A crise financeira e o global shadow banking system
INTRODUÇÃO
A crise financeira iniciada nos Estados Unidos, em meados de 2007, em
decorrência da elevação da inadimplência e da desvalorização dos imóveis e dos
ativos financeiros associados às hipotecas americanas de alto risco (subprime),
tem renovado os questionamentos sobre a arquitetura contemporânea do sistema
financeiro americano e internacional, seus potenciais riscos sistêmicos e seus
mecanismos de supervisão e regulação. Essa arquitetura específica transformou
uma crise de crédito clássica em uma crise financeira e bancária de imensas
proporções, que lhe conferiu um caráter sistêmico. Numa crise de crédito
clássica, o somatório dos prejuízos potenciais (correspondente aos empréstimos
concedidos com baixo nível de garantias) já seria conhecido. Na atual
configuração dos sistemas financeiros, os derivativos de crédito e os produtos
estruturados lastreados em diferentes operações de crédito replicaram e
multiplicaram tais prejuízos por um fator desconhecido e redistribuíram,
globalmente, os riscos deles decorrentes para uma grande variedade de
instituições financeiras. Passado mais de um ano da eclosão da crise, continuou
sendo impossível mensurar as perdas e determinar sua distribuição. Isso
provocou profunda desconfiança dos agentes e constituiu um potente combustível
para a propagação da crise. Por essa razão a liquidez interbancária persistiu
restrita, apesar das contínuas e volumosas injeções de liquidez pelas
autoridades monetárias.
O desenrolar da crise pôs em questão a sobrevivência de diversas instituições
financeiras e colocou em xeque esta arquitetura financeira, bem como os
princípios básicos do sistema de regulação e supervisão bancária e financeira.
Este desenrolar trouxe alguma luz a diversos aspectos desta arquitetura, antes
envoltos em sombra, o que possibilitou elucidar sua efetiva configuração. O
principal desses aspectos consiste na interação entre bancos universais e as
demais instituições financeiras, que se deu, sobretudo, nos opacos mercados de
balcão. Os bancos buscaram diversas formas de retirar os riscos de crédito de
seus balanços com o objetivo de ampliar suas operações sem ter de reservar os
coeficientes de capital requeridos pelos Acordos de Basiléia.
Fizeram isso de diversas formas: adquirindo proteção contra os riscos de
crédito nos mercados de derivativos, emitindo títulos de securitização de
créditos com rendimento atrelado aos reembolsos devidos pelos tomadores de
empréstimos e criando diversos veículos especiais de investimento (Special
Investments Vehicles ou SIV), conduits ou SIV-lites. Mas somente puderam fazê-
lo porque outros agentes se dispuseram a assumir a contraparte dessas
operações, ou seja, assumir esses riscos contra um retorno que, à época,
parecia elevado.
Esses agentes formaram o chamado global shadow banking system ("sistema
bancário global na sombra" ou paralelo). Um conjunto de instituições que
funcionava como banco, sem sê-lo, captando recursos no curto prazo, operando
altamente alavancadas e investindo em ativos de longo prazo e ilíquidos. Mas,
diferentemente dos bancos, eram displicentemente reguladas e supervisionadas,
sem reservas de capital, sem acesso aos seguros de depósitos, às operações de
redesconto e às linhas de empréstimos de última instância dos bancos centrais.
Dessa forma, eram muito vulneráveis, seja a uma corrida dos investidores (saque
dos recursos ou desconfiança dos aplicadores nos mercados de curto prazo), seja
a desequilíbrios patrimoniais (desvalorização dos ativos em face dos passivos).
Este artigo procura discutir a interação entre as distintas instituições
financeiras, incluindo algumas características do principal palco dessa
interação os mercados de balcão e a utilização de determinadas inovações
financeiras que acabaram amplificando a crise. O artigo está organizado em
quatro seções, após esta introdução. Na primeira seção, apresenta-se a
configuração do global shadow banking system. Na segunda seção, discute-se a
desintegração de várias dessas instituições complexas e obscuras. Na terceira
seção, analisa-se a opaca teia de inter-relações do sistema bancário com o
"sistema financeiro paralelo", com ênfase nos mercados de balcão. Na quarta
seção, procura-se indicar rapidamente as possíveis repercussões do encolhimento
forçado do "sistema financeiro na sombra" e o sentido dos aperfeiçoamentos nas
estruturas de regulação e supervisão2.
OS PARTICIPANTES DO GLOBAL SHADOW BANKING SYSTEM
Segundo McCulley3, diretor executivo da maior gestora de recursos do mundo, a
Pimco, o global shadow banking system inclui todos os agentes envolvidos em
empréstimos alavancados que não têm (ou não tinham, pela norma vigente antes da
eclosão da crise) acesso aos seguros de depósitos e/ou às operações de
redesconto dos bancos centrais. Esses agentes tampouco estão sujeitos às normas
prudenciais dos Acordos de Basiléia4. Nessa definição, enquadram-se os grandes
bancos de investimentos independentes (brokers-dealers)5, os hedge funds, os
fundos de investimentos, os fundos private equity, os diferentes veículos
especiais de investimento, os fundos de pensão e as seguradoras. Nos Estados
Unidos, ainda se somam os bancos regionais especializados em crédito
hipotecário (que não têm acesso ao redesconto) e as agências quase-públicas
(Fannie Mae e Freddie Mac), criadas com o propósito de prover liquidez ao
mercado imobiliário americano.
Os bancos concedem empréstimos com os recursos que recebem de seus
depositantes, e com seu capital próprio. Mas, sobretudo, os bancos criam
depósitos moeda bancária escritural ao conceder crédito6. Passaram também a
emitir dívidas para obter recursos e conceder novos financiamentos7. Em geral,
os empréstimos concedidos possuem prazos mais longos do que os depósitos ou as
dívidas. Em decorrência da criação de depósitos e do descasamento de prazos, o
sistema tende a ser altamente instável, sujeito a processos de euforia ou
pessimismo e a corridas bancárias. Por esta razão, foram desenvolvidas
instituições para garantir os depósitos, para atuar como "emprestadoras de
última instância", para regular e supervisionar o sistema, de forma a assegurar
que os bancos sempre detenham ativos suficientes para fazer frente aos
movimentos de saques.
Nas últimas décadas, verificaram-se três movimentos simultâneos e
complementares. Em primeiro lugar, os bancos comerciais, submetidos à regulação
prudencial e ao acirramento da concorrência, aumentaram extraordinariamente o
volume de crédito concedido. Para fazê-lo, tiveram de retirar parte dos ativos
(e, portanto, dos riscos) de seus balanços, uma vez que o capital próprio
(reservas) era insuficiente para atender as exigências dos Acordos de Basiléia.
Dessa forma, deixaram de atuar como fornecedores de crédito e assumiram o papel
crescente de intermediadores de recursos em troca de comissões. Romperam, por
conseguinte, as relações diretas, antes existentes, com os tomadores de crédito
que costumavam ser monitoradas de perto, pois serviam de "indicador
antecedente" de riscos de inadimplência. Em segundo lugar, os bancos passaram a
administrar fundos de investimentos, oferecer serviços de gestão de ativos por
meio de seus vários departamentos, fornecer seguros financeiros (hedge) como
dealers no mercado de derivativos e ofertar linhas de crédito nas emissões de
commercial paper e outros títulos de dívida no mercado de capitais8. Em
terceiro lugar, uma grande variedade de instituições evoluiu no sentido de
desempenhar um papel semelhante ao dos bancos comerciais sem estarem incluídas
na estrutura regulatória existente e, portanto, sem disporem das requeridas
reservas em capital.
