Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRHUHu0101-546X2000000200001

BrBRHUHu0101-546X2000000200001

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0101-546X
Year2000
Issue0002
Article number00001

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Representação racial e política no Brasil: parlamentares negros no Congresso Nacional (1983-99)

um estereótipo sobre quem pode ser inteligente e competente, quem pode exercer o poder. No Brasil, são homens brancos e ricos que representam a face do poder.

Benedita da Silva, Senadora da República negra

Ao examinar a atividade política, as legislaturas e os políticos eleitos, os estudiosos freqüentemente fazem uma distinção entre dois tipos não mutuamente excludentes de representação: a descritiva e a substantiva. Na primeira, os representantes compartilham as características sociais ou demográficas dos representados (Mansbridge 1996; Pitkin 1967: 60-90); na segunda, buscam estabelecer políticas favoráveis aos interesses daqueles que representam (Swain 1993: 5; Lublin 1997: 12). Na perspectiva desses autores, a representação substantiva pode ser atingida sem a descritiva.

Vários eventos enfatizaram, nos anos 1980 e 1990, a sobre-representação de brancos e a sub-representação de negros na política brasileira. Contudo, durante esse período Abdias do Nascimento tornou-se o primeiro deputado federal (e mais tarde senador) negro a estabelecer uma defesa consistente e explícita da população afro-brasileira dentro do Congresso Nacional; Benedita da Silva tornou-se a primeira mulher negra com mandato de deputada federal e posteriormente senadora; o deputado Paulo Paim propôs uma legislação que reivindicava a reparação para os descendentes de escravos; Celso Pitta tornou- se o primeiro prefeito negro de São Paulo, a maior cidade brasileira e uma das mais populosas do mundo; e políticos afro-brasileiros como Alceu Collares, João Alves e Albuíno Azeredo exerceram mandatos como governadores. Através dessas vitórias eleitorais, atividades políticas ou apoio a políticas públicas com conteúdo racial específico, esses políticos negros de presença nacional têm acentuado desde então a questão da representação racial.

O presente estudo utiliza tanto os termos negro quanto africano brasileiroe afro-brasileiro para se referir a brasileiros de ascendência africana, inclusive pessoas que o discurso popular costuma chamar de morenos, mulatos ou outros termos indicativos de background racial ou étnico misto. O censo oficial brasileiro possui cinco categorias de cor (ou raça): branco, preto, amarelo, pardo e indígena. O IBGE também contabiliza os indivíduos que não declaram sua cor ou raça. Seguindo Nascimento (1978) e Andrews (1991), este artigo combina, para propósitos de análise, as categorias preto e pardo.

Este estudo é a primeira tentativa acadêmica de investigar a composição racial do Congresso brasileiro, analisar a sub-representação dos negros e examinar o comportamento dos membros negros do Congresso. Seu argumento principal divide- se em duas afirmações: os afro-brasileiros estão dramaticamente sub- representados no Congresso em relação a sua proporção na população geral; e essa sub-representação e os fatores políticos e culturais relacionados a ela reduzem enormemente a eficácia dos afro-brasileiros no Congresso.

Os parlamentares negros do Congresso têm tentado introduzir algumas importantes mudanças na política brasileira. Políticos negros encorajam atores políticos brancos e o público mais amplo a confrontar o racismo e a desigualdade racial, e se organizam formal e informalmente dentro dos partidos políticos e instituições governamentais, buscando políticas públicas que levem em conta o fator racial, além de advogar um novo e mais proeminente papel para os negros na política e na sociedade brasileira.

A maioria dos estudos sobre a política brasileira geralmente ignora ou diminui o peso da questão racial2, em função de dois fatores principais. Primeiro, argumenta-se que a sociedade brasileira não é organizada de uma maneira racial rígida, e portanto a raça não é uma clivagem relevante, que possa provocar conflitos, violência ou algum tipo de distúrbio da vida política (isto é, movimentos de massa ou revoltas). Segundo, alguns analistas alegam que os brasileiros não possuem forte consciência racial, e conseqüentemente não se comportam racialmente em formas politicamente relevantes (isto é, votando de acordo com a linha racial ou recorrendo à discriminação racial clara e persistente). Bolívar Lamounier, um dos cientistas políticos brasileiros mais proeminentes, observa que enquanto as diferenças e tensões eventuais nas relações entre grupos étnicos e religiosos possam existir no Brasil, até o momento não tem havido uma projeção explosiva das clivagens desse tipo na arena política que merecesse tratamento especial ou privilegiado. As divisões básicas da sociedade brasileira são essencialmente socioeconômicas e, em grau inferior, regionais e ideológicas (Lamounier 1993: 120).3 Além disso, os numerosos estudos sobre política partidária, presidencialismo e democratização no Brasil e na América Latina têm prestado muito pouca atenção às questões raciais em geral e ao papel dos negros em particular (O'Donnell & Schmitter 1986; Reis & O'Donnell 1988; Stepan 1989; Mainwaring & Scully 1995; Mainwaring & Shugart 1997). Entretanto, a raça tem sido relevante na política brasileira. Muito embora os brasileiros nem sempre falem ou lutem na política em termos explicitamente raciais, a política racial tem desempenhado um importante papel histórico e contemporâneo. A escravidão negra existiu no Brasil durante aproximadamente 350 anos, embora tenha sido matizada com desigualdades socioeconômicas, diversidade regional e diferenças ideológicas. A representação racial é significativa porque, em níveis genéricos, os dirigentes do Brasil no século XX têm sido em sua ampla maioria brancos ou relativamente claros, enquanto que a maioria dos pobres e marginalizados têm sido de negros ou de aparência mais escura (Nascimento 1978; Toledo 1989). Essa realidade política, especialmente considerando-se que ela sucede três séculos de escravidão negra, merece tanto investigação empírica quanto reflexão teórica.

