AÇÃO AFIRMATIVA, AUTORITARISMO E LIBERALISMO NO BRASIL DE 1968
Os militares que chegaram ao poder em 1964 por um golpe de Estado foram, no
início, habilmente controlados por sua ala liberal e fortemente apoiados por
políticos profissionais e setores da sociedade civil. Em 1968, esses militares
procuravam, a todo custo, encontrar um caminho para dar continuidade a tal
aventura e manter algumas instituições democráticas2. O caminho não era fácil.
As pressões vinham de todos os lados. Do Congresso, onde a oposição democrática
procurava garantir o que restava do Estado de direito, enquanto a direita
udenista buscava garantir o controle do governo; do movimento estudantil, que,
apesar das baixas sofridas, se reorganizava rapidamente (Langland,_2013); do
sindicalismo que, livre dos pelegos e ainda que expurgado dos comunistas,
reorganizava as lutas por reposição salarial (Weffort,_1972); da extrema
direita militar, que, através de atentados terroristas, procurava forçar um
endurecimento do regime; e da extrema esquerda, que começava a ensaiar, através
de ações armadas, a resistência ao novo regime (Ridenti,_2014).
Naquele momento, a coalizão militar-civil poderia reformar tudo – a lei de
terras, as leis sindicais e trabalhistas, o sistema educacional, a política
racial3 etc. – mas tinha, ao mesmo tempo, que vencer a resistência do passado,
i.e., manter funcionando a antiga ordem e a organização social do país. Eram os
limites entre a "revolução" e o "golpe de Estado" que estavam em jogo. Em
outras palavras, assistia-se ao choque entre a tradição autoritária brasileira,
que gerara a estrutura sindical e a democracia racial4, por um lado, e, por
outro, o liberalismo udenista, que poderia sugerir novas soluções na política
educacional (privatização do ensino superior), no mercado de trabalho
(regulamentação e intermediação do trabalho) e na política racial. Foi nesse
contexto que surgiu a primeira proposta de adoção de políticas de ações
afirmativas para fazer face à discriminação racial no Brasil, que poderia no
futuro se tornar um foco de tensão social e de desestabilização da política
externa.
Vista do tempo presente, nada mais natural que tal proposta ter medrado nesse
momento. Primeiro porque, um pouco antes, no início dos anos 1960, os Estados
Unidos, referência obrigatória para a política brasileira, premidos por séria
crise de legitimidade internacional e por crescentes e violentos conflitos
raciais, adotara tais políticas; segundo, porque as ações afirmativas poderiam
trilhar a tradição brasileira, inaugurada por Vargas com a lei de 2/3 de
reserva de vagas para os trabalhadores nacionais. Mas não foi assim que viram
os contemporâneos desses acontecimentos. Tal proposta foi rapidamente abortada
depois de renovadas loas à democracia racial, a qual deveria ser e permanecer a
nossa única forma autêntica de política racial.
Neste texto, busco desvendar as forças que, naquela conjuntura, denunciaram a
discriminação racial dos negros; o modo como parte da tecnocracia do Estado e
autoridades reagiram a tais denúncias, que chegou mesmo a gerar uma incipiente
proposta de ação afirmativa; e como a tradição intelectual dominante,
reatualizando o imaginário nacional que via o Brazil como país mestiço, e
evocando a eficácia de uma suposta legislação antirracista, abortou tal
proposta.
O EPISÓDIO5
Na edição de domingo, 3 de novembro de 1968, o Jornal do Brasil, então o mais
importante dos jornais diários brasileiros, trouxe uma reportagem de página
inteira, assinada por Paulo César de Araújo6, intitulada "Discriminação racial
dificulta empregos", em que o autor relata, em estilo de jornalismo
investigativo, as dificuldades dos "brasileiros de cor" para encontrar emprego
na cidade do Rio de Janeiro. A chamada, na primeira página, era "Preconceito no
trabalho", e no seu texto lia-se: "O racismo na atividade profissional deixou
de ser um preconceito velado para se tornar um estrangulamento às pretensões
dos candidatos de cor". Como se lê na matéria, aparecem de forma desordenada e
confusa os três termos que marcarão, na discussão política das relações raciais
no Brasil, a passagem dos anos 1960 para os anos 1970: preconceito,
discriminação, racismo.
Fonte: foto publicada
no AlbumJotaBeniano, em 5 de junho de 2010, com a seguinte legenda: "A foto de
Alberto Jacob feita em 23 de novembro de 1971 no restaurante 'Britos' (notem a
patuleia ao fundo no bandejão) é realmente an-to-ló-gi-ca! Vejam: Sergio
Fleury, a Benoliel, Humberto Borges, nariz do Hélio Kaltman, Paulo César
Araújo, Artur Pitombeira, Dácio Malta, a careca do Peter Matheson, Graça
Monteiro, Diane Lisbona e Maurício 'Lacraia' Tavares. A mão assinando um pseudo
cheque seria de quem ??? Postado por sergio FLEURY às 20:49".
Paulo César Araújo (o último sentado à esquerda)
A reportagem concentra-se em ouvir assistentes sociais de dois serviços
oficiais de agenciamento de emprego, o Sopec (Serviço de Orientação
Profissional e Colocação) do Banco da Previdência e o Serviço de Emprego da DRT
(Delegacia Regional do Trabalho). A importância das qualificações raciais na
colocação de trabalhadores de ambos os sexos é ressaltada insistentemente pelas
assistentes sociais, entre os demais critérios discriminatórios, como idade,
altura e educação formal. E foi esse realce, considerado escandaloso, que o
jornalista transpôs para a sua matéria.
O coronel Jarbas Passarinho, uma das cabeças pensantes do regime, então titular
do Ministério do Trabalho, às voltas com legitimar e institucionalizar uma nova
política trabalhista para o país, e respondendo a pressões salariais de
diversas categorias sindicais e associativas, entre elas metalúrgicos e
magistrados, responde imediatamente, na edição do dia 5 do mesmo jornal. A
matéria desse dia dá conta de que, por telex urgente, de Brasília, o ministro
exigira providências do DNMO (Departamento Nacional de Mão de Obra), lembrando
que a Lei Afonso Arinos deveria ser acionada. Reconhecendo, entretanto, a
dificuldade de aplicação daquela lei, o ministro determinara "estudos urgentes
[...] porque pretende colocar o Ministério como obstáculo insuperável à
discriminação racial" (JB, 5/11/1968, p. 3). A mesma matéria adianta a reação
de técnicos do departamento, sem citar nomes:
Segundo técnicos do Ministério do Trabalho e do Tribunal Superior do
Trabalho, "uma lei semelhante à dos 2/3 poderia solucionar o
problema. [...] "Depois de uma pesquisa para estabelecer a
percentagem da mão de obra negra no mercado de trabalho e destacados
os ramos mais procurados por essa população, deveríamos partir para
uma lei que regulasse o assunto" – revelou um técnico do Ministério
do Trabalho.Essa lei poderia estabelecer,por exemplo, que certas
empresas seriam obrigadas a manter em seus quadros 20% de empregados
de cor, algumas 15% e outras 10%, conforme o ramo de suas atividades
e respectivo percentual de demanda.
Na edição seguinte, de 6 de novembro, o JB volta a noticiar possíveis soluções
para a discriminação racial, inquirindo diversas instituições estatais. Por um
lado, a Justiça do Trabalho parece descartar a solução legal:
Na Justiça do Trabalho, o fato é encarado como "problema do
Executivo",pela ausência de provas concretas que,geralmente,envolvem
a discriminação de fundo racial.
