Escolhas metodológicas em investigação científica: aplicação da abordagem de
Saunders no estudo da influência da cultura na competitividade de clusters
1. Introdução
No Departamento de Produção e Sistemas, da Escola de Engenharia da Universidade
do Minho está em curso um trabalho de investigação sobre o clusterda
malacoculutra da região da Grande Florianópolis, no Sul do Brasil. Este
cluster, voltado ao cultivo de moluscos bivalves marinhos, compartilha
condições geográficas bastante favoráveis pela qualidade da água de baía, e
conta com apoio institucional de organizações como a Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC) e a Empresa de Pesquisas Agropecuárias e Extensão Rural
de Santa Catarina (EPAGRI), entre outras. O cluster apresenta como resultado a
geração de emprego e renda na região, a preservação da cultura local e o
cuidado com o meio ambiente.
Para Porter (1998), cluster é a concentração geográfica de empresas
interconectadas, fornecedores especializados, provedores de serviços, empresas
em setores correlatos e instituições associadas em campos específicos, que
tanto competem como cooperam entre si. Os clusters podem ser um meio para o
alcance de competitividade pelo compartilhamento de conhecimentos entre os
envolvidos e pelo estímulo à inovação. A dualidade entre competição e
cooperação é uma necessidade de sobrevivência das empresas diante de questões
comuns no mercado, e requer uma cultura organizacional favorável. No entanto,
as especificidades da cultura local podem favorecer ou dificultar a formação de
um ambiente propício a esta simultaneidade de competição com cooperação entre
empresas, afetando a sua competitividade. A competitividade nesse caso pode ser
compreendida como a capacidade de uma organização ou nação de ser bem sucedida
em relação à concorrência (Mariotto, 1991). Investigar como os clusters se
organizam é uma forma de contribuir para a consolidação deste instrumento de
competitividade e desenvolvimento regional.
Embora contando com apoio institucional, com condições ambientais favoráveis e
com ambiente econômico propício, o cluster da malacocultura da região da Grande
Florianópolis apresenta problemas. Minuzzi (2011) observou que alguns dos
fatores que dificultam o pleno desenvolvimento do cluster estão relacionados ao
comportamento dos indivíduos, à sua maneira de ser e agir, que é condicionada
por sua cultura. A autora afirma que entre os principais pontos fracos do
cluster na percepção dos membros da governança endógena estão, entre outros, a
rivalidade entre os produtores, a diversidade de interesses entre os membros, a
falta de entendimento do conceito de cluster, a ausência de espírito de união,
cooperação e associativismo entre os produtores, e a dificuldade de comunicação
entre os agentes.
A falta de cooperação, de união e de espírito associativo identificados por
Minuzzi (2011) no cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis
pode ser entendida como uma manifestação de individualismo, talvez um traço da
herança cultural açoriana dos colonizadores dessa região, quem sabe uma
característica comum desenvolvida pelos indivíduos da localidade ao longo de
suas vidas na atividade prévia da pesca artesanal extrativa, que é muitas vezes
realizada de forma individual, isolada.
Dentre os problemas, ou entraves ao desenvolvimento do cluster da malacocultura
da Grande Florianópolis apresentados por Minuzzi (2011) percebe-se que a maior
parte está relacionada ao comportamento dos indivíduos, ou seja, à sua maneira
de ser e agir, que, por sua vez, está condicionada pela sua cultura. Assim, por
exemplo, a falta de cooperação, de união e de espírito associativo entre os
produtores poderia ser entendida como uma manifestação de individualismo, quem
sabe um traço da herança açoriana que colonizou a região, quem sabe uma
característica comum aos produtores, desenvolvida ao longo de suas vidas como
pescadores, já que muitos são originários da pesca artesanal, atividade
extrativa e, muitas vezes, de caráter individual.
No âmbito dos estudos sobre organizações, inúmeros trabalhos abordam a relação
entre cultura local e cultura organizacional. Neles, os autores reconhecem a
influência da cultura local sobre a organizacional, assim como os seus reflexos
no desempenho das organizações. Alguns, por exemplo, buscam compreender a
relação entre cultura organizacional e cultura nacional (Hofstede, 1980, 1990;
Lenartowicz, 2001; Mcsweeney, 2009), outros estão mais interessados no estudo
da liderança, numa complexa relação entre cultura nacional, cultura
organizacional e eficácia de práticas de liderança (Dickson et al., 2000; House
et al., 2010).
