Modernidade medieval: cidadania e urbanismo na era global
INTRODUÇÃO
A renovação do interesse pelas cidades marcou o início do novo século. O século
XXI será um século urbano, quando mais pessoas viverão em cidades do que em
qualquer outro tipo de formação espacial. Há o temor de que grande parte desse
processo de urbanização se dê nas cidades do Sul global, cidades que têm sido
caracterizadas pelo hipercrescimento. Para além da hipérbole demográfica, há
também a constatação de que as cidades são os locais centrais de administração
e controle do capitalismo global contemporâneo. Os teóricos da "cidade global"1
retratam uma ecologia da globalização2 que é essencialmente uma hierarquia de
cidades e que pode ser entendida tanto como um argumento darwinista sobre a
"sobrevivência do mais apto" quanto como uma análise durkheimiana da divisão do
trabalho. Aceite-se ou não tais mapeamentos ecológicos da globalização, o tema
persiste: apesar do discurso da desterritorialização, as cidades e seus
territórios ainda importam.
Mas há muita discordância sobre como interpretar a paisagem urbana de hoje. De
um lado, um discurso otimista vê as cidades como arenas de vivência,
subsistência e transformação social3. Em locais como a América Latina, há o
sentimento de que a descentralização da governança, passando da escala nacional
para a escala urbana, está relacionada com uma "revolução democrática
silenciosa"4. Nos Estados Unidos, persiste a esperança de que as políticas
urbanas são capazes de fazer frente ao chauvinismo dos regimes nacionais, como
revelam as tentativas em diversas cidades, como São Francisco, de legalizar o
casamento gay, muitas vezes contrariando decisões dos governos estadual ou
federal. De outro lado, um certo discurso crítico vê o surgimento de formas
fragmentadas e dispersas de cidadania urbana, constituídas por enclaves
fechados e espaços exclusivos5. A democracia, na formulação teórica provocativa
de Yiftachel e Yakobi, é territorializada segundo uma "etnocracia urbana", uma
forma de governança marcada por divisões raciais e étnicas profundas6.
Estudiosos do surgimento do neoliberalismo, as ideologias do livre mercado que
predominaram durante a década de 1980, chamam a atenção para a forma pela qual
projetos de renovação urbana conduzidos por interesses privados7 são
acompanhados por um conjunto de políticas perversas que aceleram a remoção dos
pobres das cidades8. Se São Francisco resume um tipo de regime urbano que
"civiliza" e "liberaliza" a cidadania nacional, também resume um conjunto de
políticas urbanas neoliberais vis e agressivas que criminalizam os despossuídos
em nome do desenvolvimento urbano.
Como colocar em ordem essas diferentes interpretações das cidades e da
cidadania?9 Algum desses discursos se sobrepõe ao outro? Ou descrevem processos
muito distintos? É evidente que as narrativas concorrentes apontam para
abordagens teóricas diferentes. Mas há algo mais: os paradoxos insistentes da
cidadania urbana amplificados pelos paradoxos do processo de globalização
contemporâneo. Por exemplo: uma pesquisa recente de Perlman10 sobre as favelas
do Rio de Janeiro mostra como a democratização pode ser acompanhada pelo
aprofundamento da desigualdade e como melhorias de infra-estrutura podem
existir ao lado da violência extrema do tráfico internacional de drogas e do
aparato estatal. A análise de Las Vegas feita por Rothman indica, igualmente,
que algumas políticas urbanas para o espaço público são constituídas segundo a
idéia de liberdade, mas a própria noção é concebida como "estar livre de" (da
presença dos pobres urbanos, de protestos) ou como "liberdade para consumir"11.
Há, portanto, uma duplicidade inerente à idéia de liberdade, que é
territorializada no âmbito da cidadania urbana.
Neste artigo, procuramos mostrar que a discussão atual a respeito das cidades e
da cidadania pode ser abordada a partir da referência conceitual oferecida pela
cidade medieval. A cidade medieval nos lembra que a relação entre cidades e
globalização não é nova. Se hoje a cidade global é o comando e o núcleo central
do comércio internacional, então a cidade medieval também pode ser considerada
uma cidade global. Seja o argumento de Pirenne12 de que o renascimento
econômico do século XII levou à formação de "cidades livres", seja o argumento
exatamente oposto de Mumford13 de que foi o reaparecimento da "cidade
protegida" que ajudou a reabertura das rotas comerciais internacionais, o
vínculo entre a cidade medieval e o comércio global é inquestionável. Mas,
talvez ainda mais importante, a cidade medieval traz à mente os paradoxos, as
exclusões e as segmentações que sempre estiveram associados à estrutura das
cidades e à organização urbana. Assim, Pirenne refere-se à cidade medieval como
uma "cidade livre", enquanto Mumford refere-se a ela como uma "cidade
protegida". Em outras palavras, a cidade livre medieval era também a cidade
protegida; não havia um conceito medieval de liberdade que não fosse também um
conceito de associação, clientelismo e defesa.
Essa "duplicdade" é uma ferramenta analítica valiosa para o exame das
geografias urbanas contemporâneas. Nas seções que compõem este artigo,
destacamos três formações espaciais peculiares: o condomínio fechado, a
ocupação e o campo, mostrando como formas do urbanismo medieval tornam possível
uma compreensão dos paradoxos e dos potenciais desses três espaços. Enfatizamos
três pontos de congruência entre as cidades medievais e as cidades
contemporâneas. Em primeiro lugar, se a cidadania moderna foi constituída por
meio de uma série de direitos individuais abstratos enraizados no conceito do
Estado-nação, então agora assistimos à emergência de formas de cidadania
localizadas em enclaves urbanos. Como nos tempos medievais, essa cidadania está
ligada ao clientelismo (centrado na figura do bispo, por exemplo) ou ao
pertencimento a associações (como a guilda), e em ambos os casos trata-se
fundamentalmente de proteção. Em segundo lugar, tais formas de cidadania
substituem ou são mesmo hostis ao Estado. Das associações de proprietários de
imóveis à declaração por grupos religiosos fundamentalistas de repúblicas
islâmicas em seus bairros, são sistemas privados de governança que operam como
feudos medievais, impondo verdades e normas muitas vezes contrárias às leis
nacionais. Em terceiro lugar, essa lógica de dominação tem manifestações
territoriais. A cidade se articula, segundo a expressão de Holston e Appadurai,
na forma de "colméias de jurisdição", um "corpo medieval" de "associações
privadas sobrepostas, heterogêneas, não-uniformes e crescentemente privadas"14.
É importante lembrar que, ao fazer uso da categoria analítica da cidade
medieval, não estamos insinuando que a Idade Média seja um período histórico
consistente ou uma geografia unificada e uniforme. Apesar de não levarmos em
consideração as diferentes geografias da cidade medieval, cremos que a
diversidade temporal e espacial da cidade medieval contribui mais do que
prejudica nossa tarefa analítica. Por exemplo, um dos debates a respeito da
cidade medieval envolve a suposta diferença entre os contextos europeu e do
Oriente Médio. Kostof, com base no texto clássico orientalista de Grunebaum15,
considera que a cidade medieval "islâmica" não dispunha das formas de
autogovernança e da organização municipal das cidades medievais européias. Para
ele, à Cairo medieval, uma "massa solidamente construída" repleta de "labirinto
de becos sem saída", falta um âmbito público16. Em contraste, ele vê em cidades
como Florença uma batalha "para assumir o controle de suas ruas e espaços
abertos [...] para fazer da estrutura da cidade um plano intencional [...] e
uma ordem visível"17. Em outras palavras, a cidade islâmica desordenada era uma
alegoria que tornou possível a norma da cidade européia ordenada. Tal distinção
entre cidades islâmicas medievais caóticas e misteriosas e as cidades medievais
européias funcionalmente ordenadas ressoa hoje na distinção entre as cidades
ingovernáveis do Terceiro Mundo e as cidades governadas dos Primeiro Mundo. É
uma distinção que tem sido questionada no que diz respeito às cidades
medievais, e os teóricos afirmam que o que está em jogo são diferentes lógicas
de regulação e administração, e não a presença ou ausência de governança18. A
mesma distinção é igualmente colocada em questão no que diz respeito às cidades
contemporâneas19.
