A política da Igreja Universal e seus reflexos nos campos religioso e político
brasileiros
Este texto versa sobre a inserção da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD)
na política nacional e seus efeitos nos campos religioso e político.1 Meus
argumentos são os seguintes: em primeiro lugar, o sucesso eleitoral alcançado
por essa igreja, até o presente momento, relaciona-se fundamentalmente com o
seu carisma institucional, associado ao uso extensivo e intensivo da mídia e de
um discurso que traz para o campo político importantes elementos simbólicos do
campo religioso; e, em segundo, o sucesso político da Universal repercute tanto
no campo religioso - produzindo um efeito mimético em outras igrejas e
religiões que procuram, como ela, também expressar o seu capital político e
poder institucional - como no campo político, provocando um interesse de
alianças por parte dos partidos políticos.
A Igreja Universal do Reino de Deus e a política
A IURD iniciou a sua efetiva prática política em 1986 com a eleição de um
deputado federal para a Assembléia Nacional Constituinte. Em 1990, elegeu três
deputados federais e seis deputados estaduais. Em 1994, duplicou o número de
deputados para a Câmara Federal e aumentou para oito o número de deputados para
as assembléias legislativas. Naquele ano, no Rio de Janeiro, também obteve a
Secretaria do Trabalho e Ação Social e apresentou uma candidatura para o senado
que alcançou 500 mil votos (Freston, 2000). Por ocasião das eleições de 1998, a
Universal elegeu 26 deputados nas assembléias legislativas de dezoito Estados
da federação (Fonseca, 1998, p. 20) e dezessete deputados federais (sendo
catorze egressos da própria igreja de distintas unidades federativas2 e três
deputados apoiados pela igreja), cuja soma situa-se na casa de 1.400.000 votos,
"[...] feito comparado a partidos de médio porte como PTB e PDT" (Conrado,
2000, p. 26).
Nas eleições 2000, a IURD elegeu dezenas de vereadores em todos os Estados do
país. Já nas eleições de 2002 elegeu dezesseis deputados federais vinculados à
própria igreja,3 dois a mais do que na legislatura anterior, e dezenove
deputados estaduais, representantes de dez Estados da federação.4 Nessas mesmas
eleições, segundo informações colhidas pela Folha de São Paulo junto ao
deputado Bispo Rodrigues - o principal coordenador político da IURD5 -
a Igreja ajudou a eleger outros quatro deputados federais não pertencentes a
ela (Folha de São Paulo, 10/10/2001). Além disso, fato notável foi a eleição do
primeiro senador da Igreja, o bispo Marcelo Crivella, pelo PL do Rio de
Janeiro, com 3.235.570 votos, superando políticos tradicionais como Artur da
Távora e Leonel Brizola, além do pastor Manoel Ferreira, da Assembléia de Deus.
Dos catorze deputados federais da IURD constantes na legislatura 1998-2002, dez
foram reconduzidos à Câmara Federal nas eleições de 2002. Os quatro restantes
não concorreram à reeleição. A questão que fica no ar é saber se houve uma
desistência voluntária dos mesmos ou a não candidatura se deveu a uma decisão
da Igreja. Relativamente às eleições proporcionais para os legislativos
estaduais, a IURD enfrentou, nas mesmas eleições de 2002, um problema até certo
ponto inesperado. Trata-se de parlamentares estaduais apoiados ou egressos da
própria Igreja em eleições passadas, mas que mesmo não recebendo o apoio da
Igreja das últimas eleições concorreram "espontaneamente" à reeleição. Isso
ocorreu, por exemplo, no Rio de Janeiro, no Ceará e no Rio Grande do Sul.6 Em
seu lugar, a Igreja apresentou e apoiou outros candidatos que foram, em sua
maioria, eleitos, diferentemente daqueles que se lançaram por conta própria,
como veremos mais à frente, e amargaram uma estrondosa derrota.
Tudo indica que a retirada do apoio àqueles parlamentares se deveu ao fato de
que eles ou não se submeteram às diretrizes e orientações estabelecidas pelos
articuladores políticos da Igreja ou não atuaram de acordo com a expectativa
alimentada por eles.
Atualmente, a IURD faz parte da aliança que dá sustentação ao governo Lula. Seu
senador e parte dos deputados na Câmara Federal pertencem ao PL, partido aliado
ao PT desde a campanha eleitoral. No entanto, como parte dos deputados da IURD
se encontram em outros partidos, mesmo de oposição ao governo federal, é
difícil prever um apoio unilateral da Igreja posto que seus congressistas em
cada votação terão de optar, embora nem sempre isso seja possível, entre as
orientações partidárias e os interesses da Igreja, não necessariamente
coincidentes. Aliás, a mesma situação ocorreu por ocasião do segundo mandato do
governo FHC (1999-2002) quando a IURD, por razões simbólicas e instrumentais,
opôs-se ao governo central. No entanto, naquele momento, conforme sublinha
Fonseca, a passagem da Universal para a oposição não se refletiu
obrigatoriamente nas votações de seus parlamentares, o que significa que não
haveria um "voto iurdiano" no Congresso Nacional. Segundo suas próprias
palavras: "o comportamento do voto no congresso não aponta para uma real
bancada Universal. Em geral os deputados seguem seus partidos [...]" (Fonseca,
1998, p. 20). Esse fato, porém, em vez de denunciar uma incapacidade política
da IURD ou uma dificuldade de entendimento entre os deputados iurdianos,
parece, antes, revelar o modo "sofisticado" de fazer política dessa Igreja, que
distribui seus deputados em diferentes partidos para alcançar melhor poder de
barganha política, o que não impede que em determinadas situações os interesses
da Igreja se sobreponham aos dos partidos.
Há que se assinalar que a crescente presença de representantes da IURD no
Congresso Nacional contribuiu substancialmente para aumentar o tamanho da assim
chamada "bancada evangélica". Na legislatura 1998-2002, seu número era de 53
deputados ligados a treze igrejas (Época, 2/10/2000).7 Tudo indica que essa
bancada saiu mais fortalecida nas eleições de 2002. Segundo a Folha de São
Paulo, "a bancada evangélica de deputados federais eleitos tem pelo menos
sessenta parlamentares, donos de 5,1 milhões de votos", sendo 23 deputados
filiados às Assembléias de Deus, 22 vinculados ou apoiados pela Universal, oito
batistas e os demais de outras denominações, o que significa um aumento de
cerca de 25% em relação à bancada anterior (Folha de São Paulo, 10/10/2002).
Também no Senado houve um aumento de senadores evangélicos. Eram dois (Iris
Rezende e Marina Silva) e agora são quatro (Marina Silva, Bispo Crivella, Magno
Malta e Paulo Otavio).
No entanto, a "bancada evangélica" não constitui um grupo político coeso.
Segundo Fonseca, são raros os temas e as votações em que se pode perceber a
existência de uma unidade evangélica. Ela aparece em assuntos ligados à moral
como a discussão em torno do aborto ou da união civil dos homossexuais. Por
isso mesmo, continua Fonseca, "uma análise do comportamento do congressista
evangélico mostra que esta 'bancada' [evangélica] é um mito" (Fonseca, no
prelo). De certo modo, a revista Ecclésia também sustenta essa idéia ao dizer
que "os congressistas ligados ao povo evangélico [...] são submetidos mais às
orientações partidárias e aos interesses pessoais do que às igrejas que os
elegeram" (Ecclésia, 81, set. 2002).
