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BrBRHUHu0034-73292009000100002

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National varietyBr
Year2009
SourceScielo

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União Européia, reformas institucionais e déficit democrático: uma análise a partir do mecanismo de co-decisão

"Il n'y a guère de légitimité démocratique sans justice sociale" (Habermas, 1998: 10)

Introdução Avaliar processos de integração regional tem sido uma questão recorrente na Ciência Política e, mais especificamente, em sua vertente Política Internacional. Mecanismos que são concebidos com a intenção de facilitar trocas comerciais entre países também instigam suas relações políticas. Dessa forma, os Estados optam, cada vez mais, por se integrar com outros que, como eles, compartilhem interesses em comum.

Todavia, o gerenciamento político dos espaços integrados tem demandado uma complexa engenharia institucional, que tem de ser capaz de lidar simultaneamente com: as veleidades soberanas dos Estados-membros; a necessidade de celeridade e eficiência decorrentes das transformações tecnológicas; e o compromisso com a prática democrática. Esse tem sido, precisamente, o desafio enfrentado pela União Européia (UE), processo pioneiro de integração da contemporaneidade e que, por isso mesmo, tende a encontrar-se em estágio avançado de imbricação política. O design das instituições deve, portanto, habilitar-se a balizar essa imbricação, tornando-a compreensível e racionalmente operacional. É nesse contexto que se torna essencial a questão da tomada de decisão, porquanto é a combinação de sua celeridade, sua credibilidade e sua legitimidade que caracteriza o sucesso ou o fracasso das instituições propriamente ditas.

Na primeira parte do presente texto, expõe-se o funcionamento do sistema institucional europeu, resgatando sua lógica histórica e detalhando o processo decisório. Dessa forma, apresentam-se as mudanças sofridas pela União Européia e explica-se como se a evolução dos dispositivos que balizam a tomada de decisão. Assinala-se o desenvolvimento dos tratados constitucionais, bem como que contribuições os mesmos aportam ao processo de integração; as principais características das instituições responsáveis pelo processo decisório, com atenção especial à configuração do Conselho, do Parlamento e da Comissão; e, por fim, são expostos os procedimentos decisórios recorrentes no âmbito europeu, a consulta, a cooperação e a co-decisão1.

A segunda parte analisa, em especial, o mecanismo de co-decisão, percebendo sua aplicabilidade entre os anos de 99 e 2005 e relacionando-o às temáticas para as quais fora utilizado; os tipos de decisões tomadas por meio desse mecanismo; e os índices de ocorrência em cada fase desse procedimento, estabelecendo um foco importante no Comitê de Conciliação. Em seguida, apresentam-se alguns problemas refletidos pela bibliografia utilizada a respeito dos processos decisórios, assim como uma releitura de algumas perspectivas teóricas sobre déficit democrático e representação na União Européia.

1. Funcionamento do Sistema Institucional Europeu Desde o Tratado de Maastricht, em que se configura também como uma união política de Estados, a UE não pode mais se enquadrar nas tipologias próprias das teorias da integração, e.g, união aduaneira ou mercado comum (D'Arcy, 2002), que visam a abarcar o aspecto econômico de suas atividades, uma vez que sua percepção teleológica pretende uma articulação política mais coesa entre seus integrantes. Convivem, assim, sob a arquitetura maastrichtiana, um pilar comunitário quasi-federalizado com dois outros regidos, essencialmente, pelo diapasão da cooperação.

No caso de uma federação genuína, tem-se um poder central, responsável pela regência das políticas de seus membros, além do que suas instituições respeitam a divisão de poderes inerentes a esse sistema, realizando as funções legislativa, executiva e judicial. O que também não ocorre integralmente na União Européia, tendo em vista que ainda permanecem os conflitos de competência entre as instituições nacionais e as supranacionais. (Tostes, 2004). Dessa forma, a UE é comumente considerada como um caso sui generis, uma invenção política, um projeto de unificação incompleto e que ainda não se tem certeza se será finalizado e, mais, se isso é o desejado pelos seus membros.

Tratados Constitucionais O primeiro passo para a constituição da União Européia data de 25 de julho de 1952, quando foi assinado o Tratado de Paris entre Alemanha Ocidental, Bélgica, França, Países Baixos, Itália e Luxemburgo, criando, assim, a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (Ceca). O objetivo desta primeira associação era submeter a produção conjunta de carvão e de aço desses Estados-nação a um órgão executivo comum - a Alta Autoridade - a esses países, proporcionando, subseqüentemente, a concepção de um mercado comum. A Ceca foi precursora por instituir o sentido de um interesse comunitário, pois seus órgãos se diferenciavam das demais organizações internacionais.

Após o malogro da Comunidade Européia de Defesa (Ced) em 1954, dá-se a assinatura do Tratado de Roma, em 1957, fundando a Comunidade Econômica Européia (CEE) e a Comunidade Européia de Energia Atômica (Ceea), também conhecida como Euroatom. Os executivos das três comunidades se unificariam, porém, em 1965, coincidindo com o início da predominância da lógica de cooperação - ancorada na tomada de decisão por consenso e instituições intergovernamentais - sobre a lógica de integração - calcada na decisão por maioria qualificada e instituições supranacionais (Quermonne, 2001)2.