Este artigo está dividido em quatro seções. Uma breve revisão da política brasileira mostra que a questão racial, especialmente a preocupação da elite com o papel dos negros no país, têm estado presente ao longo de todo o século XX. Segundo, uma análise da representação política e racial enfatiza a marcante sub-representação de afro-brasileiros no Congresso. Uma terceira seção examina a atividade política negra no Congresso, recorrendo a entrevistas com vários parlamentares negros. A conclusão discute a necessidade de pesquisas adicionais sobre as questões da raça, da representação e da política no Brasil e em toda a América Latina.

Visões raciais, mudança de regime e política partidária A política nacional brasileira pós-abolição da escravatura pode ser dividida basicamente em cinco períodos: o período republicano inicial dominado pela oligarquia constitucional (1889-1930); a revolução de 1930 e o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-45); o período de competição política (1945-64); o autoritarismo militar (1964-85); e finalmente o período de (re)democratização, de 1985 até hoje. Uma das características mais notáveis dessa história de mais de cem anos é sua natureza elitista. Como salientado pela senadora Benedita da Silva na epígrafe e em sua autobiografia (Silva et al 1997: 61), a maioria dos líderes brasileiros são homens originários dos setores brancos, abastados e privilegiados da sociedade (Conniff & McCann 1989; Lamounier 1989; e Roett 1992), enquanto muitos pobres e negros têm sido impedidos de participar da política em função do pré-requisito da alfabetização eleitores e outros mecanismos de controle da elite (Love 1970; Leal 1986).

Através dos anos as elites políticas têm tido visões raciais explícitas. No primeiro período, a visão dominante pode ser descrita como abertamente racista (Skidmore 1993b; Schwarcz 1993), chegando mesmo a haver uma preocupação generalizada de que a população do Brasil fosse muito negra ou escura, o que contribuiu para a negligência da população recentemente liberta e a motivação para importar trabalhadores imigrantes, mais claros e melhores. O embranquecimento, assim, tornou-se a política não oficial daqueles que acreditavam na superioridade branca e na inferioridade negra, explícita no estado de São Paulo, que recebeu a maior parte dos imigrantes europeus do país durante esse período (Andrews 1991: 54-89). Os negros eram vistos como física e intelectualmente inferiores aos brancos (Nascimento 1978).

Nos anos 1930, a composição racial e étnica do país havia mudado dramaticamente. A proporção de negros diminuiu e a porcentagem de brancos aumentou. A influência européia (especialmente portuguesa, italiana e alemã) era mais forte nas regiões Sul e Sudeste. Durante esse período, o embranquecimento como ideologia foi formalmente criticado pela elite brasileira, e vários políticos e intelectuais repudiaram uma das expressões últimas da supremacia branca, a Alemanha nazista de Hitler. De forma dramática, a elite fez uma revisão de si mesma: Gilberto Freyre e outros intelectuais iniciaram o argumento de que os brasileiros eram um povo de sangue misturado e que esse dado era fundamental para suas relações raciais supostamente harmoniosas.

Casa grande e senzala, o principal livro de Freyre, foi lançado em 1933, explorando a escravidão e a miscigenação; em 1934, ele organizou um congresso afro-brasileiro para examinar as contribuições dos negros para a sociedade brasileira. Orgulhosamente, a elite começou a fazer comparações entre a situação racial brasileira e a segregação racial dos Estados Unidos. Logo depois, no entanto, o Brasil entrou em um de seus períodos mais repressivos, o Estado Novo (1937-45). Ironicamente, enquanto as elites brancas brasileiras celebravam as relações raciais harmoniosas, o grupo político negro mais proeminente ' a Frente Negra Brasileira ' foi banido como os outros partidos.

Essa proibição serve como exemplo de como uma política formalmente não racial, isto é, a eliminação da oposição política, pode ter explícitas conseqüências raciais; nesse caso, a desorganização de um movimento político negro (Fernandes 1969; 1978; Leite & Cuti 1992).

O terceiro período político (1945-64) foi caracterizado pela política competitiva e pela noção de democracia racial. Pela primeira vez, o Brasil teve partidos nacionais de participação de massas (Santos 1986; 1987). Foi um momento de otimismo, política e racialmente. Freyre e outros continuaram a promover a noção de que o Brasil seria o único país a resolver o problema racial com mistura racial, fluidez da identidade racial e divisão racial ou segregação não explícitas. Para confirmar que a discriminação racial era intolerável no Brasil, o Congresso aprovou, em 1951, a Lei Afonso Arinos, que punia atos abertos de discriminação racial, tais como negar atendimento a uma pessoa em um hotel por causa de sua raça. O governo continuou a argumentar que todos os brasileiros tinham acesso semelhante aos canais de desenvolvimento social (Skidmore 1993b: 212-3).