A história da cidade medieval recobre muitos séculos. Em vez de procurar por um
urbanismo medieval coerente, dedicamos uma atenção especial às diferentes
temporalidades e formas da cidade medieval e sustentamos que essa diversidade
permite uma abordagem muito útil das transições e transformações urbanas. A
cronologia do urbanismo medieval pode ser resumida da seguinte forma: com o fim
do Império Romano, as cidades antigas declinaram; nos primeiros tempos da Idade
Média, nos séculos IX e X, a cidade sobrevive como cidade espiscopal governada
por bispos20; os séculos XI e XII assistem a um ressurgimento das cidades como
centros de comércio internacional e de transações econômicas e, mais
genericamente, para usar a expressão de Braudel, como "postos avançados da
modernidade", uma "coleção de regras, possibilidades, cálculos"21; essas
cidades davam corpo a um embate por soberania, não apenas nas múltiplas
soberanias que marcaram a política econômica do período medieval, mas também
nas tentativas das cidades de se tornarem "estados dentro do Estado"22; no
século XVIII, essa luta havia sido resolvida em favor de uma estrutura política
caracterizada por um centralismo barroco incorporado em um Estado nacional, no
qual os privilégios de cidadania eram obtidos não da cidade mas do príncipe, e
podiam ser excercidos em qualquer lugar do reino23.
Pretendemos aqui relacionar os espaços urbanos contemporâneos com esses
momentos históricos. Mumford24 sustenta que o mito do século XVIII do contrato
social, que sobrevive na idéia de cidadania nacionalatéoséculo XX, era uma
"racionalização da base política da cidade medieval". Será possível então ver a
dissolução da cidadania nacional, sua fragmentação, localização e
decentralização na escala urbana, como um retorno ao que Mumford chama de
"localismo medieval"25? Serão os enclaves fechados do urbanismo contemporâneo
iguais às cidades medievais "sustentada por privilégios, adquiridos ou
extorquidos"26? Poderia o urbanismo estilhaçado de hoje ser considerado
semelhante ao da cidade do fim da Idade Média? Se voltarmos ainda mais no
tempo, encontramos nos inícios da Idade Média a cidade do bispo, a cidade onde,
como nos lembra Pirenne27, a idéia da cidadania, da civitas, era sinônima com a
dominação religiosa e na qual o bispo exercia poderes de policiamento e
administração. Seu paralelo no mundo islâmico também é relevante nesse caso:
fosse a cidade dos califas ou a cidade do sultão, a "cidade Islâmica" era o
modo de existência urbana predominante28. Seriam os regimes de governo
religiosos em funcionamento nos espaços informais de cidades contemporâneas
reminiscentes da cidade medieval religiosa?
E se voltamos ainda mais no tempo, nos deparamos com o fim do Império e com o
debandar da cidadania urbana e da cidade. Teria esse momento alguma semelhança
com o nosso momento presente, no qual, como notou Agambem, "o paradigma
biopolítico é o campo, e não a cidade"29? Com o declínio do Império Romano, a
vida pública da cidade de Roma centrou-se cada vez mais nos "rituais de
extermínio", que alcançou seu clímax nos espetáculos de gladiadores, "morte na
tarde", dramatizados na forma de circo30. Hoje, as cidades buscam aplicar a
estratégia do espetáculo na criação de vida pública; algumas, como Las Vegas,
alegam ser o maior show da terra, assim como Roma já foi o maior show da terra.
Mas o show também está se transformando em "morte na tarde" - a "vida nua" de
Agambem31 apresentada como espetáculo, ao vivo pela CNN e Al - Jazeera.
Comaroff e Comaroff32 chamam atenção para o caráter mágico do Estado na era do
capitalismo milenar, o excesso ritualístico que funciona como álibi para a real
politik. Em uma era de império, o excesso ritualístico toma a forma de rituais
de extermínio exibidos como hiper-realidade. Ou seria esse o espetáculo que
marca o declínio do império?
Deve estar claro, agora, que o nosso uso da cronologia medieval opera ao
reverso-vamos do centralismo do século XVIII ao localismo medieval do fim da
Idade Média ao governo de bispos do início da Idade Média e, finalmente, ao fim
do Império Romano. Ao fazê-lo, não estamos propondo uma teoria a respeito da
regressão, reflexo invertido da doutrina do progresso. Antes, procuramos
destacar as idas e vindas da urbanização, a simultaneidade de diferentes
lógicas urbanísticas e a importância de uma abordagem não-linear do tempo
histórico. Nossa abordagem, como diria Benjamin, é histórico-materialista, mais
do que historicista, na qual procuramos "fazer irromper, do curso homogêneo da
história, um período específico"33. Esperamos que tal abordagem torne possível
um complexo engajamento com a história, que nos permita pensar a história não
como periodização linear mas, em vez disso, como uma fonte de conceitos, cuja
exploração possibilita a articulação da teoria. Essa abordagem também coloca em
perspectiva histórica práticas urbanas aparentemente "novas", mostrando assim
que não são simplesmente formas desviantes ou anômalas mas componentes
fundamentais da paisagem urbana. Se parte de nossa pesquisa anterior teve
alcance "transnacional", usando "lá" para colocar questões críticas a respeito
"daqui"34, então este argumento é "trans - histórico", e gera questões a
respeito de "agora" desde a perspectiva do "então".
Acima de tudo, esse artigo é uma tentativa de tornar mais complexos conceitos
como "modernidade" ou "democracia", pressupostos em discussões urbanísticas
contemporâneas. A longa história das cidades revela o imbricamento entre
democracia e liberdade com as estruturas políticas do império e do
medievalismo. A articulação das cidades de hoje como "medievais" coloca em
questão a inevitabilidade do progresso. A fim de dirigir a atenção para os
paradoxos persistentes da vida e forma urbanas, fazemos uso da expressão
paradoxal "modernidade medieval", sugerindo que formas medievais de organização
e comunidade se escondem no coração do moderno.
ENCLAVES FECHADOS
Nas cidades, de Los Angeles a Manila, o paradigma de organização espacial mais
comum hoje é o enclave fechado, mantido com a ajuda de técnicas sofisticadas de
vigilância, policiamento e arquitetura. Esses espaços são não apenas murados e
cercados, mas estão também ligados a outros espaços de exclusão, tais como
megaprojetos urbanos e desenvolvimentos dos hábitos de lazer. É essa combinação
de espaços urbanos de sedução e segurança que Graham e Marvin chamam de
urbanismo de estilhaços: redes de segregação espacial mantidas por meio de
infra-estruturas especiais que são quase literalmente "segregadas" do ambiente
urbano circundante. Tais formas de segregação manifestam-se hoje tanto
horizontal como verticalmente. Das estradas elevadas semi-privadas e rotas
aéreas aos edifícios-fortalezas, há uma paisagem tridimensional de exclusão e
polarização35.
Essas tendências aparecem de forma bastante consumada no Brasil, onde a elite
se retirou a condomínios fechados, procurando romper suas conexões com os
pobres urbanos, apesar de, assim como afirma Caldeira36, os pobres ainda serem
necessários para limpar as piscinas e cuidar dos jardins. Hoje, São Paulo
possui a maior frota privada de helicópteros porque sua elite urbana abandonou
as ruas da cidade pelos céus inacessíveis. O helicóptero mais vendido no Brasil
é o Robinson R44, que acomoda confortavelmente quatro pessoas. Custo algo em
torno de US$380 mil, aproximadamente noventa vezes a renda anual média de um
habitante de São Paulo37. Para que ter uma BMW blindada quando se pode usufruir
de um helicóptero? Nessa cenário de segregação digno de Blade Runner, enquanto
as poucas centenas de membros da elite urbana vagam pelos céus em seus
helicópteros, 3, 7 milhões de habitantes enfrentam todo dia o sistema precário
de transporte público da cidade. Weizman e Segal entendem esse entalhamento da
cidade em esferas de circulação separadas como uma política da verticalidade.
Eles observam que os assentamentos judeus estrategicamente localizados na
Cisjordânia ocupam espaços nas colinas, enclaves suburbanos separados dos
vizinhos palestinos, muito mais pobres, mas que também gozam de superioridade
vertical de vigilância e de redes de infra-estrutura fornecidas pelo aparato
militar do Estado de Israel38.
Tais paisagens de muros e cercas indicam uma territorialização peculiar da
cidadania, ou o que Low39 chama de nova estrutura espacial de governo. A
principal característica desses regimes espaciais é a formação de conjuntos
cercados governados por entes privados. Os Desenvolvimentos de Interesse
Público (DIP) são um exemplo dessa tendência. Uma DIP é uma comunidade na qual
os residentes são proprietários de ou controlam as áreas comuns ou instalações
compartilhadas, o que implica direitos e obrigações recíprocas garantidos por
um corpo administrativo provado. Definida legalmente como compromissos,
contratos e restrições (CC&Rs) especializados, essa estrutura de governança
cria novos tipos degovernos privados na forma de "associações de condôminos"40.
Como reparou McKenzie, essas "privatopias" marcam a "secessão dos bem-
sucedidos"41. Aqui, a lei contratual é a autoridade suprema; a ética da
propriedade é o fundamento da vida comunitária;e a exclusão é o fundamento da
organização social42.