Em 1987 entra em vigor o Ato Único Europeu, que tem o relevante papel de tentar estabelecer um arranjo equilibrado entre estas duas lógicas, complementando os tratados anteriores e instituindo mecanismos decisórios que possam desenvolver institucionalmente a Comunidade Européia. Como aponta Françoise de La Serre (1992: 08): "ele (o Ato Único Europeu) tem o grande mérito de reconciliar duas dimensões que são distintas, de caráter por vezes conflitivo, na construção européia: a cooperação interativa e a lógica supranacional".

Com o Ato Único, é instituído o mecanismo de cooperação na tomada de decisão entre as instituições européias, promovendo maior envolvimento do Parlamento Europeu nas deliberações do bloco, que até o momento tem um papel estritamente consultivo em relação à atuação do Conselho.

No entanto, o mais importante marco normativo recente para a constituição da União Européia é provavelmente o Tratado de Maastricht, estabelecido em 1992.

Dentre os principais avanços proporcionados por esse tratado, pode-se citar: a concepção do mecanismo legislativo chamado co-decisão; a instituição do conceito de cidadania européia, que passou a coexistir com a cidadania nacional3; a criação do Comitê das Regiões, órgão consultivo com o objetivo de alargar a participação das autoridades regionais e locais nas instituições européias; instituição do Defensor Público e do Provedor de Justiça: o primeiro nomeado pelo Parlamento Europeu e o segundo um órgão administrativo, porém ambos constituídos para cumprir o papel de agente auditor, partindo de denúncias dos cidadãos europeus em relação à gerência comunitária. Sem embargo, o Tratado de Maastricht adiciona duas novas áreas de atuação ao estabelecido "pilar comunitário": a Política Externa e de Segurança Comum (Pesc) e a Cooperação Policial e Judicial (D'Arcy, 2002:36). Dessa forma, a Comunidade Econômica Européia intitular-se-á, doravante, Comunidade Européia, com componentes de uma união político-econômica.

Subseqüentemente, em 1997, é realizada mais uma reforma institucional por meio do Tratado de Amsterdã, que cria um dispositivo importante para o exercício do poder de órgãos deliberativos. No art. , o Conselho Europeu torna-se apto a suspender direitos de qualquer Estado-membro se, por ventura, constata-se a violação das disposições previamente aprovadas no âmbito comunitário4. Dentre os direitos que poderiam ser suspensos, encontra-se o de voto no Conselho da União Européia. Esta medida demonstra um possível interesse de se constituir mecanismos que priorizem as normas supranacionais no âmbito da União Européia.

Além disso, o Tratado de Amsterdã é responsável pela primeira expansão das áreas em que o mecanismo de co-decisão era aplicado até então.

Outras alterações institucionais são realizadas pelo Tratado de Nice, em 2001, e prevêem o alargamento da União de 15 para 28 membros5, assim como ajusta a configuração dos votos, alterando a ponderação da representatividade de cada Estado-membro. No entanto, manteve-se a representação baseada essencialmente no critério população.

No final de 2007, fora aprovado a mais nova legislação do bloco, o Tratado de Lisboa, conferindo algumas modificações importantes ao procedimento de co- decisão. A principal delas é permitir que um grupo de Estados-membro, o Banco Central Europeu e o Tribunal de Justiça possam propor um ato legislativo para ser analisado pelo Parlamento e pelo Conselho. Outra modificação interessante é a alteração na nomenclatura "co-decisão", que agora intitula-se processo legislativo ordinário, imputando um caráter regular ao sistema. O Tratado de Lisboa também confere ao Parlamento uma maior participação técnica, ao alterar o Tratado da União Européia associando sempre o Parlamento ao Conselho em todos os momentos que se referem ao processo decisório. Abaixo, a Tabela_1apresenta, em síntese, a relação dos tratados:

Instituições As instituições oficiais da União Européia são: Conselho6, Parlamento, Comissão Européia, Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas, Provedor de Justiça Europeu e Autoridade Européia para Proteção de Dados7. Além desses, a União Européia possui outros organismos que têm um caráter mais consultivo; em especial, pode- se citar o Comitê das Regiões e o Comitê Econômico Social, que visam a promover o diálogo entre atores políticos e/ou econômicos nacionais e instituições supranacionais. Todavia, no que tange ao processo de tomada de decisões, é o dito triângulo institucional, formado pelo Conselho, pelo Parlamento e pela Comissão, que assume papel preponderante.

Dentro da União Européia existe uma presidência materializada por meio do Conselho, ou seja, um mesmo representante exerce a função em nome do Conselho e da União. Os Estados-membro se alternam no cargo, que tem duração de seis meses8. No entanto, essa presidência tem um caráter simbólico, pois nenhuma ação é tomada sem ser submetida aos processos deliberativos inerentes ao sistema europeu.

O outro órgão que constitui o triângulo institucional da comunidade é o Parlamento Europeu, órgão legislativo responsável pelo acompanhamento das matérias deliberadas pelo Conselho e propostas pela Comissão. Desde 1979, por meio de decisão do Conselho, o Parlamento tem sido constituído de representantes eleitos por sufrágio universal, em que os eleitores em pleitos nacionais escolhem seus parlamentares de forma direta, de acordo com as leis eleitorais vigentes em cada Estado-membro9. Devido à fragmentação partidária no Parlamento, é recorrente a formação de grupos políticos, agregando interesses e ideologias comuns10.

