A ciência nas utopias de Campanella, Bacon, Comenius, e Glanvill
As narrativas utópicas podem ser consideradas como um gênero literário que
ganha fama com a obra de Tomas Morus, em 1516. Sua Utopia tinha uma série de
antecedentes, entre eles o Timeue a República de Platão. Também a história
medieval está repleta de relatos descritivos do reino divino instaurado sobre a
terra, sem contudo situar essas sociedades ideais num futuro histórico. De
forma geral, as utopias antigas e medievais são escritas como modelos eternos
para o comportamento humano, enquanto as utopias modernas projetam a sociedade
ideal como um estágio do progresso (Hansot, 1974). Estas referem-se a um
momento no futuro ou um lugar que já alcançou as transformações desejadas. Tais
narrativas deixam antever o que seria uma renovação total, e assim sinalizam
(senão reivindicam) uma condição diferente para o homem.
A concepção de progresso que caracteriza a modernidade está intimamente
associada ao avanço do conhecimento técnico e científico. Ou seja, não é no
terreno moral, político ou religioso que o conhecimento vai sendo percebido
como progressivo, mas nas ciências e nas artes.1 Por isso interessa perscrutar
mais de perto as idealizações desses avanços em quatro importantes narrativas
utópicas do início da modernidade: a Cidade do Sol (1623) de Tommasio
Campanella, a Nova Atlântida (1627) de Francis Bacon, a Panorthosia (1657) de
Comenius e o Complemento à Nova Atlântida de Glanvill (1675).
Essas narrativas podem ser analisadas sob diversos aspectos. A perspectiva aqui
adotada é de análise da formação do imaginário científico, ou seja, da
representação das expectativas acerca da ciência. Trata-se de tentar
compreender como a filosofia da natureza foi sendo associada com algumas noções
que, à princípio, lhe eram estranhas, como, por exemplo, a de utilidade e de
poder de transformação da natureza. Trata-se também de ver como as artes e
ciências naturais passaram a ser tomadas como modelo cognitivo e seu
desenvolvimento como promessa de salvação.
As utopias são um tipo de produção intelectual especialmente rico para este
tipo de análise, graças ao seu alcance e repercussão. Elas foram escritas para
um público muito mais amplo do que aquele que lia os ensaios ou tratados
filosóficos. As narrativas utópicas pretendem suscitar desejos e instigar a
reflexão com a divulgação de suas propostas, cumprindo a recomendação de Mateus
com que Morus abre o segundo livro de sua Utopia: "O que vos digo em voz baixa
e ao ouvido, pregai-o em voz alta e abertamente". Esses escritos costuram, com
arte e subterfúgios, diferentes tipos de desejos numa linguagem acessível a uma
ampla gama de leitores, permitindo diferentes níveis de leitura. Assim como os
discursos políticos que combinam idéias com imagens têm mais aceitação e apelo,
as narrativas utópicas ajudam a tornar mais palatável novas visões e propostas
ousadas, mobilizando leitores e incentivando a realização de uma nova ordem.
É razoável supor - e essa foi nossa hipótese de trabalho uma importância
progressiva da ciência nestas sociedades idealizadas, não apenas entre os
poucos anos que separam as utopias de Campanella e Bacon, mas sobretudo entre
este dois autores do início do século XVII e dois defensores do programa
baconiano de reforma do conhecimento, na segunda metade daquele século. Para
tanto, nosso foco se concentra na concepção e no papel que a filosofia da
natureza ocupa nessas sociedades utópicas, que abordamos com as seguintes
questões: Quais são os objetivos do conhecimento almejado? Como são encarados
os erros e a busca de sua superação? Que papel a ciência ocupa em sua
organização social? Como esse tipo de conhecimento se relaciona com os outros
saberes? Como são abordados os instrumentos e seus inventores?
Ao tomarmos como pano de fundo a Utopia (1516) de Thomas Morus, vemos
sobressair no imaginário utópico do século XVII o interesse pelas técnicas e
ciências e a aposta no desenvolvimento da filosofia natural como um
conhecimento socialmente útil. Como se sabe, na ilha do humanista inglês as
virtudes epicuristas e cristãs se conjugam numa reforma racional da vida social
e política que torna o Estado justo, fraternal e democrático, garantindo o fim
da opressão e a liberdade religiosa. Riquezas e avidez são vistas como fonte de
injustiças e, portanto, afastadas do ideal de uma vida simples e frugal. O ócio
da nobreza e do clero é extinto. Todas as pessoas devem ser úteis e trabalhar 6
horas por dia. Entretanto, ali se reserva a possibilidade, para aqueles que
demonstrarem capacidades especiais, de se dedicarem aos estudos. É interessante
observar como essa prerrogativa e sua justificativa revelam que estes estudos
são tratados como se não fossem úteis. A filosofia da natureza não estava
vinculada à tecnologia, como acabou ocorrendo mais tarde. Morus não deixa de
mostrar interesse pelas inovações tecnológicas e pela troca de conhecimentos.