Os enclaves fechados podem ser analisados em relação ao urbanismo medieval e à
formação das cidades autônomas. O argumento famoso de Pirenne sobre as cidades
medievais afirma que "o ar da cidade liberta": "Liberdade, na Idade Média, era
um atributo tão inseparável da condição de cidadão de uma cidade como o é hoje
da condição de cidadão de um Estado"43. Os elementos - chave dessa liberdade
incluíam a liberdade pessoal - isto é, a liberdade da servidão feudal - e
liberdade fundiária - isto é, a liberdade de transferir e adquirir propriedade
de uma maneira semelhante àquilo que hoje chamamos de propriedade
imobiliária44. Tais liberdades eram concedidas pelos códigos municipais,
criando um distrito legal para o qual habitar uma cidade corporativa por um ano
e um dia anulava as obrigações de servidão, o mais notável das quais era o
controle do senhor feudal sobre as mentes e os corpos dos súditos feudais45.
Esses enclaves legais eram governados segundo um sistema de regras e
regulamentações, incluindo algumas que davam origem a um ambiente construído
altamente controlado, dotado de unidade estética. Em Siena, por exemplo, houve
grande esforço para completar, polir e codificar o arranjo físico mais informal
de seus primeiros tempos. Ali, no século XIV, o conselho da cidade ratificou
uma lei determinando que "todos os novos edifícios em construção devem estar
alinhados com os edifícios ao seu redor [...] e devem ser igualmente
construídos de forma a contribuir para a beleza da cidade"46. Em Bruges, os
comerciantes representados pelas guildas societárias exerciam um papel central
nos processos que governavam a formação dos espaços públicos e, na Florença do
fim da Idade Média, a jovem república codificou seu controle sobre as ruas da
cidade47. Era uma unidade estética, que submetia ou sujeitava a ação individual
a um ideal coletivo mais amplo. Os compromissos, os códigos e as
regulamentações (CC&R) das associações de condôminos de hoje e os códigos e
guias de padrão do Novo Urbanismo têm efeito similar, criando enclaves
esteticamente codificados e unificados.
As conseqüências mais importantes do urbanismo medieval para a compreensão das
cidades contemporâneas estão ligadas ao conceito de liberdade. O código
municipal que garantia liberdade era um tanto paradoxal. Em primeiro lugar, era
um enclave de liberdade cuja premissa era a idéia de uma "liberdade de" - nesse
caso, a liberdade de ferramentas de confisco e outras extorsões cobradas pelos
senhores feudais48 ou pelos bispos. Pirenne escreve:
Nada estava mais distante da mente da classe média original do que
qualquer concepção dos direitos do homem e do cidadão. A própria
liberdade pessoal não era reivindicada como um direito natural. Era
cobiçada apenas por causa das vantagens que conferia49.
Essas vantagens estavam ligadas principalmente à ocupação, como o exercício de
ofícios e a prática de comércio. Em segundo lugar, o código era inerentemente
excludente. Suas vantagens, tais como os benefícios fiscais ou as proteções do
código penal, estendiam-se apenas àqueles que habitassem o enclave codificado.
A classe média urbana tornou-se então um grupo social como o clero e a nobreza
- uma ordem privilegiada dotada de uma forma legal e territorial específica que
lhe permitia preservar seu statusexcepcional e os benefícios a ele associados,
pela exclusão da massa de habitantes rurais. Nas palavras de Pirenne, a
liberdade era um monopólio50. Em terceiro lugar, tal liberdade só poderia ser
exercida por meio da associação. "Não havia segurança a não ser na proteção do
grupo, nem liberdade que não reconhecesse as obrigações constantes de uma vida
corporativa"51. Apesar das diferenças de escala, é possível comparar as
associações de proprietários de imóveis hoje ao enclave medieval codificado.
Hoje, a propriedade é central da mesma forma que a ocupação era central na
Idade Média. Em ambos os casos, a cidadania urbana tem como premissa a
administração de um espaço secessionário dotado de regulamentações e códigos
internos.
Finalmente, os enclaves medievais de associações competiam uns com os outros,
criando condições para o surgimento da soberania fragmentada que discutiremos
na próxima seção. A cidade codificada do fim da Idade Média era uma revolta
contra a dominação, do início da Idade Média, dos bispos52. As cidades
codificadas eram muitas vezes criação de comerciantes prósperos que governavam
como uma "oligarquia da cidade"53. Em algumas dessas cidades, a guilda dos
comerciantes chegava a dominar a guilda dos artesãos, superando o poder dos
artesãos-mestres com o poder dos comerciantes, como nas cidades flamengas até a
revolta das guildas de artesãos no século XIV54. A competição entre as guildas
era comparável à competição entre comerciantes e senhores feudais. Em alguns
casos, os senhores feudais criavam códigos municipais que garantiam "a
liberdade pessoal da condição de servidão, liberdade de movimento, liberdade de
taxas irregulares, o direito a possuir propriedades"55. Em outros casos,
alianças eram feitas entre autoridades reais e enclaves municipais codificados,
com o objetivo de enfraquecer a nobreza feudal56. Assim, a liberdade era
constantemente negociada, fosse por secessão fosse por hierarquização, na
paisagem medieval.
O caso das cidades italianas do fim da Idade Média oferece um exemplo dessas
disputas. Aqui, segundo as análises de Kostof, famílias da nobreza haviam
reproduzido, no interior das cidades, os bastiões fortificados de suas
residências rurais, criando bairros nucleares semi-autônomos com suas torres de
defesa ameaçadoras57. Um dos principais desafios das novas comunas, ou cidades-
estado autogovernadas, no fim da Idade Média, seria a abertura desses bolsões
privados e a retomada das ruas e dos espaços públicos em nome de todos os
cidadãos.
Mas a própria cidadania era um conceito limitado: "cidadãos integrais" eram uma
"minoria desconfiada, uma cidade pequena dentro da própria cidade"58. E
enquanto esses enclaves dos poderosos eram desafiados, a própria cidade tentava
manter-se como enclave, procurando, em outra escala, tornar-se cidade-estado ou
república municipal. Como nota Pirenne, "se elas tivessem poder, teriam, em
toda parte, se tornado Estados dentro do Estado"59. Entre os séculos XV e
XVIII, na Europa, esses enclaves estavam "reunidos sob um novo signo: o signo
do Príncipe", exemplificado pelo tratado de Maquiavel60. A cidadania seria
agora codificada e regulada não mais segundo o statusexcepcional do código da
cidade, mas generalizada para todo o espaço econômico do Estado-nação moderno.
É possível falar em enclaves fechados e cidadania contemporânea sem fazer
referência às cidades medievais. É possível documentar a crescente quantidade
de enclaves para explicar o funcionamento dos circuitos do capital de
propriedade e analisar a "ecologia do medo" que produz a estética das
comunidades protegidas. São temas de pesquisa importantes, mas não fazem parte
de nosso projeto. Afirmamos que, nesse breve desvio histórico, a analogia com a
Idade Média ilumina duas dimensões dos enclaves fechados contemporâneos: a
natureza monopolística da liberdade conforme territorializada no espaço urbano
e codificada nos códigos municipais; e a multiplicidade e fragmentação da
soberania. Tais questões levam da visão dos enclaves fechados como "efeitos" do
neoliberalismo ou do conservadorismo social à análise de suas relação com as
tecnologias de subjetivação, soberania e espacialidade. Os enclaves fechados
dão corpo a que Rose, valendo-se de Foucault, chamou de "poderes da liberdade",
as formas de governar que são o pressuposto da liberdade dos governados61. Em
outras palavras, o enclave é uma importante tecnologia de dominação, uma forma
de dominação que opera por meio da dupla hélice da liberdade e soberania,
liberdade e proteção.
A OCUPAÇÃO REGULAMENTADA
Ao longo da história, a ocupação tem sido um mecanismo importante de uso da
terra. Hoje, as ocupações, muitas vezes chamadas de "habitações informais", são
parte considerável do ambiente edificado das cidades do Sul global. Os
processos por meio dos quais as ocupações surgem, se desenvolvem, se consolidam
e adquirem forma urbana são numerosos e diversos. Muitas vezes, elas revertem a
trajetória tradicional do planejamento urbano, em primeiro lugar ao dar início
à ocupação da terra, seguido pela construção e então pela aquisição de infra-
estrutura e serviços. Em vez de serem entendidas como práticas "ilegais", tem
se mostrado mais útil considerá-las atividades não-regulamentadas em um
contexto no qual atividades semelhantes são regulamentadas62. Essa "não-
regulamentação" é em si e por si uma forma distinta de regulamentação, um
conjunto de táticas que recriam a informalidade, transformando-a em
governamentabilidade. Como sustentamos em outra ocasião, a informalidade urbana
é uma lógica de organização urbana.