Na busca de instrumentos para retirar os riscos de crédito de seus balanços, os
bancos sujeitos à regulação também estiveram na origem do surgimento e da forte
expansão dos derivativos de crédito (CDS), por meio dos quais podem comprar
proteção para os riscos de crédito de suas carteiras de empréstimos. Valeram-
se, igualmente, dos chamados "produtos estruturados", instrumentos resultantes
da combinação entre um título representativo de um crédito debêntures, bônus,
títulos de crédito negociáveis, hipotecas, dívida de cartão de crédito etc. e
o conjunto dos derivativos financeiros (futuros, termo, swaps, opções e
derivativos de crédito) qualquer que seja seu ativo subjacente. Num primeiro
momento, os bancos empacotaram os créditos concedidos, os submeteram às
agências de classificação de riscos e lançaram títulos sobre eles, com
rendimentos proporcionais ao fluxo de caixa gerado pela quitação das prestações
dos créditos. Os títulos estruturados eram divididos em diversas tranches com
riscos e retornos diferenciados. A estrutura de distribuição dos juros ficou
conhecida como "queda d'água" (interest waterfall), porque a água tem de encher
o primeiro reservatório ou tranche mais sênior, para posteriormente começar a
preencher os outros (mezzanine e equity). A porção mais arriscada dentre elas
(equity) a que assume os riscos de inadimplência iniciais e que recebeu o
nome de lixo tóxico (toxic waste) acabou muito freqüentemente ficando entre
os ativos dos veículos especiais de investimento. Essas diversas pessoas
jurídicas Special Investment Vehicles (SIV), conduits ou SIV-lites9 ,
criadas para adquirir os títulos estruturados, com recursos provenientes da
emissão de títulos de crédito de curto prazo (asset-backed commercial paper),
não eram tecnicamente propriedades dos bancos nem seus resultados figuravam nos
balanços, constituindo parte relevante do global shadow banking system junto
com diversos outros intermediários financeiros. Dessa forma, os bancos
universais obtinham mais recursos, além de receitas (taxas, comissões etc.),
que lhes permitiram conceder novos créditos e elevar seus lucros, num processo
de crescente alavancagem. Num segundo momento, passaram a emitir versões
"sintéticas" desses instrumentos com lastro em derivativos de crédito e não em
créditos concedidos.
Não estando habilitados a obter recursos de depositantes, os SIV e os outros
intermediários financeiros foram buscá-los nos mercados de capitais, sobretudo,
emitindo títulos de curto prazo (commercial papers), comprados pelos fundos de
investimentos (money market mutual funds). Segundo o Wall Street Journal, os
SIV tinham emitido US$ 1,5 trilhão em commercial papers, até meados de 200710.
Não podendo criar moeda ao conceder crédito diretamente, eles utilizaram esses
recursos de curto prazo para assumir a contraparte das operações dos bancos,
seja no mercado de derivativos, vendendo proteção contra riscos de crédito,
seja nos produtos estruturados, adquirindo os títulos emitidos pelos bancos com
rentabilidade vinculada ao reembolso dos créditos que esses concederam.
Tornaram-se, dessa forma, participantes do mercado de crédito, obtendo recursos
de curto prazo com os quais financiavam créditos de longo prazo (hipotecas de
trinta anos, por exemplo), atuando como quase-bancos11.
Além dos SIV, uma grande variedade de instituições financeiras optou por
participar do global shadow banking system. As principais foram os grandes
bancos de investimentos (brokers-dealers), seguidos pelos hedge funds e outros
investidores institucionais, sobretudo as seguradoras, os fundos de pensão e as
Government Sponsored Enterprises (GSE). Os bancos de investimento multiplicaram
os hedge funds sob sua administração, abrindo espaço em suas carteiras para
produtos e ativos de maior risco e montaram estruturas altamente alavancadas.
Da mesma forma, os bancos universais também passaram a patrocinar hedge funds,
fornecendo-lhes crédito para suas operações (inclusive compra de "produtos
estruturados"), bem como copiando suas estratégias de negócios. Como afirma
Blackburn12: "os bancos de Wall Street não somente patrocinam hedge funds, mas
cada vez mais passam a se parecer com eles à medida que usam sua posição de
intermediários primários [prime brokers] para alavancar suas apostas e buscar
arbitragens"13. O papel dos hedge funds é crucial, pois eles aparecem em
diversas pontas do processo de alavancagem e difusão de ativos financeiros
(CDO, CDS etc.). Ademais, são os agentes mais difíceis de serem colocados sob o
arcabouço regulatório dos bancos centrais. Ou seja, os hedge funds são os
agentes mais desregulamentados (e, portanto, mais shadow), ao mesmo tempo em
que são extremamente dependentes da liquidez bancária e contribuem para ampliar
o risco sistêmico14. Por sua vez, as GSE, com garantia implícita do setor
público, representaram o espelho dos veículos "fora de balanço" do setor
financeiro privado altamente alavancado15. Belluzzo sublinhou as razões e o
alcance dessa opção estratégica dos integrantes do global shadow banking
system: "em um ambiente de estabilidade e de rendimentos em queda, a busca de
ganhos mais alentados levou aos píncaros as relações entre o valor dos ativos
carregados nas carteiras e o capital próprio das instituições"16.
Também deve ser salientado o papel das agências de classificação de riscos
(rating) na constituição do global shadow banking system. Essas agências
tiveram um crescimento acelerado e registraram forte elevação de lucros com a
expansão da securitização dos ativos de crédito (asset backed securities). Ao
auxiliar as instituições financeiras na montagem dos "pacotes de crédito" que
lastreavam os títulos securitizados de forma a garantir a melhor classificação
possível, as agências tiveram participação relevante na criação do mito que
ativos de crédito bancário podiam ser precificados e negociados como sendo de
"baixo risco" em mercados secundários. Ademais, elas incorreram em sério
conflito de interesses na medida em que parte substancial de seus rendimentos
advinha dessas atividades.
O DESMANCHE DO GLOBAL SHADOW BANKING SYSTEM
Entre junho de 2007 e novembro de 2008, houve vários momentos mais agudos da
crise, com repercussões acentuadas nos mercados interbancários globais17. Esses
momentos ficaram explícitos no comportamento da chamada TED spread a
diferença entre a taxa dos títulos do Tesouro americano de três meses (no
mercado secundário) e a taxa Libor (London Interbank Offered Rate) para os
depósitos em eurodólar de três meses , referência internacional para
empréstimos entre bancos, estimados em US$ 23,3 trilhões, em março de 2008,
pelo Bank for International Settlements (BIS) (ver Gráfico_1). Apesar da
acentuada queda da taxa básica de juros americana e da redução conjunta de
taxas de juros das principais economias desenvolvidas em outubro e novembro de
2008, o spread entre títulos de curto prazo americano e a taxa Libor18
persistiu em patamar elevado. Por um lado, manteve-se elevada incerteza no
mercado interbancário. A falência do banco de investimento Lehman Brothers, em
15 de setembro, acarretou a paralisação das operações interbancárias, e a
desconfiança dos investidores nos sistemas financeiros se espalhou, resultando
em movimentos de pânico nos mercados de ações, de câmbio, de derivativos e de
crédito, em âmbito global. Por outro lado, ampliou-se a preferência pelos
títulos do Tesouro americano, os ativos de última instância do sistema
monetário global, ainda sob o comando do Estado americano, provocando um
movimento de fuga para o dólar, a despeito de Wall Street ser um dos epicentros
da crise. Em 20 de novembro de 2008, com o aumento da demanda, o rendimento
sobre os títulos do Tesouro americano de três meses caiu para 0,01%.
Nesse período, as instituições financeiras não-bancárias sofreram de uma
verdadeira "corrida bancária" contra o global shadow banking system na
expressão de McCulley19, ou de uma "corrida bancária contra não-bancos" segundo
Kedroski20. Em movimentos reveladores da importância que o global shadow
banking system adquiriu, o Federal Reserve e o Tesouro americano tiveram de
estender a diversas dessas instituições (bancos de investimentos e GSE) o
acesso às operações de redesconto com a aceitação de títulos lastreados em
crédito hipotecário e outros e a criação de linhas de crédito aos money
market mutual funds21. O Banco da Inglaterra também adotou medidas semelhantes
através de operações de swaps. Entretanto, essas medidas revelaram-se
insuficientes para conter o "desmanche" do global shadow banking system. Nesse
processo, as instituições, buscando sobreviver, venderam avidamente os ativos
para os quais ainda existia mercado, provocando acentuada desvalorização de
seus preços.
Sem dispor de reservas de capital, com ativos cuja liquidez desapareceu desde a
eclosão da crise em junho de 2007 fazendo com que seu preço deixasse de ter
cotação e confrontados ao expressivo encolhimento de sua fonte de funding, os
grandes bancos de investimentos americanos simplesmente deixaram de existir. Em
março de 2008, a falência do quinto maior banco de investimentos americano
somente tinha sido evitada pela intervenção e pelas garantias de US$ 29 bilhões
ofertadas pelo Federal Reserve para sua compra com grande desvalorização pelo
JP Morgan/Chase (US$ 10 por ação, contra uma cotação de US$ 170, um ano antes).
A recusa das autoridades monetárias americanas em impedir a falência do Lehman
Brothers22 desencadeou a compra do Merrill Lynch pelo Bank of America e o
Goldman Sachs e o Morgan Stanley obtiveram autorização para se transformar em
holding financeiras (financial holding companies), sujeitas às normas de
Basiléia, à supervisão do Federal Reserve e com amplo acesso às operações de
redesconto das autoridades monetárias.