Por outro lado, parece haver resistências à adoção de medidas punitivas a
empresas:
Segundo esse técnico, o DNMO acha que é mais conveniente continuar a
estabelecer convênios com a iniciativa privada, aceitando a
discriminação, do que encerrá-los – como uma forma de pressão – e
prejudicar os que são beneficiados.
A crítica a essas soluções parece reforçar a reserva de vagas como a melhor
saída, já que a reportagem termina com a seguinte argumentação técnica:
Confrontada a oferta e a procura diária no emprego – através do
controle das agências de colocação pública e privada – e analisadas
as causas da ausência do homem de cor em certas atividades – o
Ministério do Trabalho contará com elementos que podem solucionar o
problema.
No dia 9 de novembro, respondendo a um repórter, depois de palestra pronunciada
na Câmara Americana do Comércio, em Brasília, Passarinho nega que um projeto de
"obrigatoriedade de admissão pelas empresas de pessoas negras" esteja sendo
elaborado em seu ministério:
"Os jornais – afirmou – são muito poderosos no Brasil. Por isso, os
jornais nunca mentem. Eles às vezes se equivocam. E este é um caso de
equívoco. Não há nenhum projeto nesse sentido; só especulação."
A negativa do ministro, entretanto, não foi o ponto-final. Possivelmente,
porque se acreditava que realmente algo nesse sentido estava sendo discutido no
ministério. No dia seguinte, 10 de novembro, em editorial intitulado
"Democracia racial", o Jornal do Brasil se manifestou contrário a leis de
reserva de vagas; enquanto a escritora Rachel de Queiroz utilizou a sua coluna
nos Diários Associados para atacar veementemente iniciativas desse tipo. E
assim se encerra o episódio. Seus argumentos, que analisaremos adiante, parecem
reproduzir os parâmetros ideológicos que receberá a questão racial durante todo
o regime militar.
Quem esteve por trás dessa iniciativa abortada? Jornalistas e técnicos do DNMO?
Intelectuais e jornalistas negros? Diplomatas estrangeiros? Técnicos do DNMO e
ativistas negros? O modo como transcorreram os fatos – uma reportagem-denúncia,
seguida de declarações técnicas e minuciosas que apresentavam soluções
completamente compatíveis com a tradição jurídico-trabalhista brasileira, de
simples extensão da lei de 2/3 – pode apontar para a hipótese de articulação de
um tipo desses.Mas é também possível que técnicos do Ministério do Trabalho, e
até mesmo o seu titular, numa conjuntura de ampliação dos conflitos raciais nos
Estados Unidos e de possível ampliação da campanha de denúncias de
discriminação racial no Brasil, estivessem sondando a reação da opinião pública
a uma lei que abortasse tais problemas e, antecipando-se, desejassem ganhar o
apoio da massa trabalhadora, em sua grande parte de cor, tal como Vargas o
fizera. No entanto, a leitura atenta da matéria passa a impressão de que se
tratava de uma reportagem regular, sem intenção prévia de averiguar racismo,
que acabou por apresentar um achado para o repórter. Nesse caso, teriam sido as
circunstâncias políticas do momento e não qualquer movimentação de um dado
grupo de interesse que terão dado relevância e possibilitado o desdobramento da
"descoberta".
Nos itens seguintes, exploro essas interpretações.
DENÚNCIAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL
Depois da guerra, no período de discussão da Constituinte de 1946, o tema do
preconceito de cor e da discriminação dos negros, levantado no fim da Primeira
República pela Frente Negra Brasileira, principalmente em São Paulo, voltara a
ser mencionado constantemente por jornais7. Episódios como aqueles que tiveram
lugar na rua Direita e na praça da Sé, em São Paulo, durante o footing de
negros8, envolvendo polêmica interpretação de intelectuais e jornalistas, como
Paulo_Duarte_(1947), José_Lins_do_Rego_(1947), Sergio_Milliet_(1947) e Rachel
de_Queiroz_(1947), reavivaram a discussão sobre o preconceito de cor no Brasil,
e estiveram na raiz dos primeiros estudos sociológicos sobre o assunto (Bastide
e_Fernandes,_1955). De fato, toda a discussão das ciências sociais brasileiras,
em seus anos formativos, foi sobre a existência e as características do
preconceito de cor no Brasil: seria apenas de cor, seria racial, haveria apenas
preconceito e não discriminação9, seria apenas de classe? (Guimarães,_2012).
Do mesmo modo, desde os anos 1940, vários episódios de discriminação
registrados em hotéis do Rio de Janeiro e de São Paulo, envolvendo
principalmente afro-americanos em visita ao país, ganharam repercussão, seja na
imprensa negra norte-americana (Hellwig,_1992; Francisco,_2014), seja no
Brasil, e puseram sob suspeita a imagem de democracia racial, que já se tornava
consensual, tanto internacional quanto nacionalmente (Guimarães,_2012). O
último desses episódios, envolvendo a dançarina, antropóloga e ativista negra
Katherine Dunham, tivera especial repercussão, dada a sua reação firme,
causando grande mal-estar nacional, inclusive no Congresso, onde intelectuais
como Gilberto Freyre e Afonso Arinos reagiram com veemência. A lei 1.390,
sancionada por Getúlio Vargas em 3 de julho de 1951, conhecida como Lei Afonso
Arinos, parece ter sido a resposta a esses episódios. Resposta que foi tida
como adequada e definitiva, restabelecendo o status quo da nossa democracia
racial. Em seu artigo 1º, rezava a lei: "Constitui contravenção penal, punida
nos termos desta lei, a recusa, por parte de estabelecimento comercial ou de
ensino de qualquer natureza, de hospedar, servir, atender ou receber cliente,
comprador ou aluno, por preconceito de raça ou de cor".
Nos anos 1960, o famoso diário de Carolina_de_Jesus_(1960) sobre a miséria em
que vivia a população negra no Brasil e reportagens como o ensaio fotográfico
de Gordon Parks_(1961) para a Life Magazine foram também percebidos como
desafios para a democracia e a paz racial no Brasil. Mais ainda, como sugere o
título da referida reportagem da Life – "Pobreza: o temido inimigo da
liberdade" –, em clima de Guerra Fria, era o "mundo livre" que estaria ameaçado
pela pobreza e pelas discriminações sociais e raciais.Depois do golpe militar
de 1964, ademais, uma nova onda de denúncias começou a ganhar corpo, com o
alijamento da vida política de algumas proeminentes lideranças ne-gras, como
Abdias do Nascimento e Guerreiro Ramos, e a publicação da tese de titularidade
de Florestan_Fernandes_(1965), intelectual bastante ligado aos meios negros de
São Paulo, que procurava tematizar exatamente "o mito da democracia racial"
brasileira.
Em carta aberta ao 1º Festival de Artes Negras de Dacar, em 1966, do qual o
Teatro Experimental do Negro fora excluído pelo governo brasileiro, Abdias_do
Nascimento_(1966,_p._98) escrevia:
Nenhuma outra comunidade negra, fixada em país de civilização
ocidental, talvez sofra de maneira tão trágica a pressão de um meio
social só na aparência totalmente favorável. Pois desde o recôndito
do seu procedimento, esse meio mantém vigilante e severa censura aos
esforços de afirmação do negro e de sua tomada de consciência.