Em sua narrativa, o personagem Rafael Hitlodeu nos conta como ele e seus
companheiros ficaram inflamados com a descoberta dos diferentes tipos de
embarcações que aquele povo da ilha de Utopia havia desenvolvido. Pelo seu
relato, vemos que os habitantes de Utopia desconheciam a agulha imantada e seu
uso.
Antes, era tremendo que se aventuravam ao mar, e ainda assim
atreviam-se a navegar apenas no verão. Hoje, com a bússola em mão,
afrontam os ventos e o inverno mais confiados do que seguros; pois,
se não tomam cuidado, essa bela invenção, que parecia dever trazer-
lhes tantos benefícios, poderá transformar-se, por sua imprudência,
em uma fonte de males. (Morus, 1988, 169)
Aqui se vê como o interesse pelas inovações tecnológicas vinha acompanhado de
precauções e receios. Temores que se esvaneceram na Cidade do Sol. Na conversa,
descrita por Campanella, entre o Grão Mestre e o Almirante genovês, que
conhecera por acaso aquela sociedade equatorial, o que soa é um entusiasmo
radiante com o conhecimento alcançado. Muito além do domínio da bússola,
pólvora e imprensa, que são os exemplos de progresso tecnológico mais
recorrentes no período, os solarianos já sabiam como fazer para reproduzir os
fenômenos meteorológicos, para viver mais de cem anos e até mesmo como voar.
Ah! Se você soubesse, diz o almirante genovês, quantas coisas
aprenderam da astrologia e também dos nossos profetas acerca do
século vindouro! Dizem eles que, em nossos dias, num período de cem
anos, acontecem mais fatos dignos de história do que nos quatro mil
anos do mundo anterior, e que maior número de livros foram publicados
neste último século do que nos cinqüenta passados. (Campanella,1978,
272)
Os habitantes da Cidade do Soladmiram Copérnico e consideram Aristóteles um
pedante. Mas a concepção de ciência de Campanella é repleta de elementos
mágicos e herméticos. Como ele faz notar na descrição de sua cidade ideal, toda
ela construída e inscrita com símbolos de modo a captar as influências
benéficas dos astros. São sete círculos concêntricos, cada um designado com
nome dos sete planetas. Cada círculo se comunica com o outro por quatro
diferentes caminhos, que terminam por quatro portas, voltadas todas para os
quatro pontos cardais da terra.
A numerologia e a astrologia dão o tom da arquitetura da cidade. Seu supremo
zelador é um sacerdote, o metafísico, que tem autoridade absoluta e que rege um
triunvirato. Os três ministros são Potência, Sapiência e Amor. Potência trata
dos assuntos militares: exércitos, artes de guerrear, munições e fortificações.
O triúnviro do amor tem a função de regular tudo o que se refere à geração, à
alimentação e ao vestiário. À Sapiência compete a direção das artes liberais,
mecânicas e de todas as ciências, bem como a dos respectivos magistrados, dos
doutores e das escolas de instrução.
As ciências e as artes têm um papel importantíssimo na formação dos cidadãos e
na sua organização social. São elas que garantem a plena segurança e
tranqüilidade daquele povo, e é em função do desempenho nelas que os indivíduos
ascendem na estrutura social. Por isso, todas as ciências e artes estão
descritas e pintadas nas paredes da cidade, de tal forma que todos seus
habitantes aprendam a adorá-las. E, de acordo com o relato, fazem isso de uma
forma divertida e eficaz. Graças a seus meios de instrução, as crianças ficam
sabendo num ano o que entre nós só se adquire depois de dez ou quinze anos de
estudo. A forma de aprendizagem, mais do que os objetivos ou os meios de
investigação, parece ser o motivo de atraso dos outros povos, que se dedicam às
infindáveis leituras e exercícios de gramática e de lógica aristotélica. Estes
resultam numa "obstinada fadiga e um servil trabalho de memória que habituam o
homem à inércia, pois não encontra estímulo em penetrar no conhecimento das
coisas e se contenta em possuir um acervo de palavras, aviltando a alma e
fatigando sobre letras mortas." (ibidem, 252) Tais meios de instrução são,
portanto, apontados como os principais obstáculos para o alcance do
conhecimento e do progresso social que com ele se conjuga.
Essa cidade honra seus inventores tratando-os como heróis, mas também ensinando
a todos seus habitantes como fazer para reconstruir suas descobertas e
invenções. Todos, sem distinção, são educados juntos. Embora cada um venha a se
especializar numa das artes, é fundamental que sejam instruídos em todas, pois,
de acordo com Campanella, "não conhece nenhuma ciência quem só foi instruído
numa só". A própria habilidade para governar é percebida pelo desempenho nas
diversas artes e pela sabedoria do homem de ciências. Por isso os futuros
magistrados são eleitos em função de sua distinção nos estudos, nas atividades
e discussões científicas.
