Mobilidade espacial da população no Mercosul: metrópoles e fronteiras
A publicação dos resultados amostrais do Censo Demográfico de 2000, as séries
de informações consulares levantadas pelo Ministério de Relações Interiores e,
principalmente, a turbulência dos primeiros anos do novo milênio constituem um
estímulo propício para reflexão, balanço e reconhecimento das evidências
empíricas sobre a inserção do Brasil nos movimentos internacionais de
população, bem como, nesse contexto, o papel do Mercosul (Mercado Comum Sul-
americano) nos deslocamentos populacionais recentes.
Este texto é um desdobramento e uma atualização de pesquisas anteriores
voltadas à análise das transformações e dos efeitos dos movimentos migratórios
internacionais no âmbito do Mercosul. Sempre contextualizados a partir de
processos macroestruturais de reestruturação produtiva e no contexto
internacional da atual etapa da globalização, em suas múltiplas dimensões e
desdobramentos, esses estudos também voltam-se aos possíveis efeitos da
formação do bloco econômico como estratégia multilateral para fazer frente aos
efeitos freqüentemente perversos do contexto contemporâneo no que diz respeito
aos deslocamentos populacionais emergentes.
A crescente importância das migrações internacionais no contexto da
globalização tem sido objeto de um número expressivo de contribuições
importantes, de caráter teórico e empírico, que atestam para sua diversidade,
significados e implicações.
Parte significativa desse arsenal de contribuições volta-se à reflexão das
grandes transformações econômicas, sociais, políticas, demográficas e culturais
em andamento no âmbito internacional, principalmente a partir dos anos de 1980.
Como eixo de reflexão, situam-se as mudanças advindas do processo de
reestruturação da produção,1 o que implica em novas modalidades de mobilidade
do capital e da população em diferentes partes do mundo (Sassen, 1988).
As novas modalidades migratórias demandaram, no cenário da globalização, a
necessidade de reavaliação dos paradigmas para o conhecimento e o entendimento
das migrações internacionais no mundo, sendo que a incorporação de novas
dimensões explicativas torna-se imprescindível, assim como a própria definição
do fenômeno migratório deve ser revista.2 É imprescindível que se considere,
hoje, o contexto de luta e os compromissos internacionais assumidos em prol da
ampliação e da efetivação dos Direitos Humanos dos migrantes; é preciso
reconhecer o novo, difícil e conflituoso papel dos Estados Nacionais e das
políticas sociais em relação aos processos internacionais e internos de
distribuição da população no espaço, cada vez mais desigual e excludente; há
que se tomar em conta as tensões entre os níveis de ação internacional,
nacional e local; enfim, há que se considerar que os movimentos migratórios
internacionais constituem a contrapartida da reestruturação territorial
planetária intrinsecamente relacionada à reestruturação econômico-produtiva em
escala global.
Com a velocidade das transformações tecnológicas (Castells, 1999); com a
compressão do espaço e do tempo (Harvey, 1993); com a nova conformação da
hierarquia urbana internacional (Sassen, 1988); com a consolidação de redes e
dos lugares de redes (Benko e Lipietz, 1998); com a intensidade e a diversidade
dos deslocamentos populacionais, que definem e redefinem espaços transnacionais
(Glick e Schiller et al., 1997), a importância do fenômeno migratório
internacional reside hoje muito mais em suas especificidades, em suas
diferentes intensidades e espacialidades e em seus impactos diferenciados
(particularmente no nível local) do que no volume de imigrantes envolvidos em
deslocamentos populacionais.
Acontecimentos recentes, como o 11 de setembro nos Estados Unidos e sua
estratégia militar preventiva iniciada com a Guerra do Iraque, os conflitos no
Oriente Médio, as tensões entre comunidades de imigrantes muçulmanos na Europa,
entre outras manifestações das contradições e dos conflitos que permeiam a vida
coletiva neste início de século, reforçam também as dimensões de racismo e
xenofobia.
Com efeito, vivemos atualmente um momento crucial no sentido de decidir, no
plano internacional, quais os países que terão acesso ao desenvolvimento, quais
poderão lograr o desenvolvimento econômico, superando a condição de ser
eternamente países em desenvolvimento. Nesse cenário, desde logo, comparecem os
países da América do Sul, onde, de um modo geral, salvo raras exceções, nas
décadas passadas assistiu-se a um processo de democratização, embora as crises
financeiras, o déficit fiscal, as dívidas externas e internas, o estancamento
do processo produtivo, entre outras dimensões, imprimiram a essa dinâmica a
contrapartida do aumento da pobreza, da desigualdade e da exclusão,
distanciando-os ainda mais de países do Primeiro Mundo.
Para superar essa distância, esse continente desenvolve estratégias, oscilando,
muitas vezes, entre a obediência aos cânones neoliberais e as tentativas de
incrementar o resgate social acumulado. Nesse cenário complexo criou-se o
Mercosul, que já há mais de uma década opera com oscilações, contradições e
desafios, ao mesmo tempo em que as discussões sobre comércio internacional e a
Alca recrudescem ainda mais os conflitos internos à região.
A conjuntura política, por seu turno, aponta para a emergência de lideranças
mais voltadas ao reforço regional conjunto do continente sul-americano como
estratégia de enfrentamento da situação adversa. No âmbito do Mercosul, o
presidente Lula e sua política externa parecem dirigir-se no sentido do
fortalecimento do bloco de integração; na conjuntura que tem Kirschner na
Argentina ' país rival, mas também aliado ', a estratégia política parece
favorecer um maior dinamismo e um relativo avanço nas políticas sociais que
envolvem diretamente os que se movimentam internamente entre os países do
bloco, quer com mudança de residência, ou retornos de situações precárias
anteriores, quer como circularidade, com dupla residência, ou permanências
temporárias, quer ainda como ilegalidade, clandestinidade, de famílias ou
individualmente, com o aumento da participação das mulheres, entre outras
características. Seria, então, o momento de retomar o esquecido conceito de
cidadania comunitária?
