Raça, etnicidade e origem nos censos de EUA, França, Canadá e Grã-Bretanha
Introdução
Vários são os países que incluem nos seus levantamentos estatísticos a
classificação dos seus habitantes segundo a sua origem étnica e/ou racial. Com
populações crescentemente diversificadas na sua composição, fruto de processos
mais ou menos recentes de imigração, de aportes variados desde a sua fundação
como Estado-nação, e da contribuição forçada pelo tráfico escravo e a
experiência colonizadora, a identificação das imprecisas fronteiras étnico-
raciais apresenta não poucos desafios conceituais e metodológicos. Todavia, a
estes processos se acrescenta que a construção social das identidades étnico-
raciais é, por sua vez, informada pela maneira como os aparelhos estatísticos
codificam os respectivos grupos. Nesta encruzilhada de definição de categorias
pretensamente científicas ' e as classificações resultantes ' com os interesses
de grupos específicos no seio da população, se expressa o caráter eminentemente
político da operação censitária, tanto na sua acepção de meio adjuvante à
gestão da polis, como na concepção aristotélica de ordenamento das diversas
partes que compõem uma comunidade (Skerry, 2001).
A proposta deste trabalho é a de expor, resumidamente, as maneiras como, nos
recenseamentos, são classificadas por raça/etnicidade as populações de quatro
países com histórico de povoamento bastante diferenciado. Há que se ressaltar
que na América Latina, mesmo nos países que têm experimentado considerável
aporte de africanos pelo tráfico colonial, além de contar com povos autóctones
no seu território, que apresentam, portanto, processos históricos de
miscigenação, não se registra inclusão de quesitos relativos à cor ou à origem
étnica das suas populações. Como duas exceções, os casos da Colômbia e do
Uruguai aparecem realizando uma pesquisa por amostra específica sobre a cor, o
primeiro, e um suplemento para estimar a origem étnica da população das áreas
urbanas, o segundo.
Cabe anotar que o presente levantamento se beneficiou, na sua realização, pela
utilização ampla dos recursos da Internet, acessando as páginas das
instituições estatísticas dos respectivos países, de institutos de pesquisa e
de universidades. Em particular, esta foi a forma pela qual fac-símiles dos
questionários dos diferentes censos estudados foram obtidos.
I. Histórico dos Censos nos EUA: Da Escravidão à Multirracialidade
A classificação da população segundo categorias raciais tem aparecido
regularmente em cada recenseamento decenal norte-americano, desde 1790. A
relevância social e política da mesma é ilustrada pela publicação, até o ano de
1840, da combinação das categorias raciais com a distinção pela condição civil
(livre-escrava) da população (Nobles, 2000). Como o propósito da contagem
populacional era basicamente político ' estabelecer a quantidade de
representantes para o Congresso nacional por estado da federação, além de
estimar o montante dos impostos federais ' o debate acerca de se e como
deveriam ser contabilizados os escravos acompanhou desde o início esta operação
(Gould, 1998). Os representantes sulistas no Congresso defendiam que eles
fossem plenamente considerados como indivíduos, enquanto os nortistas marcavam
sua posição contrária, fundamentando-se na aparente contradição de contá-los da
mesma forma que pessoas brancas livres.
O compromisso a que se chegou na época, de contar os escravos como três quintos
de uma pessoa ' constante na Constituição ' ilustra bem a encruzilhada jurídica
em que se encontravam os delegados federais, reflexo da ambigüidade legal de
considerar os mesmos, parte como indivíduos, parte como propriedade.
O desenvolvimento das doutrinas racialistas no século XIX leva a incorporar a
categoria "mulatto" à classificação racial, pela primeira vez, em
1850, tendo sido mantida a mesma até o recenseamento de 1920. O poligenismo e
seu essencialismo inerente, então em voga nos EUA, opositor das idéias cristãs
da origem comum da humanidade, tinha especial interesse no estudo
"científico" ' segundo a época ' da miscigenação e das supostas
conseqüências de infertilidade, ou, ao menos, da menor capacidade reprodutiva,
das diferenças raciais consideradas permanentes em relação aos ancestrais de
raças "puras" e da maior mortalidade aparente da população de origem
africana.
O censo de 1890 acrescenta na classificação racial as categorias de
"quarterons" e "octoroons", à de "mulatto". Nos
fundamentos da inclusão desta diferenciação figura a necessidade de esclarecer
com informações estatísticas a questão de se estes produtos da miscigenação
estavam diminuindo sua participação na população do país e de se a raça negra
estava se tornando mais pura. Não houve, entretanto, tabulações contendo estas
categorias naquele ano, não constando mais nos censos que seguiram.