As instituições especializadas em crédito hipotecário sofreram fortes abalos
tanto nos Estados Unidos como na Europa. A primeira corrida bancária na
Inglaterra desde 1860 atingiu o banco Northern Rock, que tomava recursos a
curto prazo (a cada três meses) no interbancário, para emprestá-los a longo
prazo (em média, vinte anos), aos compradores de imóveis23. Com a maior aversão
ao risco, as instituições financeiras cortaram suas linhas de crédito, que
acabou nacionalizado (após receber US$ 98,3 bilhões do Banco da Inglaterra),
mesmo destino do banco especializado em créditos imobiliários e hipotecas
Bradford & Bingley (parte adquirido pelo Santander). Nos Estados Unidos,
essas instituições especializadas em crédito hipotecário são formadas por um
conjunto de bancos regionais. Eles recebem depósitos e, portanto, têm garantias
do Federal Deposit Insurance Corp. (FIDC), mas não têm acesso ao redesconto do
Federal Reserve. Em 11 de julho de 2008, o IndyMacBank sofreu intervenção do
FIDC. Em decorrência de seu colapso, dois efeitos mais imediatos foram
registrados: a) os depositantes no sistema bancário americano com depósitos
superiores ao limite garantido pelo FDIC procuraram redistribuí-los entre
diversos bancos; b) os temores de investidores e depositantes se alastraram
para outras instituições do mesmo tipo, provocando várias novas falências24. O
maior banco desse grupo, Washington Mutual, teve sua falência decretada em
setembro de 2008. Parte de seus ativos foi adquirida do FDIC pelo banco
JPMorgan/Chase.
A acentuada perda de confiança nas instituições com ativos imobiliários atingiu
igualmente as duas grandes agências quase-públicas, criadas com o propósito de
prover liquidez ao mercado imobiliário americano, a Federal National Mortgage
Association (Fannie Mae) e a Federal Home Loan Mortgage Association (Freddie
Mac)25. Essas companhias privadas, com ações negociadas em Bolsa de Valores,
mas consideradas como "patrocinadas pelo governo" (Government Sponsored
Enterprises GSE), conseguiam se financiar a um custo bastante próximo ao do
Tesouro americano (T-bonds) e, simultaneamente, operar de forma muito mais
alavancada que outras instituições financeiras, sustentando um elevado
endividamento Fannie Mae tinha uma dívida total de US$ 800 bilhões e Freddie
Mac, de US$ 740 bilhões com um patrimônio conjunto de apenas US$ 71 bilhões.
As duas companhias carregavam (por meio da emissão de dívida) ou deram
garantias a títulos hipotecários (RMBS) no valor de US$ 4,7 trilhões, o que
representava 32% dos créditos hipotecários nos Estados Unidos (US$ 14,8
trilhões) e equivale a 33% do Produto Interno Bruto (PIB), estimado em US$ 14,3
trilhões em junho de 2008 (ver Tabela_1).
Com a queda do preço dos imóveis, dados em garantias dos empréstimos, que
passaram a valer menos do que as dívidas (hipotecas) e a duplicação no patamar
de inadimplência, as empresas ficaram diante da possibilidade de insolvência
(desequilíbrio patrimonial), ou pelo menos sem capital para continuar
operando26. A inadimplência das hipotecas subprime em sua carteira respondeu
por cerca de 2% das perdas das agências e as hipotecas Alt-A (requerem menor
documentação), cerca de 50%27. Em 30 de julho de 2008, o Congresso americano
autorizou o Tesouro a injetar US$ 100 bilhões em cada uma das instituições e
permitiu o refinanciamento de até US$ 300 bilhões de empréstimos imobiliários,
para manter os proprietários em suas casas e conter as execuções de hipotecas
(foreclosures) e a deflação nos preços dos imóveis.
A inédita ação se explica pela magnitude dos passivos dessas companhias e pelo
fato de parte significativa de seus títulos ter sido adquirido por bancos
centrais estrangeiros. Em junho de 2008, a dívida total das agências federais
americanas detida por estrangeiros somava US$ 1,6 trilhão, sendo US$ 1,1
trilhão em portfólios de credores oficiais e US$ 546,7 bilhões de credores
privados (ver Tabela_2)28. Em outras palavras, títulos emitidos pela Fannie Mae
e pela Freddie Mac foram considerados pelos gestores das reservas
internacionais como tão "sem riscos" quanto os títulos do Tesouro americano
(US$ 1,8 trilhão), com a vantagem de oferecer rendimentos um pouco mais
elevados.
É importante relembrar que os primeiros sinais da eclosão da crise atingiram os
hedge funds. Entre junho e agosto de 2007, diversos hedge funds geridos por
bancos comerciais e de investimento anunciaram pesadas perdas com ativos
garantidos por hipotecas subprime e foram fechados, mas a seqüência dos
acontecimentos foi menos destrutiva para essas instituições financeiras que
administram ativos estimados em US$ 2 trilhões e operam com grau de alavancagem
extremamente elevado. Alguns fatores podem explicar este grau relativo de
"sobrevivência".
Em primeiro lugar, é preciso levar em conta o fato de grande parte dessas
instituições, por serem menores, apresentar uma maior agilidade, o que lhes
permitiu assumir mais rapidamente posições defensivas nos mercados. Essas
posições defensivas implicaram as vendas dos ativos e a realização de novas
posições "vendidas", o que colocou mais pressão em seus preços. A Securities
and Exchange Commission (SEC) procurou limitar este efeito proibindo a
realização de vendas a descoberto de ações de diversas empresas, notadamente do
conjunto das instituições financeiras. Esse movimento foi seguido pelas
autoridades de supervisão dos mercados das economias desenvolvidas (como o
Reino Unido).
Em segundo lugar, embora eles compartilhem a denominação genérica de hedge
funds, existe uma grande diversidade nas estratégias adotadas. Essa diversidade
aparece claramente em seus resultados. Segundo a publicação especializada Hedge
World29 de 08/10/2008, na média, os hedge funds tiveram perdas de 9,41% no ano,
bastante inferiores às registradas, por exemplo, pelos tradicionais fundos
mútuos de ações. Os maiores perdedores foram aqueles que se concentraram em
operações com commodities e energia, com perdas de 20,84% no ano; enquanto os
maiores ganhadores foram os que se concentraram em posições vendidas em ações e
registraram lucros de 15,14% no ano, apesar da proibição temporária da SEC (e
outras agências) de posições vendidas sem cobertura em ações de instituições
financeiras.
Em terceiro lugar, deve ser ressaltada uma característica própria aos hedge
funds: os pedidos de resgates dos cotistas somente são possíveis em datas
predeterminadas (na maior parte, nos finais de trimestres) e os reembolsos
apenas três meses depois. Esta característica não os isolou do caos financeiro
vivido pelas demais instituições, mas lhes concedeu um tempo suplementar para
reduzir posições quando previam resgates elevados. A aceleração da crise elevou
os pedidos de resgate no fim de setembro de 2008, ocasionando nova e gigantesca
rodada de desalavancagem, tornando ainda mais nebuloso o destino desses fundos.
Segundo a Economist, de novembro de 2008:
Nos próximos quadrimestres, o impacto (da crise) deverá ser brutal.
Entre 1990 e o ano passado, os ativos geridos pelos hedge funds
multiplicaram-se quase cinqüenta vezes para algo como US$ 2 trilhões.
Agora, seus executivos prevêem que os ativos podem cair 30-40%, com
os clientes correndo para a saída. O número de fundos que tinha
crescido para mais de 7 mil [...] pode ser reduzido à metade.
Last but not least, as seguradoras assumiram posições relevantes no global
shadow banking system. Persaud30 já chamava a atenção para o fato de os juros
baixos fazerem com que as seguradoras não pudessem mais se contentar em
investir suas reservas técnicas em ativos de baixo risco para atingir o
benchmark necessário ao cumprimento de suas obrigações. Para obter o rendimento
necessário, elas se moveram coletivamente para graus de riscos mais elevados.