A cultura organizacional tem sido citada por vários autores como um dos
aspectos da maior relevância no que se refere à competitividade das empresas.
Diversos estudos reconhecem a importância da cultura no desempenho
organizacional, como os de Barney (1986), de Baird et al. (2007), e de Martins
e Terblanche (2003). Para Fairbanks e Lindsay (2000), é a cultura que formata o
que os indivíduos pensam sobre riscos, recompensas, oportunidades e,
consequentemente, sobre progresso. Feldman (2010), por sua vez, mostra que os
fatores culturais influenciam a gestão das empresas e, consequentemente, afetam
o seu desempenho, destacando a necessidade de se ter consciência de que não
adianta lutar contra estes fatores, mas aprender a tirar proveito deles. No
entanto, percebe-se que existem aspectos relativos às especificidades
características da região, que são ligados à cultura local e, ao mesmo tempo,
passíveis de afetar a competitividade de clusters, que não são abordados nestes
estudos, mas que caberia investigá-los.
Analisar os efeitos da cultura local na cultura organizacional, no desempenho
das empresas e na competitividade de um cluster envolve lidar com aspectos
subjetivos, não quantificáveis, em uma investigação que combina conhecimentos
sobre clusters, competitividade e cultura organizacional, baseados em Porter
(1998, 2008), Hofstede (1980) e Schein (1984, 1985). O desafio inicial de uma
investigação dessa natureza é estabelecer o método e os procedimentos adequados
para a coleta e análise de dados. Para Saunders et al. (2012), o investigador
deve ser capaz de refletir sobre as suas escolhas e justificá-las em relação às
alternativas que poderia ter adotado; são as suas escolhas que irão
caracterizar a investigação.
Este artigo tem por objetivo apresentar, com base na abordagem de Saunders et
al. (2012), as escolhas metodológicas que são adotadas na investigação acerca
dos efeitos da cultura local sobre a cultura organizacional e competitividade
de clusters. Organizado em cinco secções este trabalho apresenta na sua
primeira secção a contextualização do problema; na seção 2, a fundamentação
teórica em torno dos aspectos metodológicos; na seção 3, a proposição da
abordagem metodológica a ser utilizada; na seção 4, um esboço do modelo de
coleta e análise de dados a ser adotado; e, finalmente, na sua última secção,
apresenta uma avaliação prévia da adequação do modelo aos objetivos da
investigação. Espera-se com este artigo contribuir para a discussão sobre a
aplicação de métodos qualitativos em investigações na área da Engenharia.
2. Fundamentação teórica
Saunders et al. (2012) afirmam que em investigação científica a metodologia
constitui-se no conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos utilizados
pelo investigador para alcançar os seus objetivos. A metodologia adotada para
uma investigação deixa transparecer a visão de mundo do investigador por meio
dos pressupostos filosóficos e paradigmáticos que ele elege e que estarão na
base do novo conhecimento construído. Os autores consideram que mais importante
do que declarar a filosofia ou o paradigma que norteiam a sua investigação é o
investigador ser capaz de refletir sobre as suas escolhas. Assim, apresentam um
modelo para estruturar a investigação a partir de alternativas em relação às
filosofias, à abordagem, às estratégias, aos métodos de coleta e análise de
dados, ao horizonte de tempo e às técnicas e procedimentos de coleta e análise
de dados. Segundo eles, são as sucessivas escolhas do investigador em relação a
cada um destes aspectos que irão caracterizar a investigação.
Filosofia
Segundo Saunders et al. (2012), as quatro correntes filosóficas em investigação
científica, o positivismo, o realismo, o interpretativismo e o pragmatismo
distinguem-se em suas perspectivas ontológicas, epistemológicas e axiológicas.
Ontologicamente, isto é, do ponto de vista do investigador quanto à natureza da
realidade ou do ser, tanto o positivismo como o realismo consideram que a
realidade é objetiva e que é independente dos atores sociais. Já o
interpretativismo considera que a realidade é subjetiva, uma construção social
que pode mudar. A corrente pragmática, por sua vez, considera que o ponto de
vista do investigador deve ser escolhido de forma a melhor responder à pergunta
de investigação (Saunders et al., 2012).
