Efetividade do Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do
Comércio: uma análise sobre os seus doze primeiros anos de existência e das
propostas para seu aperfeiçoamento
Introdução
O Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da Organização Mundial do Comércio
(OMC) tem se revelado um instrumento efetivo para lidar com problemas
comerciais globais e para aportar um grau mais elevado de segurança jurídica
nas relações multilaterais. A efetividade demonstra-se tanto em relação aos
prazos para a solução de litígios, relativamente curtos em função dos montantes
em disputa, como em relação ao cumprimento das decisões pelos Estados. Este
sistema trouxe inovações na lógica jurídica dos mecanismos internacionais de
solução de controvérsias, conseguiu legitimidade na sociedade internacional e
possibilitou a maior participação de todos os Estados, inclusive os Estados em
desenvolvimento no sistema.
A Organização Mundial do Comércio foi criada em 1995 e inovou com um mecanismo
de solução de controvérsias com dispositivos mais cogentes e rígidos do que
aqueles do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). Entre 1995 e julho de
2008, 378 contenciosos foram submetidos a sua apreciação, tornando-se um dos
foros internacionais com maior número de contenciosos. Formulou um conjunto de
decisões que somam mais de trinta mil páginas de jurisprudência e asseguram
previsibilidade de interpretações jurídicas sobre os diferentes acordos do
sistema OMC e assim colabora para ampliar a segurança jurídica do sistema
jurídico comercial internacional. Atualmente, pode-se dizer que as
interpretações do OSC contribuem para a limitação de políticas públicas de
estímulo comercial em todo o mundo e a evitar conflitos entre Estados,
exercendo uma importante função preventiva.
A eficácia do sistema foi adquirida com o alto índice de cumprimento das
decisões. Em poucos casos houve a implementação de retaliações comerciais
autorizadas, porque a maioria dos contenciosos resultou no cumprimento
espontâneo, mesmo por grandes potências econômicas, que preferem sofrer perdas
pontuais em determinados temas, mas garantir a legitimidade do sistema como um
todo.
No entanto, há críticas à efetividade e ao modo de funcionamento do OSC,
sobretudo de Estados tradicionalmente menos ativos nos fóruns internacionais ou
que não têm hábito de praticar retaliações comerciais autorizadas por
mecanismos jurisdicionais, como instrumento de política comercial
internacional. As críticas se fundamentam tanto na lógica dúbia do sistema:
diplomático ou jurisdicional, como não cumprimento das decisões e até mesmo que
o adensamento de juridicidade poderia ser ruim para a expansão do
multilateralismo econômico, construído sobretudo conforme negociações mais
políticas do que jurídicas. O temor de contra-medidas não autorizadas ou
maquiadas com a suspensão do Sistema Geral de Preferências estão entre os
principais motivos pelos quais os resistentes defendem a não utilização de
todas as medidas possíveis e autorizadas pelo Entendimento sobre Solução de
Controvérsias.
Para discutir este tema, é útil traçar uma breve análise da experiência vivida
pelo OSC nos seus primeiros anos de existência. Utilizaremos como fonte uma
base de dados elaborada pelo Banco Mundial, que concentra grande número de
informações sobre o OSC e seus relatórios1. Assim, tentaremos discutir primeiro
a previsibilidade jurídica do sistema, o cumprimento das suas regras
processuais, em relação aos prazos propostos e a participação dos diferentes
grupos de Estados neste sistema. Será, então, possível tecer algumas conclusões
sobre a efetividade das decisões e das mudanças no direito internacional com
este sistema como um todo.
Breve descrição do funcionamento do Órgão de Solução de Controvérsias nos seus
primeiros doze anos
O OSC segue um conjunto de regras processuais previsto no Entendimento sobre
Solução de Controvérsias da OMC, um pequeno tratado com prazos específicos e
procedimentos claros para cada etapa processual. Praticamente todos os tratados
da OMC se submetem a este sistema de solução de controvérsias (JACKSON, 2006)2,
Ainda que não sejam cumpridos à risca em todos os contenciosos, os prazos
mantêm-se relativamente curtos. O OSC é órgão jurisdicional, mesmo se a
linguagem utilizada nos seus documentos iniciais sugira um mecanismo
voluntário, não-jurisdicional3. Em um contencioso, podem existir até quatro
etapas distintas: consultas; painel; apelação; e implementação. Todas estas
fases são confidenciais e apenas as partes ou terceiros interessados, também
Estados, podem ter acesso aos autos.
Na primeira fase, de consultas, os membros4 manifestam seu descontentamento com
práticas comerciais consideradas irregulares em relação aos tratados que
integram o sistema OMC. A pretensão do Estado ou Organização Internacional
membros em recorrer ao OSC se valida tanto com a violação a um acordo
comercial, quanto da frustração de expectativas legítimas de ganhos comerciais
derivados dos tratados firmados, ainda que sem violação aos tratados (damnum
sine injuria). As negociações devem começar em até 30 dias após a reclamação.
Durante as consultas, os membros devem envidar esforços para encontrar uma
solução amigável por um período de no mínimo 60 dias antes de ingressar no
painel. A passagem da fase de consultas depende dos Estados e não do OSC,
porque os Estados devem indicar o insucesso das negociações bilaterais e
declarar sua vontade de ingressar com um painel.