Ao mesmo tempo, intelectuais e políticos negros tinham grandes dificuldades em ter suas preocupações ouvidas e eleger candidatos negros. A realização mais notável desse período talvez tenha sido o trabalho do Teatro Experimental do Negro, um fórum de expressão da cultura e da política negras (Nascimento & Nascimento 1994: 24-33).4 Em um artigo importante, mas esquecido, Souza (1971) argumentou que no início dos anos 1960 havia uma polarização racial das preferências partidárias no estado da Guanabara. Os negros se inclinavam a favor do PTB, enquanto os brancos apoiavam a conservadora UDN.

No quarto período, de 1964 a 1985, os militares governaram com mão de ferro, tolerando apenas uma moderada participação civil (Sorj & Almeida 1984; Skidmore 1988). A maioria dos radicais e progressistas foi exilada ou banida e os oponentes da ditadura militar eram freqüentemente torturados e assassinados.

Os militares permitiram a existência de dois partidos políticos, um pró-regime, a ARENA, e um moderado partido oposicionista, o MDB. O milagre econômico brasileiro de 1968-73 e as rápidas taxas de crescimento no período trouxeram algum alívio econômico, especialmente para as classes média e alta.

A primeira metade desse período representou um desafio às elites raciais brasileiras. Nos Estados Unidos, o movimento dos direitos civis tinha triunfara; os negros ganharam o direito ao voto no sul e derrotaram as chamadas leis de Jim Crow, que regiam a segregação. No Brasil, a atividade política negra explícita era considerada subversiva. Os intelectuais brasileiros começaram a considerar a democracia racial um mito que, em certo grau, perpetuava a desigualdade e a discriminação ao desviar a atenção da opressão racial e da subordinação dos negros (Fernandes 1969: 197; Hasenbalg 1979; Hanchard 1994).

Na segunda metade, esse mito foi ainda mais questionado. Negros das principais áreas urbanas, especialmente São Paulo e Rio de Janeiro, organizaram um movimento contra a discriminação racial e clamaram pelo orgulho racial, pela democracia política e pela melhoria das condições sociais e econômicas da população negra. No contexto da liberalização política do fim dos anos 1970, começo dos 1980, os negros participaram de todos os movimentos sociais, questionando o status quo, inclusive o movimento trabalhista, o movimento estudantil e o movimento de mulheres.

Durante o mesmo período, ativistas negros começaram a lutar por reconhecimento dentro de vários partidos políticos. Como estratégia para dividir a oposição e prolongar o regime autoritário, o governo militar permitira a organização de múltiplos partidos. A oposição de fato se dividiu, mas os militares não anteciparam que alguns líderes oposicionistas abraçariam a questão racial e tentariam se mobilizar e incorporar negros. Leonel Brizola, um veterano político esquerdista que passou 15 anos no exílio, foi o primeiro político branco de vulto a considerar a questão racial um problema nacional importante.

Ele também postulou um socialismo moreno como forma de articular raça, classe e a necessidade de redistribuição de riqueza e poder (Soares & Silva 1987; Nascimento & Nascimento 1994: 68-9). O partido político de Brizola, o PDT, identificou os negros como a quarta prioridade no seu programa, depois das crianças, dos trabalhadores e das mulheres (Monteiro & Oliveira 1989: 122).

Os militares deixaram o governo em 1985. Desde então o Brasil tem experimentado sua mais profunda experiência em democracia. A Constituição de 1988 garantiu a praticamente todos os brasileiros adultos (inclusive analfabetos) o direito ao voto. Esse contexto deu aos políticos negros a oportunidade de expressar suas preocupações. Embora, comparando-se com sua percentagem na população nacional, os negros sejam sub-representados no Congresso, eles são visíveis em cargos eletivos como nunca antes. Essa presença tem conseqüências identificáveis para a política e para a sociedade brasileira.

Membros negros do Congresso nos anos 1980 e 1990 Antes dos anos 1980, muito poucos negros eram líderes em partidos nacionais ou tinham sido eleitos para o Congresso. Adalberto Camargo, de São Paulo, e Alceu Collares, do Rio Grande do Sul, são os dois raros exemplos de deputados federais negros nos anos 1970. A emergência do movimento negro nesse período contribuiu diretamente para o surgimento do atual grupo de políticos negros.

Ativistas políticos, acadêmicos, estudiosos e trabalhadores afro-brasileiros lutaram por espaço na política brasileira, ao mesmo tempo em que novos partidos políticos estavam sendo organizados, exilados políticos retornavam ao país e alguns líderes brancos de postura tradicional começavam a prestar atenção aos negros como votantes, grupos de interesse e competidores (Gonzalez 1985; Mitchell 1985; Fontaine 1985a; 1985b).