Os parlamentares têm um mandato de cinco anos e atuam em comissões permanentes específicas que analisam as matérias em discussão no âmbito da União, encaminhando ao Parlamento pareceres para a votação em plenário. Atualmente são 24 comissões permanentes abrangendo temáticas como controle do orçamento, assuntos externos, comércio internacional, emprego e assuntos sociais, transporte e trânsito, assuntos jurídicos, cultura e educação, entre outras.

Por fim, tem-se a Comissão Européia, a qual é responsável: pela elaboração, proposição e acompanhamento da execução das deliberações adotadas; pelo gerenciamento do orçamento europeu; pela garantia do cumprimento do direito comunitário, através do acionamento do Tribunal de Justiça. Dessa forma, ela exerce um papel de cunho essencialmente executivo. A Comissão é constituída por políticos de envergadura, indicados pelos governos nacionais e aprovados pelo Parlamento Europeu. Segundo o Tratado da União Européia, em seu artº 213, ela tem um caráter de "total independência no interesse geral da Comunidade". Isso se reflete na função mais específica dos comissários, sugerindo um direcionamento pelo bem comunitário e desprendimento das questões nacionais de seus respectivos países de origem.

Os comissários têm um mandato de cinco anos e não podem ser exonerados isoladamente pelos seus governos nacionais, no entanto, "podem ser demitidos pelo Tribunal de Justiça, a pedido do Conselho ou da Comissão" (artº216). Assim como no Parlamento Europeu, a Comissão também exerce suas funções por meio de subcomissões, conhecidas como as Direções Gerais, relacionadas àquelas existentes no Parlamento. Dentro do triângulo institucional, pode-se classificar a Comissão como a base do processo decisório europeu, como órgão propositivo e, o Conselho e o Parlamento como os pilares mais ativos, mesmo que este último de forma ainda tímida.

Processo Decisório A principal característica do processo decisório europeu reside na fragmentação de seu sistema, em que suas instituições estabelecem mecanismos complexos para apreciação das matérias, construindo um verdadeiro emaranhado de procedimentos.

Retomando a idéia da impossibilidade de se classificar o aparelho institucional europeu na literatura disponível, afirma-se que esse sistema político não é nem presidencial nem um regime parlamentar. Às vezes é unicameral, outras é bicameral, e ainda por vezes é tricameral e, além disso, uma de suas câmaras decide segundo o critério de múltiplas maiorias qualificadas (Tsebelis, 2002: 06).

Como podemos observar, a própria formação do triângulo institucional europeu não é unidimensional. Os membros do Conselho são constituídos pelos governantes nacionais; a partir de 1979, o Parlamento passa a ser eleito por sufrágio nacional; a Comissão é indicada pelos governos nacionais, sendo referendada pelo Parlamento. Dessa forma, ora a União Européia se apresenta como um organismo supranacional, ora exerce suas funções com um viés intergovernamental. Isso se repercute principalmente na tomada de decisão da União, que tem recebido, na última década, modificações significativas no seu sistema deliberativo.

Uma dessas modificações mais relevantes é a adoção do sistema de co-decisão a partir do Tratado de Maastricht, em 1992. Através dela o Parlamento tem sua forma de atuação modificada junto ao Conselho, adquirindo, in fine, poder de veto. Aos poucos, esse novo procedimento substituiu os processos de consulta e cooperação - ambos, grosso modo, limitados apenas a formalidades burocráticas, porém sem atribuir poder de decisão ou veto ao Parlamento - ampliando as matérias nas quais é utilizado. Atualmente, são 43 áreas acobertadas pelo procedimento de co-decisão, correspondentes ao primeiro pilar da Integração Econômica; nos demais pilares11 o Conselho conserva a prerrogativa decisória com participação limitada da Comissão e do Parlamento.

No Tratado da União Européia, o art. 251 dedica-se exclusivamente a elucidar o funcionamento da co-decisão. O procedimento é subdivido em três tipos: primeira leitura, segunda leitura e terceira leitura. Funciona da seguinte forma: • A Comissão apresenta uma proposta ao Parlamento e ao Conselho; • Após o parecer do Parlamento, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, absorve todas as emendas que tenham sido sugeridas pelo parecer e a proposta é adotada em primeira leitura; • Caso não aprove as emendas, o Conselho elabora uma proposta comum e comunica ao Parlamento e à Comissão; • Dentro do prazo de três meses, o Parlamento pode aprovar a sugestão comum do Conselho ou vetá-la integralmente pela maioria absoluta dos parlamentares; • Ainda neste prazo, o Parlamento pode emendar a proposta comum elaborada pelo Conselho e reencaminhá-la a este e à Comissão, caracterizando o processo como uma segunda leitura da proposta inicial; • Sendo assim, a Comissão elabora novo parecer e o Conselho delibera por maioria qualificada acerca da segunda proposta do Parlamento.