Na Cidade do Sol tudo é de todos e aos magistrados cabe regular a distribuição
igualitária. Até mesmo as mulheres e os filhos são comunitários, "porque o amor
à coisa pública aumenta na medida em que se renuncia ao interesse particular".
Seus habitantes desprezam a soberba e àqueles que não sabem fazer coisa alguma
e vivem no ócio, como os nobres.2 Assim como na Utopia de Morus, ao se colocar
para trabalhar o grande contingente de parasitas, se aumenta a produção e se
diminui o esforço daqueles que trabalhavam. O que possibilita que cada
solariano não trabalhe mais do que 4 horas, consagrando o resto ao estudo.
Que estudos são estes? Além das arte mecânicas, todos os habitantes devem ser
versados em ciências físicas e astrólogicas, e mais ainda, conhecer
integralmente as ciências metafísicas e teológicas, pois
é necessário conhecer as raízes, os fundamentos e as provas de todas
as artes e ciência, as relações de conveniência e inconveniência das
coisas, a necessidade, o destino, a harmonia do mundo, a potência, a
sabedoria e o amor das coisas de Deus, as gradações dos seres, os
seus símbolos com as coisas celestes, terrestres e marítimas, e com
os ideais em Deus, na medida em que isso é concedido à mente humana.
Finalmente, é necessário aprofundar, com longos estudos, as profecias
e a astrologia. (ibidem, 251-2)
Ainda que, por um lado, a ênfase na instrução pareça sugerir uma satisfação com
o conhecimento já alcançado, por outro lado, nessa cidade ideal transparece
também um esforço pelo aperfeiçoamento das ciências. Eles costumam enviar
mensageiros a outras nações e nunca se recusam a abraçar os costumes que lhes
parecem melhores. Navegam para adquirir discretamente novos conhecimentos sobre
os povos, os países e as coisas, e jamais ofendem alguém. Acreditam que, no
futuro, o resto do mundo alcançará tanta sabedoria que todos os povos viverão
como eles.
A Nova Atlântida
Esse escrito de Bacon foi o maior responsável pela difusão de sua visão de
ciência ao longo do século XVII, embora ali não se explicitem importantes
aspectos de sua concepção de ciência, como seu método ou seus fundamentos
epistemológicos. Sabe-se que mais do que inspiração, a Nova Atlântida serviu de
plataforma de defesa para criação de duas das primeiras academias científicas.3
Além de ânimo aos já convertidos à nova ciência, ela fornecia o melhor material
de propaganda do empreendimento e de legitimação de seus praticantes. Essa obra
foi escrita contra a desesperança no progresso da ciência e o sentimento de que
sonhos são impossíveis, que para Bacon eram os grandes obstáculos ao avanço do
conhecimento.4 Assim sua utopia deve ser vista como uma forma de tentar ensinar
os homens a desejar, mostrando a eles o que seria possível com sua força.
O desejo é encarnado numa sociedade harmônica, feliz e próspera, com
fascinantes inovações que facilitam a vida dos cidadãos. A força humana aparece
na organização social para o desenvolvimento da nova ciência, que, além de
redirecionada para objetivos úteis, institucionalizaria suas virtudes (como a
da investigação cooperada e do progresso contínuo), superando as limitações
humanas (como a de que a vida é curta e a arte é longa) e renovando as
esperanças.
Em Nova Atlântidase encontra o modelo de uma sociedade unificada, na qual o
empenho na busca do conhecimento-domínio da natureza traria estabilidade civil
e prosperidade econômica. Ali também a tolerância religiosa e a investigação
cooperada sob a gestão governamental estabeleceriam os caminhos do bem-estar de
seus cidadãos. A cidade dessa ilha dos mares do sul se chama Bensalém e seu
pilar é a Casa de Salomão, que não é exatamente um lugar de ensino, ainda que
visasse também à formação dos jovens pesquisadores. Trata-se de um grande
laboratório consagrado ao desenvolvimento da pesquisa tecnológica para o avanço
do conhecimento e bem-estar da população. Essa instituição é aparentemente
responsável não apenas pelos benefícios práticos, tais como os remédios que
curam os náufragos doentes que ali chegaram estupefatos, mas também pelas
virtudes cívicas e religiosas dos habitantes daquela ilha, como seus espíritos
disciplinados, colaboradores e caridosos.
Todavia, há ali uma notável inversão na relação entre a religião e a ciência.