Antes de examinar a representação negra no Congresso, faz-se imperativa uma revisão do sistema político brasileiro. Desde as eleições de 1982, o Brasil tem novamente um sistema político competitivo e multipartidário. A partir de 1985, quando José Sarney tornou-se o primeiro presidente civil em 21 anos, o país mantém um sistema presidencial civil de governo. A Constituição de 1988 delineou a estrutura formal institucional atual. Os membros da Câmara dos Deputados são eleitos em cada estado para um mandato de quatro anos, utilizando-se um sistema de representação proporcional de lista aberta. Todo o estado funciona como um distrito eleitoral; o Brasil não tem o sistema de distritos legislativos intra-estaduais que, nos Estados Unidos, tem sido tão importante para a eleição de negros para a House of representatives (Swain 1993; Lublin 1997). O número total de deputados (513, atualmente) deve ser proporcional à população, não tendo nenhum estado menos de oito ou mais de setenta deputados. Cada estado também elege, pelo voto majoritário, três senadores, cujos mandatos duram oito anos. Com 27 estados (incluindo o Distrito Federal), o Brasil tem portanto 81 senadores.

A maior parte das análises sobre a representação política no Brasil enfoca a histórica (e contemporânea) sobre-representação dos pequenos estados e a sub- representação dos grandes, especialmente São Paulo, na Câmara dos Deputados (Nicolau 1993: 86-91; Lima e Santos 1991). Esse problema nasce da contradição entre duas cláusulas constitucionais: o artigo 14, que garante o sufrágio universal e os direitos iguais de voto, e o artigo 45, que estipula os números mínimo e máximo das delegações estaduais em oito e setenta deputados, respectivamente. A proporção de oito para setenta é muito maior que a proporção de população (ou eleitorado) entre o estado menos e o mais populoso. Se a câmara tivesse representação proporcional com uma única cadeira como a representação mínima do estado, por exemplo, o estado de São Paulo teria aproximadamente 115 deputados, e Roraima, Amapá e Acre, um deputado cada um.

Além dos outros problemas do sistema eleitoral, essa desproporcionalidade chama a atenção não apenas por ser óbvia e corrigível, mas também porque os especialistas acreditam que ela traz substantivas conseqüências às votações importantes na Câmara dos Deputados (Soares 1984: 106-8). Esse sistema altamente desproporcional de representação proporcional persiste porque as pessoas eleitas nos pequenos estados têm sido capazes de criar e manter uma coalizão majoritária no Congresso que resiste a quaisquer esforços sérios de reforma (Aragão e Fleisher 1991: 10-1).

Desde 1983, 29 parlamentares negros (número estimado) exercem mandado no Congresso. Dezessete foram eleitos para dois mandatos ou mais. A tabela_1 lista esses parlamentares por estado, filiação partidária e período de mandado. Entre 1983 e 1987, dos 479 membros da câmara dos Deputados, quatro (0,84%) eram negros; entre 1987 e 1991, dos 487 membros, dez (2,05%); entre 1991 e 1995, de 503 membros, 16 (3,18%); e entre 1995 e 1999, dos 513 membros, os negros eram em número de 15 (2,92%). Como se pode ver claramente, os afro-brasileiros representam uma percentagem muito pequena do número total de deputados.

No Senado, embora o número de negros continue pequeno, sua porcentagem é maior que a de deputados. Nelson Carneiro, político de ascendência africana, permaneceu no Congresso por mais de trinta anos, seja como deputado, seja como senador. Embora fosse um legislador distinto e respeitado, raras vezes fez referência à questão racial em suas iniciativas e atividades legislativas.

Abdias do Nascimento, senador negro, exerceu brevemente o mandato no começo dos anos 1990 e retornou no fim da mesma década. Duas mulheres negras, Benedita da Silva e Marina Silva, foram eleitas para o Senado Federal em 1994. Assim, havia três senadores negros no Senado Federal.

Em termos de representação descritiva, a porcentagem de afro-brasileiros na população em geral é muito maior que sua porcentagem no Congresso. O conceito de sub-representação diz respeito à diferença entre a porcentagem de negros na população geral e a porcentagem de negros no Congresso. Isso é mostrado na última coluna da tabela_2. Por essa medida, os negros são sub-representados em cada estado da federação brasileira. Por outro lado, os brancos estão sobre- representados no Congresso, uma vez que são a esmagadora maioria congressional, embora representando somente 52% da população. também alguns poucos membros de ascendência asiática, árabe e indígena.

Quinze estados de todas as cinco regiões não têm representantes negros na Câmara dos Deputados. O maior diferencial entre a população e número de representantes ' aproximadamente 70% ' ocorre no Norte e Nordeste, exatamente as regiões com porcentagens mais altas de afro-brasileiros na população.

As regiões Centro-Oeste e Sudeste apresentam diferenciais de aproximadamente 50% e 40% entre a população afro-brasileira e sua representação, respectivamente. A região Sul tem a menor população afro-brasileira e a menor porcentagem média ' 14% ' de sub-representação afro-brasileira. Se os negros estivessem representados na Câmara dos Deputados em número igual ao de sua porcentagem na população geral, haveria 236 deputados negros. A porcentagem nacional de afro-brasileiros na população é de 47% (5% pretos e 42% pardos), e o país tem 69.651.215 habitantes afro-brasileiros (IBGE 1991).