Assim sendo, salvo em alguns casos, no geral parece ser difícil se poder falar
em "voto evangélico", assim como já observamos ser necessário relativizar a
noção de "voto iurdiano". Aliás, semelhante prudência vale para a atribuição da
posição político-ideológica da "bancada evangélica". Tida, geralmente, como "de
direita e conservadora", em verdade, como frisou A. Corten, ela não é mais
conservadora do que a média da população. E, especificamente sobre o
pentecostalismo, "[...] não é nem mais nem menos conservador do que a igreja
católica" (Corten, 1997, p. 18). A título ilustrativo, um levantamento efetuado
por Fonseca na metade de 2001 acerca do vínculo partidário dos deputados
evangélicos no Congresso Nacional mostrou que eles se distribuíam tanto em
partidos tidos como de "direita" como de "esquerda". Mais especificamente, "25
congressistas evangélicos estavam em partidos da oposição e 32 em partidos pro-
governo" (Fonseca, no prelo).
A eficácia política do carisma institucional
Como procede a Igreja Universal para alcançar uma tal façanha no campo
político? Ela resulta de um modo próprio de fazer política que, desde 1997,
adotou, no âmbito nacional, o modelo corporativo da "candidatura oficial", cujo
número de candidatos para os distintos cargos eletivos depende do capital
eleitoral de que dispõe. Dessa forma, realiza, antes das eleições, uma campanha
para os jovens de 16 anos obterem seu título eleitoral e efetua uma espécie de
"recenseamento" de seus membros/fiéis, no qual figuram seus dados eleitorais.
Tais dados são apresentados aos bispos regionais que, por sua vez, os
transmitem ao Bispo Rodrigues. Juntos deliberam quantos candidatos lançam em
cada município ou Estado, dependendo do tipo de eleição, baseados no quociente
eleitoral dos partidos e no número de eleitores recenseados pelas igrejas
locais. Uma vez lançados os candidatos, usam os cultos, as concentrações em
massa e a mídia própria (televisão, rádio, jornal) - de acordo com a
legislação eleitoral - para fazer publicidade dos mesmos.
Nas eleições de 2002, a IURD apresentou algumas novidades em relação às
eleições passadas. Como nas demais, ao final dos cultos mais concorridos,
sobretudo os dominicais, não somente era mencionado o nome e o número dos
candidatos da Igreja aos cargos eletivos, mas, algumas vezes, os próprios
candidatos eram apresentados aos fiéis/eleitores ou, em caso de sua ausência,
os bispos ou os pastores faziam subir no "palco/altar" alguns banners com fotos
dos candidatos. Além desses procedimentos, em 2002, em Porto Alegre, um mês
antes das eleições, uma grande faixa foi afixada no fundo da "catedral da fé"
contendo os dizeres: "vamos orar pelos nossos representantes" (seguiam os seus
nomes), após o que aparecia a passagem de Provérbios 29:2: "Quando se
multiplicam os justos o povo se alegra; quando porém domina o perverso o povo
geme". E ainda, em alguns domingos um banner de uma urna eletrônica foi levado
ao altar. Com ele o bispo ou o pastor que presidia a reunião ensinava, de forma
bastante didática, seus fiéis a votarem em seus candidatos. Ainda, em Porto
Alegre, no domingo dia 15 de setembro de 2002, uma urna eletrônica da Justiça
Eleitoral foi posta à disposição dos fiéis no hall de entrada da catedral para
os que quisessem treinar a votar.
Toda essa dedicação pedagógica, que teve reincidências e diversas expressões em
outras capitais e cidades do país, talvez eleve a Universal à condição ímpar da
principal instituição brasileira da atualidade a se ocupar com tamanha
aplicação à conscientização e ao direcionamento do voto de seus membros. Mas, a
racionalidade política da Igreja vai além e já foi demonstrada em outras
ocasiões. Dependendo da eleição, ela distribui seus candidatos segundo os
bairros, as cidades ou as regiões para serem apoiados separadamente pelas
diferentes igrejas locais. Porém, repito, na IURD a escolha dos candidatos é
prerrogativa única e exclusiva dos dirigentes regionais e nacionais da Igreja,
segundo seus próprios cálculos e interesses. Não há nenhuma consulta
democrática aos membros das igrejas locais. Estes recebem, no momento oportuno,
o(s) nome(s) que devem apoiar. Muitas vezes, trata-se de pessoas pouco
conhecidas pelos "irmãos de fé". Isso, porém, não inviabiliza suas eleições.
Foi o caso de Valdir Caetano, um ex-metalúrgico do ABC paulista que, por
ocasião das eleições de 2000, apesar de haver chegado a Porto Alegre há apenas
três anos e meio, e ter se tornado pastor há um ano e meio, foi eleito vereador
com quase onze mil votos (Zero Hora, 3/10/2000, p. 35), e de Almerindo Filho,
que por ocasião das mesmas eleições era pastor há cinco anos e que antes de se
candidatar a vereador em Porto Alegre, embora residisse nesta cidade, atuava
como pastor no município vizinho de Viamão, distante vinte quilômetros da
capital gaúcha.
Em razão desse procedimento que vigora na Universal, algumas vezes seus
candidatos eleitos, nos distintos níveis da política, são também pessoas
desconhecidas do grande público e da imprensa especializada em política,
constituindo-se, então, "na surpresa" das eleições.8
Mas não é "qualquer um" que pode ser candidato na Igreja Universal. Ele deve
ter o "germe do habitus" religioso e político, para usar a expressão de Jean
Séguy (1982), tal como é concebido pelos dirigentes da Igreja. A esse
propósito, Conrado efetuou um levantamento no jornal Folha Universal acerca do
que é considerado pela Igreja o perfil adequado do político: "pessoas
despojadas de interesses pessoais"; "ter o desejo exclusivo de glorificar o bom
nome do Nosso Senhor Jesus Cristo [...]"; possuir "caráter" e "compromisso com
o povo de Deus"; preocupar-se com os "desamparados, pobres e necessitados",
"sem vaidades interiores, sem egoísmos [...]" (Conrado, 2000, pp. 76-77).
Na prática, como observou P. Freston, os principais pré-requisitos dos
candidatos da Universal são os de serem "pastores que atuam na mídia" (Freston,
2000, p. 299). Ou seja, não seriam recém-chegados na Igreja e nem totalmente
desconhecidos dos fiéis. No entanto, tais requisitos não são suficientes para
garantir suas eleições. A votação que recebem, na espantosa porcentagem que
pode chegar a 95% do total dos fiéis da IURD, como mostrou a pesquisa Novo
Nascimento, realizada pelo ISER, em 1994,9 resulta, em última instância,
sobretudo do fato de terem sido escolhidos, indicados e/ou apoiados pelos
dirigentes da Igreja como "homens de Deus", em favor dos quais é usada a
"máquina iurdiana".
Portanto, Paul Freston tem razão ao dizer que na Universal há uma relação de
complementaridade entre carisma institucional e qualidades pessoais dos
candidatos (Freston, 2000, p. 299).10 No entanto, acredito que o primeiro pólo
- institucional - é preeminente sobre o segundo - individual -,
e isso se deve à estrutura eclesial carismática, centralizada e não
participativa (Carneiro, 1998)11 que prevalece nessa Igreja. Ela é reconhecida
como tal pelo próprio Bispo Rodrigues, quando afirma: "Nossa força é que temos
uma hierarquia, há uma hierarquia que é seguida à risca [...]" (Jornal do
Brasil, 29/10/2001), o que implica dizer que o poder da instituição prevalece
sobre o dos indivíduos, sejam eles simples fiéis ou pastores. Esse poder chega
a tal ponto que, segundo Conrado, o pastor eleito não é dono do seu próprio
mandato. Ao contrário, "o político eleito pela IURD tem o seu mandato nas mãos
dela, seguindo sua orientação nas questões de interesse da igreja. A
legitimidade da sua representação deriva de um 'ato de instituição' que a
organização faculta" (Conrado, 2000, pp. 54-55).
