se sentirão partícipes plenos da obra conjunta. Até agora, nada disso ocorreu.

Tal como firmado em 1991, o Tratado de Assunção, no qual os quatro signatários se comprometeram a estabelecer, em menos de quatro anos, um mercado comum, com todas as implicações explicitadas ou implícitas naquele instrumento e uma estrutura institucional correspondente, não era realista, como os desenvolvimentos subseqüentes vieram demonstrar. Na prática, embora o Mercosul tenha sido um êxito no sentido de levar a uma rápida e acentuada expansão do intercâmbio intrazonal, nenhum dos dois principais parceiros mostrou-se disposto a fazer o necessário para tornar realidade aquilo a que ambos se tinham comprometido. Tampouco se tentou, alternativamente, promover a revisão dos compromissos assumidos, de modo que o solidariamente prometido fosse compatível com as efetivas intenções políticas de cada um. O Brasil, movido pelo seu interesse político no esquema de integração sub-regional, mostrou-se disposto a fazer concessões comerciais, mas não a estabelecer instituições mais fortes, que tenderiam a restringir-lhe a liberdade de manobra. Por sua vez, a Argentina, durante todo o governo Menem, pareceu ver no Mercosul uma forma de conseguir vantagens econômicas de seu vizinho maior, enquanto tratava de fortalecer sua posição geopolítica no continente por meio de um alinhamento incondicional com os Estados Unidos.

É claro que as coisas não têm de continuar como foram até aqui, mas pode não ser fácil mudar atitudes e percepções arraigadas. Do lado brasileiro, o governo Lula vem adotando um discurso político de potência regional, que se afasta de algumas atitudes tradicionais da nossa diplomacia na América Latina. Em vez de negar a intenção de exercer qualquer forma de liderança na região, o atual governo parece considerá-la algo natural. Em sua citada entrevista de meados de dezembro de 2002 à Gazeta Mercantil, nosso Chanceler, então ainda não empossado, considerou que "liderança não é objetivo em si, mas decorrência de certas posições. Ela se exerce mais por inspiração do que por comando". Pouco mais de um mês depois, falando ao mesmo jornal, porém como Ministro, ele novamente mencionou o tema, assinalando que a imprensa freqüentemente se refere a que "o Brasil sempre tomou cuidado de evitar a questão de liderança.

Liderança não se impõe. Mas que um anseio por liderança no mundo, isso . E o Presidente Lula corresponde um pouco a uma imagem de algo que está faltando".14 Era a assunção ostensiva de um papel de líder que a nossa diplomacia tradicionalmente procurara manter ausente de seu discurso para não ferir suscetibilidades de nossos vizinhos. Agora, o que transparece em manifestações públicas de nossas autoridades é que o Brasil se considera um líder natural na região, embora tal liderança não tenha qualquer sentido autoritário, exercendo-se "mais por inspiração do que por comando", para manter a formulação do Ministro Celso Amorim. Na verdade, em coerência com essa noção de uma liderança não autoritária, o candidato Lula se manifestara disposto a trabalhar por uma institucionalização mais firme do Mercosul, que "tem de avançar na definição de mecanismos de solução de controvérsias, preparar a formação de um parlamento regional e, obviamente, dotar-se de uma política externa comum(grifo meu)".15Em certo sentido, o novo discurso pode ser interpretado como uma manifestação de auto-confiança e de coerência com a defesa de uma ordem internacional democrática. O Brasil não estaria preocupado com a possibilidade de que, ao proclamar-se líder regional, pudesse ferir suscetibilidades e, conseqüentemente, pôr em risco a própria liderança. Essa seria tão evidente que ninguém teria por que se melindrar ao vê-la publicamente declarada. Ao mesmo tempo, entretanto, Lula preconiza o fortalecimento institucional do Mercosul, o que presumivelmente melhorará o seu funcionamento, mas também restringirá a liberdade de ação dos seus membros, particularmente a do maior deles. É algo que governos anteriores, que evitavam assumir a posição ostensiva de líder regional, jamais fizeram. O atual governo brasileiro chega a ponto de defender como algo óbvio o estabelecimento de uma política externa comum, que tenderá a aumentar o peso internacional do país, porém à custa de alguma limitação do seu espaço de manobra.

Em outro ponto essencial para a consolidação do bloco a mais longo prazo, o Brasil manifesta uma preocupação até agora não muito evidente com a eqüidade do empreendimento e a extensão dos benefícios potenciais aos sócios menores. Em suma, o Brasil se propõe liderar o Mercosul e a mais longo prazo, a América do Sul de acordo com normas acordadas entre os países da região e com vistas a uma distribuição eqüitativa de ganhos. É como se se propusesse a ser uma espécie de líder constitucional e democrático da região.

