A integração regional como mecanismo para provisão de bens públicos: uma
análise comparativa da agenda de segurança pública no Mercosul e na Comunidade
Andina de Nações
Introdução
Não raramente o processo de integração regional está presente nas proposições
acerca das políticas de desenvolvimento do continente latino-americano. Um
primeiro esforço foi empreendido pelos países do eixo andino que estabeleceram,
em 1969, o Pacto Andino, cujo objetivo era o de superar o atraso relativo de
seus membros por meio da liberalização comercial. A crise do petróleo dos anos
de 1970 e das dívidas interna e externa de grande parte dos países do
continente na década seguinte limitou as ações voltadas à integração regional
nesse período. Essa agenda foi retomada no início dos anos de 1990, com a
constituição do Mercado Comum do Sul (Mercosul) no eixo mais ao sul do
continente e com a reconfiguração do Pacto Andino, tornando-o uma Comunidade
Andina de Nações (CAN) em 19961. Esses esforços, conforme amplamente discutido
na literatura (Bielschowsky_2000; Domínguez_2013; Dabène_2009), estavam
voltados ainda para a liberalização comercial, agora estruturada no âmbito das
reformas neoliberais definidas pelo Consenso de Washington.
Muito se questiona sobre possibilidades e viabilidade desse processo para
países em desenvolvimento, tais como os latino-americanos. Ainda que os
objetivos iniciais dos blocos não tenham sido plenamente contemplados ou que
crises e oscilações tenham influenciado o desenvolvimento dos processos
(Malamud_2008; Gomez_Mera_2005; Dominguez 2013; Börzel_et_al._2013), os membros
do Mercosul e da CAN conseguiram consolidar estruturas burocráticas formais que
se tornaram importantes fóruns de negociação também de outras agendas de
interesse dos países-membro desses acordos. Isso é importante porque países que
têm proximidade geográfica geralmente estão diante de um grande número de
agendas cujo sucesso nas negociações pode gerar ganhos coletivos, a exemplo dos
casos ambiental, de saúde (especialmente relativa à erradicação de doenças
endêmicas), de segurança externa, combate ao contrabando, e tráfico de drogas,
pessoas e mercadorias, dentre outros. Essas agendas conformam os denominados
bens públicos regionais e sua configuração define o dilema social a ser
superado pelos países que dividem fronteiras, ou seja, a condição de vizinhos
"impõe" a necessidade de negociações para o provimento desses tipos de bens.
O argumento desenvolvido é o de que tanto o Mercosul quanto a CAN trazem
elementos importantes para que seus membros possam negociar e cooperar para o
provimento de bens públicos regionais. Esses elementos seriam aqueles apontados
por Olson_(1965) para que os membros de um grupo superem seus dilemas de ação
coletiva, quais sejam: o pequeno número de participantes, a assimetria de
capacidades econômica e política entre os membros e a existência de estruturas
institucionais que viabilizem o processo de negociação e monitoramento do
comportamento dos participantes.
Conforme brevemente explicitado, há um grande número de bens públicos
regionais. O presente artigo se concentra na agenda de segurança pública,
especificamente no combate a produção e comercialização de drogas. A escolha
desta possui um grau de aleatoriedade, mas pode ser justificada pela
importância da questão da produção e comercialização das drogas nas fronteiras
dos países-membro do Mercosul. Além disso, é importante observar que os quatro
membros da CAN são os maiores produtores mundiais de coca e, assim, muitos dos
problemas de segurança pública no continente sul-americano estão direta ou
indiretamente relacionados às drogas.
Comumente a literatura sobre os processos de integração sul-americanos aborda
prioritariamente a agenda comercial (Hummel_e_Mathis_2012; Malamud_2008;
Domínguez_2013). Propõe-se que, para além desta, tais processos podem ser
analisados, também, sob a perspectiva da negociação de outras agendas, que
visam a prover bens públicos tão distintos como a preservação ambiental, saúde
pública e segurança, dentre outros. Não se trata de mensurar se houve ou não o
provimento integral desses bens para os parceiros regionais, ou seja, no caso
em tela, se a produção e comercialização das drogas foram reduzidas ou
eliminadas. Trata-se tão somente de discutir outras dimensões da integração
regional, para além das negociações comerciais, de forma a lançar luz sobre os
mecanismos existentes nesses arranjos (Mercosul e CAN) que possam ser indutores
da cooperação para a superação dos dilemas de ação coletiva no âmbito regional.
Assim, será analisada a capacidade desses dois blocos de proverem o bem público
configurado nas ações de combate ao tráfico de drogas. Para tanto, o artigo
está estruturado em três seções além desta introdução e das conclusões. A
primeira apresenta a definição de bens públicos e a discussão de como os
acordos regionais podem contribuir para que os Estados-membro cooperem para o
provimento desses bens - no nosso caso, a segurança pública. Na segunda seção,
apresentam-se os acordos formais, bem como as ações empreendidas pelos membros
do Mercosul e da CAN no que se refere à segurança pública, especificamente no
combate ao tráfico de drogas. Na terceira, por fim, se discute como os acordos
regionais contribuíram ou não para o provimento desse bem público.