Epistemologicamente, isto é, quanto ao tipo de conhecimento que é aceitável,
tanto o positivismo como o realismo consideram que apenas os fenômenos
observáveis podem prover dados confiáveis para a investigação, sendo que o
primeiro enfoca na casualidade e em generalizações, e o segundo na explicação
dentro de um determinado contexto. Já o interpretativismo considera os
significados subjetivos e o fenômeno social com foco nos detalhes da situação,
a realidade por trás desses detalhes e os significados subjetivos que motivam
os atores sociais. A corrente pragmática considera que ambos, fenômenos
observáveis e significados subjetivos, podem prover conhecimentos aceitáveis,
dependendo da questão de investigação (Saunders et al., 2012).
Axiologicamente, isto é, quanto ao papel dos valores em investigação
científica, no positivismo a investigação é livre dos valores do investigador
que, independentemente dos dados, mantém uma postura objetiva. No realismo, a
investigação é carregada dos valores do investigador, suas visões, culturas e
experiências, que terão impacto na investigação. No interpretativismo, a
investigação é de valor vinculado, e o investigador é parte do que está sendo
investigado. Finalmente, na corrente pragmática, os valores desempenham um
grande papel na interpretação dos resultados, sendo que neste caso o
investigador pode adotar pontos de vista tanto objetivos quanto subjetivos
(Saunders et al., 2012).
Abordagem
Segundo Saunders et al. (2012), existem duas formas possíveis de abordagens em
investigação científica: a indutiva e a dedutiva. Na dedutiva, o investigador
formula uma teoria e hipóteses e estabelece uma estratégia de investigação para
testar e validar essas hipóteses, levando à possibilidade de generalização; é a
abordagem dominante no campo das ciências naturais. Na indutiva, o investigador
coleta dados e formula a teoria como resultante da análise de dados, isto é, o
estabelecimento da regra ou a formulação da teoria decorre do fenômeno ou
efeito observado; é a abordagem dominante no campo das ciências sociais. Para
os autores, se o interesse do investigador é maior no sentido de compreender
por que alguma coisa está acontecendo do que em descrever o que acontece, deve
usar a abordagem indutiva de investigação. Consideram que a abordagem indutiva
tende a se preocupar com o contexto em que os eventos ocorrem. Por isso, o
estudo de pequenas amostras do objeto pode ser mais apropriado do que de
grandes amostras, como ocorre na abordagem dedutiva.
Estratégia
Saunders et al. (2012) consideram que para definir a estratégia a ser adotada
em investigação científica é necessário que antes se defina a finalidade da
investigação. Segundo os autores, a investigação pode ter a finalidade
exploratória, descritiva e explanatória. A investigação exploratória é um meio
para descobrir o que está acontecendo, fazer perguntas e avaliar a situação sob
uma nova perspectiva. A investigação descritiva serve para traçar o perfil de
pessoas, eventos ou situações. Já a explanatória ou explicativa é a que busca
estabelecer relações causais entre variáveis.
Diversas são as estratégias que podem ser adotadas em processos de investigação
científica: o experimento, o inquérito, o estudo de caso, a investigação-ação,
a teoria fundamentada, a etnografia e a investigação em arquivos (Saunders et
al., 2012).
O experimento, como estratégia, serve a estudos que envolvam ligações causais;
costuma ser usado em investigações explanatórias e exploratórias. O inquérito é
uma estratégia popular, pois permite grande coleta de dados de modo econômico e
costuma ser usado em investigações exploratórias e descritivas. O estudo de
caso permite uma rica compreensão do contexto de uma investigação e dos
processos encenados, e costuma ser usado em investigações explanatórias e
exploratórias. A investigação-ação combina coleta de dados e facilitação para a
mudança. A teoria fundamentada é particularmente útil em investigações de
previsão e explicação de comportamento para a criação de uma teoria. A
etnografia, por sua vez, busca descrever e explicar o mundo social que os
sujeitos da investigação vivenciam, da maneira como eles próprios o descrevem e
explicam. Finalmente, a investigação em arquivos é a estratégia que usa
documentos e registros administrativos como principal fonte de dados e permite
que questões com foco sobre o passado e mudanças ao longo do tempo possam ser
respondidas (Saunders et al., 2012).