Este prazo é utilizado também para a preparação do processo, de recursos
materiais e pessoais. Terceiros interessados também podem mobilizar recursos
para ingressarem ou como partes ou como intervenientes processuais. Nos
primeiros doze anos de existência do OSC, a fase de consultas durou em média
sete meses (MAVROIDS & HORN, 2008). No entanto, praticamente metade dos
contenciosos não passa desta etapa, sobretudo porque há acordo entre as partes
ou porque se considera que os custos políticos e econômicos do processo serão
mais elevados do que seus benefícios. Nesta etapa, o Presidente do OSC pode
exercer o papel de bons ofícios, conciliador ou mediador ou indicar alguém para
fazê-lo. As tentativas de bons ofícios, mediação ou conciliação antes do
estabelecimento de um painel podem se desenrolar tanto em Genebra, quanto nos
próprios Estados envolvidos.
Se não houver uma solução mutuamente ajustada, o membro pode solicitar a
instauração de um painel, composto por três árbitros, escolhidos pelo
Presidente do OSC, dentre uma lista de nomes indicados pelo conjunto de
Estados, composta por funcionários das representações diplomáticas ou da
própria OMC, professores ou advogados. Interessante notar que os brasileiros
estão entre aqueles com maior participação em contenciosos (19 nos primeiros 12
anos), apenas atrás dos indianos, suíços, neozelandeses e australianos. Alguns
Estados muito ativos no OSC têm poucos nacionais figurando como árbitros.
Apenas dois norte-americanos, por exemplo, figuraram como árbitros nos painéis
deste período, mesmo se os Estados Unidos é o mais freqüente membro. No
entanto, ainda que não tenha norte-americanos no painel, nota-se que a maioria
dos árbitros tem formação nos Estados Unidos, o que de certa forma explica a
inspiração na lógica jurídica norte-americana em diferentes decisões, num misto
de common law com direito continental.
Após a constituição do painel, os árbitros têm até seis meses para proferir uma
decisão, prazo que pode ser reduzido a três meses, em situações de urgência. Na
prática dos primeiros doze anos do OSC, a maioria dos casos extrapolou o limite
de seis meses, mas a média geral não passou de nove (MAVROIDS & HORN,
2008). Neste curto espaço de tempo:
- Cada parte apresenta uma petição escrita, detalhando os pontos que
pretende discutir;
- Há uma primeira audiência para apresentação do caso pelos
demandantes;
- Há uma segunda audiência para contestação dos demandados e
terceiros interessados;
- O painel pode solicitar a apresentação de documentos por peritos;
- O painel apresenta então um rascunho da sua decisão, para
comentários das partes;
- Com base nos comentários das partes, prepara um relatório
provisório, para novos comentários, e concede mais uma semana para os
comentários finais;
- O painel pode, no âmbito do seu poder discricionário, reunir-se
novamente com as partes, no prazo de até duas semanas e decidir
eventuais pontos ainda imprecisos;
- Publica-se o relatório final, e este apenas pode ser negado por
consenso dos membros da OMC5. Até hoje, todos os relatórios foram
adotados.
Trata-se de um prazo reduzido, sobretudo porque esta fase se destina conhecer
os fatos e analisar centenas de documentos. O relatório final é em seguida
enviado a todos os membros para aprovação ou negação.
Pode-se recorrer da decisão do Grupo Especial ao Órgão de Apelação, em até 60
dias a contar da aprovação do OSC. O Órgão de Apelação, por sua vez, é composto
por sete juízes, e três deles, escolhidos por sorteio, participam do julgamento
de apelação. Nesta etapa, apenas questões de direito podem ser levantadas, mas
como nos tribunais brasileiros, há uma interpretação ampla e questões de fato
associadas a questões jurídicas são constantemente revistas em segunda
instância.
O Órgão de Apelação tem entre 60 e 90 dias para proferir uma decisão. Neste
período, deve dar prazo para resposta da petição de apelação, e proferir uma
decisão final sobre o contencioso. O relatório também entra em vigor com a
aprovação do Órgão de Solução de Controvérsias, o que apenas não ocorre se
houver consenso negativo dos membros. Nestes doze anos de existência, todas as
decisões de apelação foram julgadas dentro dos 90 dias previstos e aprovados
pelo OSC.
As decisões do Grupo Especial e, sobretudo do Órgão de Apelação são em geral
densas em argumentos jurídicos, utilizam diferentes tratados multilaterais da
OMC e, de forma subsidiária, fontes jurídicas de fora deste subsistema
jurídico. Analisa um a um os argumentos jurídicos levantados e decide quais
políticas ou normas do Estado violam os tratados multilaterais. Determina então
que os Estados alterem os dispositivos incompatíveis conformando-os aos
compromissos assumidos internacionalmente. Nota-se que há uma redução na
proporção dos casos em que há apelação, o que parece ocorrer em função do
aumento da previsibilidade do sistema, com a construção e confirmação de uma
jurisprudência sobre os diferentes tratados.