Este texto divide-se em quatro partes. Na primeira, comenta-se a inserção do
Brasil nas tendências de movimentos migratórios internacionais dos países sul-
americanos rumo a países desenvolvidos, bem como a migração intra-regional
entre os países do próprio continente, buscando enfatizar a participação e a
troca de e entre os países do Mercosul e do Mercosul Ampliado (que, além dos
que já compunham o bloco inicial ' Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai '
conta com a presença da Bolívia, do Chile e do Peru, sendo que já se iniciaram
as tratativas para inclusão também da Venezuela). Na segunda, investigam-se as
características e as tendências da imigração e da emigração no Brasil em
décadas recentes, procurando confrontar dados oficiais, percepções e ações
políticas emergentes. Na terceira, analisa-se a seletividade dos imigrantes
recentes para o Brasil. Finalmente, na quarta parte, consideram-se alguns
exemplos da participação estrangeira nas metrópoles e em alguns espaços
fronteiriços. Encerramos com alguns comentários indicativos das perspectivas e
das implicações do que foi apresentado.
Brasil no contexto sul-americano
Se considerarmos o Brasil no contexto sul-americano, pode-se observar as
confluências e as disparidades em sua trajetória histórica de movimentos
populacionais internacionais com os demais países que compõem o continente sul-
americano, em particular com os países que formam o bloco de integração
Mercosul.
Em valioso estudo sobre os grandes momentos da migração internacional nos
países da América Latina, Villa e Martínez (2000)3 apontam três grandes
tendências: a migração ultramar, principalmente vinda da Europa; aquela marcada
pelos movimentos migratórios intra-regionais, ou seja, deslocamentos
populacionais entre os países da América latina com destaque para os anos de
1970; e a emigração com destino ao exterior, fora da América Latina e do
Caribe, que tomou maior impulso a partir dos anos de 1980.
Considerando-se a imigração de ultramar, os estudos realizados sobre esse
padrão migratório na América Latina e no Caribe4 delimitam a segunda metade do
século XIX e a primeira do século XX5 como o período característico do
movimento migratório internacional com origem além-mar. Foi a etapa dos
volumosos fluxos de imigrantes, oriundos da Europa, especialmente espanhóis,
portugueses e italianos para Argentina, Brasil e Uruguai, bem como aqueles
provenientes da China para o Peru. Estima-se que do começo do século XX até
1970 tenham entrado cerca de 21 milhões de imigrantes de ultramar na região
(Lattes e Lattes, 1997).
Mesmo que parte considerável dos imigrantes, principalmente aqueles de fins do
século XIX e começo do XX, tenha retornado a seus países de origem (Alvim,
1986); Lattes e Lattes, 1997), a imigração internacional líquida para a América
Latina e Caribe chegou a 13,8 milhões de pessoas, no período mencionado, dos
quais mais de 11 milhões de origem européia: italianos, portugueses, espanhóis,
alemães, suíços, irlandeses, austríacos e franceses. O Brasil e a Argentina
juntos absorveram 73% desse saldo migratório internacional da região, 35% e 38%
respectivamente (Lattes, 1998).
O Brasil, em 1990, apresentava uma população estrangeira de 1,1 milhão de
imigrantes, representando 6,2 % de sua população (Tabela_1). O estoque de
estrangeiros no país alcançou seu pico mais elevado em 1920, com 1,5 milhão de
estrangeiros.
Apesar da crise economia mundial em 1929, e da conseqüente crise do café em
1940, encontrava-se residindo no Brasil 1,4 milhão de estrangeiros, porém
respondendo agora por apenas 3,45% da população. Esse período marca uma nova
fase no desenvolvimento da sociedade brasileira, com a passagem para uma outra
etapa da economia. A acumulação cafeeira permitiu que o excedente gerado
passasse a ser aplicado em investimentos urbanos e industriais (Cano, 1977),
com as migrações internas cobrindo a maior parte da mão-de-obra necessária para
a indústria. A partir dos anos de 1930 decresceram as entradas de imigrantes
estrangeiros (Levy, 1994); somente em 1953, com as imigrações dirigidas,
algumas da quais demandadas pelo setor industrial (Jordão Neto e Bosco, 1963),
destacaram-se a entrada de espanhóis, gregos, entre outros. Durante os anos de
1950, ainda se registrou a entrada de 538.0688 imigrantes, com origem
particularmente em Portugal (41,4% desse total), Espanha (16,2%), Itália
(15,7%) e Japão (5,7%). Em 1950, o país possuía uma população estrangeira de
1,2 milhão de pessoas, mantendo esse volume até 1970; de fato, a partir dos
anos de 1960 foram bastante reduzidas as imigrações internacionais ultramar,6
tendência que permaneceu até o final da década seguinte.
No que se refere aos movimentos migratórios internacionais entre os países da
América do Sul, de um modo geral são os mesmos históricos e bastante complexos,
envolvendo desde fluxos intercontinentais, como vimos anteriormente, até
aqueles em espaços bi-nacionais e tri-nacionais.7 Essas migrações compreendem
diversas formas de mobilidade da população no território e derivam tanto de
fatores econômicos como políticos.
Em trabalho recente, incorporando resultados dos Censos Demográficos ronda
2000, Martínez (2003) aponta novas tendências e significativas mudanças nos
padrões migratórios da América Latina e do Caribe, a saber: a) imigração de
ultramar, que registra um esgotamento indeclinável; b) migração intra-regional,
que experimentou uma modesta intensidade e mantém predomínio feminino; e c)
emigração em direção aos Estados Unidos, que concentra a maior parte dos
migrantes da região e se inscreve dentro do padrão migratório sul-norte.
Ressalta o autor, ademais, a nova tendência de direcionamento dos fluxos rumo
ao primeiro mundo: Espanha, país que recebe migrantes de um grande número de
países e o Japão, recebedor de dekasseguis brasileiros e peruanos.