O conteúdo do boletim do censo de 1930 expressa o resultado da convergência
entre a lei, o estado da ciência e a opinião prevalecente na sociedade da época
no que diz respeito à aceitação da regra de "one-drop" de pertença
racial. Assim, as categorias intermediárias de cor foram removidas e as
instruções para o preenchimento do censo seguiam a definição jurídica: qualquer
pessoa com algum traço de "sangue negro" era considerada legalmente
negra; a noção de ancestralidade aparecia, assim, eufemisticamente. A
legislação marcava rigidamente as fronteiras raciais e sancionava a
miscigenação e até as relações sexuais inter-raciais em alguns estados.
Só em 1960 foram retiradas as referências ao "sangue" nas instruções
censitárias, mantendo, entretanto, a definição de pessoa negra como qualquer
uma com um parente negro dentro de uma categorização exclusiva, ou seja, sem
incluir qualquer possibilidade de se identificar como de origem mista, ou
mestiço. Foi também nesse mesmo ano que a auto-identificação de cor suplantou a
classificação pelo entrevistador, visando o aspecto subjetivo da declaração. Na
Tabela_1, tomada do livro de Melissa Nobles (2000), pode-se apreciar a evolução
das categorias censitárias nos EUA.
I.1 As modificações recentes
Em 1977 o Office of Managment and Budget (OMB), definiu os "Race and
Ethnic Standards for Federal Statistics and Administrative Reporting" na
"Statistical Policy Directive nº 15", conhecida como Directive 15,
com a finalidade de melhor acompanhar a legislação vigente de direitos civis,
uniformizando a classificação racial das pessoas nas agências federais. Desta
maneira, 5 categorias foram instruídas; elas são, resumidamente: American
Indian, Asian, Black, Hispanic e White. Assim, a referência às origens,
culturais ou nacionais, na definição destas categorias, põe em relação a idéia
de raça com um marcador geográfico.
Críticas diversas sobre a adequação destas categorias levaram a uma revisão
ampla da classificação étnico-racial da população. Após as mudanças legais e
políticas ocorridas a partir dos anos 60 com o Movimento dos Direitos Civis, o
Census Bureau e a OMB se abriram ao público, tornando seus procedimentos
decisórios e métodos estatísticos mais transparentes. Sessões públicas foram
realizadas durante os anos 80 e principalmente os 90, discutindo sugestões
específicas e definindo as linhas gerais da revisão.
Em 1994 foi estabelecido o Interagency Committee for the Review of Racial and
Ethnic Standards, incluindo representantes de 30 agências federais, que
analisou os resultados de três pesquisas amostrais:
1. Suplemento do Current Population Survey de maio/95;
2. National Content Survey de dezembro/96; e
3. Race and Ethnic Targeted Test (RAETT) de 97.
Nesta terceira pesquisa foram utilizadas amostras específicas das populações-
alvo: Black, American Indian, Alaska Native, Asian and Pacific Islander,
Hispanic and White Ethnic. Assim, as amostras selecionadas por áreas de alta
densidade habitacional das categorias a serem estudadas foram maiores que se
tivessem sido tiradas como subpopulações de uma amostra nacional. No entanto,
como desvantagem, as amostras não se prestaram a inferências para níveis de
agregação maiores.
Em resumo, o RAETT se propõe a:
1. determinar os efeitos de permitir respostas múltiplas no quesito
raça;
2. determinar os efeitos de perguntar pela origem hispânica antes da
pergunta de raça;
3. verificar os resultados de combinar as questões sobre origem
hispânica, raça e ancestralidade em um quesito em duas partes; e
4. testar terminologias alternativas, classificações e formatos do
quesito raça.
Em relação à questão das respostas múltiplas, a pesquisa permitia responder,
alternativamente, ou uma categoria "multirracial" separada com espaço
para especificação, ou "marcar uma ou mais", ou "marcar tudo o
que se aplique".
Estas opções refletem a preocupação pública com o aumento da diversidade racial
e étnica da população, derivada, por um lado, do incremento dos casamentos
inter-raciais (em 1990, 1,5 milhões) e, por outro, com a crescente imigração
mais recente e que a Directive 15 não era capaz de medir.
Apesar de algumas expressões de inquietude de estatísticos e demógrafos com uma
possível ruptura da comparabilidade de séries históricas das informações sobre
raça, além da oposição de comunidades étnicas que temiam pela diminuição dos
seus efetivos, a OMB e o Census Bureau se mostraram receptivos a estas
demandas.