De acordo com o relatos, a instituição da ciência é anterior, e sua autoridade
é de certa maneira superior à da revelação cristã, pois são os cientistas que
distinguem dentre os fenômenos extraordinários quais são os milagres, as
ocorrências naturais e as "imposturas e ilusões." Aos líderes da Casa de
Salomão cabem as vestimentas e reverências pomposas que usualmente reservamos
aos bispos. Além disso, a sobriedade, a prudência, como também a tolerância
religiosa, parecem ser um reflexo da postura científica frente ao mundo. A
leitura mais atenta da narrativa revela ainda que não há ali medo de um
julgamento divino ou procura de uma recompensa celestial. A salvação não vem da
fé nem propriamente do bom comportamento, ou seja, das virtudes cívicas, mas do
empreendimento científico e de seus frutos. Pela descrição, algo barroca, deste
empreendimento salvador, vemos que seus participantes, suas instituições e
procedimentos ganham traços religiosos (respeito, sobriedade, benevolência),
revelando uma transposição da experiência do sagrado e da expectativa de
redenção para a "nova" ciência. Assim, a conversão dos navegantes europeus ao
novo mundo se dá pela compreensão da organização daquela sociedade e promessa
do desenvolvimento tecnológico que ela encerra.
No que se refere à dimensão ética, observa-se que, na visão de Bacon, as
reflexões morais são secularizadas com a nova ênfase filosófica. É a atitude
científica, racional e metódica, frente ao mundo que parece fundar os valores
laicizados, como se pode ver na charitas,propiciada pela união entre verdade e
utilidade. A nova ciência passa assim a ter uma positividade que é retirada da
ética e da filosofia. Dessa forma, o abandono da indagação sobre o bem e o mal
coincide com a crença de que as posturas e promessas da nova ciência melhorarão
a sociedade.
Dentre as virtudes que se enfatiza com o foco no progresso do conhecimento
científico, e com a substituição da figura do mestre pela do investigador, está
a juventude. A valorização do jovem cientista, que deve buscar não a se
equiparar a seu instrutor, mas a ultrapassá-lo, é facilitada quando o que está
em jogo não é o conhecimento da tradição e dos costumes, mas o progressivo
conhecimento-domínio da natureza. Ou seja, se o cultivo da tradição é por
excelência o domínio dos anciãos, aqui a autoridade da palavra dos velhos é
substituída pela autoridade dos fatos controlados e das operações
reprodutíveis, já que, na perspectiva baconiana, nada tem poder de
convencimento maior do que experimentos bem sucedidos, e o futuro depende do
progressivo controle dos fenômenos naturais. A prosperidade material é motivo
de orgulho e felicidade, mas não de regozijo, pois ali o trabalho e alívio das
condições não se desdobram em momentos de lazer.
Em Bacon, o progresso não é tanto uma questão da natureza humana, ou de
relações sociais, mas depende fundamentalmente, da relação de domínio dos
homens sobre a natureza. É claro que este progresso do conhecimento-domínio
envolve o conhecimento e controle das faculdades e limitações da natureza
humana bem como a postulação de certas relações entre os homens. Mas em sua
utopia científica as questões políticas clássicas, como a dos regimes políticos
ou da liberdade, são sombreadas pelo foco lançado sobre o gerenciamento do
empreendimento central desta sociedade
Do regime de governo e de seus representantes se sabe apenas por referências
indiretas e evasivas.5 O desenvolvimento da ciência (e o bem estar social que a
ele se vincula) se apóia na estruturação e administração disciplinada de suas
tarefas e funções. Sua estrutura supõe uma divisão de tarefas entre equipes de
mercadores da luz, coletores, depredadores, compiladores, pioneiros, doadores,
iluminadores, inoculadores, intérpretes da natureza, além de diversos
aprendizes, serventes e atendentes, de certa forma refletindo as diferentes
etapas e funções de seu método indutivo proposto no Novo Órganon. As equipes
não guardam entre si, como pode parecer, uma escala de importância. Elas têm
igual número de participantes e todas participam nas "avaliações dos trabalhos
e coleções antes levados a efeitos", o que revela traços democráticos no
empreendimento cooperativo concebido por Bacon. Mas apenas internamente, isto
é, dentro da comunidade científica.
Os membros da Casa de Salomão não são os únicos responsáveis pelo avanço da
ciência. Embora eles sejam seus principais agentes, pelo destaque que é dado ao
mercador-judeu Joabim e por suas conversas, percebe-se a importância que os
mercadores (investidores e comerciantes) têm neste empreendimento. Contudo,
embora quase todos os cidadãos de Bensalém tomem parte e apareçam como
funcionários da mesma causa, o poder que os cientistas têm na organização
social e na decisão "de quais invenções e experiências devam ser dadas a
conhecer ao público, e quais não", fazem supor uma espécie de tecnocracia.
O que realmente destoa nesta utopia são os avanços tecnológicos, que estampam,
como numa ficção científica, as marcas futuristas do império humano alargado.6
A tecnologia é ao mesmo tempo fonte do progresso e seu melhor resultado, pois
promete alívio das doenças, da pobreza e do despotismo.