Ao longo dos anos de 1970 houve um considerável aumento dos movimentos intra-
regionais ' vale dizer que o número de migrantes duplicou; a partir da década
de 1980, o crescimento do estoque desses migrantes foi modesto, e pode-se
conjecturar que tenha aumentado levemente até hoje. É interessante de se
observar que esses movimentos migratórios envolvem não apenas mudança de
residência, mas também uma variedade de modalidades, como, por exemplo, a
mobilidade temporal e circular, associadas aos ciclos econômicos, às atividades
agrícolas, à construção de grandes obras e ao comércio, entre outras, e sua
influência se faz sentir especialmente nas regiões fronteiriças.
Como indica a experiência de décadas passadas, o padrão intra-regional tem
sido, ademais, sensível às conjunturas de expansão e retração econômica e à
violência, que propicia tanto uma fuga para países vizinhos como um retorno aos
países de origem quando essa violência parece amenizar-se; em alguns casos,
esses movimentos derivam de deslocamentos internos ' esse é o caso da Colômbia
nos últimos anos; os colombianos seguem representando o principal fluxo
migratório intra-regional e de busca de refúgio em países vizinhos.
O comportamento observado durante os anos de 1980 deveu-se ao impacto da crise
econômica e seus programas de reforma estrutural que se fizeram sentir com
força especial nas principais nações de destino; a década perdida para o
desenvolvimento trouxe, não obstante, a recuperação das formas democráticas de
convivência nos países.
A década de 1990 foi de oscilações, mas com predominância de acirramento de
crises e instabilidade política; os principais países sul-americanos de
imigração (Argentina e Venezuela) não tiveram estabilidade suficiente para
atrair migrantes como em outras épocas, mantendo-se uma transferência, mas com
menor intensidade.
Ainda que não se possa concluir que as origens e os destinos das correntes
migratórias dentro da América do Sul não se alteraram significativamente no
último decênio ' tendência das décadas passadas ', é certo que há sinais nessa
direção. A Venezuela experimentou um leve aumento no número de seus imigrantes
da região (81% colombianos). Os colombianos têm também importante presença no
Equador e no Panamá e seu número aumentou significativamente, no primeiro caso,
sobretudo entre mulheres. De acordo com o ACNUR ' Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados ', os colombianos sempre constituíram populações
flutuantes nas zonas fronteiriças, o que se exacerbou devido à intensificação
da violência; além disso, apenas uma fração minoritária adquiriu o status de
refugiado. A imigração em direção ao Chile ' principalmente de cidadãos
peruanos ' foi importante durante os anos de 1990, chegando ao ponto de ter a
maior presença de estrangeiros em toda sua história, produto de um grande
crescimento econômico comparado (Martínez, 2003, p. 25).
Imigração e emigração internacionais no Brasil nas décadas recentes
Brasileiros no exterior
A problemática das migrações internacionais de e para o Brasil contemporâneo
tem recebido cada vez mais atenção de especialistas, principalmente depois da
Conferência sobre População e Desenvolvimento do Cairo, em 1995. Dada a
constatação de que os movimentos de brasileiros para o exterior passaram a
constituir uma nova questão social no país a partir dos anos de 1980, desde
então é crescente, também, o número de estudos e pesquisas voltados ao tema,
que aparece com freqüência na mídia e adquiriu uma dimensão expressiva nos
programas de governo e no delineamento de políticas sociais.8
De fato, os movimentos migratórios internacionais reassumiram, sobretudo no
final dos anos de 1980, a importância que outrora possuíram no contexto
brasileiro. A imagem de que o Brasil teria passado de uma sociedade
tradicionalmente receptora para uma sociedade que remete migrantes para fora do
país chamou a atenção de acadêmicos e da mídia. A constatação de que cerca de
1,5 milhões de brasileiros viviam no exterior foi o ponto de partida para que
essa idéia ganhasse corpo, tornando-se uma das mais importantes questões
demográficas brasileiras.
Na verdade, a população brasileira, entre os anos de 1950 e 1980, havia sido
considerada, do ponto de vista demográfico, uma população fechada, ou seja, seu
crescimento era resultante da diferença entre o número de nascimentos e o de
óbitos. Era irrelevante, do ponto de vista quantitativo, o reduzido número de
estrangeiros que adentraram o país depois da última leva após Segunda Guerra
Mundial, de um lado, e o reduzido número de brasileiros que se dirigiam a
outros países por motivo de estudo, familiar, diplomático ou de trabalho, além
dos refugiados políticos do período autoritário, de outro lado. Esse panorama
modificou-se nitidamente a partir da década de 1980, quando, pela primeira vez
na história, registrou-se uma saída expressiva de brasileiros para o exterior.
De fato, no primeiro diagnóstico a respeito dos movimentos internacionais
contemporâneos de e para o Brasil (Patarra, 1995 e 1996), verificou-se a
concomitância de distintas modalidades de migração: busca de uma mobilidade
social truncada no país nos anos da chamada década perdida, que se dirigia,
principalmente, para os países do Primeiro Mundo; tentativa de deslocamento
temporário com o intuito de realizar uma penosa poupança permitida por uma
política migratória voltada aos descendentes de imigrantes japoneses, como no
caso dos dekasseguis; expansão de problemas agrícolas não resolvidos para
territórios fronteiriços, particularmente Paraguai, como o contingente
denominado "brasiguaios", entre outras modalidades de menor expressão numérica,
mas nítida conotação de novos relacionamentos internacionais.
Os dados a respeito desses movimentos são fragmentários e de difícil aferição,
mas se estima que mais de 2 milhões de pessoas tenham deixado o país nas
últimas décadas. Num explícito reconhecimento da nova problemática, o
Ministério de Relações Exteriores já realizou cinco levantamentos junto aos
consulados e às embaixadas brasileiras com o intuito de monitorar, acompanhar e
proteger os cidadãos brasileiros que vivem no exterior.