I.2 Alguns resultados relevantes da RAETT
' Uma proporção considerável de entrevistados escolheram múltiplas respostas,
mesmo quando não requeridos, e apesar das instruções para marcar só uma
resposta. Isto ocorreu em panels com ou sem a categoria multirracial que estava
sendo testada.
' As opções de escolher mais de uma raça não afetou os percentuais de respostas
de só White ou só Black ou só American Indian.
' Só entre 2 e 3% das respostas nas amostras de White e de Black incluíram mais
de uma categoria de raça.
I.3 Declarando mais de uma raça: a controvérsia
Um grupo relativamente pequeno, mas crescente, expressou sua preocupação na
limitação de ter que se identificar só com uma categoria racial ou com ter que
declarar "outra raça", como no censo de 1990.
Propostas de declarar mais de uma categoria racial se fundamentavam em que o
sistema atual requer das pessoas com background racial múltiplo negar parte da
sua herança étnica e até, talvez, de ter que escolher uma entre as raças de
seus pais. Acharam também, por outro lado, a alternativa de declarar
"outra raça" humilhante. Há de se fazer notar que os dados
censitários indicam um crescimento de crianças de famílias inter-raciais de ½
milhão, em 1970, até 2 milhões, em 1990.
Opositores a abrir para respostas múltiplas no quesito raça temem mudanças
importantes na atual contabilidade de categorias raciais e étnicas da
população, além de, como já foi falado, se preocuparem com a possibilidade de
as séries históricas desses dados tornarem-se descontinuadas.
Também foi argumentado que, embora seja pequeno o percentual estimado de
identificação com mais de uma raça, o fato de proporcionar essa oportunidade
separadamente no censo pode provocar um aumento do mesmo. Por isso, foi
sugerido incluir a possibilidade de declarar por extenso as raças de
identificação, e até de optar por uma identificação primária.
I.4 O Recenseamento de 2000
Dando continuidade a mais de dois séculos de inclusão das categorias raciais, o
censo do ano 2000 apresenta, entretanto, algumas modificações de importância
que refletem a discussão anterior, incorporando resultados das pesquisas
referidas. A mais significativa corresponde ao fato de ser oferecida a opção de
escolher uma ou mais categorias para indicar sua identidade racial.
Institucionaliza-se, assim, a idéia de crescimento do "fenômeno"
multirracial na sociedade norte-americana, nas palavras do Interagency
Committee, mas sem proporcionar uma definição do mesmo. Desta maneira, a ação
das organizações multirraciais, desde a Marcha de Washington, em 1996, até as
variadas intervenções nos organismos governamentais, conseguiu algum resultado
de seus esforços, mas sem satisfazer a reivindicação principal: incluir uma
categoria separada para os que se identificam com uma origem múltipla.
A história da categorização racial nos EUA mostra os recenseamentos como a
arena em que as idéias sobre raça são trabalhadas, e as categorias construídas
e aplicadas às políticas públicas, uma projeção da concorrência e competição
das relações interétnicas e raciais ou, nas palavras de P. Simon, uma
teatralização estatística da luta pelo reconhecimento das minorias étnicas do
país, como é exemplificado pela categoria "Hispanic".
Assim "Race" e "Hispanic Origin" são considerados como dois
conceitos separados e distintos. O censo 2000 perguntou, por um lado, se a
pessoa era Spanish, Hispanic ou Latino e, por outro, sobre a raça ou raças a
que ela considerava pertencer, permitindo assinalar "uma ou mais" das
opções apresentadas. Com estas mudanças, as informações sobre raça não são
diretamente comparáveis com o censo de 1990, nem com anteriores. Como é
sinalizado de forma não isenta de crítica por alguns comentaristas, o número de
combinações possível, a partir das seis básicas ' incluindo "Some other
race" ', sobe para 63, que cruzadas com a de origem hispânica geram 126
combinações possíveis (Prewitt, 2001). Mas isto não passa de uma especulação
teórica sobre os resultados possíveis.
A forma como as duas perguntas são realizadas no recenseamento é a seguinte:
®NOTE: Please answer BOTH Questions 5 and 6.
5. Is this person Spanish/Hispanic/Latino? Mark x the "No"
box if not Spanish/Hispanic/Latin
No, not Spanish/Hispanic/Latino
Yes, Mexican, Mexican-Am.,
Chicano
<formula/> Yes, Puerto Rican
<formula/> Yes, Cuban
<formula/> Yes, other Spanish/Hispanic/
Latino ' Print group.<formula/>
Os resultados mostram que 12,5% da população total respondeu afirmativamente ao
quesito Spanish/Hispanic/Latino.