A integração regional como mecanismo para prover bens públicos
A discussão acerca dos bens públicos data, pelo menos, das contribuições de
David Hume em 1739 sobre common good, mas foi Samuelson, em meados do século
passado, que desenvolveu uma teoria mais estruturada sobre collective
consumption goods (Samuelson_1954), sendo possível identificar dois tipos de
bens: os privados e os públicos, distintos por suas características
intrínsecas. No primeiro caso, os consumidores manifestam o benefício esperado
do consumo do bem, por meio da sua disposição em pagar por eles, o que
possibilita às firmas obterem as receitas de sua comercialização, prevalecendo,
assim, a lógica do mercado.
Já no caso dos bens públicos, não é possível que os mecanismos de mercado sejam
utilizados, uma vez que estes se caracterizarem por terem o consumo não
excluível e não rival, o que impossibilita que as firmas aufiram as receitas
necessárias para viabilizar a oferta desses bens. A não exclusão do consumo
significa que não há a possibilidade de impedir um consumidor de ter acesso ao
bem, uma vez este ofertado. Além disso, todos os consumidores consomem a mesma
quantidade do bem. Essa condição configura o que os economistas chamam de
"falhas de mercado", uma vez que as firmas, por não terem mecanismos para
excluir consumidores, não têm como cobrar pelo consumo, ou seja, não têm como
extrair receita de sua oferta e, uma vez ofertados, o custo marginal desses
bens é constante e igual a zero não importando se um ou mais indivíduos vão se
beneficiar do seu consumo. Por outro lado, os consumidores adquirem quantidades
iguais de bem público, uma vez que não é possível que alguém obtenha somente
uma parte da iluminação pública, ou de segurança pública ou nacional, ou ainda
de ar puro.
Os bens públicos são usualmente providos pelos governos, que utilizam para isto
das suas receitas tributárias. Os ambientes regional ou internacional, que são
caracterizados pela ausência de governos, não contam com esse mecanismo para
prover a oferta desses bens (Pindyck_e_Rubinfeld_1999). Nesses níveis, os
Estados podem assumir, individual ou coletivamente, os custos do provimento
desses bens. Uma vez incorridos os custos iniciais, que determinam os custos
marginais, a quantidade do bem público a ser provida vai ser determinada pela
disposição dos Estados em revelar os benefícios esperados desse consumo, mesmo
na presença de caronas. Trata-se de definir estratégias que induzam os Estados
a cooperarem para assumirem os custos desses bens, ou seja, para que despendam
recursos escassos para o provimento de bens coletivos.
Estados tendem a não cooperar, sendo essa a estratégia dominante, conforme
usualmente expresso por meio do dilema do prisioneiro no modelo dos jogos.
Assim, não teriam motivo para expressar o benefício marginal do consumo, não
arcando, portanto, com os custos - fato que os torna caronas no consumo do bem.
É possível, contudo, que em determinadas situações os Estados revejam suas
relações de custo/benefício e cooperem. Essas situações estão relacionadas às
características do grupo e ao ambiente onde os Estados interagem.
Quanto às características, dois elementos são importantes: o tamanho do grupo e
sua composição. Pindyck_e_Rubinfeld_(1999) observam que quando os grupos são
pequenos, os indivíduos podem voluntariamente concordar em repartir os custos
dos bens. Em grandes grupos, os indivíduos ou Estados "assumem que suas ações
não são observadas e perseguem seus interesses sob o pressuposto de que os
outros não irão reagir" (Snidal_1985a, 52), e, nesse caso, a ação coletiva
gerará resultados subótimos. Oye_(1985) apresenta três fatores que
dificultariam/impediriam os Estados de cooperar quando estão inseridos em
grandes grupos: o aumento dos custos de transação e informação; a maior
probabilidade de defecção, de reconhecimento e controle e a menor possibilidade
de sancionar os dissidentes. Axerold_e_Keohane_(1985) dão ênfase à questão da
sanção. Para eles, o incentivo à cooperação está associado à capacidade dos
membros do grupo de imporem sanções sobre os dissidentes e essa capacidade é
condicionada pela possibilidade de identificá-los, estabelecer retaliações e
ter incentivos de longo prazo para puni-los. Nenhuma dessas condições é
facilmente obtida em grandes grupos, ou seja, a cooperação entre Estados para
prover bens públicos tem maior probabilidade de ocorrer na esfera regional que
multilateralmente. Por fim, Snidal_(1985b, 930) explora uma série de situações
nas quais o tamanho do grupo não obstaculizaria a cooperação e conclui que
"essas conclusões não são universalmente aplicáveis no momento em que a questão
não satisfaça a condição de bem público de não exclusão e não rivalidade".
A segunda característica do grupo relevante para a cooperação se refere às
assimetrias, em termos de capacidade econômica e política, de seus membros. A
presença de um participante com capacidade de assumir os custos do bem é um
elemento importante para equacionar o dilema de ação coletiva. Ou seja, caso o
benefício marginal de um dos participantes seja grande o suficiente para que
este arque integralmente com o custo do bem público a ser ofertado (que será
usufruído pelos demais participantes exatamente por ser um bem público), o
problema alocativo se resolve. Nesse caso, não existe oferta subótima deste
bem.