O que claramente não está assegurado, porém, é que nossos vizinhos vejam as coisas da mesma maneira ou sequer confiem nas intenções declaradas do governo brasileiro. No Mercosul, núcleo necessário do desejado bloco sul-americano, a posição da Argentina é crucial e a conduta do governo Menem deixou claro que parte considerável da opinião daquele país ainda não exorcizou o fantasma de velhas rivalidades e aspirações de liderança regional. Parece, pois, duvidoso que os argentinos vejam como "natural" uma liderança brasileira na América do Sul. Por outro lado, as atuais autoridades de Buenos Aires parecem ter, em relação ao Mercosul e ao Brasil, uma atitude bem mais construtiva do que a da dupla Menem-Cavallo, mas depois da posse do futuro Presidente será possível avaliar com maior segurança a extensão e durabilidade de supostas mudanças de orientação. Em qualquer hipótese, as assimetrias entre os quatro são de tal ordem que as negociações para estabelecer uma estrutura institucional que permita conciliar as compreensíveis aspirações de eqüidade da parte dos menores, as suscetibilidades de Buenos Aires e o natural desejo do Brasil de preservar um grau de influência compatível com o seu peso econômico e demográfico serão árduas e demoradas. Tais dificuldades poderão ser vencidas se houver entre os parceiros uma compatibilidade de objetivos e percepções que possibilite a cada qual fazer as concessões necessárias ao êxito da empreitada.

E não se pode afirmar que exista tal compatibilidade, especialmente entre os dois principais parceiros, que terão de fazer os maiores ajustes, tanto entre si como em relação aos sócios menores.

Se tal análise é válida no tocante ao Mercosul-4, onde parte do caminho foi percorrida e existem interesses constituídos que militam no sentido da continuação do processo de integração, muito maiores serão as dificuldades quando se tratar da efetiva associação de outros países ao ambicioso projeto do governo Lula de constituição de um grande bloco econômico e político sul- americano. Até agora, as iniciativas do governo Lula no sentido de estreitar as relações bilaterais com a Venezuela, a Colômbia e o Peru, países-chave na Comunidade Andina, mostram a disposição de criar as condições políticas necessárias à realização daquele objetivo.

Sumário e conclusões A plataforma de política externa do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, confirmada por declarações e iniciativas posteriores à sua vitória eleitoral, indica a disposição do atual governo de manter uma orientação internacional significativamente distinta daquela seguida pelo país desde 1990. Em suas grandes linhas, ela apresenta pontos de contacto com alguns bons momentos da nossa diplomacia anterior àquela data, o que não lhe tira, porém, elementos de inovação nem lhe evitará consideráveis desafios, dadas as circunstâncias do mundo e do próprio país neste começo de século: • O objetivo geral declarado é assegurar a presença soberana do Brasil na cena internacional, com vistas a promover o desenvolvimento econômico e social do país e a contribuir para o estabelecimento de uma ordem internacional mais justa e democrática, para o que caberia estimular os incipientes elementos de multipolaridade presentes na ordem atual.

• Um pré-requisito de tal política, terá de ser um esforço tendente a reduzir a inquietante vulnerabilidade externa do país, que solapa as condições necessárias para pô-la em prática. Isso, por sua vez, requer não apenas atenção especial aos problemas diretamente relacionados com o nosso comércio internacional, mas também uma estratégia geral de política externa coerente com os objetivos a que se visa.

• Caberá assim, a partir de um Mercosul dinamizado e institucionalmente reforçado, promover a integração política, econômica e social da América do Sul. Caberá também desenvolver fortes vínculos de cooperação tanto em nível bilateral como multilateral com países em desenvolvimento de importante expressão geopolítica e econômica, tais como Índia, China, Rússia e África do Sul, entre outros. Essa seria a base necessária à orientação mais dinâmica e assertiva que o atual governo pretende imprimir à nossa atuação diplomática, sem, entretanto, promover a formação de blocos de confrontação entre países em desenvolvimento e desenvolvidos.

• A ênfase na cooperação com países vizinhos e afins não limita, porém, o caráter universalista que se pretende continuar a dar à nossa política externa, também atenta ao relacionamento com países desenvolvidos e à relevância dos organismos de âmbito mundial, como a ONU e a OMC. Assim, no plano econômico, são colocadas em de igualdade as negociações relativas à Alca, aquelas entre o Mercosul e a União Européia e a grande rodada comercial na OMC. E no político, atribui-se especial importância à reforma da Carta das Nações Unidas e, especificamente, à do Conselho de Segurança, parte essencial do esforço tendente à criação de uma ordem mundial mais justa e democrática.

• Segundo a percepção oficial declarada, tudo isso se fará dentro de uma linha pragmática, negociando duro na defesa dos interesses nacionais, mas sem antagonismos apriorísticos ou posicionamentos ideológicos. Dentro desse enfoque, as relações com os Estados Unidos deverão enquadrar-se numa visão mais estratégica, na qual, segundo o nosso chanceler, a potência hegemônica veria o Brasil como "parceiro indispensável para a estabilidade da América do Sul e mesmo da África".