Em geral, um pouco mais da metade das violações alegadas são confirmadas pelo
OSC. Com a confirmação da violação, o membro derrotado deve se manifestar em
até 30 dias após a adoção do relatório para dizer se irá ou não mudar sua norma
ou política interna e pede um prazo para tanto, que pode variar de 15 a 18
meses. A definição do prazo também pode ser objeto de uma arbitragem, que dura
por sua vez até 90 dias, o que não interfere no prazo total para implementação
porque a decisão final sobre o prazo retroage à adoção do relatório. Em nove
casos a cada dez, o Grupo Especial ou o Órgão de Apelação concluíram que havia
ao menos uma violação dos compromissos firmados.
Decorrido estes prazos, em caso de continuidade de descumprimento, o membro
vitorioso pode solicitar a imposição de sanções comerciais, que também são
chamadas de medidas compensatórias ou suspensão de concessões comerciais. O
próprio OSC utiliza estas expressões com maior ou menor rigor, conforme o
contencioso. Não há prazo máximo para solicitar a autorização de sanções, mas
na média, os Estados levam 225,94 dias para solicitar uma arbitragem por não-
cumprimento, após o esgotamento do prazo anterior (MAVROIDS & HORN, 2008).
Este período de tempo é em geral utilizado para que os membros tentem novas
negociações ou verifiquem a legitimidade das razões alegadas para o não-
cumprimento. Estamos aqui às vésperas da mais dura medida conhecida pelo
direito internacional em instrumentos pacíficos de solução de controvérsias.
Antes de aplicá-la, os membros devem negociar um acordo por, no mínimo 20 dias
e, se não houver acordo, constituir outro painel arbitral para determinar o
montante dos prejuízos e as formas de compensação. Em geral, nesta etapa, o
vencedor superestima seus prejuízos e, via-de-regra, o montante é reduzido pela
arbitragem. No contencioso Comunidades Européias - Bananas, por exemplo, os
Estados Unidos propuseram retaliações de US$ 520 milhões, mas a arbitragem
fixou este montante em US$ 191,4 milhões (WT/DS27).
Não há multas. Não é o Estado que paga o valor determinado. A compensação se
opera com a retaliação comercial preferencialmente no mesmo produto ou setor
comercial discutido no contencioso. Se não for possível, em outros setores. O
mais comum é retaliar em bens, onde um simples incremento do imposto de
importação causa prejuízos a outra parte e é mais fácil calcular os prejuízos
impostos com as medidas. O prazo para a aplicação das retaliações pode ser de
até 15 meses. Após este período, as medidas devem ser revistas e podem ser
renovadas se o ilícito persistir. Na prática, os Estados não precisam aplicar
as retaliações por tanto tempo para induzir cumprimento, e a média desde a
criação do OSC tem sido de 9,48 meses (MAVROIDS & HORN, 2008).
O processo todo dura, portanto, até 18 meses na primeira e segunda instâncias,
outros 18 meses para cumprimento, totalizando, com os atrasos mais comuns, até
quatro anos, em caso de descumprimento. O prazo é bastante reduzido se
considerarmos que se trata de contenciosos entre Estados ou Sistemas Regionais
de Integração, com alta densidade jurídica, respeito ao princípio do
contraditório e que envolvem quantias que ultrapassam facilmente um cem milhões
de dólares e que por vezes chegam a quatro ou cinco bilhões. Como vimos, apenas
em alguns casos, houve desrespeito dos prazos pelo OSC, o que ocorreu,
sobretudo, em casos complexos, nos quais houve a contratação de especialistas
externos para realizar estudos econométricos, a exemplo do contencioso Estados
Unidos - Emenda Byrd (WT/DS217/ARB/KOR e WT/DS217/ARB/JAP ), em que o prazo da
arbitragem foi muito superior ao previsto.
A legitimidade do sistema e seus benefícios
Entre os principais benefícios do sistema de solução de controvérsias,
encontramos com maior freqüência o fortalecimento de um sistema jurídico
internacional mais guiado por regras jurídicas e menos pela força das potências
mais fortes (mesmo um sistema orientado pela força ainda é predominante);
procura a conformidade das partes, mais do que indenizações por prejuízos
sofridos; resolve as disputas amigavelmente, evitando tensões e mesmo guerras;
é rápido; cria precedentes jurisprudenciais e aumenta a segurança jurídica;
preenche lacunas de interpretação e resolve ambigüidades nos tratados; promove
o cumprimento das regras internacionais; ameniza assimetrias entre os Estados;
concede entre os participantes o sentimento de um procedimento justo; contribui
para que governos vençam resistências internas contra políticas que ferem o
direito internacional (JACKSON, 2006).
Assim, o sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio
ganhou legitimidade por diferentes razões: a adoção constante dos relatórios
pelo OSC, uma análise jurídica densa e relativamente uniforme ao longo das
decisões, imparcial, um alto índice de efetividade das decisões, o que leva a
uma maior participação dos países em desenvolvidos no sistema.
Adoção constante dos relatórios. No sistema de solução de controvérsias
anterior, no âmbito do GATT, era necessário que todos os membros aceitassem o
relatório para que o mesmo fosse adotado (consenso positivo). No novo sistema,
é preciso a rejeição por todos, para que o mesmo não seja adotado (consenso
negativo). Se no antigo GATT, raramente um contencioso chegava à fase de
retaliação comercial, porque os prejudicados o impediam, agora é uma situação
perfeitamente possível em caso de não-conformidade.