São os processos de estruturação que constituem as regras do jogo, determinando
a natureza das transações entre indivíduos e instituições e no interior das
instituições. Se a formalidade opera por meio da fixação de valores, incluindo
o mapeamento do valor espacial, então a informalidade opera por meio da
constante negociabilidade do valor63.
Roy sustentou especificamente que a informalidade é expressão do poder soberano
de decretar Estado de exceção:
Os aparatos estatais legal e de planejamento têm o poder de
determinar quando decretar essa suspensão, de determinar o que é
informal e o que não é, e de determinar quais formas de informalidade
devem prosperar e quais devem desaparecer. O poder estatal é
reproduzido por meio da capacidade de construir e reconstruir
categorias de legitimidade e ilegitimidade
64.
A regulamentação, então, é crucial para a informalidade, e é esse conceito que
se torna evidente com o estudo do urbanismo medieval.
O tema da ocupação é um elemento importante do discurso sobre as cidades
medievais. Kostof sustentou que a maioria das cidades medievais, seja na Europa
seja no Oriente Médio, era um resultado de "sinoecismo": o processo orgânico
que ocorre quando diversas aglomerações menores - normalmente, rurais-se tornam
contíguas ao longo do processo de crescimento urbano65. Em obra posterior,
Kostof identifica a "medievalização" com a crescente informalidade das
ocupações urbanas. Sua análise de Roma durante o colapso do Império Romano
mostra como os escritórios municipais da Praefectura Urbanaparam de funcionar,
como os cidadãos começam a deixar a paisagem densa das edificações
habitacionais - as insulae - e a ocupar o interior e o entorno de muitas das
estruturas abandonadas da cidade velha. Esse processo gradual, que Kostof
chamou de "medievalização de Roma", levou mil anos e gradualmente transformou o
tecido urbano geométrico da cidade a ponto de camuflar por completo a estrutura
original sobre a qual foi construída66.
No entanto, há muito mais envolvido nesses processos do que simplesmente a
transformação da forma física e da morfologia urbana. O que está em jogo é uma
política espacial peculiar. Assim como na contemporaneidade, a ocupação na
Idade Média era uma prática altamente regulamentada. O que à primeira vista
parece ser uma paisagem desordenada foi de fato produzido por uma teia
intrincada de normas e regulamentações. Nas cidades medievais do Oriente Médio,
os muhtasib, figura equivalente à podestaeuropéia, agiam como policiais de
edifícios e mercados. Eles não erradicaram a informalidade, mas antes
formalizaram práticas informais ao permitir que acontecessem, primeiramente,
depois aceitá-las como precedente e, por fim, encontrar decisões legais
islâmicas para validar sua aceitação67. Por exemplo, um proprietário de loja
ocupa determinada parte da rua para exibir sua mercadoria. Não existe um código
que o impeça de fazê-lo, mas, dessa forma, o comerciante interfere na
circulação e no movimento dentro da cidade. Como resultado de uma queixa ou de
uma inspeção pelo órgão dos muhtasib, o lojista recebe ordens de ou retirar
seus produtos do espaço público ou lhe é concedida autorização para ocupar
apenas uma parte dele. Outros lojistas observam o incidente e, por fim, adotam
a convenção. Assim, surge uma forma de apropriação do espaço público urbano
para uso comercial privado. Essa forma de vida urbana é então aceita e
normalizada tanto pela administração da cidade como pelos residentes68. Outro
exemplo envolve o morador de uma casa que a expande, adicionando um segundo
andar. Alguns elementos estruturais devem ser construídos no espaço público da
rua, possivelmente sobre esse espaço, e o acréscimo também interfere no espaço
privado de outras casas. Tais violações de normas sociais não seriam toleradas
pelos muhtasib, então a pessoa que realiza a expansão deve negociar não só com
os vizinhos a exata localização das janelas, resolvendo assim o problema da
invasão de privacidade, como também com a administração da cidade a extensão da
invasão do espaço público; assim, minimiza a infração sem deixar de ocupar a
parte do espaço aéreo de uma rua, mas sem interferir com sua função de
circulação e transporte69. Tais exemplos ocorrem tanto no Oriente como no
Ocidente - os Sabbats, em Túnis, e o Sotto-Portice, de Veneza. Como resultado
das negociações tão delicadas do tecido urbano da cidade, uma constelação de
formas irregulares é legitimada70. Esse processo de negociabilidade, que
existia em muitas cidades árabes durante a Idade Média, não deve ser
interpretado como uma revolta contra o Estado; deve ser entendido como a
articulação de uma forma específica de cidadania que envolvia aliança entre os
diferentes grupos que constituíam a massa das sociedades urbanas.
A discussão a respeito da informalidade moderna tem dado muita atenção à
política urbana. É consenso hoje que os Estados modernos, sejam democráticos
sejam autoritários, engendram e administram a informalidade como uma forma de
subscrever a acumulação capitalista e assegurar sua legitimidade política71. No
entanto, nos últimos anos, tem havido um interesse crescente no que parecem ser
novas formas de governança e política no âmbito da informalidade urbana. Com o
aprofundamento das medidas neoliberais de austeridade, surgem atores não-
estatais que assumem o papel de Estado de factoem ocupações informais em várias
regiões do mundo72. O mais impressionante é a convergência entre as geografias
informais e a territorialização do fundamentalismo religioso. Com o abandono
dos programas sociais pelo Estado, grupos religiosos fundamentalistas se
tornaram o principal prestador de serviços urbanos em ocupações informais73.
Um dos lugares onde esses processos se tornaram visíveis pela primeira vez foi
o bairro de Imbaba, no Cairo. Em 1992, o exército egípcio realizou incursões em
Imbaba, pondo fim no controle do bairro por um grupo islâmico. Como um grupo
islâmico pode criar essa zona de soberania? Parte da resposta está ligada à
reestruturação neoliberal. A adesão estrita do Egito às regras de ajuste
estrutural foi de mau agouro para os pobres urbanos de cidades como o Cairo. Em
bairros como Imbaba, constata-se um grande aumento da pobreza e do trabalho
informal. Formado por conjuntos habitacionais dilapidados e ocupações, em fins
dos anos de 1970 Imbaba era palco de tumultos por alimentos desencadeados por
políticas do FMI74. Nos anos de 1980, Imbaba havia sido tomada pelo Gamaa al
Islamiya, grupo ligado ao assassinato do presidente egípcio Anwar Sadat, que se
tornou o Estado de facto. De um lado, passou a prestar a maior parte dos
serviços sociais-da saúde à educação. De outro, dividiu Imbaba em dez sessões,
cada uma comandada por um "emir", que governava segundo interpretações
fundamentalistas do Islã75.
Imbaba não é uma exceção. No Líbano, o Hezbollah, grupo que ocupa uma posição
alta na lista norte - americana pós - 11 de novembro de organizações
terroristas, tornou-se igualmente um Estado de facto. Seus programas de
desenvolvimento nos subúrbios do sul de Beirute incluem o fornecimento de casas
por meio do Jihad para construção, educação, serviços de saúde, água, sistema
de esgoto e eletricidade76. Como Beirute foi reconstruída segundo projetos
urbanísticos sofisticados, tais como o Solidere ou o Elyssar, o Hezbollah tem
se destacado como o principal mediador dos direitos à habitação da população
xiita pobre77. Sua ascensão ao poder só pode ser entendida no contexto da
guerra civil em Beirute, quando a cidade foi dividida em diversas zonas, cada
uma governada por uma milícia religiosa, que não era apenas máquina de guerra,
mas também órgão de prestação de serviços e de desenvolvimento. Em Mumbai,
grupos hindus fundamentalistas, como o Shiva Sena, ganharam apoio popular em
toda a cidade ao prometer reivindicar espaço no mercado imobiliário
incrivelmente fechado. Essa reivindicação custou, como notou Appadurai, a
integridade do corpo muçulmano78. Ou, no caso das favelas e das ocupações
latino-americanas, o pentecostalismo surgiu como lógica de governança e
política79. Obviamente, nem todos esses grupos religiosos são fundamentalistas.
Em alguns casos, a lógica da religião é secundária em relação a redes de
parentesco e comunitárias, assim como nas associações de auxílio mútuo das
cidades egípcias, descritas por Bayat como o "Islã social"80. No entanto, essas
associações retalham a cidade em diferentes ordens de cidadania, dando origem a
regimes religiosos de dominação urbana e regimes urbanos de dominação
religiosa. Comaroff e Comaroff consideram esses regimes religiosos símbolo do
capitalismo neoliberal: a "privatização do milênio" por meio da criação de
estruturas paraestatais e a redefinição da cidadania como algo "condicional,
parcial e situacional"81.