Coleta e análise de dados
De acordo com Saunders et al. (2012), há duas escolhas possíveis quanto aos
métodos para a coleta e análise de dados em investigação científica: o mono-
método e o método múltiplo. O mono-método, como o próprio termo indica, é a
opção por uma única técnica para a coleta e análise de dados. Já o método
múltiplo é a opção pelo uso de mais de uma técnica para a coleta e análise de
dados. Nesse caso, a escolha pode ser por multi-método, que consiste na opção
pelo uso combinado de diferentes técnicas qualitativas ou no uso combinado de
diferentes técnicas quantitativas de coleta e análise de dados ou a escolha
pode ser pelo uso do método misto, que consiste na combinação de diferentes
técnicas quantitativas e qualitativas de coleta e análise de dados.
Horizonte de tempo
Segundo Saunders et al. (2012), o horizonte de tempo em investigação científica
pode ser tanto longitudinal quanto transversal, e depende da questão de
investigação. O estudo longitudinal é o que permite estudar mudança e
desenvolvimento ao longo de um período de tempo. Já o estudo transversal é o
que permite o estudo de um determinado fenômeno, em um determinado momento.
Técnicas e Procedimentos
De acordo com Saunders et al. (2012), as técnicas de amostragem em investigação
científica dividem-se em dois tipos: as probabilísticas, ou representativas e
as não probabilísticas, ou de julgamento. Nas técnicas de amostragem do tipo
probabilísticas a amostra é escolhida estatisticamente e de forma aleatória;
nelas é possível especificar a probabilidade de que qualquer das alternativas
existentes seja incluída na amostra. As técnicas de amostragem probabilísticas
resumem-se em aleatória simples, aleatória sistemática, aleatória
estratificada, grupo e multi estágio, cada qual possuindo uma fórmula
matemática específica para a seleção. Já na amostragem do tipo não
probabilística há uma variedade de técnicas que podem ser utilizadas na seleção
da amostra, que é feita com base em julgamento subjetivo e, portanto, não
probabilístico. As técnicas de amostragem não probabilísticas resumem-se em:
cota, intencional caso extremo, intencional heterogênea, intencional homogênea,
intencional caso crítico, intencional caso típico, intencional teórica,
voluntária bola de neve, voluntária auto seleção e acidental por conveniência.
Em relação aos procedimentos a serem utilizados para a coleta e análise de
dados primários, Saunders et al. (2012) citam a observação, a entrevista
semiestruturada e o questionário como instrumentos de coleta. Para a análise
dos dados os autores apresentam duas formas possíveis de análise: a qualitativa
e a quantitativa.
No que concerne especificamente aos procedimentos de coleta, a observação pode
ser participante ou estruturada e envolve praticamente a observação
sistemática, a gravação, a análise, a descrição e a interpretação do
comportamento das pessoas. A observação participante é qualitativa e busca
descobrir os significados que as pessoas atribuem às suas ações. A observação
estruturada, por sua vez, é quantitativa e está relacionada à frequência com
que algo ocorre. A entrevista semiestruturada, é utilizada em investigações
qualitativas em que o investigador terá uma lista de questões e temas a serem
cobertas, que podem variar de entrevistado para entrevistado. Finalmente, o
questionário, é o que corresponde para os autores e no contexto de seu livro, a
todas as técnicas de coleta de dados em que pessoas são solicitadas a responder
a um mesmo conjunto de questões, em uma mesma sequência predeterminada,
incluindo a entrevista estruturada (Saunders et al., 2012).
No que concerne especificamente à análise de dados, a quantitativa envolve a
interpretação de dados numéricos padronizados, com base em diagramas e cálculos
estatísticos, que permitem examinar a relação entre variáveis. A questão
crítica neste tipo de análise é o tratamento dos dados para permitir o seu
correto processamento e interpretação de resultados. Já a análise qualitativa é
baseada em dados que são expressos através de palavras; informações não
padronizadas que demandam classificação em categorias. Nesse tipo de análise o
desafio é a definição dos conceitos que permitem a análise dos dados. A análise
qualitativa pode ser dedutiva ou indutiva. A dedutiva é realizada com base em
teoria pré-existente. Já na indutiva, a discussão teórica emerge do processo de
coleta e análise de dados (Saunders et al., 2012).
