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BrBRHUHu0101-33002009000100003

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National varietyBr
Year2009
SourceScielo

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Terroristas como pessoas no direito?

I É possível travar a "guerra contra o terror" com os instrumentos de um direito penal de Estado de direito? Ora, em 1986 foi promulgada uma "lei de combate (!) ao terrorismo"1; em 2003, a partir da conversão de uma resolução geral do Conselho da União Européia surgiu uma outra lei, visando ao "combate ao terrorismo"2; e também a discreta e assim chamada "34ª lei de mudança do direito penal"3, promulgada pouco antes, pertence à série de leis de luta voltadas contra o terrorismo4. Caso "guerra" e "luta" sejam meras palavras, elas não deveriam ser levadas incondicionalmente ao da letra, mas caso sejam conceitos, então "guerra" e "luta" implicam um inimigo contra o qual algo deve ser feito.

Não nenhum efeito quando a lei, de maneira comparável à luta contra a cólera ou contra o analfabetismo, nomeia o terrorismo e não os terroristas como aquilo que deve ser combatido. Trata-se de leis penais, e a pena não vigora simplesmente para o terrorismo, mas para os terroristas. Mas, como mostra o nome da lei, a punição dos terroristas é apenas um objetivo intermediário, e não a preocupação principal do legislador; é evidente que por meio da punição dos terroristas é o terrorismo como um todo que deve ser combatido. Em outras palavras, a pena é um meio para uma finalidade policial, um passo na luta pela segurança. Como quer que seja, a pergunta de todo modo permanece: "luta" como palavra ou como conceito? Em seu ponto central, as duas novas leis dizem respeito ao preceito contra a formação de organizações terroristas (§ 129a do StGB [Código Penal Alemão]), intensificando-a e estendendo-a a organizações no exterior; elas tratam também da elaboração de disposições especiais no âmbito dos atos preparatórios puníveis. Ora, por princípio não nada a se opor contra sua punição: a preparação de um ato grave perturba a segurança pública e pode ser punida enquanto tal perturbação. O Código Penal do Império Alemão (Reichsstrafgesetzbuch), após sua complementação com os "parágrafos de Duchesne"5 (§49a do RStGB [Código Penal do Império Alemão]), previa para a preparação de crimes até três anos, e em casos extremos cinco anos, de prisão [Gefångnis] (e não em presídios de segurança máxima [Zuchthaus])6, o que deveria corresponder ao injusto em uma época em que o assassinato era punido direta e evidentemente com a morte. Esta contenção foi abandonada em 1943 (!) e desde então, segundo o § 30 do StGB, vigora para os atos preparatórios em geral a pena reduzida em uma pequena e reservada distância em relação à do ato.

Inteiramente comparável a este transbordamento, a pena máxima eleva-se a dez anos de prisão em casos de formação de organizações terroristas e a quinze anos para os chefes destas organizações.

O que talvez seja um descuido legislativo na punição de atos preparatórios em geral - os intervalos de penas disponíveis certamente não se esgotam na prática - , adquire método quando se trata da punir a formação de uma organização criminosa ou terrorista: ainda que os atos aqui considerados possam permanecer mais ou menos vagos, pois a perturbação da segurança pública também pode ser reconhecida de forma difusa, eles exigem ameaças de penas mais duras a fim de evitar sua proliferação [Eskalationen]. Pois somente o direito penal, mas não o direito de polícia em si competente para a defesa contra o perigo [Gefahrenabwehr], pode encaixar os membros da organização perigosa na caricatura dos autores, mesmo os autores no sentido do parágrafo 129ª do StGB, e neutralizá-los por meio de prisão preventiva (Untersuchungshaft) e pena de privação de liberdade de longa duração - sit venia verbo.

O dispositivo contra a formação de uma organização terrorista é, assim, ao menos também direito de polícia [Polizeirecht]7 em forma de direito penal; o mesmo ocorre com muitos métodos de investigação: de acordo com o livro de parágrafo 1 do StPO [Código de Processo Penal Alemão], serviriam menos ao esclarecimento de atos praticados - atos praticados são freqüentemente apenas o ensejo, mas não o motivo das averiguações - do que à evitação de outros atos (isso é claro no artigo 110ª, parágrafo 1, inciso 2 do StPO); no mesmo sentido, o perigo de reincidência como motivo de prisão (§112a do StPO) é compreensível como defesa de perigo em roupagem de processo penal.

Pode-se reclamar dessas contaminações do direito penal pelo direito policial.

Com isso, porém, pelo menos depois da Resolução Geral do Conselho, não se alcançará nada, além do fortalecimento da comunidade dos crentes em geral.