Olson_(1965) conjuga essas duas características dos grupos - tamanho e
assimetrias - e os estratifica em três subgrupos. No primeiro, que o autor
chama de privilegiado, o benefício marginal de um membro do grupo é de tal
ordem que esse assumiria todos os custos (fixos e variáveis) da produção do
bem. Nesse caso, os pequenos participantes exploram os grandes, ou seja,
aqueles com maior capacidade e que têm benefícios maiores com o consumo do bem
arcam individualmente com os seus custos, o que faz com que as assimetrias
sejam determinantes para o provimento do bem. O segundo subgrupo se caracteriza
pela inexistência de assimetrias, ou seja, o benefício auferido pelo consumo do
bem não justifica, para nenhum indivíduo, incorrer nos custos de seu
provimento; mas a não contribuição para os custos e os benefícios auferidos
pelos demais é de tal ordem que não é possível estabelecer a priori se o bem
será ou não ofertado. Nesses casos, que Olson chama de grupo intermediário, tem
"que existir, pelo menos, coordenação ou organização tática. Além do mais,
quanto maior o grupo mais necessário se torna o acordo e a organização" (Olson
1965, 41). No terceiro subgrupo, temos o caso em que os benefícios do consumo
não são suficientes para incentivar a contribuição dos indivíduos para
assumirem os custos, ou seja, em grandes grupos, os bens públicos não serão
providos. Nesse caso, nem acordos ou outra forma de organização é possível,
tendo em vista os custos para estabelecer tais acordos para um número grande de
participantes.
Por fim, no que se refere ao ambiente no qual os participantes estão inseridos,
Axerold_e_Keohane_(1985, 238) observam que "qualquer interação tem lugar dentro
de um contexto de normas que são divididas, frequentemente implicitamente". Os
arranjos regionais configuram essa estrutura de normas implícitas ou formais,
onde uma ampla gama de agendas se entrelaça configurando a matriz de custos/
ganhos dos Estados. As estruturas institucionais podem, ainda, conforme propõem
os autores (1985, 232), "prolongar a sombra do futuro", ou seja, "quanto mais
valorizado o futuro payoff relativo ao corrente, menores os incentivos para não
cooperar hoje - desde que o outro lado é mais propenso a retaliar amanhã". A
existência de estruturas institucionais regionais, mesmo aquelas nos quais o
foco seja a liberalização comercial, pode contribuir para que os Estados
cooperem para prover outros bens públicos, tais como segurança pública. Assim,
as relações estabelecidas entre os participantes para o provimento de um bem
não se esgota, muitas das vezes, no próprio bem e pode ser um elemento
importante para o provimento de outros.
Considerando que o Mercosul e a CAN têm quatro membros cada um (a Venezuela se
retirou da CAN em 2006 e ingressou no Mercosul em 2012)2 e que, a despeito de o
Brasil ter um PIB que é quase a metade do PIB dos demais países da América do
Sul somados, bem como de a Colômbia ter mais da metade (55%) do PIB da região
andina, coloca-se a hipótese geral que fundamenta esse estudo, a saber: os
Estados cooperam para o provimento de bens públicos por meio dos processos de
integração regional, especialmente no caso do continente sul-americano, porque
nessa esfera estão presentes elementos importantes para a solução desses
dilemas de ação coletiva, que são: 1) o pequeno número de participantes e 2) a
existência de uma estrutura institucional que estabelece as regras e garante a
continuidade das interações entre os participantes. Por se tratar de países em
desenvolvimento, ou seja, por terem fortes restrições em termos de
disponibilidade de recursos humanos e materiais, supõe-se que nenhum membro dos
acordos estaria disposto a arcar isoladamente com os custos do bem público.
Assim, ambos os grupos - Mercosul e CAN - configurariam grupos intermediários,
segundo a hipótese, para os quais as estruturas institucionais seriam o
elemento central para viabilizar a cooperação de seus membros. A existência
desses elementos não garante que os bens públicos regionais sejam providos em
quantidades eficientes, ou seja, não exclui a possibilidade de existência de
caronas. Possibilita, tão somente, que os bens sejam providos, mesmo em
quantidades subótimas.
A estrutura institucional e as ações desenvolvidas no âmbito do Mercosul e da
CAN relativas à segurança pública
Conforme explicitado anteriormente, considera-se, hipoteticamente, que, a
priori, o Mercosul e a CAN podem ser considerados grupos intermediários,
significando que só conseguiriam produzir um bem coletivo se houver organização
interna, ou seja, se houver estruturas institucionais para equacionar seus
dilemas de ação coletiva, conforme proposto por Olson_(1965). A análise é
pautada nas estruturas institucionais formais responsáveis por conduzir a
agenda de combate aos ilícitos, especialmente, ao tráfico de drogas nos dois
blocos. Além das estruturas burocráticas analisam-se, ainda, os acordos
celebrados pelos membros dos blocos no tocante a esta agenda e,
sequencialmente, busca-se identificar os avanços, materializados nas ações
empreendidas de forma conjunta pelos países membros dos dois acordos regionais
relativamente ao combate ao tráfico de drogas.
As estruturas formais atinentes à agenda das drogas
A instância máxima de deliberação do Mercosul - o Conselho do Mercado Comum
(CMC) - instituiu a "Reunião de Ministros", cuja função era "avançar na
elaboração de mecanismos comuns, para aprofundar a cooperação nas áreas de sua
competência" (CMC/DEC. nº 7/1996). Dentre essas áreas, está aquela afeita à
segurança pública, conduzida pelas "Reuniões dos Ministros do Interior e
Justiça" (RNI). Essas Reuniões são presididas pelo ministro do Estado-parte que
exerce a presidência pro tempore do Mercosul - as sessões ordinárias ocorrem
semestralmente e suas proposições são submetidas ao CMC. O regimento interno da
RNI prevê a existência de uma Comissão Técnica responsável pela proposição,
execução e supervisão de acordos, além da constituição de diversos Grupos de
Trabalho Especializados, dentre eles: Delituoso; Capacitação; Informática e
Comunicação.