Ao final de Nova Atlântida, quando o náufrago europeu que narra a história tem
a honra de ter uma audiência privada com um dos líderes da Casa de Salomão,
toma-se conhecimento dos detalhes das preparativos e instrumentos que tornam
aquela instituição o lugar com melhores condições de busca do verdadeiro
conhecimento, para "a realização de todas as coisas que forem possíveis." São,
então, elencadas as condições extraordinárias de investigação para uma enorme
gama de pesquisas químicas, nutricionais, farmacêuticas, físicas (mecânicas,
sonoras, óticas), engenharis, meteorológicas, geológicas, matemáticas,
psicológicas, biológicas (botânicas, zoológicas) e medicinais.
A narrativa é interrompida subitamente com o aviso "a continuação não foi
composta". Entretanto, as primeiras edições da Nova Atlântida vinham
acompanhadas de uma sugestiva listagem das "Maravilhas naturais", que deixa
mais claro quais seriam os limites ampliados do novo reino humano: Prolongar a
vida; Restituir a juventude; Retardar o envelhecimento; Curar as doenças
consideradas incuráveis; Diminuir a dor; Metamorfose de um corpo em outro;
Fabricar novas espécies; Tornar os espíritos alegres e colocá-los em boa
disposição...
Estas são algumas das expectativas elencadas no horizonte das possibilidades
como um rumo a direcionar o avanço do conhecimento. O entusiasmo tecnológico
que começa a ser esboçado àquela época e que, apesar de seus vieses e
desencantos, ainda mobiliza a nossa, é composto por atrativos situados com
grandes diferenças em suas distâncias e alcances. Diferenças que, no entanto,
não deixam de convergir atenções, esforços e investimentos para uma certa forma
de se fazer ciência.
De certa forma, trata-se de um novo projeto social. Bacon cria novos elementos
da política moderna ao dar ao desenvolvimento científico e tecnológico uma
dimensão sócio-política que jamais tivera. Ao mostrar a força de uma
organização central no avanço do conhecimento-domínio da natureza, e o deste
avanço na resolução dos problemas do Estado, compromete seus representantes e
envolve a sociedade com esforços e recursos.
A continuação da Nova Atlântida
A criação das academias científicas parecia ser para muitos um desdobramento
efetivo do proposta de institucionalização da investigação científica e do
avanço do conhecimento proposto por Bacon. Ao menos os promotores da Royal
Society consideravam estar realizando na prática a emblemática Casa de Salomão.
E, para tanto, além de vencer várias resistências iniciais, tinham de articular
esforços, criar uma infra-estrutura, definir normas e procedimentos, mostrar
resultados.
Um de seus principais propagandistas, Glanvill publica, em 1676, "The summe of
my lord Bacon's New Atlantis: anti-fanatical religion and free philosophy", um
dos seus Ensaios sobre importantes assuntos em filosofia e religião.De forma
sintética, ele retoma alguns traços da descoberta de Bensalém, como sua casa de
Salomão, já referida como Royal Society. Mas, como o subtítulo do ensaio já
anuncia, o foco desta narrativa não está nas condições físicas e
organizacionais para o avanço do conhecimento nem em seus atraentes resultados,
mas sim sobre os pré-requisitos religiosos e posturas anti-dogmáticas que
possibilitariam a livre investigação.
A publicidade e a comemoração do progresso já alcançado e do que ainda estava
por vir, aparecem num ensaio anterior dessa mesma obra. Assim, enquanto o 4º
ensaio - "Modern improvements of useful knowledge", que é uma síntese de seu
livroPlus Ultra mostra os benefícios e promessas da nova ciência celebrando
seus avanços e sua utilidade, a narrativa da viagem à Nova Atlântida enfocará
os princípios e posturas para o desenvolvimento do conhecimento. Esta versão
das conversas havidas em Bensalém tem o claro intento de defender a Royal
Society das acusações de ser uma associação de sectários e entusiastas. Neste
relato da viagem a Bensalém persiste a idéia de uma estreita relação entre o
desenvolvimento do Reino e o do conhecimento-domínio da natureza, mas Glanvill
busca aqui reforçar, com novos argumentos teológicos e epistemológicos, as
condições para o cooperação, benefício público, método e linguagem unificado da
nova filosofia. Assim, ele nos conta que, após a milagrosa conversão de
Bensalém ao cristianismo, se sucederam algumas revoluções e surgiram uma
profusão de seitas, cada uma pretensamente mais iluminada, pura e rigorosa que
a outra; cada uma com suas formalidades, seus costumes, seus mistérios e
cultos. Todas, com mais afetação que ponderação, veementes na defesa
irrefletida de suas doutrinas e nas disputas encarniçadas por quaisquer
detalhes ou por vãs noções de seus credos.