Mais uma vez, o urbanismo medieval oferece uma ferramenta analítica útil para a
compreensão de tais processos contemporâneos. Segundo o retrato de Pirenne, no
início da Idade Média, a cidade era sinônimo de administração religiosa82. Os
termos civise civitasnão tinham nenhum significado legal; significavam apenas
residência na cidade episcopal. A dominação dos bispos desenvolveu-se no
contexto do desaparecimento do comércio no século IX. Os bispos atuavam não
apenas como líderes religiosos, mas também gozavam de poderes de polícia
vagamente definidos, tais como a supervisão dos mercados e a regulamentação de
ferramentas83. Essa foi a articulação da cidadania no sentido restrito do
clientelismo, sem nenhuma das complexas formas de associação urbana que viriam
a recalibrar o clientelismo e a proteção no fim da Idade Média. Para Pirenne,
as cidades codificadas tardo-medievais são uma revolta contra os bispos. Como
deveríamos então olhar para regimes urbanos contemporâneos de dominação
religiosa? Podem ser considerados a revolta contra o enclave fechado e a
secessão dos bem-sucedidos? Se a Idade Média testemunhou o império do código,
como revolta contra os bispos, então talvez o império de hoje dos bispos seja a
revolta dos excluídos da generosidade do código neoliberal.
No entanto, como já discutimos, o urbanismo medieval raramente teve uma única
lógica de dominação. A maior parte da cidade medieval era governada por uma
aliança instável mas duradoura entre comerciantes, representados pelas guildas;
autoridades religiosas, representadas pela Igreja; e burgueses, representados
pela câmara municipal. As alianças com senhores feudais eram menos estáveis.
Lapidus afirma que as cidades medievais do Oriente Médio, diferente de suas
contrapartes européias, careciam de tais formas territorializadas de
associação84. Ele afirma que, no Oriente Médio, havia comunidades políticas
"não governadas", mas que eram, ainda assim, mantidas unidas graças a relações
sociais como associações religiosas muçulmanas. Apesar dos cálculos precisos de
governança, a cidade medieval pode ser considerada, então, um espaço composto
por soberanias em competição, que operavam por meio de uma lógica
territorializada de associação e clientelismo, seja a dominação religiosa do
início da Idade Média sejam as guildas urbanas da alta Idade Média.
Como no caso do enclave fechado, a informalização do espaço urbano
contemporâneo pode ser discutida sem que se faça referência às cidades
medievais. É possível vasculhar as conexões entre o neoliberalismo e a
informalização; identificar as várias formas de informalidade na cidade
neoliberal; rastrear o surgimento histórico de espaços como Imbaba no contexto
da economia política da dependência e dos ajustes estruturais. Mas essas
considerações, algumas das quais fizemos em outra ocasião, não são o foco de
nossa preocupação neste artigo. Em vez disso, procuramos destacar aqui as
formas pelas quais a analogia com a cidade medieval chama a atenção para uma
dimensão crucial da ocupação regulamentada: multiplicidade e complexidade. A
ocupação regulamentada da Idade Média funciona segundo a lógica do
clientelismo. Ela expressa o caráter negociável das regras e regulamentações
que governam o espaço da cidade. Mas quando o clientelismo é formalizado pela
dominação dos bispos, o espaço de negociação possível é drasticamente reduzido.
E, ainda assim, na cidade medieval, a lógica de dominação nunca é singular;o
terreno é sempre aquele das alianças e soberanias instáveis. Tal discussão a
respeito da lógica de dominação redefine o debate a respeito das cidades
contemporâneas. O urbanismo de hoje tem sido freqüentemente diagnosticado como
um momento de aprofundamento da exclusão e da inclusão, mapeadas pelos padrões
de segregação e dramaticamente representadas no ícone do muro ou da cerca. Esse
é o vocabulário da "cidade dual", que evoca a imagem, de um lado, daqueles que
estão conectados e, de outro, daqueles que foram desligados e tornados
redundantes85. A analogia com a cidade medieval permite uma nova compreensão
daquilo que Mbembe e Roitman chamam de "a figura do sujeito na era da crise"86.
Essa não é, simplesmente, uma figura que está incluída ou excluída, dentro do
enclave fechado ou fora dele; antes, essa figura cria formas intrincadas de
negociabilidade e racionalidade, assim como aquilo que Bayat chama de "a
invasão silenciosa do ordinário"87. Tal abordagem permite ver o poder
estrutural não como um regime de dominação monolítico e singular, mas, antes,
como um domínio fragmentado de soberanias múltiplas e concorrentes. Isso é
bastante evidente em ocupações informais contemporâneas, onde existe uma dura
competição entre diferentes formas territorializadas de associação e
clientelismo-sejam o Estado, as organizações religiosas, as ONGs ou as
instituições internacionais de desenvolvimento. É esse excesso de poder,
articulado de forma fragmentária e múltipla, que faz a cidade de hoje ser um
espaço de dominação atordoante. Assim como na cidade medieval, essas soberanias
concorrentes não devem ser entendidas em termos de um liberalismo fundado em
grupos de interesse, como num sistema democrático de controles e equilíbrios.
Antes, devem ser entendidas como um endurecimento de fundamentalismos e
paroquialismos em constante fragmentação - uma política de feudos negociada por
meio de regulações visíveis e invisíveis.
O CAMPO
O momento atual pode ser caracterizado como um momento de transição, no qual o
império espreita ameaçadoramente no horizonte. Em anos recentes, tem crescido a
sensação de que a globalização neoliberal está se transformando em globalização
imperial, ou pelo menos revelando seu caráter inevitavelmente imperial. Uma das
análises mais debatidas a esse respeito é aquela oferecida por Hardt e Negri.
Eles sustentam que o império de hoje é um aparato de dominação descentralizado
e desterritorializado88. No entanto, também enfatizam que esse "espaço suave"89
da soberania global requer uma nova gestão do espaço social, mais
especificamente, formas fractais de administração:
A segmentação da multidão tem sido, realmente, condição da
administração política ao longo da história. A diferença hoje repousa
no fato de que, enquanto nos regimes modernos de soberania nacional a
administração atuava na direção de uma integração linear dos
conflitos e na direção de um aparato coerente que os poderia reprimir
[...]no quadro do império a administração de torna fractal e tem como
objetivo integrar conflitos não pela imposição de um aparato social
coerente mas pelo controle das diferenças90.
Os autores comparam os regimes locais do império com sistemas políticos
medievais, em particular a relação administrativa entre organizações
territoriais feudais e estruturas monárquicas de poder. Tais formas de
administração fractal são amplamente evidentes hoje. O Afeganistão pós -
invasão é um exemplo perfeito. Ali, o assim chamado governo central, em
resposta aos administradores imperiais, tem controle principalmente sobre
Kabul, sendo que o restante do país é constituído por zonas de soberania sob
controle de chefes de milícias. A respeito do novo momento da guerra, Mbembe
escreve:
A pretensão à autoridade máxima ou final em um espaço político não é
coisa simples. Na verdade, faz surgir uma colcha de retalhos de
direitos à dominação sobrepostos e incompletos, inextricavelmente
sobrepostos e intrincados, no qual diferentes instâncias jurídicas de
facto estão geograficamente emaranhadas e no qual abundam lealdades
plurais, suseranias assimétricas e enclaves
91.
Sob tais condições, o tipo espacial paradigmático é o campo. Segundo as
formulações de Agamben, o campo pode ser entendido como "um espaço no qual a
ordem normal está de factosuspensa"92. Em outras palavras, o campo é o espaço
no qual o Estado de emergência, e portanto o Estado de exceção, se torna regra,
um arranjo espacial permanente. Considere, por exemplo, os debates recentes na
Suprema Corte norte-americana a respeito dos detentos em Guantánamo, em que o
governo, representado pelo sr. Theodore Olson, argumentou que os tribunais
norte-americanos não tinham jurisdição sobre esses detentos por causa do
caráter permanentemente excepcional da guerra contra o terror:
Ministro John Paul Stevens: Sr. Olson, supondo que a guerra tivesse acabado,
você poderia continuar a manter essas pessoas detidas em Guantánamo, e haveria,
então, jurisdição?
Sr. Theodore Olson: Nós acreditamos que não haveria jurisdição.
Ministro John Paul Stevens: Então a existência da guerra é, de fato,
irrelevante para o sistema legal, não é?93.