O PT, partido político de esquerda, tem enviado o maior número de representantes negros para o Congresso. Dos 29 parlamentares negros desde 1983, 12 são do PT. Seis deles são do PMDB e três do PDT e do PC do B. Isso é significativo, visto que alguns líderes nacionais do PT ainda se sentem desconfortáveis com a questão racial (Santana 1994), argumentando que a questão de classe é fundamental, e o aspecto racial, secundário ou uma distração. O PT sempre postulou uma representação maior dos trabalhadores no Congresso, e alguns ativistas políticos negros têm apoiado a representação descritiva em termos raciais análogos a essa convocação do PT por uma maior presença de elementos da classe trabalhadora.

O estado do Rio de Janeiro mandou mais políticos negros para o Congresso que qualquer outro estado. Ao longo do período analisado, sete políticos negros representaram o Rio de Janeiro, e quatro, a Bahia. Dessa forma, o pequeno número de negros eleitos como parlamentares merece alguma consideração. A Bahia é amplamente reconhecida como o estado de presença negra mais forte em termos culturais e sociais. Em sua população, de cerca de 12 milhões de habitantes, aproximadamente 80% é de afro-brasileiros. O número de políticos baianos negros eleitos para o Congresso tem sido historicamente muito baixo. São Paulo, o estado brasileiro mais populoso, também tem uma grande população negra e um dos movimentos políticos negros mais bem organizados e mais efetivo (Hanchard 1994). Entretanto, sua representação negra no Congresso foi mínima durante os últimos 15 anos.

Por último, uma notável característica dos congressistas negros é que eles geralmente são homens. Somente três mulheres negras foram eleitas para o Congresso desde 1983. Benedita da Silva é a mais proeminente dessas mulheres e tem sido eleita regularmente desde 1986. A sub-representação de mulheres negras é similar à sub-representação geral de mulheres no Congresso e na política brasileira em geral. Esse quadro confirma que os líderes políticos no Brasil têm sido homens e brancos (Silva et al. 1997: 60:7).

Por que os negros são tão significativamente sub-representados no país? candidatos negros qualificados em número suficiente para concorrer aos cargos eletivos? Esses candidatos têm tido recursos adequados para promover campanhas efetivas? Poucos estudos têm se preocupado com essas questões (Valente 1986).

Aparentemente, não tem havido falta de candidatos negros ao Congresso, mas eles provavelmente sofreram de falta de recursos e fizeram campanhas ineficientes, considerando que as campanhas eleitorais brasileiras podem estar entre as mais caras do mundo (Fleisher 1993; Mainwaring 1995: 381). Alguns estudiosos e políticos têm apontado que a supremacia dos brancos e o racismo podem produzir um eleitorado menos inclinado a votar em negros (Silva et al. 1997: 61-2; Twine 1998: 62-3). Somente a realização de mais pesquisas poderá ajudar a explicar a sub-representação de negros no Congresso.

A experiência dos negros no Congresso As atividades de negros no Congresso Brasileiro ficaram comprometidas com a transição para a democracia política ocorrida nos anos de 1980 e 1990. Nas eleições de 1982, o regime militar permitiu a realização de eleições multipartidárias pela primeira vez desde 1965. Apesar da manipulação autoritária do processo eleitoral, a oposição, sob a liderança de Ulysses Guimarães (PMDB São Paulo), ganhou o controle da Câmara dos Deputados, mas um militar, o general João Figueiredo, continuava sendo o presidente, e um novo partido pró-militar, o PDS, controlava o Senado. Dessa forma, o dilema dos líderes da oposição no Congresso era como continuar e aprofundar o processo de democratização sem causar o abandono da transição e recrudescimento do autoritarismo (Fleisher 1988). A situação dos negros no Congresso era ainda pior durante esse período, uma vez que eles tendiam a pertencer a partidos políticos em radical oposição ao conservador regime militar, como o PT e o PDT, obrigando-os a serem cuidadosos em seus discursos, apresentação de projetos ou investigação de problemas.

A natureza da representação racial no Congresso tem inibido a tramitação da legislação voltada para a população negra e a criação de uma frente negra entre seus representantes. Os representantes negros são poucos não apenas em relação à composição total do Congresso, mas também em seus próprios partidos ' esse tem sido o caso em cada sessão legislativa desde o começo dos anos 1980. Além disso, a alta representação de negros no PT os tem isolado das lideranças do Congresso, uma vez que, no cenário brasileiro, o PT é um partido radical de esquerda (Keck 1992; Mainwaring 1995: 379-82).

O senador Abdias do Nascimento (PDT Rio de Janeiro), político e líder ativista negro por mais de cinqüenta anos, tem usado seu mandato parlamentar para registrar a posição subordinada dos negros no Brasil, propor legislações que penalizem a discriminação racial, promover programas de ação afirmativa e estabelecer um feriado nacional negro, entre outras iniciativas. Embora seus projetos legislativos raramente tenham sido aprovados, Nascimento usou o Congresso para educar seus colegas congressistas, negros brasileiros e todos os brasileiros em nome da população negra.