Pode-se, contudo, também investigar se, no tratamento de terroristas, entre outros, devem ser consideradas particularidades que tornam tal contaminação francamente necessária. Essa análise deve ser aqui empreendida com a concisão disponível, mas também com uma retomada de alguns fundamentos da teoria do direito penal.

II A finalidade do Estado de direito não é a maior segurança possível de bens, mas a vigência efetiva do direito e, especificamente na modernidade, a vigência efetiva de um direito que torna a liberdade possível. A vigência efetiva torna- se aqui a contraposição a uma validade apenas postulada, mas não realizada, ou seja, a uma vigência que não seja orientadora [orientierungsleitung]. Esta orientação também pode manter-se sustentada no caso de uma violação da norma.

Quando a violação da norma é tratada precisamente como tal, a norma serve como modelo de orientação, vigorando efetivamente.

A separação entre a validade do direito e a segurança de bens é, contudo, somente meia verdade, pois é necessário considerar também a conexão entre ambas. Uma expectativa contrafática resiste caso a perda de partes significativas do bem-estar não seja de fato iminente, pois, caso contrário, o tratamento do ilícito como ilícito para aqueles que têm expectativas se realiza caso esses assumam a postura de um herói ou de um mártir; heróis e mártires são, contudo, escassos. Quanto maior o peso de um bem, maior também deve ser sua segurança se a capacidade de orientação da norma que lhe é correspondente não esfacelar-se. Nesse caso, tal esfacelamento mostra-se na passagem da orientação da expectativa normativa para uma expectativa apenas cognitiva: recorre-se à autoproteção na medida em que, por medo de ser assaltado, não se vai mais passear em determinadas regiões ou quando, por medo de furto, se passa a corrente três vezes na bicicleta. Além disso, um Estado de direito também não estaria na situação de sempre tratar massas transbordantes de violações de normas como ilícito; a coerção necessária à averiguação dos atos e à imposição de penalidade é um recurso muito escasso para isso.

À vigência efetiva do direito, voltada à orientação, pertence também um embasamento cognitivo da norma. Este embasamento cognitivo imprescindível não é, todavia, em seu ponto central, uma realização do Estado, mas dos próprios cidadãos, e se apresenta uma vez que eles se orientam cotidianamente pelo direito. Este comportamento, conforme à postura exigida pela lei, embasa as próprias expectativas normativas dirigidas a ele, mesmo quando um cidadão comete um crime: em regra isso não precisa ser compreendido como rescisão geral do comportamento fiel ao direito8. Quando a pena explicitou que seu comportamento não é vinculante [anschlußfåhig], é possível que, após sua execução, a fidelidade ao direito possa ser em geral de novo suposta; vigilância de conduta [Führungsaufsicht] (§ 68 do StGB) ou ainda custódia de segurança [Sicherungsverwahrung] (§ 66 do StGB) são exceções tanto no sistema como na prática9.

Mas também a expectativa de comportamento correto não é mantida simplesmente de modo contrafático; além disso, ela não pode ser simplesmente mantida porque o Estado tem que zelar pela validade efetiva do direito e, por causa disso, proceder contra as violações do direito que se esboçam contra ele. Uma expectativa normativa que se dirige a uma determinada pessoa perde sua força de orientação quando lhe falta o embasamento cognitivo dessa pessoa. Em contrapartida, a orientação cognitiva assume seu lugar, ou seja, a pessoa - a endereçada na expectativa normativa - transforma-se em foco de perigo, em problema de segurança cognitivo potencial. Com isso, o dever de comportamento conforme à lei não fica, de certo modo, extinto - é evidente que um dever não desaparece porque é persistentemente transgredido. O que ocorre é que o cumprimento do dever, a auto-administração [Selbstverwaltung] da pessoa de acordo com o ordenamento, não é mais esperado, de modo que o elemento central da personalidade orientadora - a suposição da fidelidade ao direito e com isso o "fundamento" (Geschåftsgrundlage) da auto-administração [Selbstverwaltung] livre - está agora ausente10. Isto é trivial; ninguém, por exemplo, confia o caixa a um fraudador; a relação desta conclusão simples, observável no cotidiano, fica logo nítida com o tratamento de terroristas, assim que ela é nomeada de modo abstrato: o fraudador é excluído do círculo de pessoas para as quais vigoram, na administração do caixa, expectativas normativas efetivas, ou seja, que dirigem a orientação; até aqui, e até aqui, ele é um foco de perigo. Segundo a formulação do ditado popular "não se deve confiar nada a ele", o que significa "fique longe das expectativas normativas, concentre-se nas cognitivas".