A resposta conservadora a essa nova onda de protestos negros, agora em fóruns
internacionais, foi dada com a introdução na Constituição de 1967, outorgada
pelo regime militar, da seguinte frase no parágrafo 1º do seu artigo 150:
"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo
religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei"
(itálico meu). Seu autor, o mesmo deputado Afonso Arinos, expressou assim o que
considerava ser um ponto-final dado à questão:
De tudo o que pude fazer nos meus vinte anos de parlamento, de todas
as lutas em que me empenhei durante esses quatro lustros,e que foram
as lutas do meu tempo,talvez nada permaneça de duradouro,exceto
aquele pequeno texto [a lei 1.390], no qual, muito mais que a minha,
falou sem dúvida, acima dos séculos, a voz memorável do meu povo.
[...] no fim do meu mandato de senador, em janeiro do ano corrente
[1967], [coloquei] no próprio texto da nova Constituição aquele
dispositivo, que não encontra similar em qualquer outra Constituição
nacional do mundo: "A discriminação racial será punida pela lei10".
Hoje o preceito está claramente inscrito na lei magna,como expressão
genuína do que já vinha,há tempo,no coração do nosso povo. (Arinos,
1967, p.46)
Pois bem, em outubro de 1967, a revista Realidade, que se destacava na imprensa
brasileira com uma proposta totalmente nova de jornalismo investigativo e de
opinião (Faro,_1998), dedica seu número 19 ao "Racismo: Estados Unidos e
Brasil". Recordemos brevemente o contexto histórico daquela publicação, pois
isso nos ajudará a situar a reportagem do JB do ano seguinte.
No verão nórdico de 1967, em julho, os Estados Unidos tinham sido palco de uma
das mais violentas revoltas raciais de sua história, com dezenas de bairros
negros em chamas e confrontos policiais sanguinários. Lideranças pacifistas,
como Martin Luther King, já vinham perdendo rapidamente espaço para líderes
radicais, como Malcom X, e jovens líderes estudantis ou mulçumanos que clamavam
por poder e não apenas por direitos civis. Organizações como a SNCC (Student
National Coordinating Committee) e os Panteras Negras passavam ao proscênio com
a palavra de ordem Black Power. Esses jovens, como Stokely Carmichael, do SNCC,
procuravam também forjar alianças internacionais terceiro-mundistas, abraçando
a teoria do colonialismo interno (Guimarães,_2014) e procurando se aproximar
dos líderes anti-imperialistas da África, da Ásia e da América Latina. Foi
nesse verão incendiário de 1967 que Fidel Castro organizou em Havana a primeira
reunião da OLAS (Organization of Latin American Solidarity), e convidou Stokely
Carmichael para representar o povo negro oprimido da América. Este, ecoando o
chamado de Che Guevara na OSPAAAL (Organization of Solidarity of the People of
Asia, Africa and Latin America) para que se criassem "um, dois, três, muitos
Vietnãs", discursou:
Estamos [os jovens negros] caminhando para controlar nossas
comunidades afro-americanas, assim como vocês estão se movendo para
tomar o controle de seus países e de todo o continente latino-
americano, das mãos de potências imperialistas estrangeiras. [...] O
próximo Vietnã será neste continente, talvez na Bolívia, Guatemala,
Brasil ou República Dominicana. (Reston,_1967)
Foi nesse contexto que a revista Realidade, sob a nova direção de Odylo Costa,
filho, organizou esse número, buscando abrigá-lo sob o tema geral da
fraternidade humana, com certeza para evitar que ele fosse censurado como fora
o número 10, de janeiro de 1967, sobre a mulher brasileira. Dizia Odylo:
Nas páginas que seguem apresentamos duas reportagens sobre faces
diversas do mesmo problema: o da antifraternidade. Numa, o jornalista
conta o que viu, ouviu e sabe sobre a discriminação racial nos
Estados Unidos. Noutra, uma pequena equipe corre algumas capitais do
Brasil para espiar como anda o preconceito de cor por estas bandas,
testando as diferenças de reação em face de um branco e de um negro.
Além dessas duas reportagens, o número traz em encartes o texto da lei 1.390;
uma nota demográfica sobre a população brasileira por cor, projetada para 1970;
uma nota sobre a resolução da UNESCO sobre a inexistência cientificamente
estabelecida de raças humanas; e três pequenos depoimentos – de Afonso Arinos,
do médico negro Edgard Teotônio Santana e do diplomata Raimundo Souza Dantas,
também negro. O editor avisa ainda que:
Tais foram as proporções que atingiu essa reportagem que não nos é
possível publicar neste número algumas contribuições a que atribuímos
particular importância, entre elas o depoimento de um escritor
ilustre, "branco da Bahia", que se inclui entre os negros e narra o
que tem sido a luta deles em S. Paulo, Fernando Goes; e um ensaio do
sociólogo Florestan Fernandes sobre preconceito e ascensão social.
Anunciamos ao leitor essa colaboração especial para o prosseguimento
do debate que abrimos.
Mas a Realidade nunca retomou o "debate".
Uma pequena análise desse número será proveitosa para a compreensão do fracasso
da nossa primeira tentativa de estabelecer ações afirmativas no Brasil.
Na introdução ao número, Odylo Costa, filho, procura estabelecer com clareza o
terreno ideológico e o objetivo da reportagem. Reforçando as crenças raciais
vigentes, chama de discriminação racial a antifraternidade que flagela os
Estados Unidos, e de preconceito de cor a antifraternidade flagrada no Brasil.
Mas o tom não parece ser conciliador ou apaziguador em relação aos que negavam
a existência do racismo no Brasil. Ainda que se note a preocupação do autor com
evitar ser acusado de exagero ou oportunismo, parece que sua intenção é honesta
em notar diferenças marcantes entre as realidades raciais nos Estados Unidos e
no Brasil. Para emprestar objetividade às suas observações iniciais, ele se
vale dos estudos da UNESCO e, principalmente, da distinção de Oracy_Nogueira_
(1955) entre preconceito racial de marca e de origem. Em suas palavras:
Não há,entre nós,como nos Estados Unidos,exclusão ou segregação
incondicional dos membros de grupo determinado, e sim preterição ou
injustiça na luta individual. Lá os dois grupos se hostilizam como
unidades sociais distintas. E isso não existe aqui. (Realidade, 1967,
p. 23)
Essa comparação de nossas mazelas com males mais graves já indica em que
terreno se coloca.
Seu objetivo, o que justifica moralmente a reportagem, retirando-lhe qualquer
caráter de sensacionalismo, ou de oportunismo político, é justamente evitar
que, pelo silêncio e pela negação, tal preconceito venha a se transformar em
ódio racial: "o preconceito existe, cuidado com ele, para que não degenere em
ódio, discriminação, segregação, conflito, violência" (Realidade, 1967, p. 23).
Assim se delineiam logo no começo alguns traços marcantes da nossa ideologia
racial, mesmo quando professada pela esquerda progressista: o reconhecimento da
discriminação racial andava a par da negação da legitimidade de um protesto
negro que ganhasse contornos por demais políticos; o racismo era tratado como
preconceito, seu caráter estrutural negado e tomado como manifestação de
indivíduos. Enfim, o terreno autoritário da democracia racial parecia continuar
trilhado pelas esquerdas, em que pese a sua desmistificação já em curso.