Densidade jurídica. Em todos os relatórios, nota-se um grande apego aos
aspectos jurídicos da questão. Desde os primeiros relatórios, houve um esforço
constante para construir interpretações uniformes sobre os diferentes conceitos
jurídicos, à luz do direito internacional e de suas regras de interpretação.
Mesmo se não há obrigatoriedade de respeito aos precedentes, na prática, nota-
se que o OSC mantém suas posições anteriores, num sistema misto, entre o
direito continental e o common law, marcado pela interpretação rígida dos
tratados da OMC com o abundante uso dos seus próprios precedentes.
De qualquer forma, é um subsistema bastante fechado, quase autopoiético. O
recurso a outros tratados é realizado de forma subsidiária, com raras exceções
a algumas regras gerais, como a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados.
Interessante notar que, como houve um ganho de legitimidade e os membros
preferem utilizar este tribunal internacional em detrimento da maioria dos
outros, o direito da OMC de certa forma se impõe sobre os demais subsistemas
jurídicos. Mesmo se no plano teórico, não há hierarquia no direito
internacional, no plano prático, os tratados do sistema OMC são mais utilizados
como fontes jurídicas do que outros e se sobrepõe aos demais quando há
conflitos de normas. Esta prevalência das normas comerciais suscitou críticas
de diferentes setores, como os ambientalistas, que nos anos 90 consideravam que
a lógica econômica acabaria por neutralizar as conquistas do direito
internacional ambiental dos últimos anos. Tais críticas foram mitigadas com a
consolidação de uma jurisprudência relativamente favorável ao meio ambiente e à
saúde pública6.
Imparcialidade. Não se pode dizer que houve preferências políticas por Estados
mais poderosos ou por temas mais sensíveis. A taxa de confirmação das
irregularidades das alegações é praticamente a mesma entre todos os grupos de
Estados7. De certa forma, alguns temas politicamente sensíveis, como o meio
ambiente, por exemplo, tiveram interpretações mais elásticas dos conceitos
utilizados, a partir de uma análise estruturada de riscos, mas que não é
inovadora e apenas segue um modelo já consolidado nos tribunais internacionais
das Comunidades Européias e mesmo dos Estados Unidos.
Até hoje, aproximadamente um terço dos membros já foi condenado a conformar sua
legislação às normas da OMC (WILSON, 2007): sete membros apenas foram
condenados uma vez: Brasil, Republica Dominicana, Egito, Guatemala, Indonésia,
Tailândia e Turquia; dez membros foram condenados em mais de um contencioso:
Austrália (2), Chile (2), Japão (4), Coréia (5), México (4), Índia (4),
Argentina (6), Canadá (8)8.
Em geral, os Estados, mesmo aqueles com maior poder econômico, cumprem as
decisões da OMC. As Comunidades Européias, com dezesseis contenciosos perdidos
e, principalmente, os Estados Unidos, com 33 contenciosos perdidos, quase
metade do total mundial, são os que mais sofreram derrotas no OSC. Na análise
da própria instituição, Estados Unidos e Comunidades Européias conseguiram
alterar e conformar suas normas ou políticas consideradas irregulares pelo OSC
na grande maioria dos casos e tiveram dificuldades residuais em poucos
contenciosos, sobretudo aqueles com necessidade de aprovação do Legislativo
(WILSON, 2007). Isso é ainda mais importante, porque a quantidade de
condenações destes Estados é bastante grande, mais da metade de todos os
contenciosos desde 1995. Mesmo que tais membros tenham condições econômicas
para suportar retaliações, preferem se conformar e manter a legitimidade do
sistema como um todo, ainda que setores específicos sejam prejudicados.
Nestes doze anos, o índice de cumprimento chega a 83% dos contenciosos, sendo
que os 17% restantes tocam temas cujos contenciosos eram muito anteriores à
criação da OMC, já estavam consolidados nos Estados e o novo sistema foi
utilizado para tentar reverter situações consolidadas. É o caso, por exemplo,
dos contenciosos sobre o regime de importação de bananas, que envolveu dezenas
de membros e já era polêmico nos anos 70 muito antes da criação da OMC; dos
hormônios na carne bovina norte-americana, rejeitada pelas Comunidades
Européias, sobretudo, em função das crises sanitárias como a vaca louca, que
torna politicamente difícil a imposição da decisão da OMC nos Estados-membros
da União Européia.
Note-se que dos mais de 350 contenciosos entre 2005 e março de 2007, apenas em
109 houve uma decisão, ou seja, não houve uma solução acordada entre as partes.
Destes, houve cumprimento voluntário em uma grande maioria e apenas em 18
contenciosos (aproximadamente 5%), houve pedido de retaliação. Apenas na metade
deste total (9 casos ou 2,5%) houve uma arbitragem para calcular a retaliação,
porque nos demais houve acordo ou conformidade. Destes 9 casos, em 8 houve
retaliação, uma vez que no contencioso EUA - Norma de 1916 (WT/DS 136), os EUA
se conformaram antes da retaliação ser implementada (WILSON, 2007).