Atender aos fundamentos da presunção de comportamento futuro conforme à lei é uma obrigação de entregar11 [Bringschuld]12, elementar de todo cidadão, pois apenas no caso de existência fundamentada dessa presunção - e somente os próprios cidadãos têm condições de realizar tal fundamentação - é possível que os cidadãos se relacionem entre si de maneira livre e sem receios. A personalidade efetiva orientadora não se realiza sozinha ao ser postulada, mas, pelo contrário, ela exige determinadas condições. Por isso, a proposição "todo homem tem por direito a pretensão de ser tratado como pessoa" é incompleta; deve-se ser estipulado também quem tem que produzir as condições de efetivação dessa personalidade. É evidente que a preocupação com um embasamento cognitivo abrangente se encontra, de todo modo, nos encargos da pessoa, como se se tratasse da realização de certa forma segura da fidelidade ao direito. O preceito correto deve ser: "todo aquele que ao menos de alguma forma realiza fidelidade segura ao direito tem a pretensão de ser tratado como pessoa"13, e quem não provas dessa realização será então hetero-administrado [fremdverwaltet], ou seja, não será tratado como pessoa14.

Conseqüentemente, o objetivo da privação de liberdade também é diferente para criminosos evidentemente perigosos, ou seja, para terroristas, e para um criminoso cuja periculosidade ulterior não é evidente do mesmo modo. No caso comum de um crime, a pena é uma espécie de compensação pelo dano, exigida de maneira coercitiva da pessoa do criminoso. A pena é contrariedade - isto é evidente - e imposição de dor, e tal dor deve ser medida de forma que o embasamento cognitivo da norma violada não sofra por causa do ato ocorrido15.

Segundo a dogmática do direito penal, contrariedade e dor encontram-se pré- formados no conceito de culpa16. Para a pena adequada à culpa é suficiente se o ato for entendido por todos, em razão da pena, como empreendimento mal- sucedido. Não se trata especialmente da intimidação de outros inclinados ao ato: de regra, esta inclinação não é responsabilidade do autor.

Com a transposição deste modelo, que, como modelo do caso normal poderia estar próximo não da dura realidade, mas também e não menos de um idílio imaginário, nada é alterado para o caso de um adversário, tenha ele a postura de um principiante ou de um adversário ativo, bem como, entre outros, no caso de terroristas. Assim, inteiramente independente da resposta à questão até aqui quase não levantada - como se exige a culpa ao menos daqueles terroristas que foram socializados em uma das culturas hostis à cultura dominante -, também existe, no caso de um terrorista, bem como para todo inimigo, um déficit anterior de segurança cognitiva a ser suprido17. Como sempre pode acontecer, isto certamente não aparece dessa maneira num discurso livre, mas ocorre, na medida em que o próprio terrorista ou, mais ainda, suas circunstâncias de vida são transformados pela coerção de modo a servir a uma finalidade; e a utilização da coerção para transformar a vida de um outro é incompatível com seu reconhecimento como pessoa. Do ponto de vista prático, a segurança perante o autor fica em primeiro plano, seja por meio de uma custódia de segurança apresentada como tal, seja pela pena de privação de liberdade que garanta segurança, isto é , de duração correspondentemente longa. Por fim, tal segurança - ao lado da pura intimidação - é um dos motivos das penas elevadas com intuito de ameaçar a formação de uma organização criminosa. Estas penas não se explicam por aquilo que ocorreu - a segurança pública afetada -, mas somente pelo perigo existente.

Em suma, o direito penal especificamente voltado contra terroristas18 tem antes a tarefa de garantir a segurança do que manter a vigência do direito, a qual é inferível da finalidade da pena e dos tipos penais correspondentes. O direito penal do cidadão, que é garantia da vigência do direito, transforma-se em um - segue agora o conceito "repulsivo" - direito penal do inimigo19, em proteção contra o perigo20. Com isso se responde a questão colocada no início: o combate ao terror não é uma palavra, mas um conceito; trata-se de uma operação contra o inimigo.

III O direito penal do inimigo é legítimo? Caso seja, em que medida? Antes de qualquer tentativa de responder a essas questões, dois pontos devem ser observados. Primeiro, o Estado não deve arriscar de propósito sua configuração.