Esse traço característico pode ser descoberto se cotejarmos as duas
reportagens. A que cobre os Estados Unidos, assinada por Carlos Azevedo11,
centra-se em sua experiência no Shaw, bairro negro de Washington, e entrevistas
com líderes do SNCC e citações de ativistas do CORE (Congress for Racial
Equality). Azevedo conta didaticamente como ocorreu a grande imigração dos
negros para as cidades do norte e do meio-oeste americano, entremeando em seu
relato estatísticas sobre as desigualdades raciais norte-americanas e a
momentânea falência da via pacifista de Luther King e dos governos democratas.
Volta e meia, no texto, aparece o motivo por que sua presença no bairro e nas
entrevistas foi tolerada pelos ativistas radicais negros: um brasileiro seria
um "não branco". A narrativa viva da experiência de uma noite no Shaw, na
esquina da rua 14 com a U, presenciando a chegada de viaturas policiais para
prender um adolescente negro, sendo hostilizado por um drogado que o chamou de
honky, não foi suficiente para caracterizar o racismo americano para o público
brasileiro.Escreve Azevedo:
Em Washington fui apresentado pessoalmente ao racismo. Foi numa noite
em que eu e cinco universitários brasileiros conversamos com um
universitário negro norte-americano, no saguão do hotel onde
estávamos hospedados. Depois de exigir do funcionário da portaria que
o negro se retirasse, um velho, branco e aparentemente meio bêbado,
nos perguntou: "O que estou vendo é um sonho ou fiquei louco? O que
faz um negro entre vocês?".
A reportagem, que cobre seis cidades brasileiras – Belém, Recife, Salvador, Rio
de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre – é assinada por Narciso Kalili12, branco,
e Odacir de Mattos13, negro, com fotos de Luigi Mamprin e Geraldo Mori, e
intitula-se "Existe preconceito de cor no Brasil". A reportagem pretendia
flagrar o preconceito e a discriminação raciais no Brasil através de vários
testes, realizados pelos dois jornalistas, com a ajuda de colaboradoras
recrutadas localmente, situações documentadas fotograficamente, de atitudes em
relação a casais inter-raciais, hospedagem em hotéis, procura de moradia,
atendimento em ambulatórios médicos, matrícula em escolas e de urgência médica,
na rua, todas forjadas pelos dois jornalistas. Ao contrário da reportagem feita
nos Estados Unidos, não há, em todo o texto, nenhum dado estatístico que
documente desigualdades raciais. O foco centra-se em atitudes e comportamentos
observados. O resultado pode ser sintetizado assim: forte recusa a casais
inter-raciais; nenhuma solidariedade com negros em situação de urgência médica;
uma pletora de manifestações verbais de preconceito, mas nenhuma ou quase nula
desigualdade de tratamento na procura de escola; alguma discriminação, ainda
que não radical, sempre dissimulada, na procura de moradia ou hospedagem em
hotel. Maior disposição dos jovens negros que dos adultos em falar da
discriminação que sofriam, negação generalizada da existência de preconceito
entre os brancos. Pouca diferença entre cidades, ainda que em Porto Alegre a
tensão racial parecesse maior.
O que realmente chamou minha atenção, repito, foi que a preocupação dos
repórteres esteve voltada primordialmente para flagrar atitudes e valores,
assim como diferenças de tratamento. Não houve preocupação alguma com
estatísticas de desigualdades estruturais. Mas algo parecia já mudar nessa
postura de excessivo foco em atitudes e valores e total descaso com a situação
de desigualdade racial em que vivia o negro brasileiro. Essa mudança pode ser
sintetizada num comentário de Odacir de Mattos a Kalili, que lhe conta a
rejeição preconceituosa que ouvira de uma prostituta branca, numa das sessões
do experimento que fizeram. Vale destacar a nova ideologia que transparece nas
palavras do jornalista:
Sentimentalmente, o preconceito não me afeta. Acho que o branco tem
todo o direito de não gostar de mim como pessoa. Assim como eu tenho
o direito de não gostar dele. Não vou, por isso, me incomodar com as
opiniões de uma prostituta que pode não querer dormir com um negro,
nem com o fato de o dono de um hotel ou boate barrar minha entrada.
Tenho de desenvolver minha luta num plano mais elevado. O preconceito
e a discriminação prejudicam minha vida cultural, familiar, e sinto
que devo lutar. Mas não com as manifestações do preconceito, e sim
contra as causas que lhe deram origem. Eu não me sinto humilhado por
opiniões como a desta mulher. Mas isto junto a todos os outros tipos
de discriminação limita a vida de um negro a um nível bastante baixo,
do qual ele dificilmente pode sair.(Os destaques são meus.)
Era o repúdio a tratar o racismo como manifestações individuais de preconceito,
ou mesmo de discriminação, para pensá-lo como limitações estruturais ao
desenvolvimento pessoal e coletivo dos negros, que já estava em gestação nos
anos 1960 no Brasil. Esse processo, entretanto, só estará completo mais tarde,
quando dois novos elementos foram incorporados: primeiro, a demonstração
científica, para efeito de convencimento, de que as desigualdades sociais e
econômicas entre brancos e negros, no Brasil, eram de fato raciais, ou seja,
consequência de discriminações, e não uma associação espúria entre classe e
raça; segundo, a organização de movimentos sociais fortes que pressionassem por
políticas antidiscriminatórias de cunho estrutural. A primeira condição começou
a se desenvolver apenas no decorrer dos anos 1980, a segunda, em meados dos
1990.
A DENÚNCIA DO JB EM 1968
A reportagem de Paulo César Araújo de 3 de novembro de 1968 tem, entretanto,
duas singularidades importantes. A primeira, tratar exclusivamente de
discriminações no mercado de trabalho, mais especificamente na colocação de
empregados recrutados por agências de emprego; a segunda, serem essas agências
governamentais ligadas ao Ministério do Trabalho. O seu assunto era
excessivamente técnico, em que pesem o apelo popular e a linguagem acessível da
matéria jornalística. Os entrevistados são técnicos do Departamento Nacional de
Mão de Obra (DNMO) e assistentes sociais ligadas às duas agências públicas de
colocação de mão de obra. É importante lembrar que o próprio DNMO fora criado
recentemente pelo governo militar14 no bojo de uma completa reforma trabalhista
e sindical,ainda em curso no momento da reportagem, que procurava reorientar o
sindicalismo brasileiro e garantir maior produtividade do trabalho. Informa-nos
a Sylvia_Ely_(1984,_p._267) que "O DNMO, efetivamente, começou sua atuação em
1967 e passou a atuar de modo muito similar ao do PIPMOI, ou seja,
desenvolvendo recursos para que empresas, organizações sociais, pudessem
implementar cursos de formação de mão de obra".
A primeira dessas características, apontar para problemas estruturais de
geração de desigualdades entre brancos e negros, poderia sugerir algum
envolvimento com ativistas, seja de esquerda, seja de organizações negras,
interessados em propor ou pautar a reportagem. Os rápidos perfis que traçamos
dos jornalistas que escreveram as reportagens mostram, entretanto, que, se
Kalili e Mattos tinham ligações próximas com movimentos sociais, esse não
parece ter sido o caso de Araújo. Ao contrário, o fato de ter sido, anos
depois, escolhido pelo JB para cobrir o enterro de Pablo Neruda, no Chile, é
indicativo de que não tivesse um passado suspeito aos órgãos de segurança15. A
segunda característica sugere um roteiro diferente: teriam técnicos do DNMO
interesse não apenas em problematizar a discriminação racial, mas também em
torná-la um assunto de opinião pública? Não podemos averiguar essa
possibilidade através de consulta aos arquivos do Ministério do Trabalho, mas
ela é bastante plausível. O que a torna mais atraente é que os técnicos
entrevistados não apenas revelam o problema, mas apontam para a sua solução de
modo detalhado, a qual implica na consolidação do papel da DNMO na regulação do
mercado de trabalho, ou seja, no que toca a relação de intermediação. Note-se
que a reportagem generaliza para o mercado de trabalho a discriminação
observada nas agências de intermediação, recentemente regulamentadas.