Aprovando as emendas do Parlamento, a medida é adotada; • Caso a Comissão um parecer negativo, o Conselho avalia por unanimidade o parecer da Comissão; se o Conselho não aprovar as emendas do Parlamento da segunda leitura da proposição inicial, os presidentes do Conselho e do Parlamento convocam o Comitê de Conciliação; • O Comitê de Conciliação é formado por número igual de representantes do Parlamento e do Conselho, contando ainda com o suporte da Comissão, tendo por objetivo elaborar uma terceira proposta que coadune os interesses de ambas as instituições, partindo das emendas emitidas pelo Parlamento; • O Parlamento deliberando por maioria absoluta e o Conselho por maioria qualificada analisam a proposição do Comitê de Conciliação, cabendo tanto ao Parlamento como ao Conselho rejeitar a proposta e o ato não ser adotado.

O Conselho agora compartilha formalmente com o Parlamento a tomada de decisão dentro da União Européia. O diferencial reside no regime estabelecido para que cada uma dessas instituições se posicione. O Conselho utiliza a ponderação dos votos de seus integrantes na quase totalidade das temáticas dentro da co- decisão, com exceção de nove, em que se utiliza o artifício da unanimidade, dentre eles imigração, legislações nacionais e barreiras alfandegárias; enquanto que, no que lhe diz respeito, o Parlamento aplica a maioria absoluta.

No caso do Conselho, os Estados-membros têm representatividade correspondente a critérios populacionais que determinam o peso de sua participação no processo decisório. A ponderação de votos é adotada como meio factível para gerar maiorias qualificadas e impedir que Estados-membro bloqueiem o processo em virtude de objetivos nacionais.

Em certa medida, esse dispositivo configura-se como contraditório, pois o Conselho é um órgão essencialmente intergovernamental. E mais, pode implicar no favorecimento dos países considerados "grandes" em detrimento daqueles menos populosos, isto é, os países pequenos necessitam se aliar com um número maior de membros para deliberar sobre uma matéria de seu interesse. Atualmente, a representação dos Estados-membro se apresenta como mostra a Tabela_2 abaixo12:

Abaixo temos os gráficos_1 e 2 que explicitam essa relação13:

Dessa forma, Alemanha, Itália, França e Reino Unido detêm juntos em torno de um terço dos votos do Conselho, e quase metade das cadeiras do Parlamento, totalizando em 116 votos e 333 assentos. Além disso, é possível perceber que a variável socioeconômica provavelmente exerce uma influência forte nos critérios de distribuição de votos e assentos. Um exemplo disso é que Chipre e Estônia detêm a mesma representatividade, apesar desse último ter o dobro da população e cinco vezes o território do primeiro. Ao mesmo tempo em que a Alemanha possui a maior participação no Parlamento por ter o maior PIB e população, apesar de ter a metade do território da França, por exemplo14. Assim como Malta e Luxemburgo, em que ambos têm o mesmo índice populacional, mas por esse último ter maior PIB e território, detém maior representatividade. Sendo assim, é difícil apontar qual o critério exato utilizado para a distribuição de poder decisório entre os integrantes da União Européia, apesar de se identificar a população como critério preponderante15.

2. A Co-decisão e sua praxis Com o Tratado de Maastricht, o processo decisório da UE começa a sofrer uma maior influência legislativa do Parlamento Europeu, órgão que tem, a priori, um caráter mais representativo da população européia. O mecanismo de co-decisão vem contribuindo, em certa medida, para o reforço do interesse comunitário durante a tomada de decisão, no entanto alguns problemas identificados acerca desse procedimento demonstram que ainda é necessário reformular a atuação do Parlamento e proporcionar maior transparência ao processo decisório.

Nesse momento do artigo, propõe-se mapear a atuação deste mecanismo no âmbito da União Européia englobando o período de de maio de 1999 a 30 de junho de 2006. Nos gráficos a seguir, são considerados os anos de 1999 e 2000 como um único intervalo de tempo, posto que a UE oferece os dados desses anos em um arquivo único. Foram coletadas as informações referentes às votações das proposições discutidas e adotadas, disponíveis no website16, de forma que os gráficos aqui apresentados tratam exclusivamente de matérias finalizadas17.

O sistema de co-decisão possui uma complexidade significativa, não apenas por conta do próprio processo de tomada de decisão, mas pelo número de atores envolvidos. O Conselho, o Parlamento e a Comissão participam do procedimento em suas diversas fases. Além do acréscimo do Comitê de Conciliação18, convocado durante a terceira leitura da proposição em discórdia. No momento da criação do procedimento de co-decisão, apenas 15 temas fazem parte da lista de matérias a serem deliberadas sob as regras deste mecanismo. Com o Tratado de Amsterdã e de Nice, a aplicabilidade da co-decisão se estende primeiramente a 38 e posteriormente a 43 temas, configurando-se como um artifício legislativo recorrente em matérias do pilar comunitário.

No período pesquisado, foram no total 213 matérias aprovadas em primeira leitura, 228 em segunda leitura e 95 por meio do Comitê de Conciliação. No intervalo de tempo que se estende de 1999 a 2000, foram adotados 82 atos; em 2001, 78 atos; em 2002, foram 79; em 2003, houve um acréscimo elevando o número de propostas adotadas para 104; em 2004, 81; em 2005 foram 82 matérias; e, por fim, no primeiro semestre de 2006 foram 95 matérias discutidas pelo procedimento de co-decisão. Abaixo tem-se uma tabela que ilustra os números totais de proposições por co-decisão adotadas a cada ano19.