Evidentemente, é impossível não perceber que por trás do carisma institucional
há um reduzido mas poderoso grupo de indivíduos, liderado pelo Bispo Rodrigues,
que exerce seu poder nos vários momentos da atividade política iurdiana. Cabe a
eles, de um lado, escolher os candidatos "representantes da Igreja", segundo o
tipo de eleição em questão, bem como distribui-los entre os partidos políticos,
e, de outro, orientar os bispos e os pastores locais para solicitarem os votos
dos fiéis.
Diga-se de passagem, semelhante poder do staff dirigente da Igreja é verificado
quando se trata de enviar pastores para o exterior.12 Diferentemente de outras
igrejas missionárias, em que o "chamado interior" constitui um importante
elemento motivador para o desempenho da atividade missionária, na IURD esta não
será a razão para alguém atuar no exterior e sim o fato de ter sido enviado
pela cúpula dirigente da Igreja. Aliás, o mesmo procedimento vale para as
freqüentes transferências de pastores dentro do Brasil.
É claro que o sucesso do exercício da autoridade carismática institucional
iurdiana na política não se dá de forma opressiva em relação aos seus fiéis.
Ela é legitimada mediante a mobilização de vários elementos práticos e
simbólicos. Por um lado, a Igreja faz uso da sua bem montada rede midiática,
impressa e eletrônica, bem como de sua rede assistencialista, cujo
fortalecimento ocorreu em 1994 com a criação da Associação Beneficente Crista
(Cristã) (ABC), entidade que concentra a ação social e mantém diversos projetos
assistenciais da Igreja.13 Mas, por outro lado, ela traz para o campo político
e para a construção de sua representação política, elementos doutrinários e
discursivos próprios do campo religioso, reproduzindo um procedimento comum aos
evangélicos, qual seja, "religiogizar o político".
De fato, a IURD tende a acionar o princípio milenarista, cuja intensidade
guarda, até certo ponto, relação com as notícias veiculadas na imprensa
nacional acerca da corrupção no campo político. Ou seja, quanto mais a mídia
divulga casos de escândalos, mais a Igreja apela e aciona o componente
milenarista que se expressa, por exemplo, nesta frase do Bispo Rodrigues: faz-
se necessário "uma grande reforma espiritual na vida do povo brasileiro"
(Rodrigues, 1998, p. 27), da qual pode resultar uma nova moral pública e uma
nova ética na política. Para tanto, continua o referido bispo, é "papel da
Igreja do Senhor Jesus Cristo: anunciar a verdade, doa a quem doer e cobrar das
nossas autoridades a prática dos princípios éticos e morais do nosso povo, de
acordo com a própria Carta Constitucional do país" (Idem, p. 29). Por isso
mesmo, conclama o povo de Deus a eleger "homens e mulheres tementes ao Senhor
Jesus [...]" (subentende-se evangélicos).14
Portanto, para a IURD, e outras igrejas pentecostais ou reformadas, a corrupção
é a antítese dos princípios cristãos de valorização da comunidade, do bem comum
e da fraternidade, constituindo-se no inimigo do bem-estar dos cidadãos. A
corrupção justifica e legitima o ingresso na política, uma vez que eles se
consideram uma espécie de "reserva moral" da sociedade.
Reitero que o discurso pela ética na política é recorrente nas igrejas
evangélicas em geral. No entanto, como referiu R. Mariano, a experiência tem
mostrado que em sua prática política "vários parlamentares pentecostais,
membros de igrejas e partidos conservadores, protagonizaram escândalos variados
de malversação de recursos públicos e revelaram possuir uma voracidade
fisiológica que em nada diferia da dos piores de seus pares não crentes"
(Mariano, 2000, p. 61).
Porém, quanto à atuação dos parlamentares iurdianos F. Conrado sublinha que
eles não se envolveram em escândalos dessa ordem. É o que também escreveu -
e não há novidade nisso - o Bispo Rodrigues, em 1998:
[...] em meio a tantas falcatruas e espertezas [que vigora na
política do país] os homens e mulheres que levam o nome de Deus
[subentende-se a bancada parlamentar da IURD] não se deixaram
contaminar pela prática comum da corrupção. Os nossos candidatos
mostraram, na prática, o que é verdadeiramente a ética na política
(1998, pp. 7-8).
E a defesa da ética e o combate à corrupção continuarão sendo seus objetivos,
segundo declarou o mencionado Bispo ao jornal Folha Universal, logo após a sua
reeleição:
Meu compromisso é manter a ética, cumprindo meu mandato em favor dos
pobres e da nação. Quero combater a corrupção, lutar pela proteção do
meio ambiente, pela reforma tributária, pela melhor distribuição de
renda, partilha da terra, diminuindo a injustiça social (Folha
Universal, edição 550, 19/10/2002).
Porém, a construção de uma outra sociedade e de uma outra política subentende a
vitória na guerra espiritual em que a Igreja está inserida. Ou seja, a IURD,
mas não só ela, apela diretamente para o discurso das "forças invisíveis" que
atuam na política (Corten e Mary, 2000).15 Mais especificamente, a simbólica da
diabolização - que, segundo Barros, constitui "[...] o eixo a partir do
qual o universo simbólico desta igreja é construído" (1995, p. 1) - é a
chave pela qual a Universal conclama seus fiéis a participarem da política para
vencer o satanás. "Não votem nos políticos que estão a serviço de satanás, que
não querem que a obra de Deus prospere", disse o bispo da Universal que
presidiu o culto de 22 de setembro passado em Porto Alegre. "Os espíritos que
atuam na política, disse recentemente o Bispo Rodrigues, são os espíritos
dominadores, os príncipes das trevas" (Jornal do Brasil, 29/10/2001). Em outra
oportunidade o mesmo bispo afirmou: "O diabo está alojado dentro do Congresso
Nacional, criando lei injustas e erradas" (Folha Universal, 302, 18/1/1998). "A
maioria dos políticos estão a serviço do satanás", repetiam pastores e bispos
nos domingos que precederam a eleição de 6 de outubro de 2002.
Se, portanto, o diabo atua na política - ocasionando a corrupção e os
comportamentos ilícitos e antiéticos -, a Universal se diz capaz de
libertá-la do poder desse mal. Para isso, aciona um recurso invisível mas
poderoso, a força que purifica tudo, inclusive a política: a "força do Espírito
Santo", o "poder do Senhor Jesus", "o pai das luzes que vence o poder das
trevas", segundo o dizer dos ministros da IURD.
A conseqüência desse discurso é que para os fiéis iurdianos votar não constitui
apenas um exercício de cidadania. Ele também é concebido como um ato que
preenche um sentido quase-religioso. Trata-se de um gesto de exorcismo do
demônio que se encontra na política e de sua libertação para que ela seja
ocupada por "pessoas tementes ao Senhor Jesus", segundo a expressão de Bispo
Rodrigues. Em outras palavras, o efeito de sentido produzido pelo discurso e
pelo carisma da IURD por ocasião do período que precede as eleições é tal que
seus fiéis acrescentam um significado a mais ao ato de votar além do dever
cívico. O gesto de votar adquire o sentido de um rechaço do mal presente na
política e sua substituição pelo bem, ou seja, por pessoas convertidas ao
evangelho, por "verdadeiros cristãos", por "homens de Deus".
Esse significado simbólico do voto para os fiéis da IURD ficou bem
caracterizado nas eleições de 6 de outubro de 2002. Com efeito, a partir do
domingo dia 22 de setembro todos quantos compareceram aos templos da Universal
receberam um pequeno envelope que continha um cajado de treze centímetros de
comprimento, feito de papelão resistente, portando os dizeres "os 10 dias da
libertação". Em verdade, tratava-se de uma "campanha" que iniciou no dia 27 de
setembro e que (não por coincidência) terminou no dia 6 de outubro. Como todas
as campanhas promovidas pela Igreja, esta também se baseava na Bíblia, mais
precisamente em João 8:36, que dizia "Se, pois, o Filho vos libertar,
verdadeiramente sereis livres", e em Êxodo 14, que narra a passagem de Moisés
pelo Mar Vermelho.