Quando se fala de direito penal do inimigo, isso não significa o mesmo que "processo sumário" [kurzer Prozess], "pena com base em suspeita" [Verdachtsstrafe]21, "esquartejamento [Vierteilung] público em prol da intimidação" ou algo parecido (certamente que isto não resolve o problema dos limites do direito penal do inimigo). Segundo, deduzir do conceito abstrato de Estado de direito uma resposta à questão da legitimidade é algo sem valor. Um Estado que desconhece a custódia de segurança, que pune a formação de uma organização terrorista somente como ato contra a ordem pública, que não tem conhecimento da incomunicabilidade de suspeitos, de escutas e de "informantes", entre outros, é concebível de maneira abstrata. Somente para este Estado abstrato a idéia de Estado de direito é mais familiar que a de um Estado que permite tais medidas e operações. De maneira concreta, a renúncia a essas operações pode esvaziar o direito do cidadão à segurança22, e esse direito à segurança é apenas outro nome para o direito à situação de efetiva vigência do direito. Assim como nos casos discutidos acima a respeito dos conceitos de pessoa e de validade de direito, um Estado de direito não se torna efetivo porque foi pensado ou postulado; e quem acredita que no Estado de direito tudo deveria ser efetivado, sempre e sem restrições23, deveria saber que, na realidade concreta, este "tudo" é acompanhado por um "ou nada".

Caso se mantenha distância de tais extremos, então a questão passa a girar em torno do que é alcançável, daquilo que é, na prática, o ótimo. Em outras palavras, o direito penal do inimigo deve ser restrito ao necessário; este, independentemente da oferta disponível de bom senso (Klugheit), deve manter baixa a violência física ocasionada por seus efeitos colaterais corruptores.

Mas o que é o necessário? Em primeiro lugar, o terrorista deve ser privado do direito do qual ele abusa para seus planos, em especial o direito à liberdade de conduta. Até aqui a situação não é distinta da de uma custódia de segurança, na qual o problema, em regra geral, certamente poderia ser resolvido assim: quando o autor da série de atos é mantido em custódia, a série se interrompe. O caso de um terrorista agindo por conta própria é, porém, raro. Além disso, não se destrói uma organização terrorista (ou qualquer organização criminosa) pelo desligamento de um único membro. De modo geral, é fácil conseguir no caso da custódia de segurança que a limitação ao direito à liberdade de conduta se restrinja à privação de liberdade; não é necessário mais que isso para alcançar sua finalidade. No caso de terroristas (ou de organizações criminosas em geral), contudo, não é evidente como se realiza esta limitação, o que se mostrou no caso mais espinhoso, o do interrogatório além dos limites do § 136ª do StPO. Que este caso diga respeito a uma problemática de direito de polícia não altera o problema: a força policial não se encontra fora do direito penal do inimigo.

Eu me aproximo do problema com base na regulação legal ainda recente, que - independentemente do fato dela ser ou não constitucional - marca o "clima" intelectual atual das reflexões a respeito do problema e cuja força explosiva não pode ser superestimada. Refiro-me ao artigo 14 parágrafo 3 da lei de segurança aérea, segundo a qual é permitido abater uma aeronave que "puder ser usada para atentar contra a vida das pessoas". A força explosiva deste preceito24 deriva do fato de que seu objeto de regulação pressupõe os assim chamados na linguagem dos militares, danos colaterais - o que até o momento era previsto no direito de resistência [Widerstandsrecht] segundo o artigo 20, parágrafo 4 da Constituição [GG]25. Dito de maneira mais concreta, ele pressupõe que se aceite a morte de passageiros que não poderiam ser responsabilizados de modo algum pelo conflito.

Com isso, estas vítimas civis são despersonalizadas e seu direito à vida é retirado em proveito do direito de outros. Na literatura especializada, tem-se tentado dar conta deste absurdo ao interpretar o sacrifício da vida como uma realização pessoal, como cumprimento de um dever de cidadão levado ao extremo26. Como projeto teórico, tal interpretação é incontestável. No Estado de Rousseau ela seria francamente evidente. Mas, numa sociedade que compreende o Estado como instrumento da administração do bem-estar de cada cidadão, não é adequado que alguns tenham que se sacrificar e, assim, abdicar de toda expectativa de bem-estar. Numa sociedade como essa, o Estado, ao exigir este sacrifício daqueles que não são responsáveis, os despersonaliza.

A força explosiva do preceito poderia ser resumida da seguinte forma: em casos de extrema emergência, quando o Estado ignora qualquer tabu em face de seus cidadãos não responsáveis27 e executa o que entende ser o necessário, ou seja, ao executar medidas preventivas em casos de extrema emergência contra os terroristas (os causadores do caso de emergência), ele se encontra numa situação que lhe permite ignorar qualquer tabu, pelo menos no interior do âmbito do necessário.