O ganho de legitimidade do sistema trouxe diferentes benefícios. A ampliação da
segurança jurídica das decisões possibilita previsibilidade e a formatação de
políticas públicas de acordo não apenas com os tratados da OMC, mas com as
interpretações consolidadas sobre tais tratados pelo OSC. Não há como negar que
as decisões da OMC, a segurança de que serão aplicadas e das eventuais
retaliações geram uma certa auto-limitação dos diferentes órgãos legislativos e
executivos em todo o mundo, numa busca clara de não criar regras que possam
posteriormente ser questionadas pelo OSC.
Maior participação dos países em desenvolvimento. No sistema anterior, do GATT,
praticamente o abandonaram, e agora representam um terço das demandas. Mesmo
assim, apenas oito países menos avançados participaram de contenciosos nos
primeiros 12 anos, o que é muito baixo, sobretudo se considerarmos que na maior
parte das vezes comparecem como terceiros interessados. O Brasil, por exemplo,
que participou de apenas dois contenciosos no sistema anterior, é atualmente o
sexto maior demandante, atrás apenas de Estados Unidos, Comunidades Européias,
Canadá, Índia e México, e à frente de outros atores comerciais mais importantes
internacionalmente, como Japão ou China. Ao todo, entre 1995 e 2006, o Brasil
iniciou 31 contenciosos, participou como terceiro interessado em outros 34.
De qualquer modo, os dois maiores usuários do sistema são Estados Unidos e
Comunidades Européias, mas que aparecem duas vezes mais no pólo passivo (56,1%)
do que no ativo (26%). Em outras palavras, o sistema serve muito mais para os
demais atores comerciais solicitarem a conformidade dos grandes do que o
contrário. Outro dado importante: estes dois gigantes comerciais atuam mais
contra Estados em desenvolvimento, do que contra Estados industrializados, ou
um contra o outro (98 contenciosos)9. Os grandes beneficiários do sistema são
os Estados industrializados, à exceção de Estados Unidos e Comunidades
Européias, que demandam duas vezes mais do que são demandados.
No entanto, o sistema de solução de controvérsias foi estruturado inicialmente
não como um órgão jurisdicional, mas como mais um instrumento diplomático de
solução de conflitos e isso é um problema para a consolidação da legitimidade
do mesmo. Isso pode ser notado a partir de algumas características do sistema,
como a confidencialidade dos procedimentos, que contribui para a desconfiança
dos operadores jurídicos. Aos poucos, o caráter jurisdicional foi ganhando
espaço face ao político. Já no primeiro contencioso, no caso Estados Unidos -
gasolina, o Órgão de Apelações demonstrou que poderia reverter a decisão do
Grupo Especial e, no contencioso Bananas III, a confirmação da possibilidade de
atuação de advogados privados (WIELER , 2000). Por outro lado, a não-
denominação ou melhor caracterização desde o início como um tribunal
internacional possibilitou a aprovação do mesmo pelo Congresso norte-americano.
Os próprios juízes já se manifestaram favoráveis à abertura do procedimento. A
partir do contencioso Comunidades Européias - Asbestos, houve finalmente a
regulamentação de um procedimento participação da sociedade civil (amicus
curiae) (RUIZ-FABRI, 2005). De qualquer modo, prevalece a confidencialidade, o
que contribui para a desconfiança no sistema.
A originalidade da lógica jurídica da indução de conformidade do Órgão de
Solução de Controvérsias
As decisões do OSC/OMC declaram num primeiro momento que uma determinada
prática do Estado (legal ou política) viola os compromissos internacionais
assumidos. Na última fase, calcula-se o montante de prejuízos sofridos com a
ilegalidade e se autoriza retaliações comerciais, sem a possibilidade de
contra-retaliação. Do ponto de vista do direito internacional, pouco importa se
a norma violadora é uma norma administrativa ou legislativa. Importante é o
resultado final da medida e sua conformidade com os compromissos
internacionais. O direito internacional também não verifica se o valor
normativo dos tratados no direito doméstico. Assim, não importa se a norma
contrária aos tratados da OMC é posterior a sua adoção ou, se pelo direito
interno, seja superior hierarquicamente ao tratado multilateral, casos em que,
pelo direito brasileiro, teriam a força de suspender a eficácia dos tratados.
Para o direito internacional, não importa sequer se a norma considerada
irregular é a própria constituição do Estado. A declaração de irregularidade
indica que o membro incorre em responsabilidade internacional e poderá sofrer
as conseqüências econômicas de uma eventual retaliação.
Talvez por isso, exista certa resistência dos juristas clássicos em aceitar a
legalidade do direito da OMC. Na prática, o aumento da cogência das decisões
internacionais limita a capacidade soberana do Estado de mudar sua própria
legislação, ainda mais marcante em Estados com grandes territórios e
tradicionalmente voltados para si mesmos, como Brasil, China, Rússia, Índia ou
Estados Unidos. A principal diferença do direito da OMC não é apenas jurídica,
mas de como instrumentos de políticos e econômicos de indução ao cumprimento
são previstos no próprio direito. Antigamente, no direito internacional
clássico, um Estado podia simplesmente ignorar as sanções ou mesmo se desligar
da organização, sem maiores repercussões, fazendo valer seu direito interno.
Apenas em casos extremos, a sanção repercutia em retaliações mais importantes
ou mesmo se tornava conhecida pelos cidadãos comuns. Hoje, há retaliações
econômicas suficientes para mobilizar os setores internos a exercer
instrumentos de pressão política sobre os governantes para que se conformem à
decisão.