Mas há outro fato intrigante. Já no dia 10 de novembro o Los Angeles Times, em
artigo assinado por Francis B. Kent16, do seu corpo editorial, faz a
repercussão da reportagem do JB e de seus desdobramentos com o título
"Discriminação racial emerge no Brasil" e o subtítulo "O problema é reconhecido
abertamente ao menos em jornal; ação governamental em curso". Essa rápida
repercussão mostra que o tema era preocupação não apenas de ativistas, mas do
público norte-americano e das autoridades brasileiras e norte-americanas.
Estávamos no contexto da Guerra Fria, e o ativismo negro nos Estados Unidos
parecia sair do controle, com algumas facções aliando-se a Fidel Castro, que
por sua vez tinha presença cada vez maior nas lutas de libertação da África e
na resistência armada aos regimes de direita da América Latina. Muitos liberais
e conservadores, nos Estados Unidos e no Brasil, pareciam realmente enxergar no
Brasil um grande problema negro em potencial17.
Tal contexto histórico serviria certamente para que vários possíveis atores e
grupos enxergassem a oportunidade de avançar seus interesses nessa conjuntura.
Para alguns, tratava-se de quebrar barreiras institucionais que limitavam as
oportunidades de vida dos negros brasileiros. Nesse caso, podemos supor, apenas
à guisa de exemplo, que o intelectual negro Guerreiro Ramos, exilado na
Califórnia desde 1966 e ensinando na Universidade do Sul da Califórnia, pudesse
ter algum contato com Kent. Mas é também crível que jovens economistas,
diplomatas americanos, e mesmo intelectuais brasileiros em sintonia com o
pensamento liberal que, nos Estados Unidos, forjava as affirmative actions,
também tivessem interesse em que o governo militar brasileiro procurasse
prevenir que o descontentamento negro se alastrasse no Brasil, tomando medidas
de relocação de oportunidades compatíveis com a ordem liberal. Como governo de
exceção, os militares poderiam impor tais políticas de ação afirmativa. Pode-se
presumir que, se elas não chegaram a ser propostas,foi porque não havia
condições políticas para tal, assim como, de fato, também não havia para outras
políticas "liberais", tais como o fim do monopólio do petróleo, ou o controle
da natalidade, que foram sugeridas pelo poderoso ministro do Planejamento,
Roberto Campos, ao estafe militar (Rodrigues,_2001).
Sejam quais forem as cadeias de ação, o fato é que o ministro Jarbas Passarinho
em nenhum momento se manifestou abertamente favorável a medidas de ação
afirmativa, deixando que seus técnicos estudassem soluções, e, quando
pressionado diretamente, lembrou que "os jornais são muito poderosos no
Brasil", frase polissêmica, sendo um dos seus sentidos o de que o JB teria sido
usado para fazer pressão por ações afirmativas.
O editorial do JB de 10 de novembro, "Democracia racial",procura não deixar
dúvidas sobre a posição do jornal. Ancorado na já antiga tradição intelectual
brasileira do nosso excepcionalismo e da nossa singularidade racial mestiça, o
editorialista finca-se nesses dois argumentos: a nossa mestiçagem faria de
discriminações raciais uma tolice – "A própria variedade dos termos
designativos rescdo infinito espectro de cor da pele dos brasileiros demonstra
a rica tessitura de uma raça que se forja na base de todas as raças e todos os
sangues"; e havia o risco de institucionalizar o preconceito existente – "Seria
um erro funesto impor qualquer paridade de brancos e gente de cor em
escritórios. Isso constituiria uma cristalização do preconceito. Devemos punir
esses tolos que discriminam sem criar estatutos que firmem a discriminação." A
solução para esses casos,portanto,já estava dada na nossa lei e na nossa
Constituição: "E o remédio é a aplicação severa da lei que pune os delitos de
discriminação racial".
Rachel de Queiroz, em sua "Carta aberta ao ministro Jarbas Passarinho", repete
os mesmos argumentos com mais veemência e argumentação mais detalhada, e invoca
a mesma solução: "No Brasil, graças à sábia e benemérita Lei Afonso Arinos toda
espécie de discriminação racial é considerada crime, sujeito a sanção penal".
No caso, ações afirmativas seriam ainda piores que o crime de racismo: "E eu
digo mais: é preferível que continue a haver discriminação encoberta e ilegal,
mesmo em larga escala, do que vê-la reconhecida oficialmente pelo governo — já
que qualquer regulamentação importaria num reconhecimento". A escritora,talvez
assustada com o poder que o governo militar teria para impor tais medidas,
chega mesmo a pedir que tal poder seja exercido pelo Serviço Nacional de
Informações para punir os infratores da Lei Afonso Arinos.
Essa ideologia de democracia racial, que fique claro, não se baseia em valores
universais, como liberdade individual e igualdade de oportunidades, mas, ao
contrário, tem seu ponto de sustentação no imaginário nacional sobre a origem
singular e mestiça do povo brasileiro, pensado como uma meta-raça à maneira de
José Vasconcelos e Gilberto Freyre18. Seu autoritarismo está em se mover apenas
sobre valores e atitudes que devem ser necessariamente comunitários, fechando-
se completamente a qualquer realidade estatística ou de desigualdade estrutural
de poder, que requeira a proteção de indivíduos pertencentes a grupos sociais
específicos. Por isso, a mesma Rachel de Queiroz que, em 1947, atacava alguns
intelectuais paulistas que negavam a existência da discriminação racial no
Brasil se voltava em 1967 contra aqueles que pensavam em corrigi-la através de
seu reconhecimento institucional19.
Mas haveria mesmo entre a intelectualidade e os políticos brasileiros uma
corrente, ainda que pouco expressiva, de defesa dessa solução liberal ao
problema da cristalização das desigualdades raciais?
É fato que sustentáculos políticos do regime militar, como Marcos_Maciel_(2001)
e José Sarney20, acolheram melhor, na nova conjuntura dos anos 1990, as
demandas por ações afirmativas que os intelectuais tradicionais ou de esquerda,
mas seu posicionamento naquela conjuntura dos anos 1960 precisa ainda ser
averiguado. É também um fato que baluartes do pensamento liberal no Brasil,
como Afonso_Arinos_(1967,_p._186), nunca foram muito apegados ao argumento da
mestiçagem como diluidor dos conflitos raciais, preferindo realçar "nossa
tradição católica muito mais integracionista" e aceitando que "o problema negro
pode se agravar em nosso país; mas em consequência do problema geral do
desenvolvimento econômico". Homens como Arinos não tinham pejo em falar
abertamente em raças, ainda que ele ressaltasse que "são muito diferentes as
condições de coexistência das raças branca e negra nos Estados Unidos e no
Brasil".
DISCUSSÃO
Ainda que nossa pesquisa não possa aceitar em definitivo nenhuma das hipóteses
interpretativas aventadas, as evidências reunidas parecem favorecer algumas em
detrimento de outras.
Parece fora de dúvida que não houve motivação política de esquerda para pautar
a reportagem do Jornal do Brasil, ainda que inegavelmente seu teor interessasse
a ativistas negros, o que fica claro quando um jornalista estrangeiro "de
esquerda" faz a repercussão da reportagem nos Estados Unidos.