De acordo com os registros consulares, para o ano 2002 foram compatibilizados
1.887.895 brasileiros residentes no exterior, dos quais 42% se encontravam nos
Estados Unidos (quase 700 mil brasileiros); 24%, no Paraguai (em torno de 450
mil); 11%, no Japão (225 mil). Para os países do Primeiro Mundo, em geral,
estima-se em 1,5 milhões a emigração de brasileiros. Em 2003, o total
compatibilizado está em torno de 1,8 milhão de pessoas, o que denota cifras
muito próximas nesses dois anos.
Outro reconhecimento dessa problemática pode ser considerado o prenúncio de
formulação de políticas públicas para a emigração. Em maio de 2002, realizou-se
o I Encontro Ibérico da Comunidade de Brasileiros no Exterior, promovido pela
Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Distrito Federal ' MPF, com o
apoio organizacional da Casa do Brasil de Lisboa e a colaboração da Cáritas
Portuguesa, da Cáritas Brasileira, da Obra Católica Portuguesa de Migrações e
da Pastoral dos Brasileiros no Exterior da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil sob o patrocínio do Branco do Brasil.
É interessante observar a lista de propostas finais aprovadas nesse Encontro,
que incluem elementos para a formulação de políticas públicas para a emigração,
representação política para os emigrantes brasileiros, elaboração do estatuto
do brasileiro no exterior, atuação de consulados e embaixadas brasileiras,
incluindo apoio ao repatriamento, recadastramento eleitoral, reforço dos
consulados itinerantes e assessoria jurídica a emigrantes. Deve-se registrar,
no entanto, um viés econômico no trato com os emigrados. Na "Introdução" do
documento, avaliando-se entre 2 a 3 milhões de brasileiros que vivem no
exterior, já menciona-se a questão das remessas, tema reiteradamente discutido
em fóruns e debates a respeito dos grandes movimentos internacionais
contemporâneos. Neste caso, a questão das remessas foi levantada como ponto de
partida, e sua justificativa é plausível tanto do ponto de vista da economia
brasileira, como da perspectiva social:
Do ponto de vista da economia brasileira cabe ressaltar que a
emigração é responsável pela remessa unilateral de cerca de dois
bilhões de dólares anuais para o Brasil, contribuindo
significativamente para diminuir o desequilíbrio da balança de
pagamentos e, do ponto de vista social, para inclusão no mercado
consumidor das famílias beneficiadas por essas remessas (Ministério
Público Federal/Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do
Distrito Federal, p. 3, grifos nossos).
Como parte do primeiro diagnóstico realizado por especialistas, Klagsbrunn
(1996) já alertava que, de acordo com dados do Banco Central, o país apresentou
uma elevação considerável de divisas recebidas nos anos de 1990, tendo
registrado, para o ano de 1995, um montante aproximado de 4 bilhões de dólares,
o que provocou o comentário de que o emigrante estava se constituindo no
principal produto de exportação do país.
Também é interessante registrar que o Fundo Multilateral de Inversões (Fomin),
do BID, vem realizando um
[...] esforço conjunto com agências governamentais, o setor privado e
ONGs, instituições financeiras e outras, para aumentar a consciência
da importância desses fluxos; aumentar a competição para diminuir os
custos de remessas; promover a educação financeira; fomentar o
impacto desses fundos ao oferecer mais opções financeiras para as
famílias receptoras de remessas e suas comunidades (http://
www.iadb.org.mif).9
Percebe-se, portanto, que o Brasil entrou no rol dos países com altos índices
de remessa, estimada em R$5,8 bilhões no ano de 2003. Isso parece estar
ocorrendo também por parte de autoridades ' comemorando o fato de que tal
montante teria entrado no país em parte pelo Banco do Brasil e em parte trazido
pessoalmente ou enviado por parentes e amigos,10 uma autoridade do Itamaraty
afirmou em tom jocoso que brasileiros residentes no exterior "são compatriotas
que deveriam ser recebidos com tapete vermelho, champagne e caviar" (Folha de
São Paulo, 4 jul. 2004).
Estrangeiros no Brasil
No que se refere à entrada de estrangeiros no Brasil, vale lembrar que o
controle da imigração é uma atribuição de três órgãos, a saber, Ministério da
Justiça, Ministério de Relações Exteriores e uma parte do Ministério do
Trabalho. Ao Ministério da Justiça compete essencialmente o controle dos
estrangeiros após sua entrada em território nacional e a aplicação da política
de imigração, desde a concessão de visto, prorrogações, transformações de
vistos, permanências, até medidas menos "simpáticas" como a extradição.
A política imigratória atual é orientada pela Lei n. 6.815, de 19 de agosto de
1980, que desde o início de sua vigência vem sendo alvo de críticas no país. A
lei criou ainda o Conselho Nacional de Imigração (CNI), órgão presidido pelo
Ministério do Trabalho com representantes de vários outros ministérios, órgãos
de classe e da SBPC. O CNI, por meio de 49 resoluções, orienta a política
imigratória que, neste momento, privilegia a imigração sob o ponto de vista da
assimilação de tecnologia, investimento de capital estrangeiro, reunião
familiar, atividades de assistência, trabalho especializado e desenvolvimento
científico, acadêmico e cultural (Barreto, 2001). Destaca-se ainda, na condução
da política imigratória brasileira, o trabalho desenvolvido pelo Comitê
Nacional para os Refugiados ' Conare, vinculado ao Ministério da Justiça, que
tem por finalidade a condução da política nacional sobre os refugiados. Cabe ao
Ministério do Trabalho e Emprego estabelecer diretrizes e orientações de
caráter geral no que concerne à autorização de trabalho a estrangeiros, com
observância dos preceitos da Lei n. 6.815/80, que define a situação jurídica do
estrangeiro no Brasil.11
Esse conjunto de dispositivos jurídicos caracteriza o Brasil como um dos países
mais restritivos quanto à imigração de estrangeiros. Nas discussões a esse
respeito no âmbito do governo do Mercosul houve uma tentativa de harmonizar as
políticas migratórias dos países-membros com vistas à livre circulação de
trabalhadores no contexto da abertura comercial; nesses fóruns a posição
brasileira tem-se mantido inalterada.
