Ensaios de corrosão sob tensão do aço api 5l x70 em meio de etanol
1. INTRODUÇÃO
O fenômeno de corrosão sob tensão (CST) de ligas ferrosas em meios alcoólicos,
foi uma das áreas da corrosão extensamente abordada no final da década dos anos
80. Estes revelam-se de grande importância tendo em vista o transporte de
etanol ou de outros combustíveis alternativos. No entanto, só a partir de
meados da década de 2000 é que o tema CST ganha novamente notoriedade, com os
trabalhos realizados pelo Instituto Americano de Petróleo (American Petroleum
Institute ' API) e a Associação de Combustíveis Renováveis (Renewable Fuels
Association ' RFA) [1], face à importância do etanol como combustível.
Farina e Grassini [2] estudaram o efeito do cloreto de lítio, ácido sulfúrico e
perclorato de lítio em meios de metanol, etanol e propanol. Sridhar et al. [3],
mostraram a importância dos contaminantes considerados na norma ASTM D 4806 e
da presença de oxigénio na ocorrência de CST em corpos de prova entalhados de
aço-carbono ASTM A 36. Landim et al. [4,5] analisaram a influência da tensão de
deformação na CST, para o aço API 5L X70, em diversos meios de etanol. Os
resultados ratificaram a eficiência do método adotado para observar o fenômeno
de CST e, também, a importância dos contaminantes nos meios de etanol.
Este trabalho tem como objetivo estudar a importância do tipo de etanol
(anidro, de cana do açucar e de milho) na CST do aço API 5L X70.
2. METODOLOGIA
Os ensaios de CST realizaram-se à temperatura ambiente, de acordo com as normas
ASTM G129 [6] e NACE TM0198 [7]. A carga de tração aplicada ao corpo de prova,
numa máquina servomecânica, efectuou-se por meio de um motor elétrico acoplado a
uma engrenagem mecânica. À medida que o ensaio avançava dois extensômetros
mediram a variação da dimensão longitudinal e transversal do corpo de prova. A
taxa de deformação foi de 1,0x10-5 mm.s-1.
A célula adaptada para os ensaios em meio de etanol foi confeccionada em vidro
de borossilicato e Teflon?.
Os corpos de prova foram presos por meio de um anel de vedação posicionado
contra a tampa com rosca, de modo a evitar o contacto do meio com a garra da
máquina servomecânica, Figura_1.
A Figura_2(a) mostra os corpos de prova com entalhe em V, maquinados a partir
de troços cilíndricos de aço API 5L X70. Os entalhes foram observados por
microscopia eletrónica de varrimento (MEV ' FEG), para controlar a qualidade e
dimensões da maquinagem, Figura_2(b).
Os meios ensaiados foram os seguintes:
- etanol anidro P.A., fabricante VETEC, a designar de Etanol P.A.;
- o etanol combustível anidro de cana de açúcar colhido num tanque de
armazenamento, a designar de Tanque;
- o etanol combustível anidro de cana de açúcar colhido num dos vagões do
terminal ferroviário integrado numa refinaria, a designar de Vagão;
- etanol combustível de milho, a designar de Importado.
Todos estes meios foram testados para duas atmosferas: 1) N2 ' nitrogênio
ultrapuro (borbulhado previamente na solução durante 0,5 h) e 2) ArSint ' ar
sintético superseco (borbulhado previamente na solução durante 1 h).
As superfícies de fratura dos corpos de prova foram examinadas num
estereoscópio (Zeiss) com ampliação de 4X e, também, por MEVFEG com ampliação
de 2500X, e com registos macro e micrográficos, respectivamente. Para termo de
comparação foram testados corpos de prova ao ar (prova em branco).
Os resultados dos ensaios de CST apresentam-se sob a forma da carga (kgf )
versus extensão (%). A análise das curvas obtidas foi complementada pelas
imagens das fraturas dos corpos de prova:
- imagem global da fratura (estereoscópio);
- detalhe da borda da fratura (microscópio eletrônico de varrimento).
3. RESULTADOS
As figuras_3_a_6 mostram as curvas carga/extensão para os diferentes meios
utilizados, juntamente com o resultado do ensaio em branco.