Em relação às categorias de raça utilizadas no recenseamento de 2000,
estabelecidas pela OMB em 1997, as mesmas figuram no Quadro_1, a seguir. A
pergunta sobre raça é realizada da maneira seguinte:
III. What is this person's race: Mark x one or more races to indicate
what this person considers himself/herself to be.
Um relatório preliminar do Census Bureau ressalta que a imensa maioria da
população norte-americana declarou só uma raça: 97,6% das respostas se
distribuíram entre as cinco categorias raciais, correspondendo 75,1% à
categoria White, seguida pela Black ou African-American, com 12,3%. Apenas 2,2%
assinalaram duas raças e menos de 0,2% marcaram três raças ou mais.
I.5 Origem e línguas faladas
Um outro conjunto de questões, aplicado só na amostra do censo, diz respeito à
origem da população, naturalidade, cidadania e línguas faladas. Visto que o
componente de migrantes e de seus filhos na população vinha caindo
proporcionalmente desde o início do século XX (de 35% em 1910 passou para 16%
em 1970) (Simon, 1997), uma forma alternativa ao registro do lugar de
nascimento dos indivíduos e de seus pais teve que ser desenvolvido. Foi assim
que em 1980 apareceu a noção de "ancestry" (literalmente,
ascendência), no censo, levantando a nacionalidade ou país de origem do último
ancestral nascido fora dos EUA. Este quesito aponta para uma melhor
caracterização dos "hyphenated americans", ou seja, aqueles que
combinam algum tipo de origem étnico-geográfica com a sua identificação como
americanos (do tipo ítalo-americano), assim como daqueles que se identificam
como tendo mais de uma origem (por exemplo, franco-irlandês). Esta forma de
identificação reconhece, por outro lado, que a identidade étnica pode não se
limitar às primeira e segunda gerações de imigrantes, dando espaço à expressão
de representações subjetivas identitárias. Suplementos do Current Population
Survey em 1969 e 1979 foram usados para testar os quesitos abertos sobre a
ascendência dos entrevistados.
A pergunta foi realizada da forma seguinte:
10. What is this person's ancestry or ethnic origin?
(For example: Italian, Jamaican, African-Am., Cambodian, Cape
Verdean, Norwegian, Dominican, French-Canadian, Haitian, Korean,
Polish, Nigerian, Mexican, Taiwanese, Ukranian, and so on.)
Seguidamente, os quesitos sobre língua falada em casa e domínio da língua
inglesa permitem localizar populações com dificuldades de comunicação em
inglês, contribuindo para delimitar as áreas em que metas de educação,
assistência sanitária e voto devem ser atendidas em línguas minoritárias,
segundo o Voting Right Act, o Adult Education Act, o Older Americans Act, etc.
Os quesitos foram formulados assim:
11. a. Does this person speak a language other than English at home?
III. Yes
<formula/> No ® Skip to 12
b. What is this language?
(For example Korean, Italian, Spanish, Vietnamese)
c. How well does this person speak English?
<formula/> Very well
<formula/> Well
<formula/> Not well
<formula/> Not at all well
Finalmente, a série de quesitos sobre lugar de nascimento, cidadania e ano de
entrada no país, incluídos nos recenseamentos desde meados do século XIX, dão
continuidade ao levantamento de informações que permitem separar a população
nativa da nascida no exterior. As mesmas possibilitam, também, distinguir entre
aqueles que detêm a cidadania norte-americana por serem naturais do país, por
terem nascido de ao menos um progenitor norte-americano ou por naturalização, e
separar os que não são cidadãos dos EUA. Os quesitos figuram da seguinte
maneira:
12. Where was this person born?
<formula/> In the United States ' Print
name of state
<formula/>Outside the United States '
Print name of foreign country, or Puerto Rico, Guam, etc.
13. Is this person a CITIZEN of the United States?
<formula/> Yes, born in the Unites States
® Skip to 15a
<formula/> Yes, born in Puerto Rico,
Guam, the U.S. Virgin Islands, or Northern Marianas
<formula/> Yes, born abroad of American
parent or parents
<formula/> Yes, a U.S. citizen by
naturalization
<formula/> No, not a citizen of the
United States
14. When did this person come to live in the
United States? Print numbers in Boxes.
Year
II. Os Recenseamentos na França: Da Nacionalidade à Origem Étnica
A inclusão, no recenseamento da população, de um quesito relativo à
nacionalidade dos habitantes neste país remonta ao ano de 1851. Abandonado
provisoriamente em 1856, a pergunta reaparecerá seguidamente, sem
descontinuidade, até finais do século XX.