3. Proposição
Com base no modelo de Saunders et al. (2012), a presente investigação insere-se
na corrente filosófica do interpretativismo, que leva em consideração os
significados subjetivos que motivam a ação individual e os fenômenos sociais. O
conhecimento da realidade se dará pela interação entre a investigadora e os
atores sociais que integram o objeto de análise, durante o processo de
investigação.
A abordagem usada para a investigação é a indutiva, prevalecendo a preocupação
com o contexto dos acontecimentos. Consiste em estudo explanatório, em que se
busca estabelecer relações causais entre variáveis. A explanação acerca do
fenômeno estudado decorrerá, portanto, dos dados coletados e da sua análise.
A estratégia adotada é o estudo de caso, tomando-se como objeto de análise o
cluster da malacocultura da região da Grande Florianópolis. Yin (2009)
considera que a aplicação mais importante do estudo de caso como estratégia
investigativa é para explicar ligações causais presumidas em intervenções da
vida real que são muito complexas para estratégias como o inquérito ou o
experimento. Os estudos de caso, assim como os experimentos, são generalizáveis
para proposições teóricas e não para universos e populações. Eles não
representam uma amostra. A decisão de utilizar o estudo de caso como estratégia
de investigação deve ocorrer quando o investigador quer entender um fenômeno da
vida real em profundidade, mas tal compreensão engloba condições contextuais
altamente pertinentes ao fenômeno estudado.
A coleta de dados será realizada por meio do método múltiplo, do tipo
multimétodo qualitativo, em que se combinam diferentes técnicas qualitativas de
coleta, tendo-se em vista que a pesquisa busca compreender os diversos aspectos
subjetivos que afetam o objeto do estudo, de modo a tornar possível, pela
análise qualitativa, explanar acerca da situação existente e inferir a seu
respeito. A opção pelo uso de mais de uma técnica qualitativa para a coleta de
dados permite que a investigadora possa, por esse tipo de análise, explanar
acerca da realidade encontrada e inferir a seu respeito, já que o interesse
está em compreender os aspectos subjetivos que afetam o objeto de estudo.
Quanto ao horizonte de tempo, a investigação em curso caracteriza-se como um
estudo transversal, já que o fenômeno é estudado durante um tempo determinado.
No que concerne à técnica de amostragem, será adotada a técnica não
probabilística de amostragem, que é a indicada no âmbito das investigações de
negócios, tais como investigações de mercado e estudos de caso. Dentre as
técnicas de amostragem não probabilísticas existentes, a opção será pelo uso da
não probabilística intencional heterogênea, em que se utiliza do julgamento
para se proceder à escolha dos indivíduos a serem entrevistados. Relativamente
aos procedimentos para coleta de dados primários, serão adotadas a observação
participante e a entrevista semiestruturada. Quanto à análise, será realizada a
análise qualitativa indutiva tendo-se em vista que os procedimentos de coleta
adotados originam dados expressos em palavras.
Modelos são representações simplificadas da realidade; podem ser construídos
como artefatos intelectuais (Mayr, 2007). Como simplificação da realidade, um
modelo pode ser usado como ferramenta na tentativa de descrever, explicar e
simular o funcionamento de um sistema. Seja por redução da complexidade,
procurando a sua essência, seja por alteração na escala para mais ou para
menos, o modelo desconsidera aspectos que não são relevantes para o objetivo da
análise (Blanchard & Fabrycky, 1981).
O modelo de análise proposto para a investigação em curso combina elementos
presentes em quatro modelos teóricos clássicos das áreas de estratégia
empresarial e do comportamento organizacional: os modelos de Porter (1998,
2008) para a competitividade e para o cluster respectivamente; o modelo de
Hosfstede (1980) para a análise organizacional com base na cultura
organizacional; e o modelo de Shein (1984, 1985) para estudo da cultura
organizacional.