Se o império é entendido como uma fronteira sem fim de just bellum, guerra em
nome da justiça94, então o campo é exatamente o espaço no qual a violência é
constantemente empregada em nome da paz e da ordem. Nesse sentido, o campo pode
ser muitos espaços diferentes: a prisão, a prisão de guerra, o abrigo para sem
- teto, o campo de trabalho, o campo de concentração, o campo de refugiados.
O campo é um espaço pós - cidade. Ele coloca em questão a relação normativa
entre as cidades e a cidadania. Como afirma Agamben, o campo joga uma luz
sinistra sobre os modelos a partir dos quais as ciências sociais, a sociologia,
os estudos urbanísticos e a arquitetura hoje procuram conceber e organizar o
espaço público das cidades de todo o mundo, sem nenhuma consciência de que em
seu centro repousa a mesma vida nua (mesmo que tenha sido transformada e
tornada, aparentemente, mais humana) que definiu a biopolítica dos grandes
Estados totalitários do século XX95.
A trindade Estado/sujeito/espaço que sustenta o discurso liberal a respeito da
cidade e da cidadania é potencializada no campo. É um espaço "sem lei", um
sujeito que é "vida nua", e um Estado que combina controle com cuidado, vida
com morte.
O campo é o espaço da exceção porque, no momento da emergência, ele é designado
como um espaço extra-territorial. Aqui, a soberania excede as fronteiras
nacionais, estendendo a suspensão da lei a corpos que estão fora do corpo
político. Mas a extra-territorialidade é mais do que isso. Como ficou evidente
em Guantánamo, trata-se de uma zona "sem lei", criada por meio do caráter duplo
da soberania: os Estados Unidos alegam que Cuba detém a "soberania final" mas
que os Estados Unidos têm "jurisdição e controle totais". Guantánamo é, assim,
um espaço sobredeterminado, que pode ser entendido segundo o conceito
orwelliano de "duplo-pensar": aceitar duas crenças contraditórias
simultaneamente. Os Estados Unidos são o poder soberano em Guantánamo, e, desde
1991, podem ali manter estrangeiros que, por estarem detidos fora do território
americano, não são protegidos pela constituição norte-americana.
Na zona sem lei do campo, os sujeitos são tratados como "vida nua". Em seu
envolvimento recente com a obra de Agamben, Butler96 repara que o campo não é
simplesmente um Estado de exceção, mas também um estado de dessubjetivação. É
aqui que "o próprio status ontológico dos sujeitos é suspenso quando o estado
de emergência é invocado"97. Essa é a "vida nua" - "não é viver como os animais
políticos devem viver, em comunidade e unidos por leis, mas tampouco a morte,
e, assim, é estar fora da condição constitutiva do Estado de direito98. É nesse
sentido que o campo excede o biopoder, pois o sujeito biopolítico se torna vida
nua e a soberania se torna o que Mbembe chama de "necropolítica", a demarcação
daqueles sujeitos cuja vida e morte não têm importância99.
Mas o exercício da soberania no campo não é simplesmente a suspensão do Estado
de direito. O campo é o espaço paradoxal onde a lei é suspensa pelo guardião da
lei e em nome da paz, da ordem e do bem maior. O campo é também, nas palavras
de Malkki, um "instrumento de cuidado e controle"100, no qual o primeiro
depende da compaixão excepcional do soberano:"as atrocidades são cometidas ou
não dependendo não da lei, mas da civilidade e do senso ético da polícia que
age, temporariamente, como soberano"101. Lembram-se de Abu Ghraib?
Há muitas analogias possíveis entre o espaço biopolítico do campo e a cidade
medieval. A construção de espaços "sem lei" é um desses pontos de convergência.
Como fica claro na atual guerra no Iraque, os aparatos de segurança, assim como
os militares, são crescentemente privados, com mercenários assumindo a
responsabilidade pela proteção de funcionários do governo norte-americano,
pelos interrogatórios de prisioneiros e pela administração da infra-estrutura
do petróleo. Esses mercenários não estão sujeitos a nenhuma jurisdição legal,
pois operam a partir de um statusexcepcional. Isso lembra muito o papel
desempenhado por grupos de mercenários freqüentemente formados segundo
critérios étnicos ou raciais para ajudar a pacificar e controlar as cidades
islâmicas no início da Idade Média, tanto nas cidades-fortaleza, como nos
centros de poder dos califas ou em cidades ocupadas102. Tais tendências exigem,
mais uma vez, que o poder territorializado seja entendido para além dos
conceitos de segregação, cercamento e quarentena, e que seja entendido também
por meio do conceito de excepcionalidade.
Porém, tais discussões a respeito do campo não exigem um retorno à cidade
medieval. Foucault e Agamben bastam como fontes de conceitos analíticos. O que
a analogia com a cidade medieval acrescenta, então, à análise do campo? Aqui,
vale a pena voltarmos a um debate bastante específico a respeito de um tipo de
campo:o campo de refugiados. Recentemente, Agier levantou a possibilidade da
cidade-campo. Ele afirma que, enquanto o campo de refugiados é uma versão
defeituosa da forma urbana, como eram os distritos do apartheid, é possível
perceber algumas dimensões cruciais da cidade no campo: no sentido relacional
de urbse no sentido político da pólis. Em particular, ele está interessado nas
formas pelas quais tabuleiros de xadrez étnicos são montados nos campos103. Sua
linguagem, segundo a qual no campo as nacionalidades se tornam etnicidades,
ecoa não apenas medievalistas como Pirenne, mas também a escola de sociologia
urbana de Chicago: a cidade como um mosaico de etnonacionalidades. Contra
Agier, Malkki afirma que a questão da cidadania urbana não pode ser tão
facilmente levantada em relação ao campo de refugiados. Concordando com
Agamben, ela vê o campo como o espaço da vida nua, um espaço biopolítico
absoluto, que contrasta radicalmente com o cosmopolitismo da cidade. Em seu
quadro teórico, o campo é a não-cidade104.
O debate a respeito da relação entre cidade e campo traz à mente o "bairro
étnico" do urbanismo medieval tanto no Oriente como no Ocidente. Na cidade
árabe - islâmica da Idade Média, grupos étnicos ou religiosos eram confinados a
áreas e bairros específicos. A essas populações eram freqüentemente atribuídas
funções ou profissões urbanas específicas105. O movimento de entrada e saída do
bairro étnico era por vezes controlado em épocas de crise ou quando se
instalava regimes opressores. Os bairros judeus de muitas das cidades medievais
da Europa e do Oriente Médio parecem ter surgido em resposta ao desejo de
excluir os judeus de algumas partes a vida urbana e das trocas econômicas, mas
ao mesmo tempo lhes permitia certa flexibilidade econômica106. Os bairros
étnicos, em outras palavras, produziam cidadãos de segunda classe.
O problema da segregação na cidade árabe - islâmica medieval exige um pouco
mais de reflexão. A maioria das cidades do mundo árabe da Idade Média exibiam
alto grau de segregação étnica, racial, religiosa ou tribal. Seja em Túnis no
século XVI, seja em Aleppo no século XVII, não se pode negar a importância do
bairro étnico107. Mas seria um equívoco chamar todos esses bairros de guetos,
como o gueto original de Veneza ou tomando o significado moderno da palavra.
Realmente, pelo menos no Oriente Médio, alguns grupos étnicos e religiosos não
eram obrigados a viver nesses bairros. Foi apenas quando o Império Otomano
assumiu o controle da maioria das cidades do mundo árabe que essa segregação
passou a ser induzida pelo Estado. A aplicação desse novo padrão não surgiu
como resposta ao medo da violência étnica, pois tais comunidades de minorias
mantinham boas relações sociais com outros grupos. De fato, parece que essas
comunidades segregadas eram, assim como o campo de refugiados moderno, um
instrumento do aparato estatal para gerir e controlar populações étnicas108.
Ali, as minorias étnicas encontravam um grau de autonomia religiosa e social de
que de outra forma não gozariam109.
Se o bairro étnico pode ser considerado uma forma de vida, com as "invenções
cotidianas" e o "bricolagede novas identidades" evidentes na cidade-campo de
Agier, também pode ser considerado um mecanismo de controle. Assim como o campo
de hoje, o bairro étnico da cidade medieval era um Estado de exceção, no qual a
cidadania urbana era suspensa por meio do caráter flexível do poder soberano. O
bairro étnico como espaço de exceção não estava fora da ordem jurídica da
cidade; não era a ausência de lei que precede a lei. Ao contrário, por meio de
seu statusexcepcional, era constitutivo do próprio conceito de cidadania urbana
- assim como, nas cidades-estado da Grécia e de Roma, a noção de "homem livre"
como cidadão pleno era constituída pela exclusão das mulheres e dos escravos.
De forma semelhante, o campo é constitutivo da cidade de hoje.