A tripla classificação utilizada diferencia a nacionalidade segundo as
categorias: francês de nascimento; francês por naturalização; e estrangeiro. Em
1962 é adicionado um quesito sobre a nacionalidade ao nascimento dos franceses
por aquisição, e entre 1954 e 1968 aparece transitoriamente a categoria
"francês muçulmano".
Esta característica de estabilidade de mais de um século na classificação se
vê, entretanto, relativizada por inflexões no tratamento das informações
censitárias e por sua relação com os estatutos jurídicos das categorias.
Assim, entre 1926 e 1946, um volume com mais de 350 páginas apresenta as
tabelas detalhadas do perfil dos estrangeiros por departamento francês. Após um
período de ausência, o interesse pela "nacionalidade" ressurge com o
censo de 1968, tendo em vista o aumento da população de origem estrangeira no
país que se segue ao processo de descolonização (Simon, 2001). A partir do
recenseamento de 1975, as variáveis nacionalidade, nacionalidade anterior (para
os franceses por aquisição) e lugar de nascimento terão sua presença garantida
junto com as de caracterização de base da população tais como, sexo, idade e
ocupação.
II.1 O Censo de 1999
Na classificação por nacionalidade, a população do país é distribuída em dois
grandes grupos: francês e estrangeiro.
Em algumas tabelas, a distinção entre os franceses é feita segundo:
a. Francês de nascimento (incluindo por reintegração) e
b. Francês por aquisição (por naturalização, casamento, declaração ou
maioria de idade).
A população estrangeira é definida de acordo com um critério de nacionalidade:
é estrangeiro toda pessoa residente na França que não tem nacionalidade
francesa. Um estrangeiro pode adquirir a nacionalidade francesa de acordo com
as possibilidades oferecidas pela legislação; ele torna-se francês por
aquisição.
Entre os estrangeiros que se encontram na França na hora do censo, só são
contados aqueles que têm residência permanente na França e que trabalham ou
estudam no país (trabalhadores permanentes, estagiários, estudantes, assim como
também a família deles, se corresponder), à exceção dos trabalhadores sazonais
e dos trabalhadores de fronteira. Além disto, não são contados os estrangeiros
do corpo diplomático, mas o pessoal estrangeiro (administrativo, técnico ou de
serviço) de embaixadas que residem de modo permanente na França o são. Não são
contados os turistas nem qualquer pessoa tendo na França uma permanência de
curta duração.
A forma como a pergunta é feita no censo é a seguinte:
QUELLE EST VOTRE NATIONALITÉ:
* Française
Vous êtes né(e) français(e)......................................[/img/
revistas/eaa/v24n3/a05img01.gif] 1
Vous êtes devenu(e) français(e) par
naturalisation,déclaration à votre majorité ou par
manifestation de volonté, etc..................................... [/img/
revistas/eaa/v24n3/a05img01.gif] 2
* Étrangère...............................................................
<formula/> 3
Indiquez votre nationalité:
II. 2 Da nacionalidade à origem étnica
Privilegiando as categorias jurídico-administrativas para a classificação da
população em censos e registros, segundo sua origem geográfica, a instituição
estatística francesa parece respeitar uma definição "objetiva" da
identidade dos indivíduos.
Mas a complexidade do código da nacionalidade, particularmente no caso de
cidadãos de antigas colônias francesas e de filhos de pais estrangeiros
nascidos na França, combinada com a utilização corrente do termo
"estrangeiro", diminui significativamente a pretensão de objetividade
no uso deste termo.
A categoria "imigrante" foi proposta por M. Tribalat (1989),
procurando resolver as tensões derivadas das imprecisões da categoria
estrangeiro, sendo definido da maneira seguinte: imigrante é toda pessoa
nascida estrangeira no exterior e residente na França (Tribalat, 1996). Assim,
alguém identificado como de nacionalidade estrangeira pode adquirir a
nacionalidade francesa durante sua estada no país, mas continuará sendo um
imigrante.
O que torna, entretanto, incompleta esta tentativa de substituição do antigo
termo utilizado é a crescente "etnicização" das relações sociais.
Assiste-se, atualmente, a uma ampla difusão das classificações por origem
geográfico-cultural no espaço público, acompanhada de práticas de discriminação
étnicas nos diversos domínios: mercado de ocupações, habitação, educação,
serviços, etc. (Simon, 1998).