Fanatismo, dogmatismo e sectarismo são as características dos entusiastas, de
que os membros da Royal Society eram acusados. A questão do ' entusiasmo' foi
um tema recorrente no discurso do século XVII inglês. A crítica anti-
entusiasta, embora originalmente voltada contra os pretendentes da direta
inspiração divina (místicos, e profetas milenaristas), se voltara também aos
praticantes e defensores da nova ciência experimental. A identificação dos
membros da Royal Society como entusiastas advinha de uma perspectiva
conservadora, e estava associada ao temor de possíveis mudanças sociais e à
reação das críticas aos antigos representantes do conhecimento oficial. De
acordo com os principais contestadores, Meric Casaubon e Henry Stubbe, as
implicações materialistas e mundanas da nova ciência, bem como seu caráter
inovativo, eram tão ameaçadoras quanto seu pólo oposto, os radicais religiosos.
Os defensores da nova ciência tentavam mostrar que, ao contrário de uma ameaça,
o novo conhecimento era a maior esperança, a grande promessa de realização dos
objetivos da sociedade. Assim, Sprat e Glanvill advogavam que o caráter
inovativo da ciência não representava nenhuma subversão da ordem social ou
ameaça sectarista, mas, ao contrário, fornecia a melhor resposta a estas
ameaças, pois justamente o caráter público (não subjetivo, experimentado e
verificado publicamente) e cooperativo tornava o empreendimento universalmente
válido: "a philosophy of mankind". Não apenas estas características
experimentais, mas junto com elas a cautelosa atitude dos céticos, são
arroladas como antídoto à arrogância intelectual da filosofia especulativa e
dogmática. Trata-se de opor paciência e humildade frente à soberba dos que se
fiam nos poderes da imaginação e em suas conclusões apressadas (Heyd, 1995,
156). O exame da acusação de Stubbe contra Glanvill revela que ela era
basicamente por seu anti-aristotelismo ou desconsideração dos clássicos e das
instituições que encarnavam a tradição. Entretanto, Glanvill mostra em seu
relato como tais males tinham sido varridos de Bensalém graças à sua
perspectiva religiosa mais que tolerante: a adoção da religião anti-dogmática.
Ou seja, sua estratégia não é refutar os perigos do fanatismo e sectarismo para
a unidade e prosperidade do reino, mas apresentar como os perigos foram
superados.
De acordo com seu relato da visita, os habitantes daquela ilha respeitavam a
tradição e cultivavam seus conhecimentos, tanto quanto das inovações e
descobertas dos modernos, isto é, dos últimos avanços em Anatomia, nas
Matemáticas, em História Natural, Mecânica e também na Filosofia Experimental
da Casa de Salomão. Todavia tinham consciência de que todo seu conhecimento e
experiência acumulada eram limitados e deveriam progredir. A maneira de
proceder, pensada como universal, incorporava tanto algumas características da
proposta de Bacon quanto alguns elementos da filosofia de Descartes.
com essa forma de proceder universal, eles preencheram suas mentes
com uma grande variedade de concepções, tornando-os mais capazes de
julgar sobre a verdade ou verosimilhança de qualquer hipótese
proposta. Não se contentavam com leituras e conhecimento dos textos,
mas conjugavam com contemplações e profusão de pensamentos: Eles
exercitavam suas mentes sobre o que liam; consideravam, comparavam,
faziam inferências e tinham a felicidade de idéias claras e distintas
e compassos em seus pensamentos (Glanvill, 1970,VII, 9).
E faziam isso não apenas nas investigações da natureza, mas em todos os
assuntos, como os que diziam respeito à história das igrejas e princípios
religiosos.7 Indagado se tais diligências e procedimentos não deixavam pouco
tempo para a ação, o sábio interlocutor da casa de Salomão responde que, com o
correto método de estudos se vai muito longe, mas que não há atalhos que não
recaiam em superstições e entusiasmos.
A seqüência do diálogo é uma espécie de discurso do método para livrar a mente
dos preconceitos, da má formação, da submissão às autoridades, garantindo
liberdade e autonomia investigativa. Essa perspectiva investigativa não vem
dissociada da modéstia que nos mantém afastado de afirmações dogmáticas. Uma
vez que, nessa utopia de Glanvill, os obstáculos do avanço do conhecimento
científico e do progresso social são o fanatismo e o dogmatismo, os melhores
antídotos são a modéstia e a desconfiança cética. A suspensão das certezas, a
prontidão para perdoar os erros daqueles que divergem de nós em matérias
especulativas e a caridade com o diferente são as formas de se prevenir de
disputas veementes, cismas, separações desnecessárias e guerras.
Na conversa final com o Governador da ilha fica claro que sua ciência não
despreza a lógica dos antigos, mas a filosofia natural devia se basear na
história natural e não permitir que nenhuma especulação ou proposição fosse
considerada mais do que uma hipótese ou conjectura provável, que deveria partir
de cuidadosas observações dos fenômenos particulares. Assim, por exemplo, as
idéias de Gassendi e de Descartes, que foram trazidas a Bensalém por seus
expedicionários, são consideradas engenhosas e interessantes teorias, "mas eles
não as tomam por certezas explicativas da natureza, nem as aceitam como verdade
estabelecida, mas lidam com elas como prováveis em algumas matérias e
livremente discordantes em outras" (ibidem, 50)
O progresso é visto como a luz que deve ser expandida e "os usos da vida e do
Império do homem sobre as criaturas deve ser grandemente promovido e avançado"
(ibidem, 49). A população daquele lugar considerava que o método de juntar
esforços na busca do conhecimento e na compreensão dos efeitos da natureza,
como a forma de fazer a filosofia da natureza operativa e útil, "de forma a
livrá-la do desperdício de suas forças na formação de idéias vãs e em disputas
sem fim sobre quimeras, e torná-la em instrumento de ação e de obras
proveitosas" (ibidem, 49).