Na figura_3, observa-se que a curva do corpo de prova sob atmosfera de ArSint
(linha verde tracejada) está mais próxima da curva do corpo de prova ao ar
(linha preta cheia). Para a atmosfera de nitrogênio (linha verde cheia), a
curva encontra-se mais afastada do que a curva sob atmosfera de ar sintético e,
também, do corpo de prova ao ar.
Na figura_4, verifica-se que a curva preta relativa ao corpo de prova ao ar e a
curva vermelha tracejada, Tanque/ArSint, são muito semelhantes, apresentando
praticamente a mesma extensão antes da ruptura. Já na curva vermelha cheia,
Tanque/N2, a extensão é menor que as anteriores.
Na figura_5, observa-se que o corpo de prova no etanol Vagão/N2 (curva azul
cheia) apresentou extensão inferior à alcançada pelo corpo de prova ao ar
(curva preta cheia) e o ensaiado no etanol Vagão/ArSint (curva azul tracejada)
exibiu extensão ainda menor.
Para o Importado (figura_6) sob ambas as atmosferas, verificaram-se os menores
valores de extensão, sendo a menor para a atmosfera de ar sintético.
Uma análise inicial das curvas carga/extensão aponta para duas tendências:
- as amostras Vagão e Importado provocaram CST em todos os meios, uma vez que
os valores de extensão foram claramente menores do que a extensão observada
para ensaio padrão, principalmente, sob a atmosfera de ar sintético;
- as amostras Etanol P.A. e Tanque sob atmosfera de ArSint não provocaram CST,
pois os valores de extensão foram semelhantes ao do ensaio padrão;
Para a atmosfera de N2, os valores de extensão não foram tão próximos dos
referentes ao ensaio padrão, mas foram superiores às observadas para as
amostras Vagão e Importado.
As tabelas_1 e 2 apresentam as macrofractografias e as microfractografias dos
corpos de prova ensaiados.
Na tabela_1, vê-se que as macrofractografias dos corpos de prova ao ar, Etanol
P.A./N2, Etanol P.A./ArSint e Tanque/ArSint apresentaram bordas arredondadas
rente aos respectivos entalhes. As fraturas mostraram-se levemente elípticas,
evidenciando a estricção dos corpos de prova, e, consequentemente,
caracterizando-se como uma fratura dúctil.
O corpo de prova ensaiado no Tanque/N2 não apresentou a forma elíptica, ou
seja, manteve a sua secção circular, porém, a sua borda mostrou-se arredondada
rente ao seu entalhe. A macrofractografia obtida em estereoscópio, neste caso,
não revelou claramente a natureza da sua fratura (tabela_1).
Para os ensaios realizados em Vagão/N2, Vagão/ArSint, Importado/N2 e Importado/
ArSint, tabela_1, pode-se observar que as bordas dos corpos de prova são de
secção circular com a formação de uma região plana, no formato de anel, rente
aos entalhes dos corpos de prova. Estes anéis mostraram-se opacos, de coloração
cinza claro e com trincas radiais. A formação das regiões planas e a manutenção
da secção circular dos corpos de prova indicam que houve fratura frágil dos
corpos de prova, tabela_1.
Destaca-se que somente os corpos de prova em etanol de milho, sob ambas as
atmosferas, patentearam corrosão vermelha na região do anel, indicando a maior
agressividade deste tipo de etanol.
As microfractografias de MEV-FEG, tabela_2, mostram com maior clareza as
características das fraturas já discutidas pelas imagens de estereoscópio
(tabela_1).
Para o meio de Etanol P.A., em ambas as atmosferas, pode-se observar a região
de cisalhamento do entalhe confirmando o comportamento de fratura dúctil.