Ao explicar essa campanha na "Catedral da Fé", em Porto Alegre, no dia 22 de
setembro, o bispo Alfredo Paulo acrescentou: "no dia 6 de outubro nós vamos
votar com o cajado". E explicou:
Assim como o Senhor disse a Moisés: levanta a tua vara, estende a mão
sobre o mar, e o Mar Vermelho se abriu, assim também nós vamos
apertar os números na urna eletrônica com o nosso cajado e vamos
abrir o mar do Evangelho, elegendo os homens de Deus. Vamos eleger os
homens de Deus que vão trabalhar para a obra de Deus.
Como se vê, a Universal mobiliza na esfera política crenças, valores, símbolos
e cosmovisões do seu universo simbólico, e a partir deles produz uma
ressemantização do voto, inscrevendo-o "numa lógica cosmológica, na perspectiva
da guerra santa" (Semán, 2001, p. 96).16
O efeito mimético produzido pela Igreja Universal
O sucesso político da IURD parece estar produzindo um efeito mimético no campo
religioso. Assim, por exemplo, uma parcela da Assembléia de Deus vê a IURD como
uma igreja que precisa ser imitada. Foi o que declarou o pastor João Ferreira
Filho, presidente daquela Igreja no Rio Grande do Sul, no dia seguinte às
eleições municipais de 2000, quando viu o fracasso eleitoral de sua
denominação, que lançou em Porto Alegre quatro candidatos a vereador não
elegendo nenhum, diferentemente da IURD, que lançou dois candidatos, elegendo
ambos. Disse ele: "eu admiro muito a Universal, temos que imitá-la". Vai na
mesma direção o depoimento do conhecido pastor da Assembléia de Deus, Silas
Malafaia: "Queremos exaltar o bonito exemplo da Igreja Universal, que define
muito bem seus representantes no legislativo. As outras denominações deveriam
imitá-la [...]" (apud Machado, 2001, p. 7). E essa não é a posição de um ou de
outro pastor da Assembléia de Deus, pois em convenção nacional essa Igreja
decidiu que nas eleições de 2002 iria indicar a seus seguidores candidatos a
deputados, senadores, governador e presidente (Zero Hora, 16/10/2001).
No entanto, a imitação da IURD por parte da Assembléia de Deus vai até certo
ponto. Nas eleições de 2002, a orientação da Convenção Geral das Assembléias de
Deus foi no sentido de não exercer nenhuma "pressão ou orientação direta aos
fiéis". Antes disso, afirmou o pastor João Ferreira Filho, em declaração ao
jornal Zero Hora, de Porto Alegre, "deixamos claro que cada crente é livre para
optar por um candidato" (Zero Hora, 2/1/2002 (cad. Jornal da Eleição, p. 10).
Assim sendo, no Rio Grande do Sul, por exemplo, nas eleições de 2002, a
Assembléia de Deus apoiou oficialmente dois candidatos a deputado estadual,
ambos já deputados e assembleianos, Eliseu Santos e Edmar Vargas, este último
sendo inclusive pastor, que foi reeleito, com 49.574 votos, enquanto Eliseu
Santos, com 37.640 votos, figurou na primeira suplência. Para deputado federal
a Assembléia apoiou oficialmente um único candidato, que não possuía trajetória
política, o pastor Milton Cardias. Com 40.802 votos também ficou na primeira
suplência do PTB, partido de todos os candidatos citados. No entanto, em razão
de preenchimento de cargos no primeiro escalão do governo do Estado , ambos os
candidatos que estavam na suplência ocuparam suas cadeiras parlamentares.
Os próprios líderes religiosos da Assembléia de Deus reconhecem, porém, que a
dificuldade de eleger os candidatos "oficiais" se deve ao fato de que outros
membros da Igreja também se lançam candidatos, dividindo, conseqüentemente, os
votos dos irmãos.17
Como se pode notar, a política da Assembléia de Deus consiste na indicação e na
declaração de alguns candidatos por parte da cúpula dirigente local, mas dá
liberdade aos seus fiéis de votar em quem desejarem, e não desaconselha outros
fiéis a apresentarem seus nomes a cargos eletivos.
Outra igreja pentecostal que, nos últimos anos, ao menos no Rio Grande do Sul,
tem se lançado mais diretamente na política, é a Igreja do Evangelho
Quadrangular. Desde as eleições de 2000, ela também procedeu, em parte porém,
de maneira semelhante à Universal. Com efeito, naquelas eleições, bem como nas
proporcionais de 2002, a Quadrangular efetuou em todos os municípios onde está
instalada um levantamento de sua potencialidade política, decidindo então
lançar ou não candidaturas "oficiais" da própria Igreja, ou de apoiar outras
candidaturas. Assim, por ocasião das eleições de 2000, a igreja de Porto Alegre
lançou como candidato oficial para a Câmara de vereadores o pastor Nilo Sergio
dos Santos. Concorreu pelo PTB e obteve 2.333 votos, não se elegendo. Nas
eleições 2002, em prévias realizadas no interior da Igreja em junho de 2002,
indicou o já deputado Manoel Maria, do PTB, membro da Igreja, como candidato
oficial da Igreja, e para a Câmara Federal indicou o pastor Reinaldo Santos e
Silva, também pelo PTB. Ambos foram eleitos, o primeiro com 38.361 votos e o
segundo com 43.716 votos.
Dessa forma, a prática política da Quadrangular apresenta uma diferença tanto
em relação à Assembléia de Deus como à Universal. Enquanto essas igrejas não
realizam prévias internas, a Quadrangular assim procede, de maneira semelhante
ao que ocorre nos partidos políticos. Ou seja, essa Igreja privilegia um
procedimento democrático de escolha de candidatos "oficiais", cuja eficácia é
superior à produzida na Assembléia de Deus.
Assim, nota-se que tanto a Assembléia de Deus como a Quadrangular "imitam" a
Universal até certo ponto. Não compartilham com o verticalismo desta última e
reconhecem a liberdade do fiel de escolher seu próprio candidato, evangélico ou
não, mesmo que indicado pelas igrejas. O procedimento das duas tradicionais
igrejas pentecostais aproxima-se das orientações da Associação Evangélica
Brasileira que, em documento intitulado "Voto Ético", emitido por ocasião das
eleições 2002, preconizou, entre outras coisas, em seu Decálogo Evangélico, que
"Nenhum cristão deve se sentir obrigado a votar em um candidato pelo simples
fato de ele se confessar cristão evangélico" (VI mandamento), e que "O pastor
deve ser obedecido em tudo aquilo que ensina sobre a Palavra de Deus, de acordo
com ela. No entanto, no âmbito político-partidário a opinião do pastor deve ser
ouvida apenas como a palavra de um cidadão, e não como uma profecia divina" (X
mandamento).
A Igreja Católica, por sua vez, também não parece insensível diante do avanço
na política dos evangélicos em geral e da IURD em particular, embora,
evidentemente, não se possa estabelecer uma relação direta entre os dois fatos
mesmo porque, como se sabe, essa Igreja tem historicamente participado da vida
política nacional, embora com intensidade variada segundo as conjunturas.
No entanto, nos últimos anos podemos perceber um redobrado esforço católico em
relação à política. Em primeiro lugar, observa-se, em distintas instâncias
políticas, como nas câmaras de vereadores, nos legislativos estaduais e mesmo
no Congresso Nacional, uma articulação entre políticos católicos e membros da
hierarquia institucional no sentido de garantir, como diz Dom Antônio Cheuiche,
bispo Emérito de Porto Alegre, um "novo espaço onde os parlamentares se reúnam
para rezar, para melhorar a sua vida espiritual e aprofundar a consciência e
seus conhecimentos sobre o compromisso político do cristão" (jornal Nova
Versão, 18-24/10/2001, p. 5). Tais articulações resultaram, em certas cidades e
Estados, bem como na Câmara Federal, na formação da chamada "bancada católica".