A estrutura institucional da CAN, por sua vez, tem o Conselho Presidencial
Andino, instância deliberativa máxima, e o Conselho Andino de Ministros de
Relações Exteriores como órgão legislativo e também responsável pela formulação
e execução das políticas comunitárias. A CAN conta, ainda, com os conselhos
assessores (na esfera ministerial), os comitês técnicos, os grupos assessores
ad hoc e as mesas, como instâncias consultivas, que municiam o Conselho de
Ministros de proposições para a integração.
Identifica-se, assim, uma importante diferença nas estruturas institucionais
dos dois blocos. No Mercosul, a conformação das agendas a serem negociadas são
propostas por uma instância "especializada" na agenda, que é a Reunião de
Ministros - nesse caso do Interior e Justiça - e levada para aprovação do CMC.
Na CAN, essa instância "especializada" é constituída a partir de decisão
emanada do Conselho de Ministros das Relações Exteriores. Assim, as negociações
em uma agenda se iniciam nesta instância e são "desenvolvidas" pelos conselhos
assessores e comitês técnicos designados para esse fim. Em síntese, enquanto no
Mercosul a agenda é negociada de "baixo para cima", na CAN a estrutura é
inversa. Isso sugere maior perenidade nas ações do Mercosul, dada a
possibilidade de continuidade nas negociações das agendas e o fato de que essas
são estabelecidas por indivíduos que atuam em seus países em áreas diretamente
relacionados ao tema.
Quanto aos acordos celebrados, o Mercosul vem, desde o final dos anos de 1990,
criando estruturas formais para viabilizar a cooperação na área de segurança
pública regional (CMC/DEC nº 5/1998, 22/1999, 13/2001, 35/2004 e 16/2006). O
primeiro acordo (1998) previa um conjunto de ações que se fundamentavam em três
pilares, a saber: 1) as atividades de fiscalização, investigação e
inteligência; 2) a troca de informações; e 3) a realização de operações
conjuntas das forças policiais nas fronteiras dos Estados-membro (CMC/DEC nº 5/
1998) Em 1999, esse acordo foi substituído por outro que explicitava os
mecanismos para a constituição do sistema de informações e como as operações
policiais conjuntas deveriam ser estruturadas. Esse plano sofreu modificações e
complementações em 2001 (CMC/DEC nº 13/2001) quando foram estabelecidas, entre
outras coisas, as funções dos Grupos de Trabalho (GT), especialmente daquele
que trataria da rede de informações. Novamente em 2004, os membros do Mercosul
celebraram outro acordo, por sua vez substituído em 2006, e ambos aprimoravam
os mecanismos de intercâmbio de informações e de realização de operações
conjuntas (diligências) a serem realizadas pelos países membros. Por fim, em
2010 os membros do Mercosul estabelecem um acordo específico para a criação de
equipes conjuntas de investigação, reforçando a importância dessas ações
policiais para o combate aos ilícitos no âmbito regional. Importante observar
que os acordos celebrados no período de 1998 a 2006 tiveram, além dos membros
do Mercosul, a Bolívia e o Chile como signatários. Os acordos de 2006 e 2010
tiveram, além destes, a Colômbia, o Equador, o Peru e a Venezuela como Estados
associados3.
A CAN estabeleceu, em 2001, o Plano Andino de Cooperação para a Luta contra
Drogas, cuja base era a criação de um Comitê Executivo que proporia os
parâmetros para a política de combate às drogas na região (CAN 2001). Não foram
identificadas ações ou propostas advindas desse Comitê Executivo, o que permite
supor que este Comitê efetivamente não foi instituído, a despeito de ser o
elemento central para a formulação da política regional. Essa normativa previa,
ainda, um programa de ação baseado em estratégias nacionais, binacionais e na
esfera comunitária. Nesta, as ações previstas em muito se assemelham àquelas
propostas no Mercosul, quais sejam: a troca de informações, a capacitação de
recursos humanos e a execução de operações policiais conjuntas (CAN 2001). Esse
plano não foi alterado ou substituído por outro, sendo vigente até o momento.
As ações previstas não foram objeto de regulamentações e/ou implementação em
nenhuma das três dimensões propostas.
Ações para combater a produção e comercialização das drogas
Nesta seção são analisadas as ações referentes aos três eixos que estruturam os
acordos relativos à segurança pública no Mercosul e na CAN, a saber: atividades
de fiscalização, investigação e inteligência; troca de informações; e as
operações policiais conjuntas nas fronteiras dos Estados-membro.
As atividades de fiscalização, investigação e inteligência
Desde o primeiro acordo de segurança (1998) estabelecido no Mercosul, essas
atividades estiveram contempladas e o objetivo era "otimizar, no marco
regional, os sistemas de capacitação dos organismos competentes na segurança
regional, a fim de obter um adequado nivelamento dos recursos humanos" (CMC/DEC
nº 5/1998). As ações propostas visavam à formação de recursos humanos por meio
de capacitação, troca de experiências e realização de cursos, congressos e
encontros que tratassem dos diversos temas da segurança regional. A consecução
desses objetivos por si só já poderia ser considerado como bens públicos, uma
vez que a coordenação e a capacitação das forças policiais dos países-membro é
um importante benefício do processo de integração regional.