O modelo da competitividade desenvolvido por Porter (2008) leva em conta que a
disputa entre empresas no mercado não ocorre apenas entre as que fazem parte de
um mesmo segmento da indústria, mas vai além, para abranger também os clientes,
os fornecedores, os entrantes potenciais e os produtos substitutos. A baixa
concorrência, a possibilidade de se contrapor à pressão de clientes e
fornecedores, as dificuldades para que novas empresas ingressem no mercado e a
falta de substitutos viáveis podem favorecer as empresas concorrentes de um
segmento industrial. Por outro lado, a rentabilidade das empresas pode ser
corroída pelo acirramento da concorrência, pelo poder de negociação de clientes
e de fornecedores, pela facilidade para que novas empresas entrem no mercado e
pelas vantagens oferecidas por produtos substitutos. Assim, para o autor, a
rivalidade que existe em meio a essas cinco forças é que irá definir a
estrutura da indústria e modelar a natureza das interações competitivas no
setor.
O modelo de cluster também desenvolvido por Porter (1998) leva em conta que os
clusters abrangem não apenas as empresas concorrentes, mas frequentemente, os
fornecedores especializados, alguns canais de distribuição, agências
governamentais, instituições de ensino e pesquisa e associações comerciais;
considera que eles afetam a competitividade de três formas: aumentando a
produtividade das empresas da região, direcionando e dando ritmo à inovação e
estimulando a formação de novos negócios que fortalecem o próprio cluster.
O modelo para análise organizacional desenvolvido por Hofstede (1980, 2010)
considera que seis dimensões de cultura organizacional diferenciariam os
agrupamentos humanos: 1) distância do poder ' relaciona-se ao grau em que as
pessoas menos poderosas de uma sociedade aceitam que o poder é distribuído
desigualmente; 2) individualismo versus coletivismo ' retrata o quanto as
sociedades são mais coletivas que individuais; 3) evitação à incerteza '
distingue a sociedade em relação à percepção da incerteza como uma ameaça por
parte dos seus indivíduos; 4) masculinidade versus feminilidade ' analisa a
propensão de uma sociedade a ter mais características atribuídas ao gênero
masculino ou ao gênero feminino; 5) orientação de longo prazo versus orientação
normativa de curto prazo ' analisa a propensão de uma sociedade de manter ou
não ligação com o passado ao lidar com os desafios do presente e do futuro; e,
6) pragmática versus normativa ' analisa a tendência de uma sociedade de
permitir gratificar, de forma relativamente livre os interesses humanos
básicos, ou de suprimir a sua satisfação.
O modelo de cultura organizacional de Shein (1984) leva em conta os elementos
integrantes da cultura organizacional e como essa funciona; propõe que a
análise seja feita em três níveis: 1) ao nível dos artefatos visíveis; 2) ao
nível dos valores que governam o comportamento dos indivíduos; e 3) ao nível
dos pressupostos básicos. Ao nível dos artefatos visíveis é possível descrever
como um grupo constrói o seu ambiente e quais os padrões de comportamento que
diferecenciam os seus membros. Ao nível dos valores que são manifestados ou
defendidos pelos indivíduos é possível identificar a expressão da razão, ou o
porquê dos indivíduos se comportarem de determinado modo. Ao nível dos
pressupostos básicos é possível determinar como os membros de um grupo
percebem, pensam e sentem.
O modelo de análise proposto para esta investigação leva em conta os elementos
que integram os quatro modelos anteriormente citados e inclui o fator cultura
local como elemento focal à análise. O processo de coleta e análise de dados no
estudo de cluster, à luz da cultura local, prevê o seguinte:
* Caracterização da cultura predominante entre os indivíduos da localidade na
qual o cluster está inserido;
* Utilização do modelo de Porter (2008) para competitividade, para situar a
indústria na qual o cluster se insere e verificar como ela se comporta em
relação às forças competitivas que o mesmo sugere;
* Utilização do modelo de Porter (1998) para clusters, com vistas a identificar
os diferentes elementos que constituem o cluster a ser analisado;
* Utilização do modelo de Hofstede (1980, 2010) para análise organizacional com
base na cultura organizacional, de modo a identificar os aspectos que
caracterizam a cultura organizacional no cluster a ser analisado;
* Utilização do modelo de Schein (1984) para análise da cultura organizacional
de modo a coletar dados e decifrar o paradigma cultural do cluster a ser
analisado.