Quando se detalha o número de proposições por ano e a fase de decisão, observa- se que o primeiro contraste diz respeito à atuação do Comitê de Conciliação.

Ele é utilizado em uma parte importante dos processos no período de 2000 e, no entanto, decresce sua participação ao longo dos anos. Também é possível perceber que o ano de 2003 apresenta um índice elevado de matérias em discórdia, donde o alto grau de incidência de segunda leitura; ao contrário do ano seguinte, onde o consenso entre Parlamento e Conselho esteve substancialmente presente, tendo em vista o quantitativo de matérias adotadas em primeira leitura, como mostra o gráfico abaixo20:

Uma possibilidade para explicar tal fato seria a ocorrência de uma maior interação entre as propostas do Conselho e do Parlamento. Segundo relatório elaborado por este último21, em todo o âmbito de atuação da co-decisão, por apenas duas ocasiões, este organismo vetou o projeto comum apresentado pelo Comitê de Conciliação. O que indica uma baixa utilização do mecanismo de veto por parte do Parlamento. Por outro lado, o alto índice de atos adotados em segunda leitura, comparativamente com aqueles adotados em primeira leitura, aponta para uma participação mais efetiva do Parlamento, que atua por meio de emendas que modificam a proposta original da Comissão. O número de propostas adotadas em primeira leitura obteve um aumento bastante perceptível, sendo o índice de maior ocorrência em 2005.

Todavia, cumpre aqui assinalar que dentro do direito europeu existem quatro tipos diferenciados de decisões. São elas22: regulamentos, diretivas, decisões e recomendações. Os regulamentos são atos de caráter obrigatório para todos os Estados-membro e que devem ser implementados de forma direta e integral. As diretivas são mais flexíveis, incumbindo aos Estados-membro a missão de se adaptarem às novas regras, definindo por vontade própria os meios e as formas pelas quais elas serão aplicadas. A decisão refere-se aos atos diretos e obrigatórios que os Estados-membro devem adotar, porém determina aqueles países-membro que precisam absorvê-las. Por fim, as recomendações são tipos que não estabelecem nenhum vínculo, traduzindo seu papel como a própria nomenclatura indica.

O gráfico_4 abaixo revela que a co-decisão tem sido aplicada para deliberações de cunho mais incisivo, privilegiando os regulamentos e as diretivas, dois componentes de caráter obrigatório aos integrantes da União Européia. Ao longo dos anos em análise totalizam-se: 251 diretivas, 182 regulamentos, 84 decisões e 6 recomendações adotadas fazendo uso do mecanismo de co-decisão. O elevado número de diretivas demonstra ainda que, por ser o dispositivo vinculante que detêm mais flexibilidade para incorporar o direito comunitário nos arcabouços jurídicos nacionais, ele é o mais recorrente para disciplinar a grande maioria das matérias adotadas sob co-decisão.

Outra questão importante corresponde aos eixos temáticos das proposições adotadas no âmbito da co-decisão. A própria Comissão fornece uma classificação que enumera esses principais eixos, a saber: mercado interno, transporte, política industrial, orçamento, meio ambiente, educação, agricultura e consumo.

Ao se observar o gráfico_5 anterior, nota-se que apenas duas temáticas, Política Industrial e Orçamento, não necessitaram da intervenção do Comitê de Conciliação, tendo inclusive a maior parte das suas deliberações efetivadas em primeira leitura, revelando, pois, alto grau de convergência entre Conselho, Parlamento e Comissão. Também se percebe que no quesito Meio Ambiente, o Comitê de Conciliação atinge o mais alto nível de participação, demonstrando tratar-se de uma questão controversa entre os atores presentes na ação decisória. Ainda, no que concerne o Mercado Interno, intui-se que é nele que a segunda leitura prevalece, sugerindo que se trata de uma temática de convergência intermediária. Desse último caso se aproximam, em menor intensidade, as temáticas Agricultura e Meio Ambiente. É importante, também, apontar para o fato de que um reduzido número de proposições relacionadas às temáticas de Orçamento e de Educação, aludindo que estas áreas ainda estão sob competência do Conselho, com participação limitada do Parlamento, seja por meio da consulta, seja por meio da cooperação.

Quando os temas são relacionados por ano, como mostra o gráfico_6, (a seguir) percebe-se que existe uma irregularidade nas proposições adotadas. Em matérias como Mercado Interno, Transporte, Agricultura e Política Industrial apresentam números elevados em determinados anos e, no entanto, sofrem quedas substanciais em outros - geralmente nos anos derradeiros. O único tema que permanece com baixo índice quase que constante de proposições é Educação. Se bem que a temática Mercado Interno também não tenha variado entre 2003 e 2005. No ano de 2003, as matérias discutidas foram prioritariamente a respeito de Transporte e Agricultura. Neste gráfico é visível o número insignificante de matérias adotadas que envolvem questões orçamentárias. Desde o primeiro ano da adoção do sistema de co-decisão até 2003, apenas uma legislação foi discutida e deliberada em cada um dos anos, atingindo o patamar máximo de seis no ano de 2003, reduzindo-se para quatro em 2004 e não havendo ocorrência até o primeiro semestre de 2006. Também não houve matérias adotadas por meio da co-decisão em 2005 e 2006 que correspondessem ao tema Agricultura.