Eu sempre digo que eu fui o primeiro deputado negro no Congresso [...]no sentido de consciência. Eu estava defendendo a causa [negra]como minha prioridade, é isso que eu estou fazendo aqui (Nascimento 1994).

Como deputado federal na 47a. Legislatura, Abdias do Nascimento denunciou o racismo brasileiro, o mito da democracia racial e a pobreza generalizada dos negros. Seus discursos e propostas foram editados pela Câmara em uma coletânea de seis volumes, intitulada Combate ao racismo. Por sua ênfase no tema do racismo, Nascimento foi capaz de concentrar suas atividades e provocar seus colegas. Em 21 de março de 1985, para a frustração de um de seus colegas deputados, argumentou que o racismo era tão onipresente na sociedade brasileira que os afro-brasileiros viviam em condições mais opressivas que os negros nos Estados Unidos ou na África do Sul. O deputado conservador Gerson Peres (PDS Pará) interrompeu o pronunciamento dizendo que no Brasil não existia discriminação racial, embora ele admitisse a existência de preconceito social.

Uma acalorada discussão se seguiu entre os dois deputados (Nascimento 1985: 15- 21). Esse tipo de contestação, contudo, não deteve Abdias do Nascimento, que em geral usou seu gabinete de deputado federal para articular politicamente algumas posições-chave de grupos do movimento negro.

Os negros raramente foram ou são líderes no Congresso ou nos partidos. Como sabemos, o Congresso Nacional é organizado ao longo de linhas partidárias, apesar do alto grau de autonomia individual de seus membros (Baaklini 1992: 39- 55; Mainwaring 1995; Ziker 1995; Desposato 1997). Antigüidade e serviços ao partido são os dois fatores-chave para a seleção de líderes congressistas, e quase todos os parlamentares negros do Congresso foram eleitos pela primeira vez somente nos anos de 1980 ou 1990, enquanto a maioria dos líderes congressistas brancos tem vários anos de experiência. Ulysses Guimarães, por exemplo, foi eleito para a Câmara pela primeira vez nos anos 1950. Assim, os políticos negros não têm experiência a nível nacional e ainda não alcançaram posições de liderança dentro de seus partidos, não exercendo maior influência na definição de suas agendas políticas e legislativas (Silva et al. 1997: 53- 81).

A 48a Legislatura teve a responsabilidade de escrever uma nova constituição.

Embora o número de negros eleitos tivesse mais que duplicado, eles ainda perfaziam apenas 3% do Congresso. Embora Abdias do Nascimento não tenha sido reeleito, vários novos deputados negros, incluindo Carlos Alberto Caó, Benedita da Silva e Paulo Paim, continuaram e expandiram sua atividade parlamentar através do compromisso com a luta contra o racismo e em favor dos negros empobrecidos. O deputado Carlos Alberto Caó se concentrou em aprovar legislações que tornassem ilegal a discriminação racial. Ele e a maioria dos ativistas negros acreditavam que a Lei Afonso Arinos de 1951 era inútil porque não podia ser aplicada: a intenção racista tinha de ser provada e, ainda que o fosse, a penalidade ou multa era mínima. A deputada Benedita da Silva usou sua energia para descrever a difícil vida das mulheres negras e pobres e propor uma legislação que melhorasse sua condição (Silva 1988). O deputado Paulo Paim, um dos líderes sindicais negros na Câmara, trabalhou no sentido de melhorar o emprego e as condições de vida de negros e outros trabalhadores (Paim 1997).

Esses e outros parlamentares foram bem-sucedidos em aprovar, na nova constituição, uma lei que tornava o racismo explicitamente ilegal (artigo 5o., seção 42) e delineava vários direitos e garantias socioecnoômicas (Título 8, Da ordem social).

A Assembléia Constituinte, entretanto, mostrou que, à medida que cresceu o número de representantes negros, cresceu também a diversidade de suas opiniões em questões socioeconômicas fundamentais. Essa realidade pode ser demonstrada na nota que o Departamento Inter-sindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), uma organização de pesquisa e lobbyem assuntos sindicais, deu aos deputados com base em seus votos em dez questões de importância para os trabalhadores (cf.

tabela_3). A nota dez indica a pontuação máxima em favor dos interesses dos trabalhadores, e zero a pontuação máxima contra eles.

A avaliação dos parlamentares negros é em parte semelhante à divisão geral entre as coalizões conservadora e progressista dentro da Assembléia, a primeira representada pelo Centrão e a segunda pelas forças de esquerda e nacionalistas (Fleisher 1990).

Na 49a Legislatura, alguns parlamentares negros defenderam a necessidade de uma ação unitária e coordenada no enfrentamento da situação de empobrecimento e desigualdade dos negros no Brasil (Hasenbalg 1979; Silva 1985; Lovell 1994).

Benedita da Silva liderou esses esforços durante seu segundo mandato como deputada federal (1991-95), organizando encontros formais e informais em sua residência e iniciando conversas pessoais com os parlamentares negros no Congresso a fim de promover a idéia de uma convenção de congressistas negros.