Trabalha-se até hoje com a estimativa de 1 milhão de estrangeiros no Brasil,
considerada estável nos últimos dez anos, mas o Ministério do Trabalho forneceu
autorizações a apenas 62.890 pessoas, entre 1993 e 2000. A desproporção entre
imigrantes não documentados e os legais é nítida; situação reforçada, ademais,
pelas restrições e pouca abertura do país aos refugiados políticos.Um dos
problemas para os imigrantes estrangeiros é a já citada lei de imigração,
editada na década de 1980, quando vigorava um regime político de exceção, que
considerava o estrangeiro uma questão de segurança nacional.
Na verdade, é nítido o declínio da participação de estrangeiros na população
brasileira; a Tabela_1 apresenta em termos absolutos e percentuais o tamanho da
população estrangeira, que declina contínua e acentuadamente a partir dos anos
de 1970, chegando a ponto de representar, em porcentagem, uma ínfima parcela da
população do país ao final do século XX. O estoque de estrangeiros passou de
912 mil pessoas, em 1980, para 651 mil, em 2000, o que representa apenas 0,38%
de sua população total.
Essa tendência histórica reflete-se na pirâmide etária da população estrangeira
registrada no Censo de 2000, em que o estoque daqueles que ficaram se
concentra, obviamente, nas idades mais avançadas, enquanto é mínimo o
contingente de jovens e crianças estrangeiras (Gráfico_1).
Há que se considerar, no entanto, que essas cifras devem estar subestimando o
contingente de imigrantes que adentrou o país no período. Sabe-se que os dados
censitários a respeito da imigração internacional são geralmente subestimados,
uma vez que a maioria dos imigrantes se encontra em situação irregular no país
de destino e se omite durante a visita dos entrevistadores censitários. No
conjunto desse contingente populacional estrangeiro pode-se observar, na Tabela
2, que as nacionalidades predominantes são ainda constitutivas do padrão
ultramar (Villa e Martínez, 2000), mais da metade desse estoque nasceu na
Europa (57,5%); seguem mais distantes, os asiáticos (18,2%), com destaque para
os japoneses (10%) e os "mercosulinos" (17,2%).
A proporção de imigrantes internacionais recentes (1990-2000) no total deste
estoque de estrangeiros indica, contudo, novas modalidades migratórias, com a
crescente importância do contexto regional do Mercosul. Por exemplo, a
imigração recente do Paraguai para o Brasil representa quase a metade dos
paraguaios aqui residentes, sendo que para os demais países do Mercosul essa
proporção é superior a 30%. Além disso, destaca-se a imigração recente de
norte-americanos, demais países da América do Sul/Central e África. Essas
migrações constituem uma das dimensões do cenário das mudanças econômicas
internacionais vigente na sociedade global (Ianni, 1996)
Traço característico da imigração estrangeira no cenário da globalização é a
condição clandestina dos migrantes (Sales, 1996; Patarra e Baeninger, 1995),
tornando ainda mais difícil a mensuração desses fluxos. É dessa forma,
portanto, que os novos fluxos de imigrantes para o Brasil são de difícil
percepção e aferição.
Os países de nascimento desse contingente, que passou a residir no Brasil
nessas décadas, estiveram concentrados no Mercosul Ampliado, respondendo por
cerca de 40% dos imigrantes internacionais recentes que chegaram ao país; a
estes segue os migrantes da Europa (mais de 20%), Ásia (12,5%) e América do
Norte (9,1%).
Essas evidências indicam, de um lado, que o Brasil aumentou sua inserção nas
migrações do Mercosul; de outro, que retomou as migrações de ultramar, com
fluxos da Europa e da Ásia. Ressalte-se ainda que a imigração internacional
norte-americana recente está relacionada à alocação temporária de mão-de-obra
qualificada.12
No caso das migrações internacionais de ultramar, se para o conjunto da América
Latina e do Caribe o padrão migratório ultramar realmente se viu esgotado até
os anos de 1950 (Villa e Martínez, 2000) e não demonstra novo impulso, para o
caso brasileiro esses fluxos ' se não se configuram um padrão (nos moldes do
final do século passado) ', marcam uma nova modalidade de movimento imigratório
internacional para o país. A década de 1980 demonstra maior intensidade de
fluxos, uma vez que, para os anos de 1990, assiste-se a um ligeiro declínio
nesse volume: os imigrantes com origem na Europa, com destaque para Portugal,
passaram, entre essas décadas, de 24 mil para 22 mil; para a Ásia, o fluxo
decresceu de 18 mil para 12 mil, indicando a diminuição na entrada de coreanos,
dado que os imigrantes japoneses recentes passaram de 3 mil para quase 5 mil,
respectivamente. Deve-se ainda considerar a importância crescente da migração
africana, que quase dobrou seu volume, entre as décadas de 1980 e 1990 ' de 2,5
mil para 4,8 mil imigrantes no Brasil.
Em contrapartida, informações referentes aos pedidos de concessão de vistos
para trabalho no Brasil, do Ministério do Trabalho, são indícios do reverso da
medalha, ou seja, o aumento dos imigrantes documentados; entre 1993 e 1996
foram concedidas 45.827 autorizações; entre 1997 e 1999, 49.888, e entre
janeiro e junho de 2000, 9.496 autorizações. A maior porcentagem dessas
autorizações é concedida a estrangeiros de países europeus: mais de 30%,
seguidos daqueles oriundos dos Estados Unidos e do Canadá ' em torno de 20%
(Tabela_3; cf, Baeninger, 2000).