Na prática, isso leva a uma situação em que os terroristas envolvidos ao menos no planejamento (§129a do StGB) sejam forçados à revelação de grandes perigos, inclusive além da flexibilização de limites feita pelo parágrafo 136do StPO; mais ainda, eles devem ser forçados a isso porque o Estado, devido ao seu dever de proteção28, não pode renunciar a nenhum meio cuja utilização não é permitida como é também prudente. Nessa situação, persecução penal e proteção contra o perigo confundem-se inteiramente. Esta permissão não é nada mais que o contraponto do dever de ingerência do terrorista ou de seu dever de denunciar o crime (§ 138 do StGB). O fato de que o cumprimento de tais deveres em procedimentos penais não seja geralmente forçado não tem relevância para o caso de exceção29. Seria absurdo demais admitir que o Estado, neste caso de exceção, tenha que deixar o terrorista em total "liberdade de decisão e exercício da vontade" (§136StPO) a respeito do cumprimento de seus deveres, ao mesmo tempo em que ele, o Estado, tenha que matar emergencialmente os não responsáveis a fim de evitar um dano máximo30. Também não se trata de que, ao se ultrapassar os limites do parágrafo 136do StPO, se entre imediatamente no âmbito dos métodos de tortura pura e simplesmente inaceitáveis. O parágrafo 136StPO não pode ser a última palavra para todos os casos se uma detenção preventiva de meses ou mais devido ao perigo de encobrimento não se opuser à "liberdade" de uma declaração. Em contrapartida, uma questão bem diferente é a de saber se ele não proíbe a estratégia sensata de realizar também todo o possível. O perigo de um abuso pode ser grande demais - não irei adiante nesse assunto aqui.

IV No âmbito da discussão empreitada até o momento, a exclusão dos terroristas é auto-exclusão31. Ele se transformou em terrorista ou então não cumpriu seus deveres e, por causa disso, é hetero-administrado no limite do necessário. De acordo com o Estado de direito, este limite é menos complicado, pois o terrorista, ao cooperar, pode, sempre por princípio, escapar à hetero- administração. Pelos parâmetros do Estado de direito o procedimento é consideravelmente mais escandaloso quando um terrorista é detido em prol da proteção contra perigos que não emanam dele. Particularmente no que diz respeito à sua punição com intenção de prevenção geral negativa, este é o caso quando o terrorista, por causa de sua participação em uma organização terrorista (§129 StGB), é punido sozinho, e, por isso, de maneira extremamente dura a fim de intimidar outros participantes. Também se trata de prevenção geral negativa quando ele não é hetero-administrado por causa da sua periculosidade, mas por causa da inclinação de outras pessoas ao delito; em outras palavras, quando ele não é tratado como pessoa em potencial, mas como parte do coletivo de inimigos. Mas isso não diz mais respeito ao problema específico do direito penal contra terroristas, mas de modo geral à teoria da pena, na qual, como se correntemente, não a prevenção geral negativa, mas também muito do que diz respeito à prevenção especial, se aproxima do direito penal do inimigo.

Voltemos aos terroristas! Sua punição, em larga medida preliminar, ou os severos interrogatórios não se adequam a um perfeito Estado de direito, assim como o abatimento de uma aeronave comercial. Ambos pertencem ao direito de exceção, do mesmo modo como, em seu tempo, a incomunicabilidade foi criada como direito de exceção, primeiro como praeter legem. Além disso, o Estado não escapa ao dilema ao renunciar a regulações: a exceção instaura-se de qualquer modo sem sua interferência, e o direto correspondente se adequa a ela.

Quando o Estado, porém, se depara com uma regulação, ele deve decidir, de maneira satisfatória, entre aquilo que vige apenas para o inimigo, seja este terrorista ou um outro dissidente ativo obstinado e de peso, e aquilo que vige para os outros, incluindo o cidadão, pois, caso contrário, o direito penal do inimigo contamina o direito penal dos cidadãos. Esta separação de domínios pressupõe, contudo, que o Estado consiga identificar e tratar abertamente aqueles autores, em relação aos quais a presunção de comportamento fiel ao direito não se sustenta, pelo menos em um âmbito importante, como aquilo que eles são, ou seja, como inimigos ao menos sob certo aspecto. Até dez anos de pena privativa de liberdade para o mero pertencimento a uma organização terrorista, investigações sigilosas, escutas, detenção preventiva por perigo de reincidência, entre outros, não são per se ataques ao Estado de direito; eles o são quando ocorrem sob o manto do direito penal dos cidadãos baseado na culpa ou de um processo penal regular. Quem, porém, reconhece o Estado de direito dos períodos sem crise - sit venia verbo - induz o Estado real a dissimular como regras as exceções que se fazem necessárias à sobrevivência em um mundo vergonhoso e, assim, obscurecer o que de fato são regras e exceções.

Dito de outro modo, o Estado de direito imperfeito apresenta-se como perfeito por meio de um uso ideológico das palavras. A subestimação da complexidade da realidade do Estado é perigosa porque ela não permite ver quando o direito penal se encontra sobre o solo seguro do direito penal do cidadão e quando este se encontra no solo inteiramente escorregadio do direito penal do inimigo.