Ela não teve sucesso em formalizar o grupo, em parte por causa da grande diversidade partidária e ideológica dos negros no Congresso. Os 16 parlamentares negros da Câmara dos Deputados nessa época seguiam orientações políticas tanto conservadoras, liberais e de centro quanto social-democratas, socialistas e comunistas, e representavam sete partidos políticos. Além disso, alguns deles tinham sentimentos ambíguos em relação à sua própria identidade racial (Vigilante 1994).

O PT possuía marxistas-leninistas como o deputado Carlos Santana, que acreditava que o capitalismo era um sistema econômico fundamentalmente injusto, enquanto o PFL tinha neoliberais como Rubem Bento, que apoiava o capitalismo com mínima intervenção do Estado na economia. Apesar de se identificaram como brasileiros de ascendência africana, esses políticos tinham visões políticas radicalmente diferentes sobre as mudanças necessárias para ajudar o país e sua população negra. Carlos Santana acreditava que a classe era mais importante que a raça para a organização política e de política pública, embora reconheça que elo entre raça e classe em termos das chances de vida dos afro-brasileiros (Santana 1994). Rubem Bento, ao contrário, rejeita a raça como base legítima de organização política ou mesmo uma questão política importante (Bento 1994).

Conseqüentemente, a combinação de visões socialistas e visões racialmente conscientes de alguns membros do PT, como Benedita da Silva, tem sido em última análise incompatível com as perspectivas moderadas e não raciais de membros do PFL como Rubem Bento.

O deputado afro-brasileiro Chico Vigilante confirma a dificuldade de criar um fórum negro.

Você pode abordar a questão ao nível da representação que nós temos aqui. Tome o alto comando das forcas armadas. Eu não sei se algum general negro em posição de comando nas forças armadas. Em um país em que a maioria é negra, mais de 50% do país é negro, e o alto comando não tem [nenhum negro]. Você toma as eleições presidenciais. Você não um candidato negro disputando as eleições presidenciais. A bancada negra aqui é muito pequena. E além de tudo, não é unida. Eu acho que a questão racial está acima de ideologia, independente de partido [...] Benedita da Silva tentou de todas as formas [...]. Mas a coisa não foi adiante porque as pessoas não aceitam sua negritude (Vigilante 1994).

Apesar dessas dificuldades, a 50a. Legislatura tinha alguns dos mais proeminentes líderes políticos negros do país, inclusive Abdias do Nascimento e Benedita da Silva, ambos senadores, e os deputados Paulo Paim e Luiz Alberto.

Esses líderes renovaram esforços para criar um fórum negro, e embora tenham sido realizados alguns encontros no Congresso, não foi criada nenhuma estrutura organizacional formal.

Ao mesmo tempo, iniciava-se um debate nacional sobre raça e política pública, do qual os principais parlamentares negros do Congresso foram participantes ativos. Em 20 de novembro de 1995, ativistas negros de todo o país mobilizaram milhares de pessoas na capital federal para marcar os trezentos anos de aniversário da morte do herói afro-brasileiro Zumbi dos Palmares (Cardoso 1996). No mesmo momento, o deputado Paulo Paim apresentou seu projeto (Projeto de Lei n. 1.239) de reparação no valor de R$ 102.000,00 para cada descendente de escravos no Brasil (Paim 1997 44:5). Em um evento paralelo, o presidente Fernando Henrique Cardoso criou um grupo interministerial de trabalho para desenvolver políticas públicas que melhorem a situação dos negros.

Finalmente, alguns ativistas e intelectuais negros que não eram parlamentares trabalhavam fora do Congresso para auxiliar parlamentares negros e informar a comunidade negra sobre vários acontecimentos. Os líderes do movimento negro Carlos Medeiros, do Rio de Janeiro, e Edson Cardoso, da Bahia, por exemplo, trabalhavam com o senador Abdias do Nascimento e o deputado Paulo Paim, respectivamente (Medeiros 1997; Cardoso 1997). Em 1996, Edson Cardoso e outros ativistas negros criaram um boletim chamado Irohin, especialmente elaborado para informar a comunidade negra sobre a legislação relevante, documentar e divulgar as atividades de parlamentares negros do Congresso e promover o interesse na política institucional e em política pública entre organizações do movimento negro (Irohin 1996: 1). Em 1997, Abdias do Nascimento criou a revista Thoth, como uma forma de se comunicar com sua base e dar cobertura adicional a vários desenvolvimentos históricos, políticos, culturais e econômicos relacionados à comunidade afro-brasileira.

Conclusões Este artigo pretendeu demonstrar que os parlamentares negros do Congresso participam de forma significante das atividades políticas. Eles têm proposto legislações para criminalizar e penalizar severamente os atos de racismo e discriminação racial, para introduzir a história africana e afro-brasileira nas escolas públicas, para instituir programas de ação afirmativa e para prover a reparação dos descendentes de escravos, entre muitos outros projetos especificamente raciais, além de estarem usando o Congresso Nacional para educar o público sobre as condições afro-brasileiras. Alguns discursos de Abdias do Nascimento, por exemplo, foram essencialmente conferências sobre a história negra e a relação entre essa história e a realidade contemporânea dos negros.