Embora não tenhamos informações sobre quem eram os técnicos do DNMO e de suas
ligações com o movimento negro brasileiro, podemos nos indagar se a proposta de
cotas já aparecia na pauta do movimento àquela época. E a resposta é negativa.
Os três primeiros itens do Manifesto da Convenção Nacional do Negro (Quadro_1),
de 1946, por exemplo, contêm reivindicações que foram atendidas plenamente pela
Lei Afonso Arinos, de 1951. Coerentemente, a Declaração do I Congresso do Negro
Brasileiro (Quadro_2), em 1953, não traz nenhuma reivindicação de política
afirmativa. A reivindicação desse tipo que aparece com força, em 1946, se
refere à política na área educacional, não ao mercado de trabalho. Dizia a
quarta reivindicação daquele manifesto:
Enquanto não for tornado gratuito o ensino de todos os graus, sejam
admitidos brasileiros negros como pensionistas do Estado, em todos os
estabelecimentos particulares e oficiais de ensino secundário e
superior do país, inclusive nos estabelecimentos militares. (Diário
Trabalhista, 15/1/1947)
QUADRO 1 MANIFESTO DA CONVENÇÃO NACIONAL DO NEGRO
1. Que se torne explícita na Constituição de nosso país a referência a origem
étnica do povo brasileiro, constituído das três raças fundamentais: a indígena,
a negra e branca.
2. Que torne matéria de lei, na forma de crime de lesa-pátria, o preconceito de
raça.
3. Que orne matéria de lei penal o crime praticado nas bases do preceito acima,
tanto nas sociedades civis e nas instituições de ordem pública e particular.
4. Enquanto não for tornado gratuito o ensino de todos os graus, sejam admitidos
brasileiros negros como pensionistas do Estado, em todos os estabelecimentos
particulares e oficiais de ensino secundário e superior do país, inclusive nos
estabelecimentos militares.
5. Isenção de impostos e taxas, tanto federais como estaduais e municipais, a todos
os brasileiros que desejarem se estabelecer com qualquer ramo comercial,
industrial e agrícola, com capital não superior a Cr$ 20.000,00.
6. Considerar como problema urgente a adoção de medidas governamentais visando a
elevação do nível econômico, cultural e social dos brasileiros.
Diário Trabalhista, 15/1/1946
QUADRO 2 DECLARAÇÃO DO I CONGRESSO DO NEGRO BRASILEIRO
O Congresso recomenda, especialmente,
a) O estímulo ao estudo das reminiscências africanas no país bem como dos meios de
remoção das dificuldades dos brasileiros de cor e a formação de institutos de
pesquisas, públicos e particulares, com este objetivo;
b) A defesa vigilante da sadia tradição nacional de igualdade entre os grupos que
constituem a nossa população;
c) A utilização de meios indiretos de reeducação e de desrecalcamento em massa e de
transformação de atitudes, tais como o teatro, o cinema, a literatura, e outras
artes, os concursos de beleza, e técnicas de sociatria;
d) A realização periódica de congressos culturais e científicos de âmbito
internacional, nacional e regional;
e) A inclusão de homens de cor nas listas de candidatos das agremiações
partidárias, a fim de desenvolver a sua capacidade política e formar líderes
esclarecidos, que possam traduzir, em formas ajustadas às tradições nacionais, as
reivindicações das massas de cor;
f) A cooperação do governo, através de medidas eficazes, contra os restos de
discriminação de cor ainda existentes em algumas repartições oficiais;
g) O estudo, pela Unesco, das tentativas bem-sucedidas de solução efetiva dos
problemas de relações de raças, com o objetivo de prestigiá-las e recomendá-las aos
países em que tais problemas existem;
h) A realização, pela Unesco, de um congresso internacional de relações de raças,
em data tão próxima quanto possível.
O Congresso condena, veementemente, considerando ameaças à tranquilidade da família
brasileira:
a) A exploração política da discriminação da cor;
b) As associações de cidadãos brancos ou negros organizadas sob o critério do
exclusivismo racial;
c) O messianismo racial e a proclamação da raça como critério de ação ou como fator
de superioridade ou inferioridade física, intelectual ou moral entre os homens;
d) Os processos violentos de tratamento dos problemas suscitados pelas relações
interétnicas.
Nascimento, Abdias (org.). O negro revoltado.
Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1982, 2ª edição.
É bem verdade que já existiam demandas anteriores da Frente Negra Brasileira
por dessegregação da Força Pública de São Paulo, das Forças Armadas e do
Itamaraty. E que a luta por extensão dos direitos trabalhistas às domésticas
era bandeira da plataforma político-eleitoral de candidatos negros como Abdias,
em 1946. Ainda assim, a demanda por ações afirmativas no mercado de trabalho,
no universo do ativismo negro, era coisa muito nova em 1968. Pouco provável,
portanto, que sua sugestão nascesse de uma articulação de técnicos do DNMO com
ativistas negros.
Em contrapartida, vale lembrar que começava a emergir no movimento negro, desde
o pós-guerra, uma nova concepção de racismo, cuja ênfase nas oportunidades de
vida fazia com que se ressaltassem as consequências advindas das limitações
impostas pela discriminação (Guimarães_e_Macedo,_2008). Problemas decorrentes
da situação de pobreza e de privação já eram realçados no diagnóstico, e sua
solução poderia estar seja em outro sistema econômico, que abolisse as classes,
como a fala de Odacir de Mattos que transcrevi anteriormente parece sugerir,
seja na forma de ações afirmativas que reequilibrassem as oportunidades de
vida, como sugerido pelos técnicos do DNMO.
Os tecnocratas entrevistados pelo JB se inclinavam claramente pela adoção de
cotas e não de outras ações afirmativas e invocavam a política trabalhista de
Vargas como exemplo de política compensatória bem-sucedida.Também é fato que
tais técnicos estavam em contato estreito com o ministro do Trabalho, de perfil
nacionalista e autoritário. Este, apesar de suas negativas quanto a estudos que
estivessem em curso sobre a implementação de cotas, fora quem demandara "por
telex urgente de Brasília" estudos para frear a discriminação racial no mercado
de trabalho que fossem mais efetivos que a Lei Afonso Arinos. O timingda
reportagem, das respostas dos atores envolvidos e das soluções aventadas parece
dar credibilidade à versão de que se tratava de uma pauta articulada com os
interesses do Ministério do Trabalho, estivessem ou não esses técnicos
articulados com o seu ministro.
Não se pode,obviamente, descartar a possibilidade de que a cadeia de eventos
tenha sido casual e que sua aparente causalidade se deva apenas às
circunstâncias históricas favoráveis: perigo de que a agenda negra americana
contaminasse os ativistas brasileiros, perigo de que tal agenda favorecesse a
articulação internacional cubana, necessidade de responder à rearticulação do
movimento operário brasileiro.