Assim, se, de um lado, o número de imigrantes clandestinos no país é muito
menor do que o indicado pelas fontes oficiais, de outro, os próprios dados do
governo brasileiro indicam a elevação na entrada de migrantes documentados,
altamente qualificados e com emprego assegurado.
Seletividade da imigração recente para o Brasil
Os levantamentos censitários no que se refere à mensuração dos fenômenos de
imigração internacional, apesar das subenumerações e da ausência de dimensões
significativas, permitem esboçar um perfil desse contingente, particularmente
em relação a sexo, idade, escolarização e ocupação.
O perfil do migrante internacional analisado com base no censo demográfico,
embora permita conhecer algumas especificidades do fenômeno, aponta a
seletividade migratória desse contingente populacional. De modo geral, o grau
de escolaridade, a inserção nas atividades econômicas, a ocupação desses
imigrantes internacionais captados pelo censo apresentam-se bastante
favoráveis, uma vez que se trata de imigrantes que, além de legalizados no
país, estão sendo absorvidos pelo mercado de trabalho.
Considerando-se, em primeiro lugar, os níveis diferenciados de escolarização,
indicados pelos anos de estudo dos imigrantes internacionais (Tabela_3), pode-
se observar que os imigrantes da Europa, da América do Norte, do Japão e da
Oceania concentram suas participações na categoria "nível universitário" (12-15
anos de estudo) e de "pós-graduação" (mais de 16 anos), estando inseridos,
predominantemente, em atividades ligadas à educação (América do Norte e
Oceania, em especial), a intermediações financeiras e à indústria de
transformação (Japão, América do Norte e Europa).
Os asiáticos, principalmente coreanos, apresentam grau de escolaridade entre o
nível colegial e universitário e estão concentrados nas atividades relacionadas
ao comércio ' a produção têxtil e de confecções no Brasil vem sendo amplamente
dominada pelos coreanos (Galleti, 1995). Entre os novos imigrantes de ultramar,
os africanos concentram-se no nível universitário, ligados às atividades de
educação, comércio e indústria de transformação (Tabela_4). Esses trabalhadores
apresentam ocupações (Tabela_5) ligadas às ciências e às artes ' América do
Norte (52,3% dos imigrantes no período de 1990a 2000); Oceania (48,3%), África
(21,2%) ', à direção de empresas, gerência, organização de interesse público e
participação no poder público ' Oceania (57,6% do total de seus imigrantes no
Brasil); Ásia (35,6%); Europa (30,5%); Japão (20,4%).
Esses imigrantes internacionais compõem uma fatia dos movimentos migratórios em
nível global. Sassen (1998) afirma que há claramente uma classe de
trabalhadores que se beneficia do novo complexo industrial advindo do processo
de reestruturação produtiva e do conseqüente processo de globalização; trata-se
dos novos profissionais gerentes, corretores, com salários elevados. Esse
trabalhador de alta-renda é portador de capacidade e escolha de consumo; a
conjugação de excesso de lucro e a nova cultura do trabalho cosmopolita criou
uma força espacial para novos estilos de vida e novos tipos de atividades
econômicas.
As estruturas etárias desses imigrantes apresentam-se bastante diferenciadas.
Enquanto para norte-americanos e japoneses nota-se a presença de uma migração
familiar, para europeus e asiáticos é bastante expressiva a presença de
adultos, sobretudo entre os asiáticos, para ambos os sexos.
No âmbito do Mercosul, particularmente nos fluxos da Argentina para o Brasil,
os emigrantes estão concentrados no nível superior e de pós-graduação (42,4%
dos argentinos residentes no Brasil em 2000), sendo 44% ligados a cargos de
gerência, empresas e profissionais das ciências e das artes e 12,2%, à
intermediação financeira.
Como mencionado anteriormente, cerca de 40% da imigração internacional dos anos
de 1990 teve origem nos países do Mercosul Ampliado: o Paraguai responde por
11% desse fluxo, a Argentina, por 8,1%, e a Bolívia, por 7,7%.
Configurando distintos grupos sociais, esses imigrantes apresentam
características socioeconômicas bastante diferenciadas ' o caso dos argentinos,
já mencionado, é ilustrativo das desigualdades que permeiam essas migrações.
Dentre os mercosulinos no Brasil, os paraguaios apresentam menor escolaridade
(Tabela_4), com cerca de 12,3% na categoria "sem instrução" e "menos de 1 ano
de estudo"; de fato, trata-se de imigrantes trabalhadores agrícolas ou
inseridos em atividades de menor qualificação, como construção, comércio e
mesmo indústria de transformação. Os imigrantes provenientes do Uruguai, do
Chile e da Bolívia encontram-se em torno de 3% na categoria "sem instrução" e
peruanos com apenas 1,7%. Na verdade, argentinos, chilenos e peruanos,
registrados no censo demográfico, são aqueles com maior escolaridade,
destacando-se os níveis superior e de pós-graduação.
Os uruguaios dividem-se entre as atividades ligadas ao comércio e a
intermediações financeiras; os argentinos e os chilenos espalham-se pelas
atividades qualificadas de intermediação financeira, indústria de
transformação, educação e comércio; os bolivianos concentram-se na indústria de
transformação; e os peruanos, no comércio, educação e saúde.Destaca-se, ainda,
que argentinos e chilenos apresentam ocupações ligadas à gerência, às ciências
e às artes (Tabela_5); os uruguaios, concentram-se nos ramos de serviços e
venda; os paraguaios, além de ocupações agrícolas, estão também presentes
nesses setores e nas ocupações ligadas a bens e serviços industriais,
juntamente com os bolivianos; e os peruanos registram elevada participação
(mais de 40%) como profissionais das ciências e das artes, com entrada também
nos setores de serviços e venda.