Esse deslocamento das aplicações das seguradoras intensificou-se muito no
período recente de "euforia". Diversas seguradoras divulgaram enormes prejuízos
financeiros, algumas de porte médio faliram. O caso mais espetacular foi o da
maior seguradora do mundo, a American International Group Inc. (AIG). Antes de
ser socorrida pelo Federal Reserve, esta instituição tinha declarado US$ 321
bilhões em perdas e baixas contábeis. Ademais, tinha assumido posição de venda
de proteção contra riscos de crédito de mais de US$ 460 bilhões, incluindo US$
60,6 bilhões em proteção para ativos vinculados às hipotecas subprime31. Em 16
de setembro de 2008, o Federal Reserve concedeu um empréstimo de US$ 85 bilhões
à AIG, posteriormente elevado para US$ 150 bilhões, cobrando juros elevados e
recebendo, em garantia, ações que lhe dão o direito de ter mais de 80% do
capital votante32. Segundo Morris33, a inédita ação resultou da imensa posição
assumida pela AIG como vendedora de proteção no mercado de derivativos de
crédito. Meses após as ações dos grandes bancos de investimento terem sofrido
quedas espetaculares, as ações das companhias seguradoras passaram a ter o
mesmo destino, sugerindo a possibilidade de novas falências e de um forte
movimento de consolidação do setor. Acresça-se ainda que, apesar da falta de
informações confiáveis, sabe-se que, além de seu papel no global shadow banking
system, a deflação de ativos afetou profundamente tanto fundos de pensão como
incontáveis fundos mútuos ao redor do mundo34.
Paralelamente, os bancos universais contrapartes do global shadow banking
system registraram prejuízos crescentes. As estimativas das perdas são
incompletas e conflitantes35. Para o FMI36, as perdas de hipotecas e de ativos
respaldados por hipotecas podem atingir a US$ 1,4 trilhão. O mesmo documento
aponta que essas perdas podem ser maiores ainda se as economias desenvolvidas
continuarem se deteriorando. Com efeito, o pior ainda pode estar por vir. Em
primeiro lugar, a inadimplência começa a se espalhar para outras formas de
crédito ao consumidor, bem como a atingir devedores de crédito hipotecário
considerados de menor risco que os subprime. Em segundo lugar, é preciso levar
em conta que a maior parte dos empréstimos hipotecários subprime foi concedida
com condições que tornavam as prestações iniciais baixas, mas que, passados um
ou dois anos, subiam de forma acentuada. De acordo com o Barclays Capital, no
último trimestre de 2008, pode haver aproximadamente US$ 7 bilhões em
empréstimos pendentes cujas prestações serão reajustadas. O valor subirá para
cerca de US$ 20 bilhões no terceiro trimestre de 2009, e no segundo trimestre
de 2010 poderá atingir a US$ 32 bilhões. O aumento médio dos pagamentos mensais
será de 30% no início de 2009, e poderá alcançar a 80% no final de 201137. Em
terceiro lugar, a maior fonte de potenciais prejuízos suplementares resultado
do desmanche do shadow banking system é o aguçamento do risco de contraparte
nos mercados de derivativos financeiros, isto é, o risco de as instituições que
aceitaram assumir os riscos de crédito dos bancos não conseguirem honrar seus
compromissos. A evolução deste risco será tratada adiante.
Perante as perdas, os grandes bancos foram obrigados, repetidas vezes, a sair
em busca de novos e cada vez mais custosos aportes de capitais, em particular
de fundos soberanos, para reforçar seus balanços de forma a se readequar aos
critérios de Basiléia38. Essa necessidade foi recorrente porque se manifestou,
a cada vez, que os bancos teriam sido levados a reconhecer novos prejuízos. Uma
das fontes de pressões por novos capitais foi a necessidade de recolocar nos
balanços os ativos deslocados para os SIV, uma das entidades do global shadow
banking system. Apenas para citar um exemplo, o Citigroup foi forçado a fechar
sete SIV em dezembro de 2007, assumindo US$ 58 bilhões em dívidas; em 19 de
novembro de 2008, adquiriu mais US$ 17,4 bilhões de outros SIV, deteriorando
seu balanço. O UBS apontou que desde meados do ano de 2007 "perto de US$ 265
bilhões de capital foram captados pelos bancos, dos quais US$ 165 bilhões pelos
bancos americanos e US$ 97 bilhões por europeus"39. Ressaltou que "o setor
ainda necessitaria de mais capital" e concluía que "continuar levantando
capital será cada vez mais difícil em função do cansaço dos investidores [...]
e do fato que novas captações terão de ser feitas através da colocação de
ações"40. A Bloomberg, por sua vez, estimou uma injeção de capital da ordem de
US$ 352,9 bilhões nos cem maiores bancos universais e de investimento, até 12
de agosto de 2008. Em início de outubro, os imensos planos públicos de socorro
aos bancos e a ampliação das garantias aos depósitos mostraram que tais
estimativas estavam bem aquém da realidade e que os balanços dos bancos
comerciais, embora mais sólidos que os dos integrantes do global shadow banking
system, também estavam imensamente fragilizados.
UMA TEIA OPACA DE INTER-RELACIONAMENTO FINANCEIRO INTERNACIONAL
A arquitetura financeira desmantelada pela crise se desenvolveu ao longo das
últimas décadas tendo como pano de fundo as complexas relações que se
estabeleceram entre instituições financeiras nos opacos mercados de balcão.
Isso ocorreu em um contexto que foi outorgada ampla liberdade de ação aos
agentes financeiros. As instituições de supervisão e regulação estavam
convictas de que os mecanismos de governança corporativa e os instrumentos de
gestão e monitoramento dos riscos bancários haviam evoluído a tal ponto que
suas decisões poderiam ser consideradas as mais apropriadas e eficientes para
se evitar a ocorrência de episódios que desembocariam em risco sistêmico.
A inexistência de uma câmara de compensação bem como a ausência de normas e
especificações das operações são as características comuns aos ativos
negociados no mercado de balcão. Esses instrumentos são livremente negociados
entre as instituições financeiras e entre estas e seus clientes, fazendo com
que as posições dos participantes sejam totalmente opacas. As negociações
nesses mercados acabaram formando uma extensa e intrincada teia de créditos e
débitos entre as instituições financeiras. Nem os reguladores conseguem ter uma
idéia dos riscos cruzados e das posições das diversas instituições financeiras.
Ademais, os produtos negociados no mercado de balcão não têm cotação oficial.
Os preços são livremente acordados entre as partes e não são transparentes, uma
vez que não são tornados públicos. Essa falta de transparência nos preços nos
mercados de balcão, notadamente nos que apresentam baixa liquidez ou em
montagens complexas e sofisticadas, pode impedir ou dificultar sua avaliação no
decorrer do período em que a posição é mantida. A prática contábil de mark-to-
market (ajustar a preços de mercado), conforme as recomendações dos organismos
internacionais de supervisão e regulamentação, de forma a permitir uma
avaliação do valor das posições, pode não ter referência clara e ser apenas
aproximativa no que se refere aos derivativos de balcão, envolvendo consultas a
outros intermediários financeiros ou cálculos segundo modelos matemáticos
complexos. Já durante o final da década de 1990, alguns rumorosos casos de
elevados prejuízos em mercados de balcão só foram detectados pelas empresas nos
seus vencimentos e não durante o decurso da operação e estiveram na origem de
diversos processos judiciais contra as instituições financeiras que
intermediaram as operações.
Na atual crise, o problema ressurgiu de forma mais aguda. No final de 2006, o
Financial Accounting Standards Board (FASB), que regulamenta as informações
contábeis das instituições financeiras, introduziu nova classificação dos
ativos financeiros para efeito de apuração de seus preços. O nível 1 compreende
os ativos cujos preços são formados em mercados líquidos; o nível 2 inclui os
ativos cujos preços dependem de modelos com inputs baseados em preços de ativos
negociados em mercados; o nível 3 refere-se a ativos cujos mercados são os
menos líquidos e cujos preços só podem ser obtidos usando-se modelos
matemáticos. No nível 2, encontra-se boa parte dos derivativos de balcão,
enquanto os ativos lastreados em hipotecas ou outros tipos de crédito e
investimentos em private equity estão no nível 341. O investidor Warren Buffett
declarou à revista Fortune que essas instituições "estão marcando a modelo ao
invés de marcar a mercado. A recente derrocada nos mercados de dívida
transformou este processo em uma marcação a mito".
As novas normas contábeis, que deveriam garantir a estabilidade e a
transparência do sistema, contribuíram para aumentar sua volatilidade e falta
de transparência, provocando com isso uma crise de liquidez acompanhada de uma
crise de confiança. Com efeito, os ativos de nível 1 somente representavam algo
próximo de 9% dos ativos totais das instituições financeiras americanas,
enquanto os de níveis 2 e 3 constituíam os 91% restantes. Assim, é difícil
negar que essas instituições financeiras detinham ativos pouco líquidos em
excesso, que a crise financeira se encarregou de reprecificar em níveis
próximos de zero42.