A segunda forma pela qual a Igreja Católica se inseriu nos últimos anos mais
diretamente na política é pela divulgação, nos períodos eleitorais, de
cartilhas de orientação política para os eleitores. Se, de fato, há uma
recorrência da CNBB na emissão dessas cartilhas - como fez em 2002 com o
documento intitulado "Eleições 2002", lançado por ocasião da reunião de Itaici
no início de abril daquele ano - o fato de, além disso, aparecerem
cartilhas "regionais", mostra o (redobrado) interesse da Igreja Católica com as
eleições. Foi o que ocorreu no Rio Grande do Sul, onde o arcebispo de Porto
Alegre, Dom Dadeus Grings, lançou em março de 2002 a "sua" cartilha de
orientação para o "voto consciente" dos cristãos. Nela ressalta que "a igreja
não deve optar por um partido político ou por um candidato" e que o período
eleitoral é "muito bom para aprofundarmos o sentido de patriotismo, do civismo,
da cidadania, e de todos lutando pelo bem comum" (jornal Versão Semanal, 21 a
27 de março de 2002).
Por fim, a Igreja Católica participa da política mediante a presença de membros
do clero que concorrem a cargos eletivos. Nesse sentido, o setor Vocações e
Ministérios da CNBB constatou que por ocasião das eleições 2000 houve um
aumento de candidaturas de religiosos a cargos públicos. Um estudo de Moreira
de Oliveira realizado junto a 176 dioceses brasileiras, correspondendo a 65,67%
do total, apurou que nas mencionadas eleições a quantidade de presbíteros
candidatos "superou a faixa de cem padres" (Moreira de Oliveira, 2002, p. 263),
tendo cerca de 70% deles concorrido a cargo de prefeito, seguido de vice-
prefeito e de vereador. Os dados da pesquisa mostraram que 41% dos padres
candidatos concorreram pelo PT, seguido do PMDB, com 12%, e pelo PSDB, com 9%.
A pesquisa revelou ainda que 44,77% dos candidatos venceram as eleições (Idem,
pp. 264-265).
Nas eleições de 2002, no Rio Grande do Sul, dois membros do clero católico
candidataram-se à Assembléia Legislativa, ambos pelo PT. O já deputado e
sacerdote Roque Grazziotin, que nas eleições de 1998 recebera 29.113 votos,
obteve 23.409 votos, ficando na segunda suplência; e Sergio Goergen -
membro da Ordem dos Frades Menores da Província do Rio Grande do Sul -
eleito com 44.633 votos. . Durante o governo Olívio Dutra, do PT, Goergen
trabalhou, durante dois anos, na Secretaria da Agricultura como coordenador da
Reforma Agrária.
Observe-se que diferentemente das igrejas pentecostais, a Igreja Católica não
realiza prévias nem assume a candidatura oficial de seus membros que concorrem
a cargos eletivos. Trata-se da postulação pessoal do clérigo que, após
autorização do bispo e/ou do provincial o dispensando das atividades
religiosas, passa a se dedicar temporariamente à política. Geralmente, a
autorização é um processo difícil, e nem sempre obtém êxito, pois depende da
posição teológica e ideológica do bispo da diocese, ou do provincial da Ordem
Religiosa.
Finalmente, as federações e os membros das religiões afro-brasileiras também
tentam ingressar na esfera política, ostentando um discurso de "desforra" e de
enfrentamento diante dos opositores evangélicos. No Rio Grande do Sul,
entretanto, esse discurso não tem alcançado um resultado positivo. Nas eleições
2000, em Porto Alegre, quatro importantes pais-de-santo concorreram a vereador,
mas tiveram uma votação tão reduzida que mesmo somando todos os seus votos não
lograriam eleger um único vereador. Antes disso, nas eleições legislativas de
1998, outro renomado pai-de-santo apresentou-se como candidato, e esperava
receber 30 mil votos, mas obteve 3.425. Em razão desses e de outros fracassos,
as federações e os terreiros não apresentaram candidatos nas últimas eleições.
Acredito que o insucesso político das religiões afro-brasileiras guarda alguma
relação com sua estrutura organizacional, formada pela variedade de federações
e pulverização de terreiros, onde todos são, ao mesmo tempo, autônomos e rivais
entre si. Não existe, no âmbito dessas religiões, uma hierarquia religiosa
única, nem um poder centralizador e aglutinador dos centros religiosos. Ora,
esse éthos constituído de permanente disputa, rivalidade e desqualificação
mútua torna, como reconhece Prandi, bastante remota a possibilidade de união
entre terreiros e grupos, mesmo em se tratando de proveito para a religião
(Prandi, 1991, p. 163).
No entanto, e apesar dessas considerações, nas eleições de 2002 em outros
Estados da federação foi melhor o resultado político das religiões afro-
brasileiras. Em relação a São Paulo, por exemplo, a Folha de São Paulo
apresentou no dia 3 de outubro a matéria "Os atabaques vão à forra", mostrando
que as "religiões afro-brasileiras se organizam para eleger parlamentares que
façam frente à bancada dos evangélicos" (Folha de São Paulo, 3/10/2002). O
candidato Sebastião Arcanjo, o Tiãozinho, vereador pelo PT de Campinas, foi
eleito para deputado estadual com 57.174 votos.
A tabela_1 foi elaborada a partir da observação do comportamento eleitoral de
igrejas e religiões no Rio Grande do Sul nas eleições de 2002. Ela sintetiza os
modelos de participação política de cada um dos segmentos religiosos referidos
aqui e mostra a maior ou menor eficácia eleitoral de cada uma delas, em função
do modelo adotado. Como se pode observar, em termos de eleição de candidatos
indicados e apoiados, a Igreja Quadrangular conseguiu atingir o melhor índice
de eficácia seguido da Universal e da Assembléia de Deus.
É evidente que o efeito mimético produzido pela inserção política da Universal
sobre as demais igrejas e religiões não significa a existência de uma relação
direta, do tipo "causa e efeito". Por essa razão, é possível interpretar esse
fenômeno a partir da teoria girardiana.
Com efeito, para René Girard, a mímese expressa rivalidade e desejo mediatizado
pelo outro. Nesse caso, a Universal, assumindo o papel de mediador, atua no
sentido de se fazer presente na política, o que desperta o mesmo desejo -
ingressar na política - em outras igrejas e religiões. Ou seja, segundo
essa teoria, o desejo (entrar na política) aparece nas outras igrejas -
evangélicas, católica e religiões afro-brasileiras - porque ganhou força
primeiramente na Universal. Assim, estamos diante de grupos concorrentes,
embora, continua Girard, os que têm o desejo despertado pelo outro tendem a
dissimulá-lo, afirmando que "seu próprio desejo é anterior àquele de seu
rival". Além disso, "tudo o que vem desse mediador é sistematicamente
depreciado embora secretamente desejado", e, até mesmo, "secretamente venerado"
(Girard, 1961, pp. 25-27).
A Igreja Universal, os partidos políticos e os candidatos
Se, no campo religioso, o avanço iurdiano na política tende a produzir um
"efeito mimético", no campo político também não passa despercebido. Ou seja,
como afirma Flavio Conrado, o campo político não está mais alheio à força
política que detém hoje a Universal na vida pública brasileira (Conrado, 2000,
p. 77), e os evangélicos em geral, acrescentaria eu. Assim, há quem diga que
por trás do empenho do PT em selar aliança com o Partido Liberal nas eleições
2002 - cuja razão mais explícita teria sido atrair o setor empresarial para
o PT em torno de José de Alencar, empresário bem-sucedido e senador crítico da
política econômica do governo FHC - figuraria também, mesmo que com
motivação reduzida, o interesse velado de ter a Universal (e seus votos
cativos?) ao seu lado. Esta é, por exemplo, a leitura que faz A. Fonseca, para
quem "o Partido dos Trabalhadores prefere referir essas negociações (com o PL)
como sendo não com a IURD mas sim com o PL" (Fonseca, no prelo).