A utopia universalizada
Alguns anos antes de Glanvill publicar seu acréscimo àNova Atlântida, Jan Amos
Comenius escreveu sua Panorthosia, da qual faremos breves comentários para
rematar nossa comparação das utopias científicas do início da modernidade.
Embora não tenha tido grande repercussão na época nem nos séculos seguintes,
ela é um importante testemunho da concepção de ciência de um personagem de
grande relevância no cenário intelectual europeu da metade do século XVII.
Comenius nasceu em 1592 na Morávia, atual República Tcheca, e morreu em 1670.
Embora pouco apreciado por historiadores da filosofia, ele é largamente
estudado em história da educação, pois sua obra é uma das pedras de fundação da
preocupação moderna com a educação, com o processo de aprendizagem e de
democratização da educação. Um dos principais divulgadores das idéias de Bacon
no continente, Comenius foi o grande expoente de uma seita milenarista chamada
Unidade dos Irmãos,8 e foi levado a Inglaterra por Hartlib para cuidar da
reformas educacionais para o progresso da ciência. Seu projeto enciclopédico e
universalista era, resumidamente, compilar todo o conhecimento humano dispondo-
o de maneira que todas as pessoas tivessem acesso, quaisquer que fossem as
informações desejadas. E, para tanto, se empenha na unificação da linguagem e
do método de estudo.
Comenius abre sua Didática Magnacom a proposta de um "Método para ensinar as
ciências em geral", isto é, um modo "fácil, sólido e rápido" para penetrar a
fundo nas partes mais intricadas das ciências. Ir a fundo e evitar que a poeira
das coisas vãs e frívolas embace nossa inteligência. Em oposição ao verbalismo
dominante nas escolas, seu método enfatiza a observação direta e um
conhecimento útil. "Tudo o que se quer ensinar, ensine como coisa do mundo de
hoje, e de utilidade certa." (Comenius, 1985, 14)
Sua Panorthosia é a descrição de uma república ideal, pela qual tomamos
conhecimento de suas leis, instituições e costumes. Essa utopia é parte da obra
incompleta Deliberação universal acerca da reforma das coisas humanas (De rerum
humanarum emendatione consultatio catholica)que seria constituída por sete
partes: Panegersia (Despertar Universal);Panaugia (Iluminação
Universal);Pansophia (Sabedoria Universal); Pampaedia (Educação Universal);
Panglottia (Língua universal); Pannuthesia (Exortação Universal), e a
Panorthosia (Reforma Universal) de que vamos tratar aqui. Este manuscrito foi
redescoberto somente em 1935, publicado na Checoslováquia em 66 e traduzido do
latim para o inglês em 1995.
Panorthosia não é, como as outras utopias, uma narrativa de uma descoberta
casual de uma ilha ou cidade perdida, mas o desenho de um mundo reformado.
Tampouco põe em cena personagens particulares, cujas vivências testemunhariam
atrativas diferenças.9 Trata-se de uma explicação do mundo reformado e também
um apelo à sua realização. A obra é iniciada com palavras bíblicas exortando
todo mundo a buscar esse mundo reformado, mas principalmente os cristãos, a
quem caberia a iniciativa da transformação. Aqui a comunidade ideal não é mais
insular. Ela é absolutamente planetária. O que faz com que algumas propostas de
Comenius sejam celebradas como precursoras da Assembléia Geral das Nações
Unidas (ONU) e organismos culturais como a UNESCO.
A nova sociedade mundial, assim como esse livro e as reformas que ele propõe
estão estruturadas sobre três eixos: Educação, Estado e Igreja - a Tríade
Sagrada. O sentido último da reforma proposta é a realização da vontade divina
e um aperfeiçoamento da humanidade para que ela se pareça com a imagem de Deus.
A tarefa a ser realizada consiste inicialmente na identificação dos erros e sua
correção de maneira que a sociedade não degenere novamente. Os remédios para os
erros elencados estupidez, preconceitos, teimosia, profanidade, violência
são a nova filosofia universal, a religião universal e um sistema político
universal.10
Conforme observa Dobbie em sua introdução à Panorthosia (Comenius, 1995), há um
evidente paralelismo entre os itens tratados nesses três componente da reforma
universal. Professores/filósofos cuidam da luz que é o conhecimento da
natureza, políticos cuidam da paz que é o poder da humanidade e os religiosos
cuidam do reino de Deus, ou seja, do amor e da fé na revelação divina.