A elevadíssima alavancagem das instituições financeiras repousa também na
negociação de derivativos financeiros. Por meio desses instrumentos que
requerem um pagamento inicial baixíssimo ou, em alguns casos, nulo, as
instituições financeiras tanto buscam cobertura de seus riscos de câmbio, de
juros e de preços de mercado de outros ativos como especulam sobre a tendência
desses preços ou efetuam operações de arbitragem. A expansão dos mercados de
balcão que já ocorria num ritmo extremamente rápido, desde o final da década de
1980, acelerou-se mais ainda a partir do final da década de 1990, com o
surgimento e intensa negociação dos derivativos de crédito. Esses mercados
negociam igualmente títulos oriundos da securitização dos créditos concedidos
pelos bancos comerciais combinados com algum tipo de derivativos que recebem o
nome genérico de "produtos estruturados".
Uma volatilidade elevada em mercados muito alavancados pode resultar em
prejuízos superiores ao patrimônio das instituições, além de levar a um
repentino aumento da percepção de riscos suplementares, num montante
consolidado e numa distribuição desconhecidos. As próprias características dos
mecanismos de transferência de riscos introduziram novas incertezas. Não se
sabe se os riscos foram diluídos entre um grande número de pequenos
especuladores ou se concentrados em algumas carteiras. Dessa forma, um ano após
a eclosão da crise os prejuízos persistiram incomensuráveis e sua distribuição
continuou em grande parte desconhecida, contribuindo para contrair o volume de
crédito (credit crunch), manter elevadas as taxas de empréstimo, acentuar o
desconforto e, por vezes, o pânico dos investidores, desvalorizando ativos
mobiliários e imobiliários, além de provocar o empoçamento da liquidez nos
mercados interbancários.
Nos mercados organizados, a transferência dos ganhos e perdas é organizada e
garantida pelas câmaras de compensação. Nos mercados de balcão, a inexistência
dessas câmaras de compensação coloca em evidência um elevado risco de
inadimplência da contraparte perdedora. Dessa forma, aumentam os riscos
potenciais dos derivativos de balcão em relação aos negociados em mercados
organizados. A acentuada expansão, no início deste milênio, dos derivativos de
crédito ampliou fortemente os riscos agregados presentes nos mercados de
balcão. Esses derivativos nasceram da constatação do crescente fosso entre
técnicas sofisticadas de gestão dos riscos de juros, câmbio e de mercado e dos
modos mais tradicionais disponíveis para a gestão dos riscos de crédito
(securitização, diversificação de carteira, garantias colaterais, limites
operacionais etc.). Sabe-se que os mercados de derivativos financeiros
constituem um jogo de soma zero em que as perdas de uns correspondem exatamente
aos ganhos de outros, se excetuarmos os custos de transação. No agregado, só se
pode ganhar, nos mercados de derivativos, os valores perdidos por outros
participantes. Mas essa característica assume importância maior nos derivativos
de crédito, porque neles o risco envolve o principal da operação, enquanto nos
demais derivativos o risco está na margem (vender mais barato que comprou ou
comprar mais caro que vendeu).
Utilizando os mecanismos já existentes de swaps, os derivativos de crédito
permitiram que os bancos retirassem riscos de seus balanços, ao mesmo tempo em
que as instituições financeiras do global shadow banking system passaram a ter
novas formas de assumir exposição aos riscos e rendimentos do mercado de
crédito. Os mais utilizados foram os swaps de inadimplência de crédito (credit
default swaps, CDS) que transferem o risco de crédito entre o agente que
adquire proteção e a contraparte que aceita vender proteção43. Por esse
mecanismo, o detentor de uma carteira de crédito compra proteção (paga um
prêmio) do vendedor de proteção. Em troca, esse assume, por um prazo
predeterminado, o compromisso de efetuar o pagamento das somas combinadas nos
casos especificados em contrato, que vão de inadimplência ou falência à redução
da classificação de crédito ou outros eventos que possam causar queda do valor
da carteira.
Não sendo "originadoras" de crédito, as instituições do global shadow banking
system assumiram, sobretudo, a posição vendida nesses derivativos, pois dessa
forma podiam reproduzir "sinteticamente" a exposição ao crédito e aos seus
rendimentos. Os dados apurados pelo Bank for International Settlements (BIS)
indicam: a) o crescimento renitente dos derivativos de balcão que, em junho de
2008, alcançaram US$ 683,7 trilhões em valores nocionais (praticamente 11 vezes
o PIB mundial estimado em US$ 62 trilhões) e US$ 20,3 trilhões em valores
brutos de substituição a preço de mercado44, ou seja, um aumento de 28,7% em
relação ao semestre anterior (ver Tabela_3); b) uma elevação extremamente
acelerada dos valores nocionais e valores brutos de mercado dos CDS
(derivativos de crédito), entre junho de 2007 e junho de 2008, num período em
que os negócios com produtos estruturados ligados ao crédito foram praticamente
inexistentes. Os valores nocionais de CDS atingiram US$ 57,3 trilhões e os
valores brutos de substituição a preço de mercado, US$ 3,2 trilhões.
O forte aumento nos prêmios dos CDS decorrentes da crise aparece claramente
nestes dados: para um aumento de 34,6% no valor nocional dos CDS entre junho de
2007 e junho de 2008, registrou-se uma alta de 339,9% no seu valor bruto de
substituição a preço de mercado (ver Tabela_3). Ademais, a elevação dos valores
nocionais dos derivativos de crédito num período tão conturbado indica que pode
ter ocorrido, alternativa ou cumulativamente, dois fenômenos: a) prêmios mais
elevados atraíram novos especuladores dispostos a assumir os riscos de crédito
para os quais muitos procuravam cobertura; b) diante da impossibilidade de
liquidar posições antecipadamente, agentes com uma percepção de riscos mais
elevada realizaram, para este fim, operações "com sinal trocado" com outras
contrapartes que são contabilizadas até seu vencimento nos agregados divulgados
pelo BIS.
As instituições que tinham assumido posições vendidas nos CDS amargaram
altíssimos prejuízos em função da alta dos prêmios iniciada em 2007, mas que se
acentuou a partir de setembro de 2008. Esses riscos oriundos dos créditos
bancários às famílias e às empresas foram assumidos, sobretudo, pelas
instituições financeiras não-bancárias. Mas, o fato desses riscos terem sido
transferidos não os anulou, eles permaneceram presentes no mesmo montante
consolidado. Essa transferência de riscos significou apenas que eles deixaram
de incidir no balanço da instituição que originou o crédito e passaram a ser de
responsabilidade da outra instituição que constituiu a contraparte da operação.
De forma agregada, as instituições financeiras do global shadow banking system
passaram a ser as contrapartes dos bancos nessas operações uma vez que optaram
por ter um acesso considerado altamente remunerador às operações de crédito.
Bastava captar recursos no mercado de títulos de curto prazo e adquirir os
títulos de longo prazo com lastro em crédito e/ou assumir posições vendidas em
proteção contra os riscos de crédito no mercado de derivativos para reproduzir
"sinteticamente" uma operação de crédito. Dessa forma, os mercados de balcão
tornaram-se o palco de negociação tanto de ativos como de passivos das
instituições financeiras. Enquanto tal, eles se transformaram em fonte de
funding e de investimentos para as instituições financeiras que deles
participavam.
Foi a partir desta transferência de riscos pelos bancos que ocorreu o "milagre"
de sua multiplicação. Nos casos em que esses riscos foram transferidos dos
balanços dos bancos para outras instituições financeiras por meio de títulos
securitizados e produtos estruturados, esses ativos foram "reempacotados" e
deram origem a outros ativos que, por sua vez, foram vendidos a outras
instituições. Enquanto estas operações se restringiram às transações no mercado
à vista, eram os riscos originais que iam sendo trocados de mãos. Mas, ao serem
acoplados aos derivativos de crédito, esses ativos deram origem a "ativos
sintéticos", isto é, ativos que replicavam os riscos e retornos dos ativos
originais, sem que fosse necessário possuí-los. Estes ativos "virtuais"45
possuem tal propriedade porque negociam compromisso futuros de compra e venda
de ativos, mediante o pagamento de um "sinal", o que abre a possibilidade de
vender o que não se possui e/ou comprar o que não se deseja possuir. Nos
mercados de balcão, multiplicaram-se as mais diversas combinações "virtuais"
dos ativos de crédito securitizados com operações de derivativos de crédito. Os
"produtos estruturados", que haviam permitido realizações de lucros recordes,
se transformaram, para retomar a expressão do mesmo Warren Buffett, em "armas
de destruição em massa"46.
Na construção dessa pirâmide, os riscos originais foram multiplicados por um
fator n e sua distribuição passou a constituir uma incógnita. Os riscos de
crédito bancário, que saíram dos balanços dos bancos, transformaram-se em
riscos de contraparte, dependentes da capacidade de pagamento dos agentes que
os assumiram no conjunto da pirâmide.