Seja como for, o PT e a Universal já estabeleceram alianças em outras eleições
e, nos últimos anos, mantiveram boas relações na Câmara federal. No entanto,
lembremos que no primeiro turno da campanha presidencial de 2002 a Universal
apoiou o também evangélico, Anthony Garotinho, do PSB. Isso ocorreu mesmo nos
Estados em que a Igreja lançou candidatos a deputados e a senador pelo PL,
partido aliado ao PT. Neste caso, prevaleceu o vínculo evangélico do candidato
a presidente, somado às alianças produzidas, por exemplo, no Rio de Janeiro,
entre os candidatos da Universal e a candidata vitoriosa ao governo do Estado.
No segundo turno das eleições presidenciais, porém, a Universal e o PL
declararam seu apoio a Lula. "Temos a obrigação de entrar de cabeça na campanha
do Lula", disse o Bispo Rodrigues à Radio CBN. "Nossos deputados, agora que já
estão eleitos, devem se empenhar em mobilizar as suas bases". Bispo Rodrigues
falava como vice-presidente nacional do PL e como responsável político da
Igreja Universal. Além disso, a opção por Lula foi decidida pela cúpula da
Universal, e também do PL, na esperança de que ele realizasse um governo
voltado para os pobres, uma vez que, nas palavras do bispo,
[...] todos estão cansados de ideologia. A população quer saber como
serão resolvidos problemas do transporte, educação, saúde, como será
reduzida a miséria. Por isso vamos adotar uma nova forma de fazer
política. Trata-se do socialismo de resultados (Jornal do Brasil, 13/
10/2002).
Também Anthony Garotinho declarou seu apoio a Lula já na largada do segundo
turno. De acordo com a imprensa, tanto Rodrigues como Garotinho atuaram como
mediadores junto a outras igrejas evangélicas para conseguir apoio a Lula nas
eleições de 27 de outubro de 2002. Assim, em 15 de outubro daquele ano a Igreja
Renascer em Cristo expressou seu apoio à candidatura Lula e, no dia 17, o
candidato reuniu-se no Rio de Janeiro com cerca de 900 pessoas de diversas
igrejas que manifestaram seu apoio. Entre as igrejas estavam a Metodista, a
Batista, a Sara Nossa Terra, além da Universal e dos pastores da Assembléia de
Deus que não seguiram a decisão das duas principais convenções da igreja de
apoiar Serra.
De fato, o candidato José Serra mobilizou-se pessoalmente para obter o apoio
das Assembléias de Deus, bem como da igreja Quadrangular. Em 10 de outubro de
2002 recebeu o apoio da Convenção Nacional das Assembléias de Deus (Conade) e,
em 16 de outubro, o apoio da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil
(CGADB) e da Igreja Quadrangular.18
Vale registrar que semelhante interesse pelo apoio evangélico ocorreu nas
eleições majoritárias dos Estados. Assim, por exemplo, no Rio Grande do Sul o
candidato a governador Tarso Genro lançou em 27 de setembro de 2002, em
Cachoeirinha, na região metropolitana de Porto Alegre, o Comitê Religioso de
Apoio à Frente Popular, com a presença de representações de 36 igrejas
evangélicas. No dia 19 de outubro, ambos os candidatos ao governo do Estado, T.
Genro, da Frente Popular, e G. Rigotto, da União pelo Rio Grande, compareceram
em Porto Alegre na matriz da Igreja Assembléia de Deus, onde estava sendo
comemorado os 78 anos dessa Igreja na capital gaúcha. Também em Brasília,
segundo o jornal Correio Braziliense, de 14 de outubro de 2002, os dois
candidatos que chegaram ao segundo turno no Distrito Federal disputaram os
votos do eleitorado evangélico.
É evidente, porém, que o apoio declarado pelos líderes evangélicos, mesmo que,
segundo dizem, tenham consultado as "bases", não se traduziu em votos cativos,
seja para um, seja para outro candidato. Isto porque, como se sabe, no momento
preciso da decisão de voto outras variáveis entram em pauta, sem falar na
divergência existente, tanto na hierarquia como na base dessas igrejas, em
relação à questão de participar ou não da política e de apoiar unânime e
explicitamente determinado candidato.
Portanto, em primeiro lugar, se por ocasião do primeiro turno das eleições
presidenciais os evangélicos se inclinaram majoritariamente para a candidatura
de Garotinho, no segundo turno houve uma divisão de intenção de voto entre os
candidatos Lula e Serra.19 Em segundo, nunca na história republicana brasileira
recente ocorreu uma aproximação tão grande entre política e religião, um
interesse tão explícito e uma disputa tão aberta pelos votos evangélicos. Isso
quer dizer que os candidatos e os partidos se deram conta de que os evangélicos
constituem hoje uma importante força política, podendo até decidir uma eleição.
Esta era, aliás, a ponderação/advertência feita por J. Burity, em 1997: "os
partidos e candidatos que não levam em consideração os grupos religiosos em seu
discurso e estratégia correm sério risco de se complicarem ou inviabilizarem
eleitoralmente" (1997, p. 46).
Assim, como já havia aludido anteriormente, a aliança entre o PT e a Universal
não é uma novidade - já tinha se concretizado em muitos municípios e
Estados por ocasião das eleições de 2000. Naquela oportunidade, o denominador
comum entre o partido e a Igreja foi o discurso pela ética na política. Durante
o segundo turno da campanha eleitoral de 2000, Bispo Rodrigues compareceu em
Porto Alegre, no programa eleitoral do PT, enaltecendo a "ética em governar"
desse partido, e finalizou seu discurso com a frase: "Vote em quem governa com
ética. Vote no PT". Por seu turno, durante a campanha desse partido em todo o
Brasil, nas mesmas eleições, foi constante, de um lado, a denúncia contra a
falta de ética por parte de governantes e políticos que davam sustentação
política ao governo federal e, de outro, a irretocável conduta moral do PT:
"passamos por essa campanha [de 2000] sem sermos alvos de uma única denúncia de
corrupção", afirmou Lula (Isto É, 8/11/2000, p. 4). Ou seja, a afinidade
discursiva entre a Universal e o PT fundamentou-se, então, na idéia de
"purificação da política" ou de "ética pela política". Nas eleições de 2002, a
esse discurso foi acrescido um outro, que aproximou o partido e a Universal,
qual seja, o da atenção aos pobres e ao trabalho na área social.
Há, porém, que se considerar, como já analisei em outro artigo (Oro, 2001), as
importantes diferenças ideológicas existentes entre o partido e essa igreja no
que concerne à defesa da ética na política. Com efeito, para o PT, trata-se de
um princípio de respeito e valorização da cidadania, devendo os políticos,
gestores da coisa pública (e não de interesses pessoais ou corporativos),
cumpri-la com responsabilidade, transparência, justiça social e participação
popular. Ademais, via de regra os eleitores do PT realizam a cidadania num
contexto de racionalidade diferente da que prevalece entre os eleitores da
Universal. Para estes, o discurso pela moralização enquadra-se no âmbito da
batalha espiritual, o que abre espaço ao apelo de "forças invisíveis" que
atuariam na política. Em outras palavras, a política é "suja", "corrupta" e
"desonesta" devido, de acordo com a Igreja, à presença do demônio.