A normativa referente a essa agenda foi progressivamente reformulada e
aperfeiçoada, o que culminou com a criação, em 2000, do Centro de Coordenação
de Capacitação Policial do Mercosul (CCCP) (CMC/DEC nº 16/2000)4. Os recursos
humanos e materiais necessários para a capacitação de pessoal seriam providos
pelos Estados que oferecessem os cursos, seminários e outras atividades de
qualificação policial e as despesas de deslocamento e custeio ficariam a cargo
do país de origem dos policiais. No período de 2001 a 2009, foram ministrados
21 cursos5 - somente no ano de 2007 foram ofertados 8 deles, o que indica
grande irregularidade na oferta. Destes 21, o Brasil ofertou 9 e a Argentina,
6; o Uruguai e o Chile, 2 cursos cada; e a Venezuela e o Paraguai, 1 cada.
Nenhum dos membros associados do Mercosul e pertencentes à Comunidade Andina
ofereceu cursos, contudo participaram de muitos deles (CCCP 2013).
A partir do exposto nas atas de reunião do GT Capacitação, pode-se avaliar os
esforços dos membros do Mercosul para consolidar um sistema para capacitar as
forças policiais. Desde o início de suas atividades, esse GT vem discutindo
como viabilizar um sistema de informação quanto aos cursos ofertados e aqueles
necessários para a capacitação policial. Em 2003, o GT reconheceu a necessidade
de criar um site para viabilizar o fluxo de informações, o que ocorreu somente
em 2008. Outra atividade desenvolvida foi a elaboração de uma revista com
artigos sobre as atividades de segurança pública na esfera regional. Essa
proposta foi feita em 2006 e em junho de 2007 foi lançado o primeiro número
dessa revista cujo nome é Mercopol. A revista tem periodicidade anual, está em
seu quarto número e se encontra disponível na página do Mercosul.
Diferentemente do Mercosul, o acordo regional da CAN celebrado em 2001 não
criou uma estrutura, mas incorporou e reforçou as ações de capacitação policial
já existentes na esfera regional e estruturadas pela Escuela Regional Andina de
Inteligencia Antidrogas (Ercaiad), que havia sido criada em 1999. Essa
instituição esteve sediada na Dirección Antidrogas de la Policía Nacional de
Perú (Dirandro) e tinha como objetivo principal promover cursos de capacitação
policial dos países-membro, sendo eles: Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia,
Equador, Peru e Venezuela. Segundo o Ercaiad (2013), no período de 2000 a 2011,
mais de 1.500 funcionários de corpos de polícia e dos organismos de segurança
dos países membros passaram por cursos de capacitação. Em 2011, as forças de
segurança da Colômbia se tornam responsáveis pelas atividades da Ercaiad, que
passou a se denominar Escuela Regional de la Comunidad Americana de
Inteligencia Antidrogas, mantendo a mesma sigla de sua antecessora andina.
Nessa ocasião, a escola deixa de ser andina e passa a ter dimensão continental,
ficando sob a égide da Comissão Interamericana para o Controle e o Abuso de
Drogas da Organização dos Estados Americanos (Cicad/OEA). Dessa forma, a CAN
não tem um instrumento regional de qualificação de suas forças policiais nos
moldes da CCCP do Mercosul. Os cursos de qualificação são providos na esfera da
OEA, ministrados por especialistas provenientes de Canadá, França, Alemanha,
Espanha, Suécia e Estados Unidos, bem como por organizações como a Interpol e a
United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC) (Ercaiad 2013).
Operações conjuntas das forças policiais
A realização de operações policiais conjuntas nas fronteiras dos países-membro
do Mercosul foi considerada uma ação importante desde os primeiros acordos de
segurança de 1998, 1999 e 2000 e, para tanto, por decisão do CMC, criou-se o
Grupo Especializado de Trabalho "Âmbito Delituoso" - GT Delituoso (CMC/DEC nº
20/2000).
Não foi identificada a existência de relatórios que agregassem as atividades
policiais realizadas de forma conjunta pelos membros do Mercosul. Assim,
apurou-se, a partir das informações obtidas nas atas de reunião do GT
Delituoso, as ações desenvolvidas nessa agenda. Essas atas são referentes aos
anos de 2006 a 2013 e nelas foi identificada a ocorrência de 35 operações
conjuntas no ano de 2006 entre os membros do Mercosul, a Bolívia e o Chile6. Em
2007, o CMC aprovou uma resolução do RMI que estabelecia uma "Planilha
Semestral das Operações Coordenadas" para o segundo semestre de 2007, que se
pautava nos "Puntos de Frontera de Interés Acordados".7 Nessas áreas se
realizariam ações policiais conjuntas e é com base nelas que foram levantadas,
por meio das atas, as ações que ocorreram nos anos de 2007, 2009 e 2010.
Em 2007, houve 46 operações conjuntas. Em 2009 e 2010, o número dessas
operações caiu para menos da metade - 22 e 21, respectivamente. É interessante
observar que a Argentina faz fronteira com somente cinco membros ou Estados
associados do Mercosul e se dispôs a realizar 45% do total dos "Puntos de
Frontera de Interés Acordados". Em contrapartida, o Brasil não tem fronteiras
somente com o Chile e Peru e estabeleceu pouco mais de um terço desses pontos.