A introdução e forte expansão nos mercados de balcão dos derivativos de
crédito, isto é, a transformação de partes constitutivas dos ativos bancários
em ativos negociáveis fez com que o sistema bancário e o global shadow banking
system se interpenetrassem de modo quase inextrincável47. Os prejuízos das
instituições participantes do global shadow banking system acabaram, em parte,
achando seu caminho para os balanços dos bancos. Alguns bancos (por exemplo, o
Citibank) tinham incluído opções de venda (que davam a seu detentor a
possibilidade de revender o ativo a um preço predeterminado) nos títulos de
securitização de crédito. Essas opções foram exercidas, obrigando os bancos a
recomprar os ativos no momento em que sua liquidez desapareceu e seus preços
tenderam a zero. Os diversos SIV tinham a garantia dos bancos patrocinadores.
Em outros casos, esses novos intermediários possuíam linhas de crédito pré-
aprovadas com bancos universais que foram amplamente utilizadas após a eclosão
da crise.
Nos derivativos de crédito, além dos prejuízos ocasionados aos vendedores de
proteção pela alta dos preços dos CDS, agregaram-se, em primeiro lugar, os
prejuízos decorrentes da concretização dos eventos de crédito incluídos nos
contratos de CDS. Verificou-se que esta definição costumava ser muito ampla,
incluindo, além de falência, necessidades de recapitalização. Isto fez com que
a proteção conferida por CDS que tinham por ativo subjacente os títulos das
GSE, dos bancos hipotecários e da AIG, por exemplo, fosse exercida, obrigando
os vendedores de proteção a cumprir o compromisso assumido de efetuar o
pagamento das somas predeterminadas aos que compraram esta proteção. Assim, em
6 de outubro de 2008 ocorreu a liquidação dos contratos vinculados às GSE num
volume estimado entre US$ 200 bilhões e US$ 500 bilhões. Apesar das garantias
do Tesouro, esta liquidação acabou gerando um prejuízo estimado entre US$ 2
bilhões a US$ 5 bilhões aos vendedores de proteção. A liquidação dos CDS
atrelados ao Lehman Brothers no dia 10 de outubro foi geradora de prejuízos
muito mais elevados, com pagamentos por parte dos vendedores de proteção
estimados em mais de US$ 400 bilhões.
Em segundo lugar, falta contabilizar os prejuízos decorrentes do risco de
contraparte das instituições do global shadow banking system. Boa parte dessas
instituições que tinham assumido a contraparte dos riscos transferidos pelos
bancos não apresenta condições de honrar os compromissos assumidos que
continuam crescendo num ritmo infernal. Seus credores, os bancos universais,
tampouco têm condições de prescindir desses pagamentos. Enfim, o papel complexo
e obscuro desempenhado por esse conjunto de instituições e pelos instrumentos
financeiros negociados nos mercados de balcão multiplicaram os riscos e
tornaram sua distribuição desconhecida. Isso dificulta e prolonga uma solução
negociada para a crise.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da magnitude das perdas e dos recursos públicos envolvidos na tentativa
de se restabelecer a confiança, ficou evidente a fragilidade do sistema
financeiro desregulamentado, liberalizado e supervisionado de forma
displicente, que fomentou a expansão do global shadow banking system. O resgate
das agências hipotecárias (Fannie Mae e Freddie Mac) e da seguradora American
Insurance Group (AIG), o desaparecimento dos cinco grandes bancos de
investimento de Wall Street (Bear Sterns, Lehman Brothers, Merril Lynch,
Goldman Sachs, Morgan Stanley), a falência de diversos bancos hipotecários, de
fundos de investimentos, de hedge funds, de private equities funds aceleraram
um processo de enxugamento desse gigantesco "sistema financeiro paralelo" que
proliferou inovações cada vez mais complexas e opacas.
A quebra das instituições insolventes e o desaparecimento da liquidez dos
instrumentos financeiros mais exóticos foram promovendo um acentuado processo
de desalavancagem e uma reconfiguração forçada do sistema financeiro global48.
Foi promovendo ainda um enquadramento das instituições sob a regulação e
supervisão do Federal Reserve System e dos outros bancos centrais (Reino Unido,
União Européia, Suíça, Japão, Canadá etc.). Todavia, o risco sistêmico de um
desmoronamento do sistema financeiro como um todo tornou cada vez mais
inevitável a adoção de um sistema mais abrangente de regulação e supervisão.
Isso deverá implicar uma consolidação das diversas agências regulatórias, tanto
na Europa como nos Estados Unidos. A crise revelou a obsolescência das
estruturas de supervisão descentralizadas, dado o grau de imbricação entre as
diversas instituições financeiras (bancos, fundos de pensão, seguradoras,
fundos de investimento) e mercados (de crédito, de capitais e de derivativos).
Destaca-se que essa questão já foi encaminhada pelo governo americano. Um dos
pilares da proposta de reestruturação da estrutura regulatória do sistema
financeiro dos Estados Unidos, encaminhada ao Congresso no final de março de
2008, consistiu exatamente na consolidação das diversas agências reguladoras do
país. Ademais, nessa proposta, o Federal Reserve teria poderes ampliados,
passando a supervisionar, além das holdings financeiras, os bancos de
investimento, seguradoras e fundos de investimento (inclusive hedge funds).
Dessa forma, as novas regras para o funcionamento dos sistemas financeiros
parecem caminhar para um aperfeiçoamento do Acordo de Basiléia II em âmbito
global, naquilo que vem sendo chamado de "auto-regulação supervisionada", com
alguma regra sobre o grau de alavancagem, testes de estresse para novos
instrumentos e governança corporativa que reflete as responsabilidades
fiduciárias das instituições financeiras49. As instituições financeiras
internacionalmente ativas ou não serão enquadradas nas normas de capital
ponderado pelos riscos, nos sistemas de monitoramento e gestão de riscos cada
vez mais sofisticados. Os mercados de derivativos de balcão, sobretudo, os
derivativos de crédito, serão dotados de câmaras de compensação50.
[1] Artigo elaborado com informações disponíveis até 20 de novembro de 2008. Os
autores agradecem os comentários e sugestões da equipe do Cecon - Ricardo
Carneiro, Antonio C. M. e Silva, Daniela Prates, Francisco Lopreato, André
Biancareli, Emerson Marçal e Eliana Ribeiro -, de M. Cristina Penido, de José
Carlos Braga, de Rafael Cagnin e de André Scherer.
[2] Em função das limitações do escopo, não será efetuada uma abordagem teórica
das inovações financeiras e institucionais, nem será realizada uma análise da
dinâmica da crise, por meio dos processos de inflação e de deflação dos ativos
mobiliários e financeiros, característicos dos ciclos finance-led. Para essas
discussões, ver, entre outros, Minsky, Hyman P. Stabilizing an unstable economy
(New Haven: Yale University Press, 1986); Coutinho, Luciano
G. e Belluzzo, Luiz G. M. "Desenvolvimento e estabilização sob finanças
globalizadas" (Economia e Sociedade, nº 7, Campinas: IE/Unicamp, 1996, pp. 129-
54); Aglietta, M. Macroeconomia financeira (2 vols. São
Paulo: Edições Loyola, 2004); Kregel, Jan. "Minsky's cushions
of safety: systemic risk and the crisis in the U.S. subprime mortgage market"
(Public Policy Brief No. 93, The Levy Economics Institute of Bard College,
January 2008 [Disponível em <www.levy.org>, acessado em 24/11/2008] ); Guttmann, Robert e Plihon, Dominique. Consumer debt at the center
of finance-led capitalism (Paris, jan. 2008 [mimeo] );
Freitas, M. Cristina P. de e Cintra, Marcos A. M. "Inflação e deflação de
ativos a partir do mercado imobiliário americano" (Revista de Economia
Política, vol. 28, nº 3 (111), São Paulo, Editora 34, jul-set. 2008 [Disponível
em <www.rep.org.br>, acessado em 24/11/2008] ); e Aglietta, M.
e outros. De la crise financière à l'enjeu d'une meilleure évaluation des
crédits structurés (Paris: Ouest la Défense/EconomiX et Cepii, Avril 2008).
[3] McCulley, Paul. "Teton reflections". Global Central Bank Focus, ago-set.
2007 [Disponível em <www.pimco.com/LeftNav/Featured+Market+Commentary/FF/2007/
GCBF+August-+Sep_tember+2007.htm> ].
[4] Cintra, M. A. M. e Prates, Daniela M. Basel II in question: the unfolding
of the US real estate crisis. Paper preparado para o Workshop on Financial
Liberalization and Global Governance, Rio de Janeiro, 8 e 9 de maio de 2008.