Volto mais uma vez à questão colocada no início: é possível travar a guerra contra o terror com os instrumentos de um direito penal de Estado de direito? Um Estado de direito que tudo abarque não poderia travar esta guerra, pois ele deveria tratar seus inimigos como pessoas e, conseqüentemente, não poderia tratá-las como fonte de perigo. Em Estados de direito que operam na prática de modo ótimo procede-se de outra maneira, e isso lhes a chance de não se quebrarem durante o ataque a seus inimigos.

[*] Texto original: "Terroristen als Personen im Recht?". Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft (ZStW), 117, 2005. Este texto foi ligeiramente estendido com observações incorporadas depois de sua apresentação no colóquio de professores de direito penal de Frankfurt (Oder) na sessão de discussão sobre o tema "Guerra contra o terror: conseqüências para o direito penal no Estado de direito", em 8 de maio de 2005. Revisão técnica de Marta Machado.

[1] De 19 de dezembro de 1986, BGB1 [Bürgerliches Gesetzbuch - Código Civil Alemão]. I P. 2566.

[2] De 22 de dezembro de 2003, BGB1. I P. 2836.

[3] De 22 de agosto de 2002, BGB1. P. 3390.

[4] Outras leis de combate ao terrorismo vigoram para a criminalidade econômica (de 15 de maio de 1986, BGB1, p. 721), para o tráfico ilegal de entorpecentes e para outras formas de manifestação da criminalidade organizada (de 15 de julho de 1992, BGB1, I p. 160), assim como, por fim, para o crime em geral (de 28 de outubro de 1994, BGB1.I P. 3186).

[5] Os parágrafos de Duchesne foram introduzidos no Código Penal do Império Alemão em 1876. Eles tipificam o concurso de pessoas na tentativa mal-sucedida de realização de um crime, prevendo a punição daquele que busca determinar um outro à prática de um crime, bem como a realização de um acordo tendo em vista a prática do crime. Também tornou punível aquele que se oferece à tal prática, assim como aquele que aceita a oferta (cf. Creifelds, Carl e Weber, Klaus.

Rechtswörterbuch. Munique: Beck, 2002, p. 337) [ N. do T.].

[6] A condenação à Zuchthaus não possui equivalente exato no ordenamento jurídico brasileiro. Tal pena era, até 1969, quando foi abolida em um reforma do direito penal, a mais dura do ordenamento jurídico alemão. Ela determinava que o preso seria mantido em um presídio de segurança máxima e obrigado a realização de trabalhos físicos forçados. Sua duração variava de um a quinze anos, havendo, porém, casos de condenação à prisão perpétua (cf. Ibidem, p.

1608) [N. do T.].

[7] Por direito de polícia entende-se a parte do direito público responsável pela matéria da proteção contra perigos, ou seja, trata-se dos dispositivos de direito público destinados à manutenção da ordem e da segurança públicas. Nesse sentido, o termo também diz respeito aos limites do poder de atuação da polícia em sua tarefa de manutenção da segurança e da ordem públicas (cf. Ibidem, pp.

1015-1016) [N. do T.].

[8] Uma posição tendencialmente diferente pode ser encontrada em Grolman, Karl.

"Sollte es denn wirklich kein Zwangsrecht zur Pråvention geben?". Magazin für die Philosophie und Geschichte des Rechtes und der Gesetzgebung, vol. 1, 1800, pp. 241ss., p. 264, citado aqui segundo a versão (reduzida) republicada em Vorbaum, Thomas.Texte zur Strafrechtstheorie der Neuzeit, vol.

1, 17. und 18 Jahrhundert, 1993, pp. 299ss., p. 307: após um crime, a segurança cognitiva pode ser deficitária até que cada cidadão "tenha motivos para assumir que o princípio que coloca seus direitos em risco (a falta de vontade de acordo com o direito) tenha sido superado". A esse respeito, ver Jakobs, Günther.

Staatlich Strafe: Bedeutung und Zweck. Paderborn: Ferdinand Schöningh, 2004, pp. 38ss.

[9] Vigilância de conduta e custódia de segurança são formas de medidas corretivas e de segurança. São aplicadas juntamente com a pena principal, caso se julgue necessárias. A vigilância de conduta é aplicada quando se desconfia da periculosidade da pessoa. Não privação de liberdade, mas apenas observação do indivíduo pelo Estado. A custódia de segurança seria a privação de liberdade para autores considerados perigosos mesmo após o cumprimento da pena (cf. Creifelds e Weber, op. cit., pp. 866-869) [N. do T.].