No que se refere às operações realizadas, o Brasil participou de somente 6,
todas elas com a Argentina, que por sua vez participou de todas as 21
realizadas naquele ano.
Além dessas participações relativas, cabe registrar a riqueza de detalhes na
descrição das ações realizadas, com a inclusão de mapas e croquis dos locais
onde ocorreram, o número de policiais envolvidos e os ilícitos combatidos
(drogas e armas, dentre outros). As atas trazem, ainda, informes quanto ao
andamento de ações relativas aos mais diversos crimes, como ambientais, tráfico
de pessoas, roubo de cargas e crimes cibernéticos, dentre outros. e troca de
informações e sugestões acerca de aspectos administrativos e operacionais que
imprimam eficiência à cooperação entre os países participantes.
O Plano Andino de Cooperação para a Luta contra Drogas (2001) previa somente o
estreitamento da coordenação entre as autoridades nacionais envolvidas com a
luta antidrogas. O compromisso dos países andinos se restringiu a designação de
funcionários nacionais que desempenhariam as funções de enlace das respectivas
entidades com as equivalentes dos outros países.
Sistema de informações
O sistema de informação do Mercosul foi estruturado por meio de acordos
formais, que previam, entre outras questões, a organização e funcionamento do
Sistema de Intercâmbio de Informação de Segurança (Sisme) do Mercosul.
O regulamento referente ao Sisme foi acordado em 1999 e previa a existência de
"nós" ou "nodo nacional", significando que cada país deveria criar uma
estrutura de centralização de informações de segurança, e de "nós usuário", que
são os órgãos ou entidades que utilizariam essas informações (CMC/DEC nº 25/
1999 e nº 36/2004). A implantação desse sistema implica a articulação de
sistemas de acesso à informação por redes de computadores e a garantia de
segurança de dados que um sistema desse tipo requer.
As reuniões desse GT sempre iniciam com os informes de cada país participante
acerca dos progressos e dificuldades de operacionalização do Sisme, o que acaba
por conferir um caráter extremamente técnico ao conteúdo das referidas atas.
Contudo, é notável como em reuniões muito próximas temporalmente são marcantes
os avanços efetuados e o grau de interação dos participantes no sentido de
apontar as dificuldades de acesso ao sistema de informação de outros membros.
O Plano Andino de Cooperação para Lutas Contra as Drogas (2001) também
reconhecia a necessidade de se constituir uma rede de informações acerca das
atividades relativas às drogas. Contudo, os membros desse acordo estabeleceram
tão somente o compromisso de fortalecer o intercâmbio de inteligência, de forma
a ampliar os mecanismos de comunicação existentes. Esses mecanismos se referem
especialmente a Red Interamericana de Telecomunicaciones para el Control de
Drogas (RETCOD), que é estruturada no âmbito da OEA especificamente pela
Comisión Interamericana para el Control del Abuso de Drogas (Cicad). Não foi
identificado no site da OEA ou da Cicad atividades relativas a evolução da
RETCOD, o que leva a considerar que não existe um sistema eficiente e em
funcionamento relativo à troca de informações sobre o combate às drogas entre
os países membros da CAN.
Uma avaliação das contribuições do processo de integração regional para a
consolidação da agenda de segurança pública
Conforme apresentado, as atividades de fiscalização, investigação e
inteligência tinham como eixo central a qualificação conjunta das forças
policiais. A conformação de cursos, seminários e atividades de troca de
experiências demanda, por suposto, a existência de uma estrutura institucional
que se responsabilizasse pela oferta dessas atividades com alguma periodicidade
e que, conforme proposto em ata do GT Capacitação, deveria ser capaz de
promover a "elaboração de um referencial teórico metodológico e criação de um
centro virtual orientado para a reflexão conjunta de gestores e especialistas,
o intercâmbio de informações, experiências e práticas e produção de
conhecimento" (MERCOSUR/RMI/CT/CAP ATA nº 06/2008, Reunião de GTE Capacitação).
Essas condições não foram criadas nem no Mercosul ou na CAN. No primeiro caso,
os membros criaram o CCCP, que não dispõe de sede própria, professores
permanentes, dotação orçamentária, programação de cursos e seminários e, talvez
mais importante, não desenvolveu uma estrutura pedagógica relativa à formação
teórica, metodológica e empírica para fundamentar os cursos e demais atividades
que poderiam/deveriam ser desenvolvidas. A CAN se absteve de criar essa
estrutura e recorre àquela oferecida no âmbito da OEA. Esta pode ter sido uma
escolha estratégica diante dos resultados demonstrados pela Ercaiad, quando
ainda era uma "escola" com dimensões andinas.
A conformação de estruturas institucionais para a capacitação policial requer
um expressivo volume de recursos humanos e materiais, algo que nenhum membro,
nem do Mercosul ou da CAN, parece estar disposto a ofertar na dimensão
comunitária. Dessa forma, não é possível afirmar que haja um efetivo esforço de
cooperação nesse tema da agenda de segurança pública em nenhum dos dois
arranjos regionais. Contudo, há de se observar que o Mercosul apresenta alguns
avanços relativos à CAN devido à criação do CCCP.