Vale levar essa idéia um passo adiante. Pode-se dizer que o campo constitui a
cidade na forma de um "exterior constitutivo". Apesar de Agier e Malkki
discordarem seriamente a respeito de se o campo de refugiados pode se
transformar em cidade, ambos concebem a cidade como uma norma oposta ao campo.
Para Agier, a cidade pode ser entendida, segundo a concepção da escola de
Chicago, como uma ecologia de etnicidades, ou, segundo o mapeamento de Certau,
uma ecologia de práticas cotidianas que desestabilizam as estruturas de poder.
Para Malkki, a cidade é um espaço cosmopolita, um nódulo da ordem pós-nacional
de Appadurai110, que contrasta com o etnonacionalismo purificado e enrijecido
do campo. Tanto Agier como Malkki, portanto, propõem uma visão da cidade que
lembra a afirmação de Pirenne:"o ar da cidade liberta". O bairro étnico
medieval indica que a cidade jamais foi "livre" - ou, melhor, que suas
liberdades resultam da limitação e restrição do Outro. Nesse sentido, tais
espaços de exceção são um "interiorconstitutivo" das cidades. São as formas de
exepcionalismo que constituem as estruturas da normalidade. Não repousam na
periferia extraterritorial do espaço da cidade; são as próprias formas de
estado, subjetividade e espaço que produzem a cidade. Para falar na linguagem
de nossos tempos, a cidade e o campo estão inevitavelmente ligados porque
"nossas" liberdades pressupõem a falta de liberdade "deles"; porque após certo
tempo é impossível policiar as fronteiras entre a exceção e a generalização,
entre o etnonacionalismo e o cosmopolitismo, entre o soldado em Abu Ghraib e o
agente penitenciário em West Virginia, entre a atrocidade e a necessidade.
MODERNIDADE MEDIEVAL: COMENTÁRIO FINAL
Existem muitas ferramentas conceituais diferentes para a discussão a respeito
das cidades contemporâneas e das formas de cidadania urbana. Nossos críticos
talvez perguntem: por que não simplesmente falar das exclusões e segmentações
das cidades contemporâneas? Afinal, não se trata de mapear os contornos da
cidade neoliberal e, portanto, isso não exige uma explicação da produção
neoliberal do espaço? Sim, responderíamos, mas esses projetos já foram
perseguidos por vários e valorosos estudiosos. O que persiste na análise do
neoliberalismo, na linguagem que nós mesmos usamos em outras publicações, é um
senso de novidade: um novo modo de produção, uma nova produção do espaço, novas
formas de disciplina e controle. Nosso uso do "medieval" tem como objetivo
colocar em questão essa teleologia, a marcha inevitável através de fases
históricas e modos de produção e regulação social. Nosso quadro teórico talvez
cause desconforto aos materialistas históricos; afinal, não estamos separando o
"medieval" do modo de produção "feudal"? Não seria uma trivialização da
produção histórica do espaço? Em resposta a tais receios, gostaríamos de fazer
as observações a seguir.
Em primeiro lugar, o uso do "medieval" como categoria analítica possibilita uma
quebra em relação às compreensões teleológicas da modernidade. Se o
"feudalismo" é um sistema de relações políticas, econômicas e sociais, e se o
"urbanismo medieval" é um sistema de ordenação do espaço, então a expressão
aparentemente contraditória "modernidade medieval" indica como o medieval se
esconde no coração do moderno, como o feudalismo existe no interior do
capitalismo. Essa é a "repetição infernal" que permite a Benjamin aniquilar o
mito do progresso histórico111. Tais críticas à teleologia também forçam a
reconsideração da própria categoria "moderno". Os exemplos de cidadania que
discutimos indicam como a cidade moderna funciona segundo uma ordenação
medieval do espaço. Também indicam que essas formações espaciais de tipo
medieval expressam identidades e aspirações modernas, tais como o direito à
produção do espaço, ou a promessa de democracia e prosperidade econômica. Como
notaram Comaroff e Comaroff a respeito de regimes de dominação religiosa: eles
incorporam "uma forma potente de compressão de tempo e espaço", "a habilidade
de cumprir suas promessas aqui e agora [...] como um legítimo Deus global"112.
O oximoro "modernidade medieval" revela, assim, os paradoxos inerentes do
moderno: feudos de democracia, o imediatismo do fundamentalismo religioso, a
simultaneidade de guerra e humanitarismo. Assim como o termo "modernidades
islâmicas113, ele ultrapassa a diversidade geopolítica que conceitos tais como
modernidade "alternativa" ou "múltiplas" implicam. Neste caso, a modernidade
não assume simplesmente formas diferentes em diferentes lugares; ela é um
projeto reconhecidamente fraturado, dividido e contraditório.
Em segundo lugar, essa complicação do conceito de moderno é uma prestação de
contas com a história das origens, com a narrativa de uma modernidade original
gestada no local originário da cidade. Aqui vale a pena citar um trecho longo
de um texto de Robert Stein a respeito da função crítica dos estudos medievais:
Os humanistas do século XV passaram a referir-se à sua própria época
como Renascimento e, como conseqüência, inventaram a Idade Média para
demarcar o período entre eles mesmos e a Antigüidade clássica que
pretendiam imitar e da qual desejavam se apropriar. O termo
"renascimento" é assim um ponto de origem:surge daquele momento
definitivamente moderno da autoconsciência histórica quando a Europa
ocidental começa a narrar sua própria história. Esse momento traz à
luz uma noção de modernidade e, com ela, simultaneamente, uma
narrativa de sua história. Sem modernidade, não há historicidade. Ou,
para colocar de outra forma, a própria História é desde o começo
sempre e apenas a narrativa do surgimento da modernidade. A Idade
Média, localizada entre dois momentos da narrativa do moderno, tem
uma função meramente proteladora [...]a Idade Média é a parte da
história que "não precisa" ser contada [...].Não quero dizer com isso
que a periodização histórica seja arbitrária no sentido de ser vazia
de significado; ao contrário, quero enfatizar que o sentido é
produzido, e não dado, e a periodização é um determinante estrutural
precisamente porque ela também é produzida - e por meio de uma
narrativa[...]. Um limite que demarca um período é um lugar onde o
sentido é produzido114.
Uma vez que a teoria urbana se insere nesse "limite de período", torna-se
possível levantar questões a respeito do passado e do futuro, mas sem
pressupostos de progresso ou regresso. Se a noção de "modernidade medieval"
coloca a "repetição infernal" de Benjamin no lugar do mito do progresso
histórico, ela também sugere a dinâmica antecipatória da cidade. Como podemos
tornar mais complexa a noção de tempo linear que está ligada à antecipação?
Como podemos começar a falar das formas de modernidade nas quais o futuro é
pior do que o passado115, quando em muitas regiões do mundo a idéia de
progresso se esvaziou? É certo que uma promessa e uma antecipação ainda
persistem, mas não necessariamente a de progresso, de um futuro melhor do que o
passado. Ao nos voltarmos para o urbanismo medieval, procuramos sugerir que as
formas modernas de cidadania nacional podem estar dando lugar à
territorialização fractal e estilhaçada da cidadania típica dos enclaves
medievais. Estaria esse medievalismo, por sua vez, dando lugar ao império? Não
é nossa intenção construir uma teleologia reversa, em que uma fase histórica dá
lugar a outra. Antes, essas modalidades de tempo e espaço-o nacionalismo
moderno, os enclaves medievais e a brutalidade imperial - coexistem de forma
não-linear, tornando complexa a questão de progresso e atraso, de moderno e
não-moderno. No entanto, permanece o desafio: se fôssemos antecipar, o que
anteciparíamos? Alguns historiadores julgam que esta não é apenas a era do
império, mas trata-se do lento esgotamento do império, estranhamente semelhante
aos espetáculos de extermínio, aos excessos ritualísticos e às fronteiras
violentas de um Império Romano moribundo. Se essa comparação é convincente, o
que se pode antecipar a respeito do fim do império? Seria o renascimento das
cidades e da cidadania na Idade Média que se seguiu à morte de Roma? Ou seria
um retorno às alturas do império, às cidades platônicas e aristotélicas dos
"homens livres"? Em ambos os cenários, as liberdades da cidadania urbana estão
emaranhadas com as não-liberdades da escravidão, da servidão, da hierarquia e
da exclusão. Talvez a democracia tenha sido sempre ou imperial ou medieval,
forjada na glória da Roma imperial ou no pragmatismo das sociedades feudais.