No entanto, a idéia de moralização da política, presente nos dois discursos,
precisa ser analisado como um componente do imaginário político dessas duas
instituições, o que não garante, por si só, sua efetivação empírica. Por isso,
é necessário que se verifique até que ponto a prática política está isenta de
ações corruptas e da preeminência dos interesses pessoais e corporativos.
Conclusão: religião, política e democracia
O envolvimento da IURD, em particular, e dos evangélicos, em geral, na política
nacional suscita, entre outras coisas, duas importantes questões teóricas. Uma
diz respeito às fronteiras entre o religioso e o político, e outra versa sobre
as conseqüências do ingresso evangélico no universo político para a democracia
e a cultura política brasileiras.
Com efeito, malgrado a separação oficial entre igreja e Estado, a história das
relações entre política e religião no Brasil sugere menos a existência de
autonomia e oposição entre esses campos do que de continuidade, ponte, trânsito
e passagem, o que resulta na dificuldade de se traçar fronteiras claras. E
mesmo atualmente, sugere J. Burity, verifica-se no Brasil "um arrefecimento da
distinção entre religião e política" (1997, p. 77), ou, de acordo com J. J. de
Carvalho, uma luta "[...] para ampliar a dimensão religiosa do espaço público e
não por laicizá-lo" (1999, p. 16). Essa situação por certo ocorre não sem
relação com a própria cultura brasileira e do lugar que nela detém o religioso.
De fato, nosso país, como vários autores já sublinharam, malgrado o avanço da
modernidade, é muito marcado pelo imaginário religioso (Ribeiro, 2000), em que
"o domínio do 'sobrenatural' aparece como fundamental" (Velho, 1991, p. 31), o
que faz do Brasil um país que jamais deixou de ser "religioso" (Giumbelli,
2002, p. 54). Conseqüentemente, completa Regina Novaes, são hoje muito
"delicadas as relações entre religião e política" (2002, p. 64).
Em contrapartida, pode-se perguntar se o ofuscamento ou o deslocamento ou,
ainda, a flutuação das fronteiras entre religião e política, para os quais, em
nosso país, tem muito contribuído o ingresso recente das igrejas evangélicas na
política, não revelam, como sugere Renato Janine Ribeiro, desgaste,
esvaziamento, descrença ou mesmo desencantamento em relação à política,
observados em parcelas importantes de nossa sociedade e, eu diria, também em
outros países da América Latina e da África.20 Não haveria, nesse caso, uma
"energia nova" pulsando em áreas que não têm tradição política, como, por
exemplo, a esfera da religião? (Ribeiro, 2002). André Corten também discute
essa idéia, ao sugerir que existe uma forma de política fora do âmbito político
tradicional, mas a "extrema timidez" do pesquisador prejudica sua compreensão a
esse respeito, posto que ele ainda superestima "o instituinte político"
(Corten, 2001, p. 159).
Eventualmente, prossegue Ribeiro, essas novas energias "[...] passam para o
campo político ou são absorvidas por ele" (2002, p. 104). O problema, nesse
caso, é saber "por que essa energia, que passa para o campo político, torna-se
estéril?" (Idem, ibidem). Semelhante observação é feita por Corten quando
afirma que se o pentecostalismo pode, por um lado, ser considerado um
instituinte da sociedade - por exemplo, pela produção de identidades
coletivas -, por outro, não constitui uma fonte instituinte do político, ou
seja, não imprime uma marca diferenciadora em sua prática política (Corten,
2001). Essa situação ocorreria, segundo Mariano, em relação aos parlamentares
evangélicos na política brasileira -, em razão da aceitação, e conseqüente
submissão por parte desses indivíduos, às regras democráticas vigentes, ao
império da lei e às normas jurídicas que regulamentam o funcionamento das
instituições, dos partidos políticos, do regimento interno da Câmara etc. Isso
imporia, caso haja intenção, limitações a toda e qualquer pretensão de ordem
religiosa, teológica ou mesmo teocrática na política (Mariano, 2000). Em outras
palavras, os políticos religiosos estariam submetidos a uma espécie de camisa-
de-força: para atuar na esfera política precisam se submeter às regras, mas uma
vez lá dentro encontram pouco espaço para uma prática política diferenciada.
Caso essa hipótese seja confirmada de maneira mais definida, poder-se-ia
afirmar que, até o presente momento, o efeito, sobretudo o da presença da IURD
na política, é mais perceptível no âmbito religioso, na medida em que, direta
ou indiretamente, a Universal instiga outras igrejas e outras religiões a
também participarem da vida política.
Quanto à relação com a democracia, como sublinha Dodson, podem-se observar
diferentes tendências: alguns autores têm enfatizado as conseqüências sociais
da expansão pentecostal; outros, sublinhado os efeitos políticos do
pentecostalismo, particularmente no estímulo aos valores e às práticas
democráticas; outros, ainda, são céticos quanto à possibilidade de haver uma
relação benéfica entre religião e política (Dodson, 1997, pp. 25-26). Seja como
for, importa destacar alguns pontos. Em primeiro lugar, os evangélicos seguem e
aceitam as regras da vida democrática e do jogo político estabelecido;21 em
segundo, o fato de eles comparecem na esfera política comprova a possibilidade
democrática de participação; em terceiro, como sublinha Alexandre B. Fonseca,
os evangélicos, pelo seu discurso crítico contra determinados procedimentos
políticos anti-éticos, pela denúncia da situação difícil em que se encontram
largos setores da sociedade, efetivamente contribuem , mesmo que de forma
indireta, para a consolidação democrática no Brasil, (Fonseca, no prelo);
finalmente, em quarto lugar, os evangélicos constituem uma fonte de mobilização
política de setores sociais desfavorecidos. Para muitas pessoas, diz Fonseca,
participar de uma igreja como a IURD significa a primeira experiência de
"conversar sobre política" e de valorizar o voto (Fonseca, 1997). Se assim
ocorre, para certos segmentos sociais, a política não passa mais rigorosamente
pelas instâncias tradicionais de sua expressão, tais como sindicatos,
cooperativas e partidos políticos. Em conseqüência- e no aguardo de novos
dados etnográficos e de mais informações empíricas - entendo, assim como
Regina Novaes, que hoje "ser evangélico" "[...] tornou-se uma nova variável
neste jogo de relações entre campo político e campo religioso" (Novaes, 2002,
p. 91) e que uma boa postura epistemológica seria a de nem subestimar a
inserção evangélica na política (brasileira e latino-americana), reduzindo-a a
uma simples manifestação de uma cultura religiosa corporativa, nem
supervalorizá-la, vendo-a como potencializadora da democratização da cultura
política brasileira.
NOTAS
1 Embora este texto pretenda ter uma abrangência heurística nacional, os
exemplos ilustrativos resultam, sobretudo, do Rio Grande do Sul, onde realizei
uma pesquisa de campo mais longa e sistemática sobre o tema em questão.
2 Quatro do Rio de Janeiro, três de São Paulo, dois de Minas Gerais, e um de
cada um dos seguintes Estados: Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Ceará, Rio
Grande do Sul, Pernambuco e Paraná e Distrito Federal (Machado, 2001).
3 A saber: Almeida de Jesus (Ceará), Oliveira Filho (Paraná), Jorge Pinheiro
(Brasília), João Paulo (Minas Gerais), Paulo Gouvea (Rio Grande do Sul),
Reginaldo Germano (Bahia), Heleno (Sergipe), Bispo Wanderval (São Paulo), Bispo
João Batista (São Paulo), Edna Macedo (São Paulo), Marcos Abrahão (São Paulo),
Bispo Rodrigues (Rio de Janeiro), Bispo Vieira Reis (Rio de Janeiro), Bispo
João Mendes (Rio de Janeiro), Divino (Rio de Janeiro) e Marcos de Jesus
(Pernambuco).