No Gráfico_7, pode-se perceber que, no momento em que se explora os temas discutidos no Comitê de Conciliação, a esfera final de resolução do conflito decisório, dois temas têm maior inserção e em determinados anos. Um deles, Meio Ambiente, têm um alto índice nos anos de 2000 e 2001, reduzindo-se nos anos que se seguem. Para o outro, Transportes, o índice se manteve estável no início do período, obtendo uma redução considerável em 2002, porém alcançando em 2003 um número bem elevado, comparável ao índice registrado por Meio Ambiente em 2001.

É interessante perceber que temas relacionados diretamente com a economia européia tenham pouco destaque no Comitê de Conciliação, a exemplo de Mercado Interno e Agricultura, e os inexistentes Política Industrial e Orçamento.

Um ponto importante a ser observado sobre o procedimento de co-decisão reside no baixo uso da prerrogativa de veto por parte do Parlamento, utilizada apenas duas vezes (ambas as ocasiões são diretivas). O principal questionamento que fica é se o mecanismo de co-decisão fortalece a participação do Parlamento como um co-legislador, ao lado do Conselho, ou se os custos políticos que envolvem a ação de vetar determinadas matérias impelem o Parlamento a não alterar significativamente a proposta em discussão (North, 2005 : 61). O problema é a escassa informação disponibilizada acerca da participação do Parlamento e do Conselho no Comitê de Conciliação. Por ser esta uma fase importante da co- decisão, em que os atores não atingem o consenso a respeito do ato discutido, é essencial ter acesso a dados completos sobre quais modificações finais são realizadas e quem as propõem na matéria inicialmente em discórdia. Sem essa informação não é possível analisar em que medida o Parlamento e o Conselho mantêm suas alterações e qual deles cede para que se alcance uma posição comum, evitando assim o instituto do veto.

Segundo Tostes (2004), a complexidade do sistema de co-decisão colabora para o surgimento de questionamentos como esses. Ela afirma que, enquanto no sistema de cooperação, o Parlamento detinha o poder de constranger o Conselho quando o parecer da Comissão lhe era favorável, agora com a co-decisão muda-se o prisma de análise: caso não haja consenso entre Parlamento e Conselho, os custos políticos do exercício do veto recaem também no Parlamento. Citando pesquisa desenvolvida por Tsebelis & Garret (1997), Tostes conclui: Enquanto a literatura majoritária que trata do assunto costuma exaltar a importância do poder de veto que recebeu o PE23, a partir da adoção do processo de co-decisão, Tsebelis & Garret se dedicaram a provar teórica e empiricamente o quanto, na prática, o PE perdeu papel de policy-making em troca de um poder que é exercido com elevado custo institucional. No processo de cooperação, podia ocorrer que a Comissão concordasse com as propostas de emendas do PE, e nestes casos, cabia ao Conselho o custo das conseqüências da não flexibilidade e da não adoção de uma norma. No processo de co-decisão, esta mesma flexibilidade ou responsabilidade pela não flexibilidade são exigidas do PE (Tostes, 2004: 249).

Destarte, após os estudos de Tsebelis acerca da teoria dos jogos, não é possível afirmar com certeza em que medida a co-decisão distribui poder entre Parlamento e Conselho ou, ao contrário do que se levou a crer, a co-decisão funciona como um mecanismo para engessar a capacidade do Parlamento em alterar o status quo no processo decisório europeu. Essa situação específica, todavia concreta, evoca a discussão mais ampla sobre o funcionamento da democracia no seio do design institucional da União Européia.

Déficit Democrático: uma questão conceitual? uma forte discussão entre os estudiosos do sistema político europeu (Quermonne, 2001) sobre a existência ou não de um déficit democrático na tomada de decisão. A última parte deste texto dedica-se a ilustrar brevemente os principais argumentos sobre a questão, identificando posicionamentos e as novas perspectivas que o processo de integração europeu ascende à teoria democrática contemporânea.

A definição do que viria a ser o déficit democrático não é consensual, sendo resultado da maleabilidade do próprio conceito de democracia. Majone (1998) afirma que existe uma necessidade urgente em se realocar o modelo utilizado para definir legitimidade democrática no contexto europeu. Ele classifica quatro ordens de argumentos que se tornam falaciosos quando transferidos para o sistema integrado da UE.

O primeiro deles é a analogia feita entre instituições supranacionais e as nacionais, em que se espera uma reprodução ou um continuum entre as esferas domésticas e externas. Dessa forma, o Parlamento Europeu deveria ter um poder cada vez maior e independente de iniciativa legislativa, assim como acontece nos parlamentos nacionais. Porém, a Comissão Executiva é quem detém essa responsabilidade e, na perspectiva do autor, isso acontece devido à necessidade de aproximação do Conselho e do Parlamento à lei comunitária, sendo a Comissão a mediadora entre partes.