No contexto francês, o uso de eufemismos ou a rejeição ao uso de termos de
identificação étnicos pode representar uma outra forma de ocultação de relações
de poder. O modelo de integração dominante impõe uma invisibilidade nominal,
uma negação da alteridade, às "minorias étnicas" nacionais. O
cientista social, no intuito de um melhor conhecimento das relações
interétnicas no seio da sociedade receptora, se vê defrontado com o problema de
definir categorias que possam conduzir a uma identificação depreciativa dos
grupos de estudo. E isto se torna particularmente sensível no caso da produção
de estatísticas administrativas ou censitárias.
III. O Canadá e o "Multiculturalismo"
Desde o Ato da América do Norte Britânica, de 1867, o povoamento do Canadá se
inscreve na multidimensionalidade, não desprovida de conflitos, entre os
aportes desiguais das populações autóctones, dos "peuples fondateurs"
ou "founding races" e da imigração "allogène", indicando,
desta maneira, origens geográficas outras que francesa ou britânica (Simon,
1997). Assim, o levantamento da origem étnica dos habitantes pelo duplo
cruzamento entre lugar de nascimento ou nacionalidade e raça, por um lado, e
língua materna ou falada, por outro, ocupa um lugar preeminente nos
recenseamentos canadenses desde 1871 até 2001.
Se no início se verifica uma certa ambigüidade nas noções de raça e origem, a
partir de 1951 estas definições passam por importantes modificações, começando
pela adoção do critério geográfico de origem. Mais tarde, 1971 marca a passagem
para a auto-identificação étnica no momento do levantamento censitário,
caracterizando, por outro lado, a origem como o "grupo étnico ou cultural
ao qual pertencia o ancestral paterno [on the male side] na sua chegada ao
continente". Em 1981, a referência ao ancestral paterno é abandonada,
incorporando a noção de "raízes" no lugar da de "origem".
Em 1986, o esforço das "primeiras nações", ou populações autóctones,
para serem reconhecidas se reflete na eliminação da referência à "chegada
ao continente" na definição da origem étnica. O reconhecimento de uma
origem mais diversificada da população canadense se traduz também pela
aceitação de respostas múltiplas no recenseamento desde 1981, as quais pulam de
11% nesta data para 28% cinco anos mais tarde. As leis sobre a eqüidade do
acesso ao emprego, de 1986, e sobre o multiculturalismo, de 1988, homólogas às
políticas de ação afirmativa dos EUA, terão conseqüências sobre os dados
coletados nos recenseamentos. A noção de "minorias visíveis" passa a
ser utilizada, introduzindo a dicotomia "branco-não branco" na
classificação da população.
Em 1996, as modificações na forma da pergunta sobre origem étnica e no número
de exemplos de resposta incluídos no questionário tiveram incidência sobre a
comparabilidade histórica dos dados coletados. Os recenseados dispunham de
quatro espaços para indicar sua origem e 24 exemplos eram fornecidos, entre os
quais foi introduzido pela primeira vez o de "Canadien".
No recenseamento de 2001, sob o acápite de "Renseignements
Socioculturels", 13 perguntas são formuladas para classificar o recenseado
segundo o lugar de nascimento, a nacionalidade, se se trata de um imigrante, as
línguas maternas conhecidas e a(s) utilizada(s) em casa, a origem étnico-
cultural dos ancestrais e a religião, entre outras questões.
Após um século de evolução, a categorização dos grupos étnicos se viu
transformada de forma considerável. A origem se distingue da língua, perdendo a
referência à linhagem paterna e à chegada ao continente. Ela se orienta no
sentido de uma definição mais subjetiva, de uma identificação
"cultural" mais que de uma ascendência (Simon, 1997).
As perguntas 9 a 12 do questionário, abaixo transcritas, visam à caracterizar a
pessoa segundo seu lugar de nascimento, sua condição de cidadania, se se trata
de um imigrante e, neste caso, o ano de chegada ao Canadá.
A seguir, as perguntas 13 a 22 se referem às línguas faladas e à aprendida em
primeiro lugar, à ancestralidade e grupos étnicos de identificação, refletindo
a diversidade na composição étnico-racial do país.
IV. Grã-Bretanha: As Minorias Étnicas
Nos censos da Grã-Bretanha, o quesito sobre nacionalidade foi incluído desde
1841 até 1961, sendo que no início só foi aplicado às pessoas nascidas na
Escócia e na Irlanda e, entre 1851 e 1961, a pergunta permitia fazer tão-só a
distinção entre os indivíduos com nacionalidade britânica ou não. A
complexidade da definição legal do status da nacionalidade das pessoas
originárias no Commonwealth (distinção entre British subject e UK citizen), fez
com que este quesito não fosse apurado nos dados de 1961 e eliminado
posteriormente (Bulmer, 2001).