A melhoria da sociedade está alicerçada no desenvolvimento e disponibilização
dos conhecimentos, mas estes não estão dissociados dos deveres do Estado e da
Igreja. É tal associação que poderá corrigir os erros do passado e compensar a
Queda. Comenius procura tratar das questões da filosofia natural à luz das
Escrituras e se esforça para conciliar as descobertas da ciência com a Bíblia.
Embora reafirme o princípio aristotélico de que conhecer é conhecer pelas
causas, Comenius ressalta o valor cognitivo das artes e enfatiza a importância
de seu ensino. Aliás, o artesão é em grande medida o modelo do professor. Por
isso aconselha que sua arte seja analisada e desenvolvida. Em diversas
passagens se vê que, para ele, a arte não se diferencia da natureza e a ciência
é vista como um passo fundamental para compreensão da condição humana no mundo.
É importante frisar que o conhecimento das artes e dos ofícios são fundamentais
não apenas como modelo cognitivo mas pela dimensão espiritual que devem
incorporar. Assim, assevera Comenius, uma eficiente e produtiva vocação deveria
ser combinada com um intenso saber espiritual. Por isso, quando homenageia a
Royal Society no livro Via Lucis,ele exorta que ela altere seu rumo em direção
ao objetivo supremo de reforma do mundo. As ciências são propedêuticas à moral
e à piedade, que são os objetivos mais importantes.
Outro aspecto digno de nota é que, para Comenius, o problema do conhecimento
está fundamentalmente em sua transmissão e não tanto em sua investigação. A
Casa de Salomão é substituída nesta utopia pelo Colégio da Luz, onde as
atenções estão voltadas para o método de ensino, para a linguagem, a produção
de livros didáticos e a purificação e difusão da luz, cuja fonte é Cristo (cf.
Panorthosia, 223). Mas, além das escrituras, se desenvolve nesse colégio a nova
filosofia da natureza, a qual retoma alguns elementos da noção baconiana de
progresso, como aperfeiçoamento e fruto da cooperação, utilidade da ciência
vinculada as artes, e da necessidade de um método unitário de filosofia
natural. Ao que Comenius conjuga com diferentes elementos neoplatônicos,
mágico-naturalistas e com um milenarismo cristão reformado; anti-luterano,
anti-calvinista e antipapista.
À guisa de conclusão
A ênfase na instrução, enciclopédica e lúdica; a valorização das ciências
naturais e das artes com um sentido instrumental em direção a um fim místico; o
uso de uma linguagem que conjuga simbologia cristã e hermetista, tudo isso
aproxima Panorthosia da Cidade do Sol mais do que dos dois relatos sobre a Nova
Atlântida. No que se refere a estes dois relatos observa-se que, embora a
narrativa de Glanvill persevere na expectativa do progresso e na utilidade das
ciências do conhecimento, ela reverte a separação do terreno científico e
religioso proposta por Bacon e que acabara por predominar na modernidade.
Essas observações vão contra a suspeita de uma progressiva importância da
ciência no imaginário utópico do século XVII. Além disso, elas revelam que
diferentes concepções de ciência convivem simultaneamente, contrariamente às
reconstruções históricas que advogam uma nova ciência hegemônica e uma unidade
em torno do método e dos objetivos.
Decerto há características comuns nas quatro cidades visitadas, como a do
progresso do conhecimento; da busca de um método universal para seu alcance ou
avanço, a inclinação prática na filosofia da natureza e a relevância que as
artes têm como forma de conhecimento. Vale ressaltar que as artes que
sobressaem são as liberais e mecânicas, ou seja, que chamamos de técnicas, e
não aquelas atividades e criações que mais tarde passaram a ser chamadas de
belas artes, sobre as quais há um notável silêncio.
Tanto estas características comuns quanto as suas divergências referentes aos
alvos e obstáculos ao alcance do conhecimento e seu papel social- expressam a
longa extensão do processo, que nada tem de linear, de legitimação do
conhecimento científico. O exame dessas utopias reforçam nossa convicção sobre
a riqueza dessas narrativas enquanto hábeis soluções às controvérsias do
contexto, isto é, como uma maneira de contemporizar com os diferentes
interesses em jogo, promovendo as propostas de reforma e seu autor. As utopias
funcionam como chaves para a compreensão das idéias e desejos de uma
determinada época, mas também para a compreensão de sua herança no nosso
imaginário social e, no caso em tela, do papel que o empreendimento científico
e suas ficções nele ocupam. Como enunciou Carlos Drummond de Andrade (1984),
"De repente o resumo de tudo é uma chave.
A chave de uma porta que não abre
para o interior desabitado
no solo que inexiste,
mas a chave existe.
...
O serralheiro não sabia
o ato de criação como é potente
e na coisa criada se prolonga, ressoante."