A diferença está no mecanismo jurídico encontrado para induzir a implementação
das decisões. O cumprimento vem com insatisfação dos setores retaliados que
pressionam o governo a agir, e não o Judiciário nacional, que internaliza uma
decisão internacional. A lógica jurídica do direito internacional clássico não
consegue explicar este fenômeno.
Poderíamos nos perguntar o porquê dos Estados mais ricos simplesmente não
ignorarem a retaliação de um país mais pobre. Pior, o porquê de não os contra-
retaliarem declarada ou implicitamente. Não o fazem porque uma medida desta
natureza deslegitimaria o sistema como um todo e, em pouco tempo, afastaria os
demais membros do OSC. Qualquer Estado poderia simplesmente se retirar da OMC,
mas essa também não é uma opção, porque pelo avanço do processo de globalização
econômica, seria muito difícil fazê-lo, mesmo os mais poderosos. Logo, a melhor
alternativa continua sendo assumir as perdas pontuais, chegar à conformidade e
obter ganhos globais.
As retaliações comerciais se operam, na maior parte das vezes por meio de
aumento do imposto de importação sobre bens originários do Estado, normalmente
100% ad valorem. Deve-se privilegiar a retaliação no mesmo setor econômico
afetado. Depois no mesmo tratado. Se não forem efetivos, em outros tratados, o
que se denomina retaliação cruzada. A retaliação é realizada apenas pelas
partes no processo que ganharam o contencioso. Estes produtos se tornam tão
caros que há o impedimento das vendas, a perda de mercados. O simples anúncio
de uma possível retaliação provoca a não confirmação de contratos e prejuízos
para as partes. Perdem neste processo:
a) Os exportadores dos produtos sobretaxados, não necessariamente os
mesmos que eram beneficiados pelas medidas irregulares;
b) Os consumidores, porque pagarão mais caro pelos produtos
retaliados ou terão que substituí-los por outros produtos que antes
não eram da sua preferência.
Logo, toda retaliação comercial tem um aspecto negativo para o mercado interno.
Quando se aplica uma retaliação deve-se não apenas atingir setores importantes
do Estado exportador, como setores que não prejudiquem em demasiado o Estado
importador. Deste modo, a escolha correta dos setores é fundamental. A maior
parte ocorre no setor de bens, 94% nestes primeiros doze anos (MAVROIDS &
HORN, 2008). Quando há forte desproporção entre os Estados envolvidos,
dificilmente qualquer retaliação em bens é possível, porque mesmo se um pequeno
Estado importador sobretaxar um produto de um poderoso exportador, dificilmente
este irá mudar sua legislação em função dos danos causados, porque a perda de
mercado seria muito pequena.
Em alguns casos, o setor que recebia o benefício da norma considerada irregular
pelo OSC é um setor muito próximo ao governo e, portanto, dificilmente se
induzirá a conformidade, exceto se o próprio setor for prejudicado ou então se
o prejuízo incorrer sobre outro ainda mais forte politicamente. No contencioso
Estados Unidos - Emenda Byrd, por exemplo, o governo Bush havia sido fortemente
financiado pela indústria siderúrgica durante as eleições. Quando assumiu o
poder, instituiu uma taxa sobre as importações de aço, que além de acarretar no
aumento dos preços dos produtos importados, era destinada às indústrias
siderúrgicas norte-americanas, ou seja, golpeava-se duas vezes a concorrência.
Japão, primeiro Estado a obter sucesso neste contencioso junto ao OSC, concluiu
que dificilmente conseguiria induzir a Casa Branca a acatar a decisão da OMC
retaliando outros setores econômicos fortes. Decidiu então retaliar produtos
com grande repercussão eleitoral dentro dos Estados Unidos, fabricados em
Estados com maior número de grandes eleitores, ainda que de baixo valor
agregado. Publicizou dentro dos Estados Unidos que o Governo Bush estava
preferindo defender as siderúrgicas aos empregos dos Estados retaliados, ao que
o governo norte-americano acabou cedendo.
A retaliação não é muito comum. Entre 1995 e março de 2007, houve autorização
para retaliações em apenas oito contenciosos, ou seja, em menos de 2,5% do
total. A tabela abaixo ilustra bem este cenário.
Isso não significa que houve conformidade espontânea em todos os demais
contenciosos, porque em alguns casos, os Estados vencedores preferiram não
retaliar. No entanto, nota-se que os grandes partícipes do processo de
globalização efetivamente usam suas possibilidades jurídicas para impor a
conformidade dos demais Estados. Apenas em três contenciosos, ainda persistem
retaliações (Emenda Byrd, Bananas III e Hormônios), mas são casos isolados que
refletem problemas muito anteriores a OMC.
Discute-se agora a possível eficácia da retaliação cruzada, via outros setores,
como propriedade intelectual ou serviços, quando há ofensa de tratados
relativos a bens. É o caso do contencioso entre Brasil e Estados Unidos sobre o
algodão. O Brasil considerou que seria ineficaz retaliar eventuais importações
de algodão de origem norte-americana para o Brasil, porque o Brasil é um
exportador de algodão e, quase não importa este produto. Também seria pouco
efetivo retaliar em outros bens, porque o Brasil representa uma pequena parcela
do total das exportações americanas e medidas dificilmente incomodariam os
exportadores a ponto de convencerem o Governo norte-americano a mudarem sua
legislação agrícola de subsídios, sobretudo porque os agricultores são muito
fortes politicamente. A solução foi eleger o setor de propriedade intelectual,
onde o Brasil exerce um papel importante e com maior poder de pressão sobre o
Governo norte-americano para convencê-lo a não sacrificar seus produtos em
defesa dos subsídios agrícolas.