Essa heterogeneidade da população migrante internacional do Mercosul no Brasil
reflete a própria estrutura ocupacional do processo de reestruturação
produtiva. Segundo Sassen (1988), essa estrutura caracteriza-se, de um lado,
pela concentração locacional dos principais setores da indústria; de outro,
contudo, soma-se a polarização ocupacional, contribuindo para o crescimento de
um estrato de alta renda e um estrato, bastante grande, de trabalhadores de
baixa renda, incluindo também os migrantes internacionais, em particular os
clandestinos.
Como se trata de uma imigração mercosulina seletiva, captada pelo censo, as
estruturas indicam migrações familiares para os paraguaios e a presença
acentuada de adultos jovens para chilenos, argentinos e mesmo bolivianos no
Brasil; destaca-se, ainda, a importância da migração feminina nesses fluxos.
Os espaços da migração internacional: metrópoles e fronteiras
Os rebatimentos desse movimento de reestruturação nos contextos urbanos têm
contribuído para a globalização de lugares, com a configuração de espaços
marcados como o lugar de produção.13 Para Sassen (1998), as metrópoles, por se
constituírem no local da concentração das atividades ligadas ao processo de
reestruturação das atividades econômicas, tornaram-se o local privilegiado para
os destinos dessa migração internacional. Este é um dos aspectos que marca as
cidades globais. Centros privilegiados da economia capitalista transnacional,
essas cidades "representam lugares específicos, espaços da estrutura social, da
dinâmica interna e da nova ordem global" (Idem, p. 4).
De fato, os destinos migratórios dos fluxos da migração internacional do então
chamado "trabalhador global" para o Brasil, entre 1990 e 2000, estão
concentrados nas duas principais metrópoles brasileiras, já definidas na
hierarquia proposta pela autora.
No conjunto dos imigrantes internacionais para o Brasil nos anos de 1990, mais
de 35% destinaram-se às regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro
(Tabela_6). No caso do Rio de Janeiro, há uma concentração mais acentuada de
africanos (37% do total no período citado), seguido pelos europeus e norte-
americanos (em torno de 14% do total residente no país). É na metrópole de São
Paulo que a migração internacional dos trabalhadores globais e da migração de
asiáticos se concentra: 44% no total, 38% de japoneses e mais de 20% de
europeus, norte americanos e argentinos (16% neste último caso) no período em
questão.
A estrutura etária dessa imigração internacional metropolitana reflete a
seletividade do movimento, com forte presença de jovens e adultos em idade
produtiva, inclusive com significativa participação da migração feminina
(Gráfico_3).
Assim, a cidade global, capaz de atrair esse novo contingente imigrante, de
acordo com Sassen (1988), estrutura-se não apenas nos resultados da economia
internacional sob aquele espaço, mas também nos processos globalizantes e em
suas conseqüências presentes na vida das cidades e de seus habitantes. Os
fatores que contribuem para a chegada dessa população estão vinculados à
dispersão geográfica da indústria, ao crescimento da indústria financeira, à
transformação na relação econômica entre cidades globais, Estado-nação e
economia mundial, e à formação de uma nova classe social, onde é patente a
presença dos imigrantes internacionais globais (Sassen, 1998).
Os processos de redistribuição da população migrante, como já referido,
configuram modalidades específicas, sendo algumas áreas transfronteiriças
particularmente expressivas. Os casos dos municípios de Santana do Livramento e
de Foz do Iguaçu constituem exemplos que se manifestam nas dinâmicas de suas
populações (Patarra e Baeninger, 2001). Em 1970, a população de Santana do
Livramento, fronteira com o Uruguai, era de 68 mil habitantes, superior a de
Foz do Iguaçu (28 mil); conformado por uma fronteira tríplice, este último
município chegou a registrar uma das maiores taxas de crescimento do país nos
anos de 1970 (16 % a.a.), saltando para uma população de 124 mil pessoas em
1980. Apesar do decréscimo em seu ritmo de crescimento populacional, as décadas
de 1980 e 1990 ainda revelaram altas taxas de crescimento em Foz de Iguaçu
(superiores a 3% a.a.), ao passo que Santana do Livramento manteve uma taxa
positiva de 1,3% a.a., entre 1991e 2000.
O crescimento populacional desses espaços de fronteira é também caracterizado
pela migração internacional, com destaque para os fluxos advindos de países
vizinhos. Em Foz do Iguaçu predominam os migrantes internacionais com origem no
Paraguai, bem como de países asiáticos. Cerca de 17% dos paraguaios e 13% dos
asiáticos que entraram no Brasil nos anos de 1990 destinaram-se a Foz do Iguaçu
(Tabela_7)
Santana do Livramento é o destino migratório da metade dos uruguaios que
entraram no país; além disso, cerca de 1.660 imigrantes do Uruguai passaram a
residir neste município nos anos de 1990. Essas localidades absorvem, contudo,
migrantes bastante diferenciados, em função, principalmente, da própria
estrutura econômica de cada um desses municípios fronteiriços (Tabela 9). Em
Santana do Livramento, cerca de 14 % dos uruguaios estavam inseridos em
atividades de agricultura e pecuária; 28% no comércio; e 11% em intermediações
financeiras.
Foz do Iguaçu, cuja dinâmica vem sendo marcada pelo contrabando, narcotráfico,
e toda sorte de negócios ilícitos, provavelmente constitui-se o local de
circularidade e clandestinidade de um crescente número de indivíduos neste
contexto marcado tradicionalmente pela beleza natural e pelo turismo. Os dados
censitários são, sobretudo neste caso, apenas um indício do movimento
internacional de pessoas neste complexo mosaico de contrastes do mundo
globalizado. Neste caso, os principais fluxos são de paraguaios, argentinos e
asiáticos, sendo que estes últimos apresentam maiores volumes de população com
mais de 14 anos de idade e, portanto, chegando a responder pela metade da
população imigrante internacional em idade produtiva. Ou seja, os asiáticos vêm
ocupando a primeira posição entre os contingentes migratórios internacionais,
ao contrário do que se poderia esperar, isto é, uma presença mais marcante dos
países do Mercosul. É importante registrar que, possivelmente, com os países
vizinhos a mudança de residência tende a diminuir, conformando modalidades
específicas de movimentos fronteiriços. De qualquer maneira, os paraguaios
disputam com os asiáticos as atividades ligadas ao comércio local, embora 89%
dos asiáticos estejam nessa atividade e apenas 21% dos paraguaios; outros 13%
encontram-se no setor de transporte e comunicações. Os argentinos em Foz do
Iguaçu estão absorvidos nas atividades de comércio, indústria de transformação
e intermediação financeira.