Quanto à ideologia que guiava os atores, parece também claro que o nacionalismo
autoritário que conquistara porção significativa dos militares brasileiros,
assim como de tecnocratas, tanto quanto o liberalismo político brasileiro, que
também nunca escondeu seu viés autoritário, aparece nos seus argumentos. Em
Jarbas, democracia e autoritarismo são valores que convivem. O episódio da
sugestão das cotas, que aqui relatamos, não é referido em suas memórias
(Passarinho,_1996). Na verdade, aparece como silêncio, como um não evento: um
fato sem desdobramentos políticos. Ao contrário, transparece nas memórias uma
atitude que se coaduna com a noção de democracia racial, expressando a
singularidade de nossa civilização no Ocidente – sermos autoritários em termos
políticos e interpessoais, mas igualitaristas e tolerantes à mistura em termos
raciais. Era, pois, uma relativização particular da ideia de democracia
moderna. Podemos ler nas memórias de Jarbas referentes aos anos 1969, quando o
regime militar enfrentava resistências à sua legitimidade em fóruns
internacionais:
Sabendo o sr. Meany em sala próxima, dirigindo o encontro com as
lideranças sindicais estrangeiras convidadas por ele, para reunião
paralela, disse que não aceitava, sob nenhuma explicação, a grosseria
que houvera. Ademais – continuei – não receberia lição de democracia
de ninguém. Se-ria – perguntei – uma democracia perfeita aquela que
garante direitos civis para uns e nega a outros; que emudece a voz de
negros tirando-Ihes a vida (Martin Luther King fora assassinado em
abril de 1968); que mantém em guetos populações discriminadas pela
cor; [...] Quem se arroga o direito de censurar há que prevenir-se
contra o risco de ver cair sobre seu telhado as pedras que atirou no
do vizinho. (Passarinho,_1966, p. 360)
É um fato, entretanto, que liberais como Afonso Arinos, assim como o
establishment jornalístico e os intelectuais modernistas, ainda apostavam todas
as suas fichas, em 1968,em que a lei 1.390 e a Constituição de 1967 resolveriam
a questão negra no Brasil. E o que realmente prevaleceu foi um entendimento
bastante arcaico, e ultrapassado já naquela conjuntura internacional, de que se
preveniria o acirramento da questão racial a partir de dispositivos legais e
constitucionais que reiterassem o respeito à liberdade e a responsabilidade
individual, coibindo e punindo o preconceito racial. Em termos doutrinários,
este era concebido como a causa da discriminação e essa última, como a causa
das desigualdades. A confusão entre preconceito e discriminação era apenas uma
questão de economia de palavras, pois o preconceito seria a sua causa última e
matriz. Tal doutrina podia, ademais, conviver com a negação do racismo, ainda
que se aceitasse a emergência ocasional de discriminações raciais, e conviver
até mesmo com a aceitação do tratamento diferencial por classes, que seria
considerado sistêmico no Brasil.
A verdade é que a concepção atual do racismo como um sistema de dominação
colonial, coexistente, funcional, mas independente do sistema de economia
capitalista, existia, naquela época, apenas entre os jovens ativistas negros do
Black Power, podendo ou não estar ligada a anticapitalismo. Nos Estados Unidos,
esse entendimento foi contra-arrestado pela política liberal, em muitos estados
e municípios, que implementou ações afirmativas, protegendo a igualdade de
oportunidades de vida, e multiculturais, que garantiam a autonomia da
identidade cultural negra. No Brasil, a influência do Black Power se
disseminará paulatinamente, a partir de 1969, nos meios negros e ganhará a cena
pública pela sua repercussão na vida cultural do negro brasileiro nos centros
urbanos, primeiro no Rio e em São Paulo, avançando depois para outras cidades,
como Salvador e São Luis, através de movimentos como o funk, o Black Rio, o
reggae, que envolviam mudanças de atitudes e comportamento, expressos em nova
linguagem, vestuário, cortes de cabelo etc. A influência cultural negra
americana será, portanto, a porta de entrada para que reivindicações de
reconhecimento cultural pavimentassem reivindicações políticas no final do
século XX21.
De todas as hipóteses, a que fica mais difícil de descartar, portanto, com o
conhecimento que temos hoje, é a de que a sugestão de estabelecer cotas raciais
para os trabalhadores colocados em empresas privadas pelas agências de
colocação estatais tenha sido uma iniciativa dos próprios técnicos do DNMO,
motivada provavelmente pelo desejo de fortalecer a importância do próprio
departamento. Que tal desejo tenha sido veiculado pela grande imprensa e tenha
permanecido em sua pauta por uma semana, entretanto, nos indica que havia
alguma expectativa de que tal proposta pudesse encontrar respaldo em alguns
grupos sociais e governamentais, naquele contexto de reformas trabalhistas dos
anos 1960.
[1]Paper preparado para a Reunião da LASA em Puerto Rico, em maio de 2015. Essa
reflexão está sendo desenvolvida no âmbito de um projeto do Centro de Estudos
da Metrópole (Cebrap, USP), financiado pela FAPESP, Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo, processo nº 2013/07616-7. Agradeço aos colegas
do CEM-Cepid pelos comentários à primeira versão do paper, discutido no
Seminário Conjunto em 9 de março de 2015. Agradeço também a outros leitores de
versões posteriores, como Marc Hertzman, Gustavo Rossi, Flávia Rios, Edilza
Sotero, Matheus de Jesus e Irene Rosseto. Sou grato pelo apoio de Marilia
Kuiumjian, na biblioteca da Universidade de Illinois, Urbana-Champaign, e de
Edilza Sotero, na Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros da
Universidade de São Paulo.
[2]Ver, entre muitos, Ridenti_(2014), que traça uma breve e correta trajetória
do regime militar.
[3]Política racial no sentido que lhe deu Wagley_(1968,_p._164): "o processo de
'absorção' (Pier-son) ou de 'embranquecimento' (Lynn Smith) do negro exprime a
política profunda do Brasil em matéria racial".
[4]A doutrina da democracia racial, tal como formulada pelo Estado Novo (Gomes,
1999; Guimarães,_2012), era autoritária porque prescindia e diminuía a
importância das instituições da democracia política liberal para a consecução
da igualdade racial.
[5]Jocélio_Santos_(2005) analisa tal episódio em sua tese de doutorado. Devo a
ele, em 1998, o conhecimento desses fatos, e já tinha feito referência a esse
episódio em meu livro Racismo e anti-racismo no Brasil, de 1999. A minha coleta
de dados seguiu suas pistas. Jarbas Passarinho não deixou nenhuma referência
escrita a esse episódio, seja em sua autobiografia, seja em seus artigos na
imprensa brasileira. Tal fato não é documentado em sua biografia nem na
literatura, acentuando-se as minhas referências e as de Jocélio.
[6]O Paulo César, branco, que assina a matéria era então, em 1968, um jovem
repórter do JB, assim referido por Mauro_Malin_(2010): "Na reportagem havia uma
garotada disposta. Paulo César (PC) Araújo, Fritz Utzeri, Ramaiana Vaz Vargens,
Macedo Miranda (Macedinho, já falecido), Bella Stal, João Batista de Freitas,
Tarcísio Baltar, Israel Tabak". Ricardo José Gonçalves Fontes postou o seguinte
comentário sobre ele, no AlbumJota-Beniano, em 10 de setembro de 2010,
comentando a Foto 1: "Paulo César Araújo (PC), foi disparadamente o melhor
repórter internacional (correspondente internacional), do jornalismo
brasileiro. Exímio entrevistador, sempre com raciocínio rápido e com perguntas
inteligentíssimas, colocando o entrevistado numa 'sinuca'. Dificilmente
aparecerá outro do nível dele. Foi correspondente em Nova York e Londres na
década de 80 pela Rede Globo. Morreu em um acidente de carro, na Lagoa Rodrigo
de Freitas em 23/12/87".
[7]Ver, entre outros, Guimarães_e_Macedo_(2008); Sotero_(2014).
[8]Sobre o episódio, ler o excelente artigo de Bastos_(1988). Ver também Maio_
(1999).