[10] Bernard Schünemann desconhece esse fato quando afirma que é suficiente a construção da pessoa como destino de direitos e obrigações (Goltdammer's Archive für Strafrecht [GA], 2001, pp. 205ss., p. 212) à orientação no cumprimento de deveres pertence também em grande medida a segurança cognitiva.

[11] O termo vem do direito civil e diz respeito, em determinados contratos de compra e venda, à obrigação do devedor de entregar o produto quando não constar que ele deve assumir os custos de envio (cf. Creifelds e Weber, op. cit., p.

838) [N. do T.].

[12] Durante a discussão, o conceito de obrigação de entregar [Bringschuld] foi entendido como se o descumprimento da obrigação (Nichterfüllung der Schuld), segundo seu conceito dominante, pudesse efetivar per se um tipo penal (Straftatbestand). Mas esta culpa não é nada além do dever (Plicht) kantiano de entrar (sich begeben) em estado civil. Quem falta a esta realização, permanece um auto-excluído não confiável e do qual se deve se separar; ele não é punível per se, mas a vida em conjunto com ele é insustentável. Cf. também nota 24.

[13] Pode-se também jogar com o status de pessoa (em vista do direito de auto- administração), quando ele, de acordo com o postulado moderno da igualdade, vale para todos como algo em aberto. Cada um deve "inserir-se" por conta própria (oferecendo segurança cognitiva satisfatória). A "dignidade pessoal" não abdicável (unverlierbar - imperdível) (Kunz, K. L. "Menschengerechtes Strafrecht". Festschrift für Albin Eser, 2005, pp. 1375ss, p. 1391) é o resultado de uma opção que deve ser levada a termo! Este fato não é considerado por Schneider (ZStW, vol. 113, 2001, pp. 499ss., p. 515): o estatuto de pessoa não está mediado pela sociedade - como se houvesse uma posição social anterior à sociedade. Caso o estatuto de pessoa não fosse uma posição social, então ela seria socialmente irrelevante. Cf. Jakobs, "Die Strafrechtswissenschaft im 21. Jahrhunderts". Festschrift für Dionysios Spinellis, vol. 1, Atenas, 2001, pp. 450ss, pp. 460ss.

[14] Os juristas estão acostumados a lidar com os elementos normativos. Por isso, não é de estranhar quando eles se inclinam, num tipo de prepotência normativista, a negligenciar as condições de efetividade do direito. Num caso normal, isto pode ser inofensivo porque as condições ou estão sem dúvida presentes ou então suas falhas se mostram em pequenas fendas na efetividade da pessoa, como no citado exemplo do fraudador. Mas num caso de exceção, a negligência leva à passagem da efetividade jurídica a um nevoeiro de postudados, a partir do qual a efetividade do direito se torna criticável de maneira oportuna, mas de modo certamente inconseqüente.

[15] Jakobs, Staatlich Strafe, op. cit., pp. 31ss.

[16] Idem. Schuld und Pråvention. Tubingen: Mohr, 1976.

[17] A contraposição "compensação pelo dano versus segurança" ou "vigência da norma versus ordem cognitiva" é pensada como um tipo ideal, e a exigência de fornecer de modo exato a fronteira da passagem de um ao outro seria simplesmente ingênua. "Claro" e "escuro" também permanecem conceitos claros quando se pode discutir qual deles se coordena a uma determinada situação do crepúsculo.

[18] Enquanto (!) o terrorista for visto como foco de perigo a ser tratado de modo cognitivo, este direito penal não é mais um direito que o inclua, mas ele permanece direito contanto que vincule todos os outros como pessoas. Cf.

Jakobs. In: Eser, A., Hassemer, W. e Burkhardt, B. (eds.). Die deutsche Strafrechtswissenschaft vor der Jahrtausendwende. Munique: C. H. Beck, 2000, pp. 47ss., p. 53; para uma outra posição, ver Cancio Meliá, Manuel. ZStW, vol. 117, 2005, pp. 267ss.

[19] Os posicionamentos em relação a este conceito são todos negativos, mas fundamentados, quando em geral o são, de maneira muito diversa. Alguns desconhecem a relação entre regra (direito penal do cidadão) e exceção (direito penal do inimigo). Schünemann de alguma forma integra o direito penal do inimigo ao - apesar disso, ainda chamado - direito penal do cidadão. Se fosse assim (!), todo delito seria um ato hostil [...]" (Schünemann, op. cit., nota 6, pp. 205ss.). Deste ponto de vista, antecipações não constituem problemas: o Estado pune " ali onde [...] as 'estações de distribuição [Schaltstationen] coletiva se encontram". Quanto ao procedimento, trata-se de organizá-lo de tal modo que ele possa "levar ao esclarecimento do ato", no que não é evidente o motivo pelo qual Schünemann está seguro de que, apesar desta efetividade, a perseguição de "todo direito do cidadão permanece como parte de tal objetivo" (Ibidem). É, porém, simplesmente incompreensível que exatamente a partir desse princípio robusto da posição dominante se sustente que ela dissimula carências de legitimação (Ibidem, p. 212): no princípio de Schünemann não carência correspondente a isso (talvez não considerando a necessidade de algumas considerações). Assim, quem não tem nenhum conceito também não precisa trazer nada a ele.