Esses dois exemplos de municípios ilustram as distintas modalidades de
deslocamentos populacionais em áreas de fronteira. Santana do Livramento/Rivera
insere-se ainda em deslocamentos ligados ao mercado de terras, principalmente
pela inserção na agricultura de seus imigrantes; já Foz do Iguaçu, ao mesmo
tempo em que poderia indicar a consolidação da fronteira, emerge como local
privilegiado para a migração de asiáticos, características dos "espaços de
fluxos" (Castells, 1999). Assim, nota-se que a questão das fronteiras se
expande para o entendimento do local e do global (Beck, 1999), ultrapassando
espaços bi- ou tri-nacionais.
Considerações finais
As migrações internacionais assumiram novas características e novos
significados ao longo das últimas décadas no contexto da internacionalização da
economia e da conformação de blocos de integração econômica. O Brasil
acompanha, em parte, as tendências migratórias dos países da América do Sul,
embora com especificidades que se refletem no caso já estrutural de saída de
brasileiros para o Paraguai e nas características também específicas que
assumem os movimentos de saída de brasileiros para o exterior.
No caso dos movimentos migratórios dos países do Mercosul para o Brasil, pôde-
se constatar a importância crescente dos movimentos intrabloco, não tanto por
seu volume, mas por sua diversidade e suas implicações. A reestruturação
produtiva e o contexto internacional têm produzido efeitos nesta área, no
sentido de impulsionar novas modalidades de transferências populacionais.
Percebe-se que esse novo cenário tem influenciado a transferência populacional
tanto para as metrópoles, como para outras cidades, cuja posição geográfica e
competitividade têm atraído indústrias novas e internacionais, iniciado um
processo de transformação urbana já típica da atual etapa de economia.
Em contrapartida, a questão das fronteiras e das áreas limítrofes entre os
países apresenta uma outra faceta das mudanças nesses movimentos populacionais
' são muitas as especificidades que cercam essa mobilidade. Em primeiro lugar,
é possível que, em termos quantitativos, não esteja ocorrendo um aumento
expressivo dos movimentos migratórios em conseqüência dos acordos comerciais,
se por migração estivermos entendendo a transferência de residência fixa.
Contudo, novas formas de mobilidade espacial da população passam a coexistir,
incitando, inclusive, uma redefinição dos fenômenos emergentes que requerem
análise.
As novas modalidades de movimentos embutem novos significados; requerem, entre
outras dimensões, novos procedimentos jurídicos por força da necessidade de
regulamentar, mais cedo ou mais tarde, a livre-circulação de trabalhadores no
contexto da livre-circulação de mercadorias. Por outro lado, esses movimentos
que tendem a ser mais constantes, mais circulares, mais diversos, incidindo em
situações de convivência bi-nacional (ou tri-nacional, no caso de Foz de
Iguaçu) históricas, em que a estratificação social, as desigualdades e
carências pregressas tendem a acirrar-se. Abre-se, assim, um leque de novas
necessidades, e certas dimensões da vida coletiva ficam a descoberto, como, por
exemplo, a necessidade de compatibilização de políticas sociais ligadas à
educação e à saúde e a todo o sistema previdenciário no sentido de salvaguardar
as trajetórias ocupacionais dos trabalhadores.
Os estudos têm mostrado, ainda, que espaços geográficos contíguos, o que
chamamos de fronteiras transnacionais, vão constituindo pontos particularmente
vulneráveis aos efeitos perversos da globalização e dos acordos comerciais
sobre as condições de vida de grupos sociais envolvidos. Onde anteriormente
observava-se a extensão de questões agrárias não resolvidas, hoje observa-se
uma crescente vulnerabilidade, com maior insegurança em face dos efeitos
paralelos das rotas do narcotráfico, do contrabando e dos procedimentos
ilícitos de lavagem de dinheiro e outras modalidades de corrupção que aí
encontram seu "nicho" de ação.
Na nova realidade em construção surgem, ademais, conflitos entre os níveis
locais (muitas vezes transnacionais), nacionais e regionais no processo de
tomada de decisões, no delineamento de políticas públicas, nos orçamentos,
enfim na vida cotidiana dessas "novas comunidades".
As análises, portanto, inserem-se na discussão sobre as relações entre o
processo de reestruturação produtiva, internacionalização da economia e
formação de blocos econômicos, de um lado, e os volumes, as tendências e as
características dos movimentos migratórios internacionais, de outro.
No cenário recente das migrações internacionais, em seu volume e sua
composição, a constituição de blocos regionais integrados aponta para a
diversidade de deslocamentos e, em alguns casos, até para o aumento em sua
intensidade, como parece ocorrer entre Paraguai e Brasil. Nesse contexto, um
dos desafios que se apresenta é a governabilidade das migrações internacionais
no Mercosul. Segundo Mármora (1997), torna-se necessário o desenvolvimento de
instrumentos legais, administrativos e de informação sobre migração, visando à
atualização de normas e instituições destinadas a absorver as necessidades e as
urgências dos migrantes nos seus direitos sociais, culturais, econômicos e
políticos. Enfatiza-se, assim, a necessidade de se avançar na legalização da
"cidadania comunitária" no Mercosul a fim de minimizar o problema da
ilegalidade das migrações internacionais, ampliando a perspectiva da "livre
circulação de trabalhadores" em espaços cada vez mais livres pela circulação de
capitais, bens e serviços.