O segundo argumento resulta da percepção de que o Parlamento Europeu é a única instituição democraticamente representada. Sendo assim, todas as instituições que não sejam responsivas diretamente aos eleitores europeus não poderiam ser consideradas democráticas. Majone (1998) critica esse posicionamento, afirmando que a União Européia não se enquadra no modelo clássico de democracia majoritária, pois se assemelha mais a uma quasi-federação e, portanto, constituise de elementos não-majoritários, tais como: sistema de checks and balances, separação de poderes vertical e horizontal, delegação de poderes para funcionários indiretamente responsivos, entre outros.

A terceira perspectiva que deve ser reconsiderada, segundo Majone (1998), diz respeito aos padrões de legitimidade derivados da esfera interna dos países. Na verdade, segundo ele, os mecanismos intergovernamentais do processo de integração é guiado e decidido pelos governantes dos Estados-Membro, eleitos democraticamente, cabendo ao poder de veto - quando ele se aplica - o elemento mais legítimo do sistema, tendo em vista que nenhum país adotaria uma medida contra seus próprios interesses. Porém, a introdução da decisão por maioria qualificada modifica esse cenário. Majone considera então que a partir do momento em que a UE também se propõe a promover melhorias sociais e garantias econômicas a longo prazo, certas medidas devem ser tomadas mesmo que contra a vontade imediata de alguns governantes, sendo a autonomia das instituições supranacionais o principal mecanismo para atingir esse objetivo.

Por fim, uma percepção social do déficit democrático europeu. Ela considera que, na União Européia, não apenas inexistem um Executivo eleito diretamente, um corpo legislativo independente e um sistema de representação pluralista, mas principalmente que um sistema que falha em prover a equidade e justiça social. Em relação a essa visão, Majone (1998 : 13) afirma que os marcos constitucionais europeus, a exemplo do Ato Único e dos Tratados de Maastricht e Amsterdã não fornecem competências sobre direitos sociais. Ele afirma ainda que a integração em assuntos de saúde e seguridade social além de não ser matéria dos tratados provoca uma oposição a esse tipo de integração por parte dos países-membro24. Ou seja, se a União Européia provê uma integração superficial na área social, isso ocorre justamente pelo não interesse dos próprios Estados- membro, sendo pois uma decisão amparada nos seus respectivos sistemas políticos reconhecidos como democráticos.

Dessa forma, em uma perspectiva redirecionada ao contexto europeu, Majone (1998) sublinha que o déficit democrático indica problemas tecnocráticos em relação à tomada de decisão e à falta de transparência. Em suma, os problemas relativos à ausência de legitimidade se referem à deficiência de credibilidade no sistema europeu e de comprometimento com as políticas adotadas por parte de seus membros. Em publicação mais recente, Majone (2001) aponta que a solução encontrada é a recorrente delegação de autoridade para instituições supranacionais, reduzindo os custos da tomada de decisão e utilizando a autonomia e tecnicidade dessas instituições para incrementar políticas de compromisso, diminuindo assim o déficit democrático, que ele percebe como um déficit de credibilidade das instituições européias: "The principle that the Community takes over regulatory competence from the member states gives credibility to their commitment to a single european market" (Majone, 2001: 107).

Moravcsik (2002) compartilha da mesma perspectiva que Majone, porém ele é mais enfático em suas afirmações. Para ele, o Parlamento Europeu é um dos quatro atores mais fortes no processo decisório, e não ocupa destaque em relação às outras instituições por características do próprio Parlamento, entre elas: o fato de suas eleições serem heterogêneas e consideradas como de segunda ordem pelos cidadãos europeus; ou ainda pelo conteúdo especificamente técnico das matérias nele discutidas. O poder de agenda encerrado pela Comissão, assim como o "poder incomum" da Corte de Justiça são percebidos por Moravcsik (2002 : 605) como elementos supranacionais efetivos de controle democrático direto do sistema político europeu. Por fim, ele afirma que a mais poderosa das instituições é o Conselho Europeu, porém seus componentes são eleitos diretamente pelos cidadãos em seus respectivos países de origem, configurando um controle democrático indireto entre a esfera nacional e a supranacional.

Em substância, segundo o autor, não se deve entender como déficit democrático a natureza não-participativa das instituições européias. Ele afirma que "constitutional checks and balances, indirect democratic control via national governments, and the increasing powers of the European Parliament are suficient to ensure that EU policy-making is, in nearly all cases, clean, transparent, effective and politically responsive to the demands of European citizens" (Moravcsik, 2002: 605).

Por outro lado, Hix & Follesdal (2006) dedicam-se a desconstruir os argumentos de Majone e Moravcsik, indo de encontro à percepção de que o sistema europeu é diferenciado das demais democracias e por isso se déficit democrático, este também é distinto. A princípio, os autores concordam com o argumento de Majone que políticas econômicas que visem a uma redistribuição de benefícios devem sim estar longe de um processo decisório majoritário. Porém, eles apontam para a complexidade em se identificar que políticas produzem um resultado eficiente com apenas uma solução viável. Além disso, na prática, não existe um ótimo de Pareto, pois até mesmo políticas redistributivas trazem conseqüências, como por exemplo a relação complicada entre produtores agrícolas nacionais e as políticas de liberalização de mercado. Segundo os autores, Seus argumentos não se aplicam às políticas que permitem escolhas com efeitos distributivos ou redistributivos. Ele não oferece qualquer razão do porquê elas deveriam ser isoladas de uma contestação democrática. Onde vencedores e perdedores a curto e longo prazo, o argumento de Majone não elimina a necessidade de tomadores de decisão accountables, responsivos e democráticos. (Hix & Follesdal, 2006: 543-544).