• Em tese, tudo isso embora num contexto nacional e mundial distinto parece coerente com as grandes linhas da política externa brasileira durante quase meio século antes do colapso do império soviético, quando as preocupações constantes foram o desenvolvimento econômico nacional e a fidelidade de última instância à liderança de Washington. O que, entretanto, não impediu, nos bons momentos desse período, a firme defesa dos nossos interesses e divergências tópicas, às vezes momentaneamente ásperas, com os Estados Unidos.

• Várias circunstâncias, tanto internas como externas, criam, porém, consideráveis diferenças com o passado: a) a maior complexidade da economia brasileira e sua maior inserção internacional; b) o fim da ordem mundial bipolar e o objetivo declarado de Brasília de contribuir para o estabelecimento do multipolarismo, desenvolvimentos que tornam anacrônica a idéia de fidelidade grupal nos moldes da Guerra Fria; c) o forte mandato popular em que se apóia a orientação de política externa do atual governo; d) a aparente determinação do governo Bush de promover o estabelecimento de um mundo unipolar e, portanto, sua tendência para o unilateralismo; e) conseqüentemente, o fim da ordem mundial que hoje conhecemos, com a fragilização da ONU e, possivelmente, de outros organismos internacionais, a cisão da Otan e o retrocesso na construção política da Europa.

• Tudo isso cria um quadro cheio de desafios para a política externa defendida por Brasília: a) a "presença soberana" que o Brasil deseja assegurar internacionalmente e a multipolaridade para a qual declaradamente pretende contribuir chocam-se com o objetivo de hegemonia perseguido pelo governo Bush; b) a reforma da ONU e do seu Conselho de Segurança, com vistas a torná-lo mais representativo e democrático, tornou-se um tema ainda mais complexo e delicado depois do insucesso da diplomacia americana na questão do Iraque; c) de modo geral, todos os temas mais diretamente relacionados com a ordem mundial, tanto política como econômica, tornaram-se particularmente espinhosos desde que ela, tal como existia, foi abruptamente posta em causa pelo unilateralismo da política externa americana; d) no âmbito regional, a assunção ostensiva pelo Brasil de um papel de liderança na América do Sul e a promoção ativa de uma integração regional abrangente suscita desafios de duas naturezas: aqueles relacionados com a conciliação das percepções divergentes de países vizinhos e aqueles decorrentes da política hegemônica de Washington no continente; e) as premissas básicas da política externa do governo Lula e a busca de entendimento e cooperação com países afins podem levar-nos freqüentemente a assumir, no tocante a distintos problemas internacionais, posições divergentes da potência hegemônica e dos países que com ela se alinham.

• Em suma, optamos por uma política externa de potência emergente em contraste com a de mero país emergente e temos pela frente o sério desafio diplomático de conciliarmos o idealismo saudável dos nossos objetivos com o pragmatismo inevitável da forma de persegui-los.

Notas 1 Carta Internacional. N. 114, ano X, ago. 2002, p. 9.

2 Gazeta Mercantil, 16 dez. 2002, p. A-5.

3 CERVO, Amado Luiz. Relações internacionais do Brasil: um balanço da era Cardoso. Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília, ano 45, n. 1, 2002, p. 7.

4 V. SOUTO MAIOR, Luiz Augusto. A irrelevância da ONU e a hegemonia americana.

Carta Internacional. N. 117, nov. 2002, p. 7. Também LINS DA SILVA, Carlos Eduardo. Doutrina Bush foi gerada dez anos. Política Externa.

V. II, n. 3, dez./fev. 2002/2003.

5 As citações foram tiradas do texto do discurso presidencial, tal como publicado na Gazeta Mercantil, 02 jan. 2003, p. A-7.

6 SOUTO MAIOR, Luiz A. P. Cúpula da América do Sul: rumo a um novo regionalismo?. Carta Internacional, n. 91, set. 2000.

7 Gazeta Mercantil, 16 dez. 2002, p. A-5.

8 Citado em SOUTO MAIOR, Luiz Augusto P. O 'Pragmatismo Responsável'. In: ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon (org.). Sessenta Anos de Política Externa Brasileira (1930-1990). Crescimento, Modernização e Política Externa. P. 337-8.

9 SILVA, Luiz Inácio Lula da, op. cit.

10 SILVA, Luiz Inácio Lula da, op. cit.

11 NYE, Joseph. The new Rome meets the new barbarians. The Economist, 23 de mar. 2002, p. 24. Para uma análise mais aprofundada do tema pelo mesmo autor, v. The Paradox of American Power:Why the World's Only Superpower Can't Go It Alone. Oxford University Press, 2002.

12 SOUTO MAIOR, Luiz Augusto. A bomba e o pecado original. Carta Internacional, n. 65, jul. 1998, p. 3.

13 GIL, Federico G. The Kennedy-Johnson Years. In: MARTZ, John D. (org.).

United States Policy in Latin America A Quarter Century of Crisis and Challenge, 1961-1986. Lincoln, Londres: University of Nebraskca Press, 1988, p.

3 (tradução minha).

14 Gazeta Mercantil, 7 fev. 2003, p. A-6.

15 SILVA, Luiz Inácio Lula da, op. cit.

Abril de 2003


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