A segunda metade do século XX marcou um período de correntes imigratórias
crescentes nas ilhas Britânicas; de início originárias no Caribe, os fluxos
passaram a partir também de Índia, Paquistão, Bangladesh e alguns países
africanos. Em 1991, 3% da população eram de origem estrangeira.
Assim, a constatação recente na Grã-Bretanha de 1) a presença substancial de
membros de minorias étnicas distinguíveis em termos da coloração mais escura da
pele; e 2) da discriminação e desvantagens sofridas pelos mesmos no país, levou
o Inmigration and Race Relations Subcommittee a recomendar a inclusão de uma
questão relativa à origem étnica ou racial desde o início dos anos 1980
(Bulmer, 2000). Apesar de o Census Act, de 1920, permitir desde esse ano esta
investigação, a sua implementação só se viu efetivada no recenseamento de 1991.
Entretanto, desde 1975 o Office of Population, Census and Surveys desenvolvia
estudos metodológicos visando à enquadrar satisfatoriamente a questão da raça e
etnicidade na forma de auto-identificação. Em 1979 os resultados de testes
foram interpretados no sentido de não recomendar a inclusão, no Censo de 1981,
de uma pergunta sobre etnicidade (ibidem). O debate suscitado contemplava
problemas técnicos de confiabilidade e legitimidade, no sentido da delimitação
das fronteiras étnicas. Mas esta situação foi mudando ao longo dos 80,
chegando-se a uma ampla aceitação da questão sobre a pertença a um grupo étnico
minoritário no Censo de 1991. Até essa data, os censos levantavam só a
informação relativa à nacionalidade e lugar de nascimento da população. Mas o
conceito derivado dessas informações, "imigrante", não podia mais ser
aplicado às gerações subseqüentes, tendo sido substituído pelo de
"minorias étnicas".
Por outro lado, o modelo tradicional de assimilação britânico não era mais
aplicável aos migrantes mais recentes. Pertencentes a grupos étnicos
minoritários, eles mantêm diferenças visíveis, notadamente na cor da pele, que
faz com que continuem recebendo tratamento diferenciado e desvantagens sociais.
Assim, as estatísticas britânicas se racializam a serviço do cumprimento das
políticas contra a discriminação, reguladoras das "race relations". O
quesito 8 no formulário do censo de 2001 pergunta: Qual é seu grupo étnico? Os
cinco grupos de respostas possíveis são: Branco, Misto, Asiático, Negro e
Chinês, os quais, por sua vez, aparecem divididos em categorias étnico-raciais
ou nacionais, contando também com espaço para preencher com outras opções.
Entretanto, nem todas as questões envolvidas foram solucionadas com a inclusão
da pergunta. Persiste, ainda, uma inevitável fuzziness em torno destas
informações que deve ser reconhecida por quem os usa (idem).
Conclusões
Vimos como os institutos de estatística dos países aqui estudados têm envidado
esforços durante décadas, e até séculos, para conseguir, da melhor maneira
possível, elaborar uma taxonomia étnico-racial dos seus habitantes. Partindo
diferencialmente de noções como minorias étnicas, multiculturalismo, minorias
visíveis, origem étnica e linha de cor ou raça, chegou-se a definir
classificações que remetem, esquematicamente, a duas dimensões na sua forma de
aproximação: uma, que utiliza elementos pretensamente "objetivos" '
lugar de nascimento, lugar de nascimento dos pais, ancestralidade, língua
falada, etc.; outra, que privilegia uma declaração "subjetiva" de
sentimento de pertença a um determinado grupo (Poutignat e Streiff-Fenart,
1995).
Mas no que diz respeito aos fundamentos para que os recenseamentos incluam uma
classificação étnico-racial da população, pode se dizer que as razões "são
complexas, mutantes e sempre políticas" (Nobles, 2000). E esta é opinião
de consenso também entre outros estudiosos do tema (Bulmer, 2001; Marx, 1998;
Skerry, 2001; Simon, 2001). Entretanto, a operação estatística de contagem tem
sistematicamente apresentado a categorização racial como um procedimento
exclusivamente técnico, inscrita em uma tentativa de naturalização dos
atributos físicos que definiriam raça ou grupo étnico. Contudo, esta operação
"não constitui tão-só uma ferramenta na administração de benefícios
governamentais, mas também um instrumento do poder do estado e da
autoridade" (Skerry, 2001). Assim, como já houve épocas em que a
categorização racial da população serviu para instrumentar uma ordem social
segregacionista, hoje tem podido se colocar a serviço de políticas de direitos
humanos e ação afirmativa. Fornecendo as categorias legítimas de composição do
mundo social, o aparelho estatístico tende a delimitar a compreensão do mesmo
dentro de um quadro pré-construído, como resposta a preocupações de gestão e de
intervenção mais que de conhecimento (Simon, 1997).