[9]O "preconceito", tecnicamente, refere-se a atitudes e valores, e a
"discriminação", a comportamentos efetivos. Na linguagem da época, "cor"
referia-se a características somáticas, que variavam de indivíduo a indivíduo,
enquanto "raça", a características físicas herdadas.
[10]Note a confusão que Arinos promove, de um lado, entre "discriminação
racial" e "preconceito de raça"; e, do outro, entre "crime" e "contravenção
penal". Apenas os últimos termos dos pares constam na Constituição. A confusão
entre preconceito e discriminação, como veremos adiante, é constitutiva de um
discurso ideológico e de uma política racial que ficou conhecida como
democracia racial.
[11]"Carlos Alberto de Azevedo nasceu em 11 de dezembro de 1939, em São Paulo.
Jornalista desde 1959, foi repórter em A Hora, O Estado de São Paulo, Folha de
S.Paulo, Diário da Noite, nas revistas O Cruzeiro, Quatro Rodas, entre outros
veículos até 1968. Nesse período, participou da fundação da revista Realidade,
que inspirou toda uma geração de jornalistas independentes na promoção dos
direitos humanos e da cultura brasileira. Em seguida, participou do movimento
de resistência à ditadura militar, colaborando em jornais clandestinos
comoLibertação e Classe operária e em livros clandestinos como oLivro Negro da
Ditadura Militar(1970) ePolítica de genocídio contra os índios do Brasil
(1973). Perseguido pelos órgãos de repressão, viveu cerca de dez anos na
clandestinidade (1969-1979). Entre 1975 e 1979 foi colaborador do jornal
Movimento, mantido e produzido por jornalistas (sem patrão). Após a anistia
trabalhou na TV: no Globo Rural (TV Globo), 1981-85; na TV Cultura (1986-87).
Fez programas políticos de TV para o PCdoB entre 1989-98. Também continuou a
militar na imprensa independente escrevendo nas revistas Caros Amigos e Retrato
do Brasil. Foi editor-chefe das campanhas de TV de Lula à Presidência da
República em 1989 e 1994. Entre outros, escreveu os livrosDo tear ao
computador, a luta pela industrialização no Brasil (três edições, 1986/88/89,
com Guerino Zago Jr.) eCicatriz de reportagem(2007), publicado pela Editora
Papagaio, reunindo suas melhores reportagens. Participou como editor-chefe da
elaboração dos livrosBrasil, direitos humanos (2008); eHabeas corpus – que se
apresente o corpo (2010), ambos para a Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República. O livroJornal Movimento, uma reportagem é seu
trabalho mais conhecido, escrito com a colaboração de outros autores, sob
encomenda da Editora Manifesto." Texto copiado de http://
www.portaldosjornalistas.com.br/perfil.aspx?id=13529. Ver foto no anexo.
[12]Segundo depoimento de Mylton Severiano da Silva (http://
doclondrina.blogspot.com.br/2012/06/homens-do-panorama-narciso-kalili-e.html):
"Narciso caiu fora de Realidade, meses antes que a equipe inicial se
desfizesse. Foi fazer jornalismo diário na Última Hora, já dos Frias mas ainda
combativa. Narciso era o editor-chefe, creio, mas ia às ruas cobrir as
passeatas e protestos e acabava se juntando aos 'subversivos', gritando slogans
contra a ditadura e acolhendo perseguidos (coisa que vários de nós fizemos,
inclusive eu, sob risco até de morte)". Narciso foi preso em 1974, pela
Operação Bandeirantes, por conta de uma reportagem sobre o Watergate (Nitrini).
Quando solto, perdeu o emprego que tinha na TV Cultura e recomeçou a vida
jornalística em Londrina, PR. De volta a São Paulo, foi editor dos noticiários
da Rádio Jovem Pan. Morreu em 1992.
[13]Odacir de Mattos trabalhou em diversos jornais na capital paulista como
revisor e foi também ativista negro, membro fundador da Associação Cultural do
Negro, em São Paulo, e do Jornegro, na mesma cidade. Dirigiu o Centro de
Cultura e Arte Negra (Cecan) a partir de 1974. Foi ligado também aos jovens
jornalistas socialistas do Versus, principalmente a Thereza Santos (Silva,
2011: 284; Rios, 2014).
[14]"Lei no 4.923, de 23 de dezembro de 1965. Art. 7º – O atual Departamento
Nacional de Emprego e Salário, do Ministério do Trabalho e Previdência Social,
criado pelo art. 2º da Lei nº 4.589, de 11 de dezembro de 1964, fica desdobrado
em Departamento Nacional de Mão-de-Obra (DNMO) e Departamento Nacional de
Salário (DNS)."
[15]As fotos de Neruda, registradas por Evandro Teixeira durante a reportagem
de Paulo César, são as únicas a documentar realmente a autópsia e o enterro de
Pablo Neruda (Fullgraf,_2013).
[16]Kent parece ter sido um jornalista bastante ativo na cobertura de atentados
aos direitos humanos na América Latina, cobrindo o massacre de estudantes em
Tlatelolco, no México, em 1968, e também conflitos camponeses e indígenas
naquele país. Sobre o Brasil escreveu pelos menos duas outras reportagens, em
1968, sempre no Los Angeles Times, sobre conflitos indígenas. Passou depois a
assinar artigos na importante revista semanal de esquerda The Nation.
[17]A tese de doutorado de Kosling_(2007) nos fornece evidências sobre a
importância que o DEOPS emprestava à movimentação negra nos Estados Unidos.
[18]Tal ideologia se contrapôs tanto ao racismo científico de um Nina_Rodrigues
(1932), quanto à concepção de um São Paulo branco (Weinstein,_2006). Esta, no
pós-guerra, foi atualizada pela referida polêmica entre modernistas paulistas e
nordestinos; Sérgio_Millet_(1947,_p._7), por exemplo, escreveu: "Até às
vésperas da grande imigração [europeia] a famosa fórmula de Martius, de um povo
formado por três raças, o índio, o negro e o português, foi perfeitamente
satisfatória. Desde a imigração, porém, essa fórmula deixou de significar um
fato científico em relação aos estados do Sul e, em especial, a São Paulo".
[19]Aqui, é importante lembrar que, em 1947, tanto aqueles que negavam como os
que reconheciam a existência do racismo, tanto os paulistas quanto os
nordestinos, eram unânimes em condenar a existência de organizações negras, dos
seus arrazoados e de suas reivindicações. Dizia Queiroz: "E comete o brilhante
cronista um erro elementar quando atribui aos 'sociólogos de pacotilha', aos
'filósofos da mulataria', a fundação de ligas de homens de cor, de frentes
negras, etc. Os filósofos da mulataria desejam justamente o contrário: acabar
com essas ligas, com essas associações, entregar amplamente a população de cor
na comunhão nacional, e acabar com quaisquer restrições que separam brancos de
negros" (Queiroz,_1947, p. 2). Enquanto Rego_(1947) lembrava que "nada tem a
ver Gilberto Freyre com a tal sociologia 'negroide' que anda por aí".
[20]O senador José Sarney (PMDB/ AP) apresentou, em dezembro 1999, o projeto de
lei nº 650, que instituía cotas de ação afirmativa para a população negra no
acesso aos cargos e empregos públicos, à educação superior e aos contratos do
Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES).
[21]A primeira delas de que tenho notícia, sem contar a protorreivindicação de
1947, foi um projeto de lei do então senador Abdias do Nascimento, em 1997.