[20] Sobre o direito penal do inimigo como proteção contra o perigo, cf.

Jakobs. ZStW, vol. 97, 1985, pp. 751ss., p. 783; idem, nota 18. pp. 51ss.; idem. In: Hsu, Yu-hsiu (org.). Foundations and limits of criminal law and criminal procedure, 2003, pp. 41ss.; idem, Staatlich Strafe, op. cit, pp. 40ss.

[21] A Verdachtsstrafe seria uma condenação penal com base em indícios e não com base em provas, a qual, por este motivo, implica a aplicação de uma pena menor do que a cominada legalmente para o crime em questão. Ela não existe mais no sistema penal alemão pelo fato de contrariar a presunção de inocência, tendo sido utilizada principalmente no século XIX e início do XX [N. do T.].

[22] A esse respeito, é fundamental o trabalho de Isensee, Joseph. Das Grundrecht auf Sicherheit. Zu den Schutzpflichten des freiheitlichen Verfassungsstaates. Berlim: Walter de Gruyter, 1983, pp. 34ss; Isensee e outros (orgs.). Handbuch des Staatsrechts. Heidelberg : C.

F. Muller Juristischer, vol. 5, Allgemeine Grundrechtslehren, 1992, § 111 Rdn., 137ss.

[23] Jahn, op. cit., pp. 21, 244, 417, 428ss; de maneira resumida, p. 603. Na discussão, afirmou-se que mesmo um "Hitler" deveria ser julgado num processo com exigências correspondentes às do Estado de direito e, assim, tratado como pessoa e não como inimigo. Isso é fácil de se afirmar ex post sessenta anos depois, mas comove aqueles que em seu tempo resistiram de fato, numa época de escuridão que ninguém mereceu menos que eles. Desmobilizar (ou tentar desmobilizar) o inimigo e conferir ao inimigo muito desmobilizado garantias de Estado de direito são duas coisas bem diferentes! [24] A esse respeito, ver Merkel. Die Zeit, 8/7/2004, p. 33; Pawlik. Juristenzeitung (JZ), 2004, pp. 1045ss. ; Sinn. Neue Zeitschrift für Strafrecht (NstZ), 2004, pp. 585ss. ; Hartleb.

Neue Juristische Wochenschrift (NJW), 2005, pp. 1397ss.

[25] Jakobs, Strafrecht Allgemeiner Teil. Die Grundlagen und die Zurechnungslehre, 2. Aufl, 1991, 15/4.

[26] Pawlik, op. cit., pp. 1052ss.; de maneira crítica em relação a isso, cf.

Hartleb, op. cit., p. 1400.

[27] Merkel, op. cit.

[28] Isensee e outros, op. cit.

[29] O motivo é a responsabilidade do culpado por sua defesa. Com isso, provar uma culpabilidade pode ser apresentado também como seu "concurso de defesa" e não como constructo estatal. Cf. Pawlik. Goltdammer's Archiv fïr Strafrecht (GA), 1998, pp. 378ss., 380ss. ; Lesch. ZStW, vol. 111, 1999, pp. 624ss., 636ss.

[30] O argumento fraco segundo o qual os passageiros de uma aeronave perderiam apenas uma fração de suas vidas é negado aqui: caso o vôo possa ser impedido antes resta uma fração inteira. Cf. Otto. JZ, 2005, pp. 473ss., p. 480.

[31] Jakobs, "Die Strafrechtswissenschaft im 21...", op. cit., pp. 461ss. De todo modo, isto diz respeito aos casos aqui tratados: a ordem oferece uma chance de integração que não pode ser utilizada sem mostrar, desde o princípio, uma alternativa digna de preferência (seus critérios não podem ser aqui esclarecidos) por uma pessoa em potencial, e que é, por sua vez, imputada a essa mesma pessoa. Dito de maneira kantiana, quem não pode ser trazido ao alcance de uma constituição civil, dele devemos nos separar "devido à ausência de lei de seu estado (statu iniusto)" ("Zum ewigen Frieden". In: Weischedel, Immanuel Kant (org.). Werke in sechs Bånden, 1964, vol. 6, pp. 191ss., p. 203).


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