Evento organizado pelo IBase e pela Fundação Ford [Disponível em
<www.ibase.org.br> ] e Freitas, Jean T. Estabilidade
financeira em países em desenvolvimento e Acordos de Basiléia. Campinas:
dissertação de mestrado, IE/Unicamp, 2008.
[5] Operam como intermediários entre um comprador e um vendedor, geralmente
cobrando uma comissão, e atuam por sua própria conta e risco em negociações de
valores mobiliários.
[6] Keynes, J. M. Treatise on money. The collected writings of John Maynard
Keynes, vols. 5 e 6. Organizado por D. E. Moggridge, D. E. Londres: Macmillan,
1971 [1930] .
[7] Chick, V. "A evolução do sistema bancário e a teoria da poupança, do
investimento e dos juros". Ensaios FEE, ano 15, nº 1, Porto Alegre, 1994, pp.
9-23,
[8] Farhi, Maryse. Novos instrumentos e práticas na finança internacional.
Campinas: Instituto de Economia; São Paulo: Fapesp, 2002 (Relatório de pesquisa
de pós-doutorado).
[9] Essas entidades tendem a se diferenciar pelo tamanho e composição do ativo
e passivo. Em geral, os conduits tendem a ser maiores e menos arriscados,
enquanto os SIV e os SIV-lites operam com alta alavancagem. Todos eles têm
algum mecanismo de liquidez total ou parcial garantido pelas instituições
patrocinadoras (IMF. Global financial stability report. Washington, D.C.:
International Monetary Fund, abr. 2008-out. 2008).
[10] Reilly, D. e Mollenkamp, C. "Conduits' in need of a fix". The Wall Street
Journal, 30/08/2007.
[11] Kregel, op. cit.; Guttmann e Plihon, op. cit.; e Freitas e Cintra, op.
cit.
[12] Blackburn, Robin. "The subprime crisis". New Left Review, nº 50, Londres,
mar.-apr. 2008, p. 90.
[13] Para maiores discussões sobre a emulação das estratégias dos hedge funds
pelos bancos universais, Cintra, Marcos A. M.; Cagnin, Rafael F. "Evolução da
estrutura e da dinâmica das finanças norte-americanas". Econômica, v.9, nº 1,
Rio de Janeiro, p.89-131, dezembro de 2007. De acordo com a
Economist: "And funds-of-hedge-funds, which act as intermediaries for private
banks, some institutions and individuals who are merely affluent, have become
hugely important. They supply more than 46% of industry assets under
management, compared with only 5% in 1990" (The Economist. "The incredible
shrinking funds". Londres, 23/10/2008 [Disponível em <www.economist.com/
finance/displaystory.cfm?story_-id=12465372>, acessado em 24/11/2008] ).
[14] Aglietta, Michel e Rigot, Sandra. La réglementation des hedge funds face à
la crise financière: une contribution au débat. Paris: Ouest la Défense/
EconomiX et Cepii, 2008 (mimeo).
[15] As GSE também têm presença ativa nos mercados de swaps de taxas de juros e
nos derivativos de crédito (ver <www.ofheo.gov/Media/Archive/docs/reports/
sysrisk.pdf> e The Economist, "End of illusions", 17/07/2008).
[16] Belluzzo, Luiz G. M. "Salvação de moribundos". Carta Capital, ano XIV, nº
505. São Paulo, 23/07/2008, pp. 54-55.
[17] Para uma cronologia mais detalhada dos principais fatos relacionados com a
crise, ver, entre outros, BIS. 78th Annual Report. Basle: Bank for
International Settlements, June 30 2008, 109-110; Borio, C.
The financial turmoil of 2007-?: a preliminary assessment and some policy
considerations. BIS Working Papers, nº 251. Basle: BIS/Monetary and Economic
Department, mar. 2008; e Fundap. Panorama e perspectiva das
economias avançadas: sob o signo da crise. São Paulo, Grupo de Conjuntura da
Fundap, 05/11/2008 [Disponível em <www.fundap.sp.gov.br/debatesfundap/pdf/
conjuntura/Panorama_-e-perspectivas-das-economias-avan%C3%A7adas.pdf>, acessado
em 24/11/2008] ).
[18] Salienta-se que o Wall Street Journal levantou a suspeita de que alguns
bancos - Citigroup, JP Morgan Chase, UBS, WestLB e HBOS PLC - estariam
informando seus custos de captação para o cálculo da Libor significativamente
menores do que outras medidas do mercado, como o seguro contra inadimplência
(CDS). Esses bancos são membros do grupo de dezesseis instituições financeiras
cujas taxas são usadas para definir a Libor em dólares. Segundo o WSJ, "entre
janeiro e abril, com o temor crescente de quebra de bancos, as duas medidas
começaram a divergir e as taxas reportadas para a Libor deixaram de refletir o
aumento no custo dos seguros de inadimplência. [...] Uma possível explicação
para essa diferença é que os bancos reportaram taxas de captações inferiores às
reais" (Mollenkamp, Carrick e Whitehouse, Mark. "Análise corrobora crença de
que Libor pode estar menos precisa". Valor Online, São Paulo, 29/05/2008
(publicado originalmente em The Wall Street Journal, 2008).
[19] McCulley, Paul. Comments on housing and the monetary transmission
mechanism, set. 2007 [Disponível em <www.econbrowser.com/ar_chives/2007/09/
comments-on-hou.html>, acessado em 24/11/ 2008] .
[20] Kedrosky, P. The First non-bank bank run, 03/09/2007 [Disponível em <http:
//paul.kedrosky.com/archives/2007/09/03/the_-first_-nonba.html>, acessado em
24/11/ 2008] .
[21] Até o momento, os hedge funds, as seguradoras e os fundos de pensão não
tiveram acesso a essas operações.
[22] Segundo L. C. Mendonça de Barros: "Quando quebrou, o banco de investimento
Lehman Brothers tinha US$ 650 bilhões em compromissos, contra um capital de US$
20 bilhões" ("Muito pouco, muito tarde...". Folha de S.Paulo, 19/09/2008, p.
B2). Mas verificou-se a posteriori que a sua falência teve
efeitos nefastos, acentuando as incertezas e o empoçamento de liquidez. Ver,
por exemplo, "Lehman's demise triggered cash crunch around globe" (The Wall
Street Journal, 29/10/2008). O fato de o Tesouro americano
ter, após várias peripécias, aceitado recapitalizar os bancos, a exemplo da
Comunidade Européia, tem sido visto como a confissão deste equívoco.
[23] Ndong, Sonia O. e Scialom, Laurence. Northern Rock: the anatomy of a
crisis - the prudential lessons. Apresentado no North American Economic and
Financial Association Conference, Honolulu, jun-jul. 2008 (mimeo).
[24] As garantias do FDIC que se estendiam até US$ 100 mil por conta foram
elevadas para US$ 250 mil pelo chamado "Plano Paulson", aprovado pelo Congresso
americano no início de outubro de 2008.
[25] Após a crise de 1982, o sistema de financiamento imobiliário americano tem
sido ancorado por quatro instituições, além dos bancos hipotecários e das
instituições de poupança (S&L): Federal Housing Administration (FHA),
Government National Mortgage Association (Ginnie Mae), Federal National
Mortgage Association (Fannie Mae) e Federal Home Loan Mortgage Corporation
(Freddie Mac). Todo o sistema foi construído por garantias públicas diretas ou
indiretas. Para maiores informações sobre o sistema financeiro imobiliário
americano, ver Cagnin, Rafael F. O mercado imobiliário e a recuperação
econômica dos Estados Unidos após 2002 (Campinas: dissertação de mestrado, IE/
Unicamp, 2007).
[26] Torres Filho, Ernani T. e Borça Jr., Gilberto R. "A crise do subprime
ainda não acabou". Visão do Desenvolvimento, nº 50. Rio de Janeiro: BNDES, 14/
07/2008 [Disponível em <www.bndes.gov.br/conhecimento/visao/visao-50.pdf>,
acessado em 24/11/2008] .
[27] Para maiores informações, ver <www.fanniemae.com/media/pdf/webcast/
080808transcript.pdf>, acessado em 24/11/2008.
[28] De acordo com o Tesouro americano, os maiores detentores das dívidas das
agências americanas eram China e Japão.
[29] Ver U.S. hedge funds losses balloon <www.hedgeworld.com:80/news/read-
newsletter-aa.cgi?section=indx&story=indx1307.html>, acessado em 24/11/
2008.
[30] Persaud, Avinash. Where have all the risks gone. Londres: Gresham College,
2002 [Disponível em <www.gresham.ac.uk>, acessado em 24/11/2008] .