Entretanto, problemas metodológicos e substantivos continuam questionando os
supostos nos quais as diversas tentativas de classificação têm-se baseado.
Estes questionamentos parecem derivar, em boa parte, da persistência nas
Ciências Sociais da confusão conceitual da noção de raça e da sua relação
freqüentemente ambígua com o conceito de etnia. Se na sua acepção acadêmica
atual o termo se distanciou definitivamente da concepção biológica originária
do século XIX, ainda é possível encontrar referências às características
físicas percebidas dos indivíduos como elementos definidores de realidade,
naturalizando, assim, estes atributos. Desta maneira, passa-se a escamotear o
fato de que as diferenças físicas qualificadas como significativas, aquilo que
é percebido como variações fenotípicas, são produto de uma construção social e
histórica determinada. Com efeito, não é qualquer característica física visível
percebida que foi racializada. O processo histórico de expansão colonial,
regime de escravidão e subseqüentes relações de dominação entre povos e nações,
outorgou significados específicos a determinados traços físicos, associando-os
posteriormente a expressões culturais. Assim é que se contextualizam as
relações entre grupos identificados como raciais ou étnicos nos diferentes
países e se produzem as diversas tentativas de classificação estatística dos
mesmos.
Paradoxalmente, talvez, a história da elaboração da mensuração das origens da
população nos recenseamentos norte-americanos, franceses, canadenses, e
britânicos põe em evidência, simultaneamente, a fragilidade destas categorias e
seu papel fundamental na representação das divisões do corpo social das
respectivas nações. A procura pelo relevamento de caracteres mais objetivos da
definição da origem, por exemplo, mostra as dificuldades em registrar a
referência dos ascendentes para determinação das raízes étnicas em virtude de
que a cada nova geração o número dos mesmos aumenta em proporção geométrica, 4,
8, 16, etc. Esta multiplicação de ascendentes se traduz, por um lado, em
crescentes dificuldades na tentativa de reconstituição de genealogias
individuais a partir dos dados de uma pesquisa demográfica e, por outro, na
ampliação das possibilidades de cruzamentos entre ancestrais dos grupos a serem
distinguidos (Simon, 1997). Estas dificuldades obrigaram à adoção de um sistema
de regras de interpretação das informações. Assim, a questão, de ordem prática,
da identificação da origem étnico-racial de um indivíduo a partir do conjunto
de referências que pode ser levantado em uma pesquisa, foi resolvido, até
recentemente, nos EUA, de forma assimétrica pela "one drop rule",
estabelecendo que a existência de um só ascendente negro tornava a pessoa
classificável como negra, negligenciando a eventualidade da miscigenação
(Forbes, 1990). A arbitrária categorização imposta por dois séculos nesse país
deve ter pesado nos resultados do recenseamento de 2000, quando só 2,4%
escolheram mais de uma resposta no quesito raça.
Mas, por outro lado, tem se constatado como etnicidade e raça continuam a ser
forças reais na vida social, econômica e política de diversos países. A
pertinência destas categorias se mostra até no fato de que aqueles que as
criticam não poderiam fazê-lo se as mesmas não existissem. Assim, por exemplo,
a argumentação de que o crescimento dos casamentos mistos iria apagar as
fronteiras raciais e étnicas só pode ser fundamentada nos dados que utilizam
esta categorização. Na falta destas informações, a opinião impressionistica e o
preconceito iriam preencher a ausência de conhecimento. O reconhecimento das
minorias étnico-raciais e a possibilidade de sua quantificação se associa à
disponibilização da informação necessária para realizar estudos sobre
desigualdade, assim como a colocação em prática de dispositivos de tratamento
diferencial e ações de discriminação positiva.
Finalmente, a predominância contemporânea na utilização da auto-identificação
étnica e racial, deixando à livre escolha do entrevistado sua expressão
identitária, significa que se está assumindo o caráter eminentemente subjetivo
das respostas na maioria dos países aqui estudados. Trata-se de uma definição
"ativa" da origem, que faz referência a um sentimento de identidade
étnica. Remete à evocação de um passado compartilhado, mesmo se miticamente
imaginado, que pode também ser fruto de mobilização étnica consciente.
Deve ficar claro, contudo, que a aceitação da necessidade das informações sobre
raça e etnicidade implica admitir, ao mesmo tempo, suas limitações e seu
posicionamento como eixo de "constantes manobras políticas que influenciam
sua coleta, interpretação e publicação" (Skerry, 2001).