Entretanto, vários fatores têm tornado esses esforços mais difíceis. Primeiro, os afro-brasileiros estão dramaticamente sub-representados no Congresso em relação a sua proporção na população brasileira. Pode-se dizer que eles têm muito trabalho a fazer, mas poucos trabalhadores. Segundo, os líderes negros mais ativos são membros do PT e PDT, partidos de esquerda, e em conseqüência geralmente não são parte da liderança do Congresso e tem grande dificuldade de obter apoio majoritário para suas propostas. Terceiro, os esforços para unir e formar um fórum negro têm sido inconclusivos devido à diversidade ideológica partidária. O deputado Chico Vigilante argumenta que também uma hesitação entre alguns parlamentares negros de aceitar sua própria negritude; isto é, sua identidade racial como negros e sua responsabilidade política como negros privilegiados de trabalhar para melhorar a situação da população negra.

Os estudiosos, especialmente cientistas políticos, devem investigar essas questões. Devido à sua sub-representação descritiva no legislativo, os negros estão claramente em grande desvantagem na distribuição de poder político e recursos econômicos no Brasil. As pesquisas em curso de Oliveira (1991), Guimarães (1995), Prandi (1996), Reichmann (1995) e outros intelectuais e ativistas negros ligados a universidades, centros de pesquisa e movimentos políticos irão expandir a compreensão sobre as questões básicas relacionadas à raça, representação e política no Brasil.

Nesse sentido, uma série de questões que exigem investigação. Os negros estão sub-representados também em cargos eletivos nos níveis estadual e municipal? Por que o Rio de Janeiro e o PT têm enviado mais políticos negros para o Congresso que outros estados e partidos políticos? O Rio de Janeiro e o PT também têm a mesma característica de eleger políticos negros nos níveis estadual e municipal? Por que os parlamentares negros do Congresso têm sido quase sempre homens, e não mulheres? O papel dos negros na política também precisa ser examinado de uma perspectiva internacional. Winant (1994) e Skidmore (1993a) têm perguntado se os Estados Unidos e o Brasil são ou não mais similares que diferentes em suas relações raciais. Skidmore observa que os estudiosos tradicionalmente enfatizam a dimensão bi-racial, negro-branco, das relações raciais nos Estados Unidos, salientando os aspectos multirraciais, negro-branco-mulato, das relações raciais brasileiras. Skidmore concluiu que os Estados Unidos podem estar se tornando crescentemente multirracial, enquanto o Brasil sinais de crescente bi-racialismo, e sugere mais pesquisas sobre desigualdade racial, discriminação e identidade.

Os especialistas devem também estudar e comparar a política racial nesses dois países, como por exemplo o papel que dos negros na política legislativa, presidencial e judicial do século XX. Embora três trabalhos recentes (Walters 1993; Minority Rights Group 1995; Moore et al. 1995) forneçam novas e importantes informações sobre a atividade política negra, mais análises comparativas são necessárias, principalmente sobre a situação política negra na América Latina, em especial naqueles países nos quais os negros formam uma proporção visível e substantiva da população: Brasil, Colômbia, Cuba, República Dominicana, Equador, Estados Unidos e Venezuela (Hasenbalg 1996; Wade 1997). O enfoque sobre política e negros ajudará a colocar a raça e o processo político brasileiro no apropriado contexto nacional e internacional.

Notas 1 . Artigo publicado originalmente em Journal of Interamerican Studies and World Affairs, 40 (4). Pelas discussões iniciais e pela pesquisa sobre esse assunto, agradeço ao professor Gil Shidlo. Pelos comentários às versões prévias deste artigo, agradeço à professora Luiza Bairros, Kim Butler, Ken Conca, Rosana Heringer, Bolívar Lamounier, Rebecca Reichmann, Eric Uslaner, Ernest Wilson e colegas da Brazilian Studies Association. A University of Maryland em College Park proporcionou apoio crítico através de seu comitê sobre África, África nas Américas e Conselho Geral de Pesquisa. Agradecimentos especiais aos assistentes de pesquisa Pam Burke e Wen-Heng Chao.

2.

Wade observa que falar sobre ‘negros', ‘índios' e ‘raça' na América Latina, ou mesmo em qualquer outro lugar, é em si mesmo problemático. Aceita-se em geral que ‘raças' são construções raciais, definições categóricas baseadas em um discurso sobre aparência física ou ancestralidade. Essa não é uma definição universalizante que seja boa para todos os lugares e tempos, porque o que conta como relevantes ‘diferenças físicas' ou relevante ‘ancestralidade' é longe de ser auto-evidente(Wade 1993: 3).

3.

Deve-se notar que Lamounier escreveu sobre raça, classe e política no Brasil (Lamounier 1968), e também participou de uma pesquisa comparativa sobre política brasileira e sul-africana (Lamounier 1993: 3).

4.

Fundado em 1944, o TEN se tornou o grupo teatral negro mais importante do país no período após a Segunda Guerra Mundial. Suas apresentações desafiaram os estereótipos raciais brasileiros e deram aos negros trabalhadores e pobres no Rio de Janeiro uma auto-imagem positiva. Além disso, o fundador do TEN, Abdias do Nascimento, assiduamente debatia na mídia com as elites brancas do Brasil.


Download text