A análise dos arranjos cooperativos no tema das operações policiais conjuntas
deve levar em consideração a complexidade dessa atividade. A realização de uma
operação policial envolve a mobilização de agentes das polícias federais,
estaduais e ambientais dos países, bem como de agentes de fiscalização
sanitária e de aduana, promotores públicos e até mesmo juízes. Além disso, a
eficácia dessas ações depende da viabilidade de se constituir e utilizar para
fins criminais as provas que configuram os delitos praticados, assim como a
legalidade da eventual prisão dos envolvidos. As diversas revisões dos acordos
regionais relativos ao tema no Mercosul tinham por objetivo constituir as
condições jurídicas para viabilizar as ações policiais e dar efeito aos
resultados.
Conforme demonstrado, os membros do Mercosul superaram as dificuldades
relativas a essas operações policiais, definindo até mesmo pontos de fronteiras
comuns que seriam palco dessas ações. Contudo, identificou-se falta de
sistematização dessas operações conjuntas ao longo dos anos, bem como o
relativo baixo número dessas ocorrências diante da extensa fronteira partilhada
pelos membros do acordo regional.
Não foram identificadas ações concretas por parte dos membros da CAN relativas
à mobilização de suas forças policiais e de segurança no sentido de combater o
tráfico de drogas de forma conjunta em suas fronteiras.
Por fim, a constituição de um sistema de informação pode ser importante para
aumentar a eficiência das ações de segurança. Relativamente aos outros temas da
agenda, a estruturação de uma rede de informações claramente demanda menos
recursos humanos e materiais dos países participantes. Mesmo assim, não foram
identificadas ações empreendidas pelos membros da CAN nessa questão uma vez
que, como previa o acordo de 2001, participar de uma rede interamericana é bem
diferente de construir uma rede composta pelos membros do acordo sub-regional.
Por outro lado, o Mercosul constituiu o Sisme, que ainda está em fase de
estruturação.
Dessa forma, pode-se considerar que há diferenças consideráveis no
desenvolvimento da agenda de combate às drogas entre os dois agrupamentos
regionais. A despeito de ambos proverem quantidades subótimas do bem público,
uma vez que a produção e comercialização das drogas ainda é uma realidade na
região, comparativamente, o Mercosul tem evoluído mais que a CAN no sentido de
estabelecer acordos mais adequados para viabilizar a condução da agenda, além
de empreender ações mais efetivas para o combate ao tráfico. É possível
identificar, assim, que os membros do Mercosul têm reafirmado seus compromissos
com a cooperação regional para prover, mesmo que em quantidades subótimas, o
bem público do combate às drogas.
A CAN não só não tem evoluído na construção dessa agenda, como tem
"transferido" para outras estruturas institucionais - tais como a OEA e a União
Europeia8 - a condução de importantes temas da agenda de segurança pública.
Considerando que o Mercosul e a CAN têm o mesmo número de membros, as
diferenças na condução da agenda podem ser atribuídas às eventuais assimetrias
entre os membros e/ou as estruturas institucionais, uma vez que estes são os
elementos determinantes para que um grupo equacione seus dilemas de ação
coletiva (Olson_1965).
Conforme discutido, o Brasil e a Argentina têm contribuído para as ações
relativas à capacitação das forças policiais e às operações policiais conjuntas
nas fronteiras e, acredita-se, para a elaboração e revisão dos acordos formais
que formatam essa agenda. Não parece, contudo, que estes dois países estejam
despendendo recursos humanos e materiais em ações nas quais não sejam
diretamente beneficiados. Assim, eles podem estar limitando sua contribuição
para o bem público regional na medida em que dele usufruam diretamente, ou
seja, as operações policiais que mantêm são aquelas que ocorrem em suas
fronteiras e as capacitações que ofertam a seus vizinhos são aquelas já
definidas para seu público interno. É importante observar que nessas condições,
mesmo que em quantidades subótimas, o bem público é provido - ou seja, mesmo
que o Brasil e/ou a Argentina não arquem sozinhos com a totalidade dos custos
envolvidos com o combate às drogas na região, o fato de se disporem a oferecer
ao Paraguai e ao Uruguai os cursos de capacitação, de desenvolverem o Sisme e
de contribuírem para as operações conjuntas indica que a assimetria, em termos
econômicos, pode ser importante para a consolidação de agendas regionais.
Assim, o Mercosul não pode, em alguma medida, ser considerado um grupo
intermediário na categorização proposta por Olson_(1965) no que se refere à
agenda de combate às drogas, especificamente devido às contribuições de Brasil
e da Argentina para a agenda, não confirmando a hipótese ora proposta de que o
bloco poderia ser assim qualificado.
Contudo, é possível que a existência de instâncias como a Reunião de Ministros
do Interior e Justiça do Mercosul, composta por indivíduos que são responsáveis
pela condução do tema no nível doméstico, seja um fator importante para a
consecução da agenda. A perenidade das reuniões e, assim, de proposições e
ações da Reunião de Ministros do Interior e Justiça pode estar relacionada à
importância da agenda de segurança regional. Existem muitas outras agendas para
as quais essa instância propositiva (Reunião de Ministros) sequer se reúne, ou
seja, o estabelecimento formal dessas estruturas não garante por si só o
provimento de inúmeros outros bens públicos regionais.