4 São eles: Ronaldo (Ceará), Edson Praczyk (Paraná), George (Minas Gerais),
Sergio Peres (Rio Grande do Sul), Marcio Marinho (Bahia), Madoqueu (Sergipe),
Souza (São Paulo), Maria de Jesus (São Paulo), Roberto (São Paulo), Milton
Vieira (São Paulo), Wagner Salustiano (São Paulo), Bispo Caetano (Rio de
Janeiro), Bispo Jodenir (Rio de Janeiro), Bispo Leo Vivas (Rio de Janeiro),
Armando José (Rio de Janeiro), Ely Patrício (Rio de Janeiro), Edna Rodrigues
(Rio de Janeiro), Dilma Lins (Pernambuco) e Odete de Jesus (Santa Catarina).
5 Bispo Rodrigues foi eleito em 1998 deputado federal pelo Rio de Janeiro pela
legenda do PFL com 76 mil votos. Foi reeleito no pleito de 2002 com 192.640 mil
votos - quarta maior votação no conjunto dos candidatos à Câmara Federal do
Rio de Janeiro. Ele é hoje vice-líder do Partido Liberal (PL) na Câmara
Federal. Fundou a Igreja Universal na Argentina e na Espanha e trabalhou em
Portugal, Angola, África do Sul e Moçambique antes de se dedicar integralmente,
em 1996, à tarefa de coordenador político da Igreja. Conrado atribui o sucesso
eleitoral da IURD, entre outros fatores, à liderança desse bispo que, desde a
campanha presidencial de 1989, coordena candidaturas e define estratégias
políticas da Igreja, além de conduzir na Câmara Federal a ação política dos
parlamentares nas questões que interessam à sua instituição religiosa.
6 O jornal Folha Universal (15-21 set. 2002) divulgou uma nota esclarecendo que
os deputados e os candidatos à reeleição para a Assembléia Legislativa do Rio
de Janeiro, Mário Luiz e Magaly Machado, bem como o ex-pastor Eriberto da Silva
Faria, também candidato a deputado estadual no Ceará, "não contam com o apoio
dos membros da Igreja Universal do Reino de Deus". O mesmo ocorreu no Rio
Grande do Sul, com o pastor Paulo Moreira.
7 Para uma análise da formação da bancada evangélica por ocasião da
Constituinte de 1988, ver Pierucci e Prandi (1996). Para uma análise mais geral
da bancada evangélica na Câmara Federal, ver Freston (1996 e 2000).
8 Por exemplo, o jornal Zero Hora referiu-se à eleição do pastor da Universal
Valdir Caetano como a "surpresa do pleito no último domingo" (3/10/2000, p.
35).
9 Essa pesquisa constatou que "os fiéis da Universal concentram seus votos
(95%) em candidatos da própria igreja Universal" (Fernandes et al., 1998, pp.
146-147).
10 Como se sabe, para Weber carisma é uma qualidade extraordinária, de caráter
extra-cotidiano - reconhecida como tal por um grupo social -, que
caracteriza certos indivíduos (profetas, feiticeiros, chefes militares,
"demagogos"), mas também instituições. A Igreja, por exemplo, possui um carisma
de função, ou de instituição, derivado da apropriação de um carisma pessoal
fundador (profético), rotinizado (Weber, 1971, p. 249). Segundo J. Séguy, "
[...] para Weber, o carisma de função representa uma derivação institucional do
carisma pessoal quando este se rotiniza e assume, no processo, significações e
funções novas. O carisma pessoal, por sua vez, caracteriza o profeta (no
domínio religioso), ou o 'demagogo' (no domínio político), ou ainda o chefe de
guerra de qualidades excepcionais (no campo militar)" (1988, pp. 14-15). A
relação entre carisma pessoal e graça institucional, diz Bourdieu, é de luta
pelo monopólio do exercício legítimo do poder religioso. Ou seja, a igreja, "é
incondicionalmente hostil ao carisma 'pessoal', isto é, profético, místico ou
extático, que pretende indicar um caminho original em direção a Deus"
(Bourdieu, 1987, p. 95). Ao mesmo tempo, a instituição religiosa preconiza que
seus funcionários (padres ou pastores) "deve[m] se subordinar à graça
institucional sob pena de condenação [...]" (Séguy, 1982, p. 33); eles devem
reproduzir as obrigações articuladas pela instituição proprietária do carisma
de função (Idem, p. 40).
11 Isto é, uma instituição em que "o carisma apresenta-se como o único elemento
de organização do poder, da igreja local à organização nacional, constituindo
um espaço institucional pouco propício à participação dos fiéis nos assuntos da
Igreja" (Carneiro, 1998, p. 187).
12 A Igreja Universal, como se sabe, está hoje presente em oitenta países, de
todos os continentes, e a maioria dos pastores que atuam nesses lugares são
brasileiros.
13 Como bem frisou A. Corten: "[...] as obras assistenciais permitem [às
igrejas pentecostais] a constituição de uma base eleitoral (1997, p. 29).
14 Eis o pronunciamento completo do Bispo Rodrigues: "Conclamo o povo de Deus a
que nos unamos em torno dos nossos ideais e não tenhamos medo de participar do
processo político, elegendo homens e mulheres tementes ao Senhor Jesus a fim de
que nossa sociedade seja transformada e possa ser orientada, segundo os
verdadeiros princípios cristãos" (Folha Universal, 6/08/2000). O sociólogo e
teólogo metodista Leonildo Campos lembra que o sonho de uma nova condição
social, de uma reconstrução sociopolítica, vigora no conjunto do protestantismo
brasileiro e se expressa nesta quase palavra de ordem: "O Brasil será um país
diferente quando à sua frente estiver um homem de Deus" (2000, p. 21). Para uma
análise atual do milenarismo pentecostalista, ver A. Corten (1995).
15 Para esses autores, o pentecostalismo dá continuidade a um processo de
diabolização realizado pelos missionários, contribuindo, assim, para a
globalização de um imaginário de forças do mal (Corten e Mary, 2000, p. 19).
16 Por outro lado, fica implícito que votar, para os fiéis da Universal,
consiste na expressão de sua relação identitária com a Igreja mais do que com
qualquer político ou partido. Ou, então, em certa medida a própria Igreja
torna-se seu partido. Esse fato condiz com a concepção prevalecente na cultura
brasileira, em que, segundo M. Palmeira, "o voto não é associado ao exercício
de um direito individual, mas a uma sinalização de adesão a um 'lado' (facção)
da sociedade" (Palmeira, 2000, p. 11), nesse caso, um vínculo identitário
religioso e político.
17 Exemplo típico disso ocorreu em Porto Alegre por ocasião das eleições para
vereador de 2000, quando a Assembléia de Deus apoiou oficialmente dois
candidatos, mas não impediu que outros dois também se apresentassem como
candidatos independentes. O resultado foi que nenhum deles se elegeu, perdendo,
assim, uma cadeira, cujo representante ocupava há duas legislaturas.
18 Segundo a Folha Online (de 18/10/2002), em troca do apoio José Serra (PSDB)
comprometeu-se a não patrocinar nenhum projeto ou lei que viesse a ferir os
princípios e os interesses dos evangélicos, tais como: a união civil de
homossexuais, a tributação da renda das igrejas evangélicas e a lei do
silêncio.
19 Por isso mesmo, o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, no dia do segundo turno
das eleições, ironizou dizendo que a disputa não seria entre Lula e Serra, mas
entre a Universal do Reino de Deus e a Assembléia de Deus (27/10/2002, Jornal
da Eleição, p. 10).
20 Para uma visão atual e abrangente do pentecostalismo na América Latina e na
África, ver Corten e Mary, 2000.
21 Nesse sentido, escreveu Bispo Rodrigues: "O povo brasileiro deseja que a
verdadeira política exerça a isonomia, trazendo à existência a democracia
esquecida desde os tempos da Antiga Grécia" (Rodrigues, 1998, p. 8).