A retaliação em propriedade intelectual não necessariamente gera prejuízos para
os consumidores brasileiros. Pode se operar sobre a remessa de royalties para o
exterior, limitação temporal ou espacial de direitos de propriedade
intelectual, mecanismos para forçar a transferência de tecnologia, licenças
compulsórias para livros didáticos ou para que produtos farmacêuticos sejam
produzidos por empresas brasileiras ou importadas de outros Estados onde sejam
fabricados a preços mais razoáveis, o que poderia inclusive baratear custos
para os nacionais. Poderia ainda tornar possível que o Brasil fizesse uma
licença para uso público não-comercial e distribuísse os medicamentos
gratuitamente ou até exportasse estes produtos agora fabricados por
laboratórios públicos a Estados africanos, assolados por doenças graves, como a
AIDS, por exemplo.
A retaliação cruzada em propriedade intelectual foi autorizada pelo OSC ao
Equador, contra as Comunidades Européias e à Antígua e Barbuda, contra os
Estados Unidos. No primeiro contencioso, houve acordo entre as partes. No
segundo, os impactos negativos são tão pequenos, que não geraram conseqüências
graves. De qualquer modo, os precedentes possibilitam agora que o Brasil possa
fazer retaliações com valores significativos. Os críticos ao uso deste
instrumento pelo Brasil, no entanto, afirmam que o Brasil poderia ser
considerado hostil comercialmente aos olhos americanos, por exercer seus
direitos, talvez inclusive excluído do Sistema Geral de Preferências, pelo qual
certos produtos brasileiros ingressam nos Estados Unidos com tarifas zero (um
mercado de US$ 3, 628 bilhões em 2005).
De qualquer modo, não acreditamos que os Estados Unidos irão contra-retaliar,
porque em diversos outros momentos quando foram retaliados, não o fizeram. De
fato, podem excluir o Brasil do Sistema Geral de Preferências, o que talvez
gere prejuízos da ordem de 400 a 500 milhões de dólares, porque muitos dos
produtos beneficiados pelo SGP teriam preços impeditivos para a concorrência
com outras potências, mas ainda que isso ocorresse, o país estaria recebendo
benefícios da ordem de alguns bilhões de dólares e estaria mais livre para
finalmente romper sua dependência histórica em relação ao SGP norte-americano,
que já foi motivo para diferentes pressões para a adoção de políticas
comerciais nacionais no passado.
Propostas de reforma do sistema
Alguns autores defendem mecanismos para aprimorar o sistema de solução de
controvérsias da OMC. As principais sugestões sugerem sanções comerciais
coletivas; a concentração das sanções em benefícios para as empresas afetadas;
a aplicação de multas pecuniárias aos Estados; e o efeito direto das decisões
da OMC no direito nacional (CHARNOVITZ, 2001); a criação de procedimentos mais
simplificados para possibilitar que causas de menor valor possam integrar o
sistema; a publicidade das audiências e do processo de tomada de decisão (BROWN
&; HOEKMAN, 2007); maior estabilidade dos membros de grupo especial ou
melhor atuação política na irradiação do direito da OMC dos membros do Órgão de
Apelações (WIELER , 2000).
A aplicação de sanções comerciais coletivas, por um número importante de
Estados contra aqueles que resistem ao cumprimento pode ser interessante,
sobretudo quando há assimetria de poder econômico entre os Estados envolvidos.
Se um Estado fraco não conseguir causar estímulos econômicos negativos
suficientes ao Estado mais forte, um coletivo de Estados participaria das
sanções. Esta solução encontraria seu limite no montante de prejuízos causados
com a medida ilegal, que, na lógica atual, serve de teto para retaliação, ou
seja, apenas quando o Estado fraco não conseguir impor sanções nos montantes
previstos, teria a ajuda de outros. O sistema continuaria pouco efetivo quando
o montante de prejuízos é pequeno para o Estado retaliado, situação bastante
comum quando há assimetria de poder econômico entre os Estados envolvidos.
Nesta situação, a efetividade da medida dependeria de desconsiderar a regra da
proporcionalidade entre o montante da sanção e dos prejuízos, o que não é bem
avaliado atualmente.
A concentração das sanções em benefícios para as empresas afetadas significaria
uma mudança de orientação lógica do sistema atual. Hoje, o sistema é fortemente
estatocêntrico, e os sujeitos de direito internacional envolvidos, sobretudo a
OMC, ignoram, via de regra, as empresas que sofrem os efeitos das medidas
impostas quando decidem os setores que serão afetados. O objetivo central é
atingir setores politicamente importantes, para induzir a conformidade à
decisão e não buscar compensação por meio das medidas.