As discrepâncias entre os dois blocos podem ser oriundas de diversas
explicações possíveis, tais como, por exemplo, insuficiência do modelo ou
existência de fatores específicos da agenda. Embora não tenha sido propósito da
pesquisa investigar quais poderiam ser esses fatores, pode-se sugerir algumas
possibilidades para investigação futura. Uma delas se refere às especificidades
da agenda. O fato de que toda a pasta de coca consumida no mundo ser produzida
pelos membros da CAN, bem como dos inúmeros problemas relacionados às drogas,
pode induzir atores externos a contribuírem para as políticas de erradicação da
produção nesses países, por exemplo. Assim, considerar-se-ia o papel da OEA, da
União Europeia e dos Estados Unidos9 na estratégia de combate à produção e
distribuição da cocaína na região. Mesmo não tendo estabelecido uma gama de
acordos formais e ações efetivas no que se refere à capacitação policial,
sistema de informação e operações conjuntas, conforme se propuseram no Plano de
2001, os membros da CAN podem estar usufruindo desse bem público, mesmo que em
quantidades subótimas, na condição de caronas. Essa possibilidade está
condicionada ao fato de que essas instituições externas ao bloco podem estar
assumindo os custos do provimento do bem. A contribuição de atores externos no
provimento de bens públicos pode ser, assim, outro elemento para análise dos
dilemas de ação coletiva, agregando essa variável ao modelo de Olson.
Sugerimos, assim, para pesquisas futuras, a análise de como as características
das agendas que são negociadas e as possíveis contribuições que atores
externos, com interesses claros na agenda, têm em influir nas negociações e no
provimento de bens públicos regionais. Os estudos de caso para outras agendas e
arranjos regionais podem contribuir para agregar ao modelo de Olson, além do
número de atores, assimetrias e ambiente, as variáveis "características das
agendas" e "atores externos ao arranjo regional".
Considerações finais
O Mercosul e a CAN foram criados com o objetivo de promover o desen volvimento
econômico e social dos países-membro e, para tanto, se propuseram a criar
condições para a liberalização das relações comerciais. Até o momento, ambas
são uniões aduaneiras imperfeitas e isso tem levado analistas a considerarem as
possibilidades da integração regional de países em desenvolvimento. Entretanto,
as dificuldades na agenda comercial não têm impedido que outras agendas sejam
incorporadas e que as negociações evoluam de forma a viabilizar o provimento de
outros bens públicos na esfera regional.
O argumento que pauta esse artigo é o de que a integração regional pode ser um
mecanismo eficiente para prover bens públicos, uma vez que a cooperação pode
ser a estratégia dominante devido ao baixo número de participantes, as
assimetrias existentes entre os membros e as estruturas institucionais que
configuram as relações regionais. Não há, contudo, garantias de que os acordos
regionais viabilizarão o provimento em quantidades ótimas de bens públicos, uma
vez que isso depende dos interesses políticos e econômicos dos membros nas
diversas agendas em diferentes momentos.
O combate ao tráfico de drogas, de pessoas e de ilícitos em suas diversas
formas é, sem dúvida, uma importante tarefa para os governos de qualquer país.
A definição de estratégias e a disponibilidade de recursos humanos e materiais
para o combate aos ilícitos é função essencial dos governos. Contudo, devido ao
caráter transnacional de muitos deles, bem como da sempre presente escassez de
recursos, é racional que os governos busquem cooperar com seus vizinhos no
sentido de dividir os custos das ações de segurança.
Outra conclusão é que, apesar de alguns avanços, muito há de se fazer para
consolidar a agenda de segurança pública tanto no Mercosul quanto na CAN. As
ações empreendidas até o presente momento não são suficientes, considerando a
gravidade e a urgência da questão na região. A carência de recursos e a
consolidação de uma estrutura institucional mais robusta que possibilite a
coordenação e a perenidade das ações acordadas são as principais limitações
para esta agenda. É importante observar que as ações cooperativas se dão no
escopo de estruturas administrativas pouco institucionalizadas como é o caso
das Reuniões de Ministros do Interior do Mercosul e do Conselho Andino de
Ministros das Relações Exteriores da CAN, que se reúnem sob os auspícios do
país que exerce a presidência pro tempore dos blocos.
Contudo, um breve levantamento (OEA 2012; UNASUL 2012) possibilita identificar
que, se comparamos essas ações de segurança pública implementadas no âmbito do
Mercosul e da CAN com aquelas que deveriam ser adotadas sob o escopo de
instâncias multilaterais tais como a ONU, a OEA ou ainda a UNASUL, a cooperação
se releva mais provável na dimensão regional, provavelmente porque em grandes
grupos a probabilidade dos participantes equacionarem seus dilemas de ação
coletiva é muito baixa (Olson_1965). Em todas essas instâncias existem acordos
de cooperação na área de segurança pública e também em todas há a clara
manifestação de que os recursos materiais serão provenientes dos próprios
países e que a ausência desses é um obstáculo para a consecução da agenda.
Sendo assim, corrobora-se a perspectiva analítica de que o Mercosul e a CAN, a
despeito de suas muitas limitações, são, ainda, o instrumento com maior
potencial para viabilizar a cooperação para o enfrentamento dos desafios da
segurança pública.
Por fim, sugere-se aos estudiosos de integração regional aprofundarem-se em
questões relativas ao caráter de bem público que caracterizam os "bens
regionais" e a possibilidade de comparar casos distintos e avaliar com maior
precisão os esforços empreendidos nos processos de integração, analisando
outras agendas e identificando, por exemplo, prováveis líderes regionais
(membros com disposição em arcar com os custos dos bens públicos) e apontando
suas principais limitações. Essa estrutura analítica possibilita, ainda,
entender o processo de integração como um somatório de agendas, que têm
diferentes evoluções, mas que na essência existem para prover bens públicos
para seus participantes.