Apesar da curva carga/extensão para o meio de Etanol P.A., sob atmosfera de
nitrogênio, ter apresentado menor extensão, o exame da fratura evidenciou
tratar-se de fratura dúctil, tabela_2. Portanto, o Etanol P.A., para ambas as
atmosferas, não provocou CST. Convém sublinhar para o corpo de prova no etanol
Tanque/N2, tabela_2, que a fratura foi caracterizada como frágil, apesar de não
ter havido a formação do anel, como observado para as amostras Vagão e
Importado, vide tabela_1. Na tabela_2, observa-se que o corpo de prova em
Tanque/N2 não apresentou cisalhamento na região do entalhe, mas verifica-se uma
região com fratura frágil, caracterizada pela ausência de planos de
escorregamentos e presença de diferentes planos de clivagem próximos da borda
do corpo de prova. Destaca-se que este comportamento foi observado somente em
parte do corpo de prova. Segundo Wolynec [8], a fratura frágil pode ocorrer num
lado particular da fratura e não em toda a periferia do corpo de prova. Já para
o corpo de prova em Tanque/ArSint, a fratura apresentou cisalhamento, sendo
assim, caracterizado como fratura dúctil. Para a amostra Tanque sob atmosfera
de N2, verificou-se a ocorrência de CST, o que não aconteceu para a atmosfera
de ArSint.
Para as amostras de etanol Vagão e Importado, em ambas as atmosferas estudadas,
as fraturas dos corpos de prova não mostraram cisalhamento na região do
entalhe. A fratura é frágil, caracterizada pela presença de diferentes planos
de clivagem próximos à borda dos corpos de prova. Para os dois meios estudados
e para ambas as atmosferas, observou-se a ocorrência de CST, tabela_2.
4. DISCUSSÃO
Para facilitar a comparação dos resultados obtidos para todas as amostras de
etanol, nas condições estudadas, elaborou-se a tabela_3 onde se expõem os
valores da extensão à ruptura e a nota de ocorrência ou não de CST no aço. A
análise desta tabela permite dizer o seguinte:
- o Etanol P.A. não provocou CST em ambas as atmosferas;
- o etanol de cana de açúcar, amostra Tanque, não susceptibilizou o aço API 5L
X70 para CST na atmosfera de ArSint, mas, fê-lo na atmosfera de N2;
- o etanol de cana de açúcar, amostra Vagão, e o etanol de milho, amostra
Importado, provocaram CST nas duas atmosferas, particularmente na atmosfera de
ar sintético.
Os resultados obtidos não possibilitaram estabelecer uma correlação entre a
atmosfera de ensaio (nitrogênio ' empobrecida em oxigênio e ar sintético '
enriquecida em oxigênio) e a propensão à CST, isto porque, para a amostra
Tanque a atmosfera de nitrogênio (empobrecida em oxigênio) foi a condição que
favoreceu a CST, enquanto que para a amostra Vagão e para a amostra Importado a
CST ocorreu em ambas as atmosferas, sendo mais agressiva a atmosfera de ar
sintético (enriquecida em oxigênio).
5. CONCLUSÕES
As conclusões do presente trabalho estão apresentadas a seguir, porém,
ressalta-se que terão de ser efectuados estudos complementares para avaliar a
origem e a identificação dos contaminantes, bem como o seu controle.
1ª - Os ensaios mostraram que o Etanol P.A. não provocou CST para as atmosferas
de N2 ultrapuro e ar sintético superseco, evidenciando que o fenômeno CST não
depende do composto orgânico etanol, mas sim dos possíveis contaminantes nele
existente.
2ª - A amostra Tanque (etanol combustível anidro de cana de açúcar) não
originou CST sob atmosfera de ar sintético, mas já o fez para a atmosfera de
nitrogênio; a amostra Vagão (etanol combustível anidro de cana de açúcar) e o
etanol Importado (etanol combustível anidro de milho) provocaram CST para ambas
as atmosferas estudadas, sendo que a atmosfera de ar sintético foi a mais
agressiva.
3ª - A atmosfera de ar sintético, para as amostras de etanol Vagão (cana de
açúcar) e Importado (milho), favoreceu a ocorrência de CST, mas, não se pode
generalizar, visto que não se observou CST para a amostra Tanque (cana de
açúcar). E, intrinsecamente, a atmosfera de ar sintético não provoca CST porque
não se observou este fenômeno quando se ensaiou Etanol P.A. sob atmosfera de ar
sintético.