Em relação a Moravcsik, os autores concordam que o sistema complexo de tomada decisão com várias maiorias e múltiplas instituições participantes favorece que uma política comunitária seja adotada com grande parte dos envolvidos em concordância, configurando a política européia como centrista. No entanto, Hix & Follesdal afirmam que problemas na conexão entre preferências dos cidadãos europeus e as políticas adotadas. Segundo eles, é necessário, de um lado, que as instituições européias sejam responsivas para que produzam resultados aceitáveis não apenas a curto prazo, mas que assim permaneça a longo prazo por meio de mecanismos confiáveis. Por outro lado, as preferências dos cidadãos europeus não podem ser consideradas como dadas e fixas, elas são formadas justamente pelo processo democrático deliberativo, em que o debate político e a contestação são elementos fulcrais. Segundo os autores, não existe uma oposição oficialmente constituída no bloco, o que dificulta aos cidadãos europeus conseguirem diferenciar entre a oposição ao regime europeu e ao projeto europeu como um todo. Além disso, Hix & Follesdal assinalam a ausência de debate político no âmbito supranacional e a falta de uma participação mais direta dos cidadãos nos assuntos discutidos, o que favorece a apatia e o distanciamento em relação às políticas adotadas.

Os autores concluem que em uma perspectiva comparativa entre uma tecnocracia e uma democracia deliberativa, a segunda opção é a única que pode garantir que os direitos sociais dos cidadãos sejam ampliados e que o sistema político se torne cada vez mais responsivo e próximo do cidadão. Apesar das vantagens que um sistema mais aberto à contestação política e participação social no processo decisório proporcionam uma maior interconexão entre as preferências dos cidadãos e dos governantes, os autores concordam que haveria uma perda de eficiência em uma democracia mais participativa, porém seria o preço a se pagar por instituições mais legítimas.

Nessa discussão esta claro que duas percepções de como se comportaria uma democracia em um sistema de integração regional político-econômica. A primeira é mais próxima a uma tecnocracia, com um processo decisório balizado na delegação de poderes, primando por eficiência e redistribuição padronizada de benefícios advindos da integração. A segunda é uma concepção mais clássica de democracia deliberativa, inspirada no referencial westminsteriano, em que o papel do cidadão comum como um agente decisivo na adoção de políticas socioeconômicas é o foco do argumento, sendo o controle direto das instituições por meio das eleições majoritárias o principal mecanismo de contestação. Eleger um lado das duas visões como a mais próxima da realidade certamente está para além de uma escolha conceitual e teórica, mas requer discussão e sensibilidade para compreender a complexidade do sistema europeu.

Considerações finais O presente texto levanta questionamentos acerca do processo decisório europeu e averigua de que forma a introdução do mecanismo de co-decisão ocasiona mudanças na interação entre as instituições responsáveis pela tomada de decisão.

Inicialmente, observa-se que a evolução institucional da União Européia tem direcionado o bloco europeu a um maior aprofundamento de suas relações políticas, provocando a necessidade de fortalecer as instituições no que concerne suas essências democráticas. No entanto, percebe-se que ainda persiste um forte caráter intergovernamental no bloco, partindo do princípio que grande parte das matérias discutidas é ainda adotada por decisão do Conselho, um órgão constituído pelos governantes nacionais. A introdução do mecanismo de co- decisão representou uma mudança na atuação do Parlamento Europeu, no sentido em que este tem um poder de paralisar o processo decisório, caso esteja em desacordo com as proposições deliberadas pelo Conselho. Porém, a co-decisão é um instrumento ainda incipiente, no sentido em que sua área de atuação se restringe às temáticas referentes à integração econômica, não exercendo influência significativa no debate de questões políticas, a exemplo de cooperação policial e judicial, ou ainda de temas ligados à política externa e de segurança comum.

Por fim, percebe-se que a dificuldade em se ter acesso às votações, projetos e emendas proferidas no âmbito da co-decisão não facilita o exercício de acompanhamento do processo decisório, contribuindo para uma ausência de transparência e comprometimento de seus governos e, quiçá, do povo europeu com o interesse comunitário.

Destarte, apesar da União Européia figurar como um dos mais avançados e complexos sistemas de integração da atualidade, ela ainda padece de problemas importantes que marcam a maior parte das invenções políticas: democracia, legitimidade, eficiência e justiça. Conciliar essas práticas em um regime institucional inédito é o desafio. Esse croqui institucional atual poderá então avançar no sentido federalista25 de um superestado - os Estados Unidos da Europa26 - ou na direção de um arranjo político baseado numa governança em níveis múltiplos (Marks et al., 1996). Mas em todo caso fica a questão: "How to democratize the european union and why bother? (Schmitter, 2000)


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