Em terceiro lugar, a referência explícita à cidade medieval permite um
confronto com a alteridade. Em diversas disciplinas, o "medieval" continua a
ser tratado como o "outro"116. É o campo dos medievalistas, e não dos teóricos
críticos. É o campo dos historiadores e não dos geógrafos ou urbanistas. Não é
apenas uma questão de fronteiras disciplinares e especializações. É também a
persistência de dois dualismos de tempo e espaço complicadores: a separação de
história e geografia; e uma alteridade de tempo que é também alteridade do
espaço. O medieval é muitas vezes visto como pré-moderno, anacrônico, como a
Idade das Trevas. Nosso termo "modernidade medieval" é, nesse sentido, uma
contribuição modesta aos diversos esforços que indicam o caráter moderno da
cidade medieval e que questiona inevitavelmente a superioridade de "nossa"
modernidade.
Mas o termo "medieval" também está sendo ressuscitado para indicar o fim do
moderno e o retorno do Outro, do bárbaro. Em uma era de império, a alteridade
temporal do medieval está sendo reescrita na forma de uma geografia da
alteridade. Esse é o uso de "medieval" na literatura de relações
internacionais, por aqueles que lamentam o fim da ordem mundial moderna, como
Kobrin117, preocupados com o fato de que "a era moderna talvez seja uma janela
prestes a fechar", de que o futuro é "neomedieval". Assim, Robin Wright,
correspondente internacional do Washington Post, pergunta: "A modernidade será
pega de surpresa pelo Iraque?"118. Para ela, o momento atual é a fase final da
modernização, que está levando mais tempo para se completar do que o esperado,
sendo o Oriente Médio o obstáculo final que a modernidade precisa enfrentar, o
último espaço que resistiu à onda de empoderamento e modernidade que varreu o
restante do mundo. Seu discurso revela como o processo civilizatório enxerga
seu inimigo não no passado histórico, mas nos espaços de exceção identificados
com o passado selvagem, como fica claro nas expressões "bárbaros árabes" e
"velha Europa", correntes entre os norte-americanos. Nesse sentido, o moderno é
sempre medieval, sempre pré-moderno. Nesse sentido, o tempo é sempre articulado
no espaço.
Um comentário final. Se este artigo é uma tentativa de complicar a teleologia
do moderno, é também uma tentativa de complicar o conceito normativo de
"cidade". O medieval se esconde no coração do moderno, assim como o campo se
esconde no coração da cidade. Apesar de termos definido três categorias, elas
não são excludentes; elas se sobrepõem - por exemplo, o enclave cercado é
muitas vezes produzido por meio de regulamentações informais. Todas as três
formações espaciais são expressões do que pode ser considerado a "modernidade
do enclave". Porém, mais importante do que isso:são todas Estado de exceção. Se
a noção de campo de Agamben não pode ser considerada uma noção espacial, mas um
diagrama do poder (como o panóptico para Foucault), então os diversos espaços
discutidos neste artigo são marcados por essa lógica da soberania. E essa
lógica é medieval. Ela nos força a pensar em um urbanismo pós-cidade, no qual o
paradigma não é a cidade - nem mesmo a cidade neoliberal excludente - , mas o
Estado de exceção.
NEZAR ALSAYYAD e ANANYA ROY são professores na Universidade da Califórnia.
[1] Sassen, S. The Global City: New York, London, Tokyo. Princeton, NJ:
Princeton University Press, 1991.
[2] A escola de Chicago é freqüentemente identificada com a abordagem da
"ecologia urbana". Nós sustentamos que o conceito de "cidade global" preserva
essa abordagem ecológica, mas a aplica a uma escala diferente-isto é, à escala
global, e não da cidade.
[3] Friedmann, J. e Douglass, M. (eds. ). Cities for citizens. Nova York: John
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[9] Para uma boa revisão dessas diferentes interpretações das cidades e da
cidadnia, ver Holston, J. e Appadurai, A. (eds. ). Cities and citizenship.
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[10] Perlman, J. "The reality of marginality". In: Roy, A. e AlSayyad, N. (eds.
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[20]Pirenne, op. cit.
[21] Braudel, F. The structures of everyday life. New York: Harper & Row
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[22] Pirenne, op. cit., p. 288.
[23] Mumford, op. cit., p. 355.
[24] Ibidem, p. 216.
[25] Ibidem, p. 347.
[26] Braudel, op. cit., p. 512.
[27] Pirenne, op. cit., p. 65.
[28] AlSayyad, op. cit.
[29] Agamben, op. cit., p. 181.
[30] Mumford, op. cit., p. 227.
[31] Agambem, op. cit.
[32] Comaroff, J. e Comaroff, J. "Millennial capitalism: first thoughts on a
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[34] Roy e AlSayyad, op. cit.
[35] Graham e Marvin, op. cit., p. 284.
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[37] New York Times, 15 fev. 2000.
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[40] Ibidem, p. 390; Davis, M. City of quartz. Londres:Verso, 1990.
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[42] Ver também Flusty, S. e Dear, M. "Invitation to a postmodern urbanism".
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[43] Pirenne, op. cit., pp. 193-94.
[44] Ibidem, p. 194.
[45] Mumford, op. cit., p. 262.
[46] Kostof. The city shaped. Londres: Thames and Hudson, 1991, p. 70.
[47] Idem, A history of architecture, op. cit., pp. 359, 371.
[48] Hollister, W. Medieval Europe: a short history. Nova York: John Wiley
& Sons, 1964, p. 148.
[49] Pirenne, op. cit., p. 171.
[50] Ibidem, p. 212.
[51] Mumford, op. cit., p. 269.
[52] Pirenne, op. cit., p. 177.
[53] Hollister, op. cit., p. 149.
[54] Girouard, M. Cities and people: a social and architectural history. New
Haven, CT: Yale University Press, 1987.
[55] Hollister, op. cit., p. 149.
[56] Mumford, op. cit.
[57] Kostof, The city shaped, op. cit., p.50.
[58] Braudel, op. cit., p. 518.
[59] Pirenne, op. cit., p. 228.
[60] Mumford, op. cit., p. 347.
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[63] Roy e AlSayyad, op. cit., p. 5.
[64] Roy, A. "Urban informality: toward an epistemology of planning". Journal
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[65] Kostof, The city shaped, op. cit., p. 34.
[66] Idem. The city assembled. Londres: Thames and Hudson, 1992, pp. 279-90.
[67] Alsayyad. Streets of Islamic Cairo. Cambridge, MA: Aga Khan Program/MIT,
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[68] Ibidem.
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[80] Bayat, op. cit.
[81] Comaroff e Comaroff, op. cit., pp. 310, 327.
[82] Pirenne, op. cit., p. 63.
[83] Ibidem, p. 68.
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[88] Hardt, M. e Negri, A. Empire. Cambridge, MA: Harvard University Press,
2000, p. XIII.
[89] Ibidem, p. 337.
[90] Ibidem, p. 339.
[91]; Mbembe. "Necropolitics". Public Culture, vol. 15, nº 1, 2003, p. 31.
[92] Agamben, op. cit., p. 174.
[93] New York Times, 21 abr. 2004, p.A20.
[94] Hardt e Negri, op. cit.
[95] Agambem, op. cit., p. 181
[96] Butler, J. Precarious life: the powers of mourning and violence. Nova
York: Verso, 2004, p. 98.
[97] Ibidem, p. 67.
[98] É importante notar que os casos de Guantanamo, que percorrem os meandros
da Suprema Corte norte-americana, estão baseados no habeas corpus. Agamben
interpreta esse habeas corpuscomo "o primeio registro da vida nua como o novo
sujeito político [...]. Nada permite que se meça a diferença entre a liberdade
antiga e a moderna e a liberdade que está na base da democracia moderna do que
essa fórmula. Não é o homem livre e seus estatutos e prerrogativas, nem mesmo
simplesmente homo, mas ocorpusque é o novo sujeito da política[...]. Você terá
um corpo para mostrar" (Agamben, op. cit., pp. 123-124).
[99]; Mbembe, op. cit.
[100] Malkki, L. "News from nowhere". Ethnography, vol. 3, nº 3, 2002, p. 353.
[101] Agamben, op. cit., p. 174.
[102] AlSayyad, Cities and Caliphs, op. cit.
[103] Agier, M. "Between war and the city". Ethnography, vol. 3, nº 3, 2002, p.
332.
[104] Malkki, op. cit.
[105] Hourani, A. The Islamic city. Philadelphia, PA: University of
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[106] Gottriech, E. "On the origins of the mellah of Marrakesh". International
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[108] Ibidem, p. 22.
[109] Ibidem, p. 221.
[110] Appadurai, A. "Sovereignty without territoriality: notes for a
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[111] Buck - Morss, S. The dialectics of seeing: Walter Benjamin and the
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[112] Comaroff e Comaroff, op. cit., p. 313.
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[117] Kobrin, S. "Back to the future: neomedievalism and the postmodern digital
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