A aplicação de multas pecuniárias ao Estado, com recursos destinados a um fundo
internacional, também significaria mudar a lógica do sistema, que hoje se
concentra sobre a suspensão de concessões comerciais e não envolve o orçamento
público. A medida dificilmente seria aplicada, por uma questão jurídica e outra
política. Juridicamente, poucos Estados têm mecanismos domésticos para efetivar
pagamentos de multas aplicadas por Organizações internacionais. Politicamente,
esta nova lógica suprime um dos principais benefícios do sistema atual, o
fortalecimento do Estado por meio das medidas externas e da criação de disputas
entre atores internos.
O efeito direto das decisões significa a possibilidade de o Judiciário dos
Estados dar efeito imediato à medida. É atraente para Estados que reconhecem a
preponderância dos tratados sobre normas internas, porque consideraria ilegais
normas posteriores contrárias aos compromissos firmados. No entanto, em outros
Estados onde esta relação entre o direito nacional e o direito internacional
não é tão clara, como no Brasil, poderia significar a ineficácia do sistema,
porque a vigência do tratado poderia ser considerada suspensa (ou mesmo
revogada) à luz da norma interna posterior. A efetividade das decisões
dependeria do grau de monismo ou dualismo de cada Estado, gerando insegurança
jurídica a todo o sistema. Além disso, o sistema dependeria da agilidade dos
judiciários nacionais, que seriam alvo de processos internos por vezes muito
mais morosos do que no âmbito multilateral. Em contenciosos como as Comunidades
Européias - Pneus, onde a condenação se deve à própria ineficiência do
Judiciário brasileiro em proferir em tempo razoável uma decisão definitiva, a
medida seria ineficaz.
Discute-se também a proposta de criação de um procedimento mais simplificado,
para atender a contenciosos envolvendo valores menos representativos, como
aqueles que afetam, sobretudo, Estados em desenvolvimento. Talvez seja uma
solução interessante, caso se adote procedimentos mais fortes para induzir o
cumprimento, como a sanção coletiva, além do limite dos prejuízos sofridos ou
outros mecanismos mais favoráveis aos países menos avançados.
Há um movimento importante, mesmo dos Estados Unidos em algumas ocasiões, para
a publicidade do processo de tomada de decisão e das audiências. O sistema
funciona de forma confidencial e, em alguns momentos, sequer os terceiros
interessados podem participar das audiências. No contencioso Comunidades
Européias - Hormônios, em função da importância social e sanitária do caso, a
pedido das partes, o OSC possibilitou a publicidade de uma audiência, mas se
trata de um caso raro. Os documentos apresentados e discutidos são muitas vezes
sigilosos e a publicidade poderia comprometer as informações. Em função dos
interesses políticos e econômicos envolvidos, há forte resistência dos Estados
contra esta idéia.
Alguns autores defendem ainda a composição de uma lista mais estável de
árbitros e o fim da exclusão automática do árbitro em função da sua
nacionalidade e das partes em conflito. Na prática, já se pode dizer que existe
certa estabilidade dos árbitros. As decisões do Grupo Especial nos anos
recentes demonstram que o respeito pelas interpretações anteriores e a
existência de certa organicidade, ainda que com alguma rotatividade de
árbitros.
A organicidade vem, sobretudo, do importante papel desenvolvido pelo
Secretariado, que na prática desenvolve as principais interpretações nos casos,
o que também merece críticas da teoria jurídica. Acusa-se os juízes de não
decidirem de fato, o que reduziria a importância principalmente do Órgão de
Apelações, o que de fato parece ocorrer em diversos casos (WIELER , 2000).
Por fim, seria possível e necessário que os membros do Órgão de Apelações
atuassem mais ativamente para a consolidação das posições da OMC no âmbito dos
tribunais supranacionais e mesmo nacionais, de forma a evitar resistências e
dar melhores condições para irradiar as posições da Organização. Atualmente, a
legitimidade jurídica tem sido adquirida a partir da força das retaliações
autorizadas e seria otimizada com a conscientização da importância do seu
conjunto normativo também pelo Judiciário de cada membro (WIELER , 2000).
Considerações finais
Assim, o direito e a prática da Organização Mundial do Comércio contribui para
uma nova dimensão no direito internacional contemporâneo. Novas metodologias de
ação, normas mais cogentes e uma nova lógica para solução pacífica de
controvérsias estão entre suas principais contribuições. Trata-se de um ramo do
direito internacional com um mecanismo de solução de controvérsias ágil, com
considerável efetividade e que tem conseguido aportar segurança jurídica a um
ramo do direito profundamente marcado por disputas políticas de natureza
econômica.
Esta experiência pode servir de inspiração para outros ramos do direito
internacional, que caminham por outros caminhos, ou com uma cronologia própria.
No entanto, enquanto prevalece esta evolução com velocidades diferentes de cada
subsistemas do direito internacional, uma evolução policrônica, o direito
internacional econômico acaba se impondo sobre outros subsistemas.
O novo cenário jurídico propõe também novas questões a serem enfrentadas. Certo
que tem um órgão de solução de controvérsias com relativa efetividade, mas
ainda está longe de neutralizar as assimetrias de poder entre Estados. Talvez
este seja o principal desafio para sua evolução, mas que somente irá ocorrer se
os próprios Estados mais poderosos se dispuserem a sacrificar mais seu poder de
ação em nome de maior segurança jurídica internacional.