[31] Son, H. "AIG's loss, need for cash add to pressure on Sullivan".
Bloomberg, 09/05/2008 [Disponível em <www.bloomberg.com/apps/
news?pid=20601103&sid=ajcZuCY3lvxw&refer=news#>, acessado em 24/11/
2008] .
[32] "A.I.G.'s Bailout Terms Revealed", 30/09/2008 [Disponível em <http://
dealbook.blogs.nytimes.com/2008/09/30/aigs-bailout-terms-revealed/?ei=5070>,
acessado em 25/11/2008] .
[33] Morris, Charles R. "Why Paulson blinked on AIG". Washington Independent,
18/09/2008 [Disponível em <http://washingtonindependent.com/6351/why-paulson-
blinked-on-aig>, acessado em 24/11/2008] .
[34] Em 20 de novembro de 2008, o Tesouro americano anunciou a li-quidação de
um fundo de investimento e de "maneira única e excepcional" o desembolso de US$
5,6 bilhões em fundos públicos para pagar os investidores. O acordo garantiu ao
fundo 45 dias para continuar com a venda de seus ativos a seu valor contábil
líquido ou inferior. Ao final desse período, o Tesouro "comprará todos os
ativos restantes a seu valor contábil líquido" a fim de assegurar que cada
investidor receba um valor correspondente ao seu investimento inicial.
[35] Onaran, Yalman. "Banks' subprime losses top $500 Billion on writedowns
(Update1)". Bloomberg, 12/08/2008. Uma das dificuldades reside na própria forma
de contabilizar as perdas. Para uns, os bancos estão maquiando balanços,
escondendo prejuízos atrás de fórmulas matemáticas de avaliação de ativos mais
complexos e sem liquidez a preços de mercado. Para outros, os bancos não
deveriam mesmo marcar a mercado todas as perdas, pois não teriam como absorvê-
las com o capital disponível.
[36] IMF. Global financial stability report. Washington, D.C.: International
Monetary Fund, out. 2008.
[37] Bañales, Jorge A. "Reflexos da crise imobiliária nos Estados Unidos são
sentidos até hoje", Washington, 09/08/2008 (EFE) [reprod. em UOL-Online.
Disponível em <http://economia.uol.com.br/ultnot/efe/2008/08/09/
ult1767u126198.jhtm>, acessado em 24/11/2008] .
[38] Além dos prejuízos em suas carteiras de crédito, novos problemas surgiram
em função das sucessivas quedas nas cotações dos títulos que trouxeram à luz
supostas falcatruas que haviam passado despercebidas na euforia dos lucros
bancários. Em tempos de baixa liquidez e elevados prejuízos, investigações da
SEC levaram diversos bancos a fazer acordos de dezenas de bilhões de dólares. O
caso envolveu títulos denominados auction rate securities (ARS), instrumentos
de dívida de longo prazo com juros determinados em leilão. Os bancos foram
acusados de ludibriar seus clientes ao vendê-los como sendo ativos extremamente
seguros, mesmo quando seu mercado simplesmente tinha deixado de existir. Até 14
de agosto de 2008, alguns bancos (Citigroup, UBS, Merril Lynch etc.) se
comprometeram a recomprar US$ 48 bilhões em ARS, enquanto outros deverão seguir
esses passos, colocando pressão adicional em suas reservas de capitais (Chang,
Joyce. "Bancos devem recomprar US$ 48 bi em ARS". Valor Econômico, 15/08/2008,
p. C2 [publicado originalmente no Financial Times, Nova York]).
[39] UBS. Global banking crisis. UBS Investment Research, 01/08/2008.
[40] Ibidem. Esta obrigação decorre da aplicação dos acordos de Basiléia que
restringem a proporção possível entre capital de acionistas e capital oriundo
da emissão de títulos portadores de juros.
[41] "Os melhores ativos os 'de nível 1' são aqueles cujo preço pode ser
obtido simplesmente consultando um terminal de cotações da Bloomberg, onde a
cada momento ele aparece. Ativos do 'nível 2' têm seus valores baseados num
modelo que os relaciona a um índice de ativos similares negociados em mercados.
Os valores dos ativos do 'nível 3' são simplesmente baseados em modelos nos
quais não existem elementos negociados diretamente em mercados, um tipo de
trabalho de adivinhação ou, em situações conturbadas, um desejo e uma prece"
(Blackburn, Robin. "The subprime crisis". New Left Review, nº 50, Londres,
mar.-abr. 2008, p. 70).
[42] Cumpre notar que as instituições financeiras apontam o mark-to-market como
parcialmente responsável pelos imensos prejuízos que registraram. Salienta-se
que os planos de resgate dos Estados Unidos e da área do euro, implementados em
meados de outubro de 2008, suspenderam as regras de marcação a mercado dos
ativos, que exigem que as instituições avaliem os investimentos pelos preços
que eles valem caso sejam vendidos imediatamente. As mudanças permitiram que os
bancos reclassifiquem alguns ativos como investimentos de longo prazo
(empréstimos e recebíveis), concedendo-lhes tempo para decidir o valor dos
ativos e quanto perderam com a turbulência. Isso desencadeou uma imensa
polêmica em que muitos apontam que tal concessão só irá provocar maior
desconfiança.
[43] Para maiores informações sobre os diferentes derivativos de crédito e seus
modelos de precificação, ver Magalhães, Ana Laura D. P. Derivativos de crédito:
análise e relação com a crise das hipotecas subprime (Campinas: monografia, IE/
Unicamp, 2008) e Yokoyama, Gustavo T. Uma abordagem sobre os
derivativos de crédito e sua aplicação no gerenciamento de risco de crédito.
Campinas: monografia, IE/Unicamp, 2007.
[44] Existem duas formas de agregação dos derivativos. O primeiro é o valor
nocional que equivale ao valor do ativo subjacente. O segundo é denominado de
"valores brutos de mercado", que corresponde ao custo de substituição de todos
os contratos aos preços atuais de mercado.
[45] Bourguinat, H. La tyrannie des marchés: essai sur l'economie virtuelle.
Paris: Economica, 1995.
[46] English, Simon. "Apocalypse is nigh, Buffett tells Berkshire faithful".
The Daily Telegraph, 03/03/2003.
[47] Como sugerido por Blackburn (op. cit., p. 81): "os derivativos de crédito
ajudaram a obnubilar as distinções entre os bancos comerciais e os de
investimento".
[48] Após divulgar uma queda em seus lucros trimestrais em 24%, com o menor uso
dos cartões e maior inadimplência dos clientes, a American Express passou a
enfrentar dificuldades para emitir novos títulos de dívida e, portanto, para
obter financiamento. Diante disso, o Federal Reserve aprovou sua conversão em
banco comercial em 11 de novembro de 2008. Com isso, a empresa poderá se
beneficiar dos programas de financiamento de baixo custo da autoridade
monetária. O mesmo ocorreu com o Banco da GM. Essas decisões podem representar
o fim das empresas financeiras que operam em uma única linha de negócios e são
dependentes dos mercados financeiros para obter financiamento.
[49] Guttmann, R. A primer on finance-led capitalism. Nova York: Hofstra
University; Paris: CEPN, 2008 (submitted for Revue de la Regulation) [publicado
nesta edição: "Uma introdução ao capitalismo dirigido pelas finanças". Trad.
Hélio Mello Filho] ; e Cintra, Marcos A. M. & Prates,
Daniela M. The financing of developing countries in the face of the global
financial crisis. Paper preparado para o Workshop on Financial Liberalization
and Global Governance: the Role of International Entities, Rio de Janeiro, 13 e
14 de novembro de 2008. Evento organizado pelo IBase e pela Fundação Ford
[Disponível em <www.ibase.org.br>, acessado em 24/11/2008] .
[50] O relatório do Counterparty Risk Management Policy Group III (CRMPG III,
2008), por exemplo, recomendou: a) criação de uma câmara de compensação para os
derivativos de balcão; b) exigências que as contrapartes em certas operações no
mercado de balcão sejam "suficientemente sofisticadas para entender as
operações e seus riscos"; c) mudanças na contabilização dos ativos lastreados
em crédito - incluindo os já existentes - que deixariam de ser considerados
"fora de balanço" e passariam a ser incluídos nos balanços. Essa última
recomendação provocaria um forte aumento do capital regulatório e obrigaria
muitas instituições a captar elevados montantes de capital. Todavia, "por mais
custosas que venham a ser essas reformas, esse custo será minúsculo se
comparado às centenas de bilhões de dólares em créditos em liquidação que as
instituições financeiras tiveram de enfrentar nos últimos meses, para não falar
das distorções e dos deslocamentos econômicos ocasionados pela crise".