4. Aplicação
Segundo o SEBRAE (2013) no sul do Brasil, no estado de Santa Catarina, na
região da Grande Florianópolis encontra-se um cluster formado por empresas de
micro e pequeno porte ligadas à maricultura, que desenvolvem a atividade
produtiva da malacocultura, ou cultivo de moluscos marinhos bivalves como
ostras mexilhões e vieiras. A atividade produtiva desenvolvida nesse
clusterexiste a partir de aspectos ligados à origem açoriana e à pesca
artesanal, e apresenta como resultado a geração de emprego e renda na região, a
preservação da cultura local e o cuidado com o meio ambiente. Dentre os
municípios que o integram, destaca-se o de Florianópolis, que isoladamente
responde por cerca de 80% da produção brasileira da malacocultura.
Apesar da produção expressiva, do forte apoio institucional que recebe e das
condições ambientais favoráveis, o cluster da malacocultura da Grande
Florianópolis apresenta problemas. Em seu estudo, Minuzzi (2011) apresenta os
principais pontos fracos do cluster na percepção dos seus membros de governança
endógena, como a grande rivalidade que existe entre os produtores; a grande
diversidade de interesses entre os membros; a falta de entendimento do conceito
de cluster; a ausência de espírito de união, cooperação e associativismo entre
os produtores; a dificuldade de comunicação entre os agentes; e a falta de
método de trabalho para a condução de ações, entre outros.
Dentre os pontos fracos, ou entraves ao desenvolvimento do cluster da
malacocultura da região da Grande Florianópolis apresentados por Minuzzi
(2011), percebe-se que a maior parte está relacionada ao comportamento dos
indivíduos, ou seja, à sua maneira de ser e agir, que, por sua vez, está
condicionada pela sua cultura. Assim, por exemplo, a falta de cooperação, de
união e de espírito associativo entre os produtores poderia ser entendida como
uma manifestação de individualismo, quem sabe um traço da herança açoriana que
colonizou a região, quem sabe uma característica comum aos produtores,
desenvolvida ao longo de suas vidas como pescadores, já que muitos são
originários da pesca artesanal, atividade extrativa e, muitas vezes, de caráter
individual. Estas especificidades culturais locais podem afetar a
competitividade das empresas no cluster, pela influência na cultura das
organizações, ou pelo choque com a cultura empresarial, dificultando a gestão
de negócios da produção.
A relação entre a questão geográfica e de localização e o sucesso das empresas
foi estudada por Porter (1998). Ele observou que, em pleno processo de
globalização, que reduz a importância relativa da localização, pela maior
facilidade de trocas entre fornecedores e clientes de diferentes partes do
mundo, ocorrem aglomerações de empresas de um mesmo setor em determinadas
regiões, na forma declusters industriais. Estas empresas tanto cooperam como
competem entre si e, de acordo com o seu modelo de análise, além de condições
geográficas comuns, compartilham fornecedores e clientes e o apoio de agências
governamentais e de instituições de pesquisa e desenvolvimento. Com base no
modelo de Porter, pode-se identificar que os principais fatores competitivos do
clusterda malacocultura de Florianópolis são as águas de baía, favoráveis ao
cultivo de ostras e mexilhões, e a proximidade de instituições como a
Universidade Federal de Santa Catarina e a Empresa de Pesquisas Agropecuárias e
Extensão Rural de Santa Catarina, que, respectivamente, fornecem as sementes,
que são o principal insumo de produção, e proporcionam assistência técnica. As
empresas organizadas em clusters tendem a ter uma melhor visão do mercado em
conjunto do que quando isoladas e, podem não somente observar melhor as
oportunidades de inovação, como têm a capacidade e a flexibilidade para agir
mais rapidamente. As interconexões e a complementaridade no cluster resultam
num todo maior que a soma das partes.
Em relação à competitividade das organizações, pode-se reconhecer que a
competição não ocorre apenas entre empresas concorrentes em um mesmo segmento
da indústria. Porter (2008) observou que ela abrange também os clientes, os
fornecedores, os entrantes potenciais e os produtos substitutos. Os clientes
disputam por preços mais baixos e produtos de melhor qualidade; os fornecedores
por preços mais altos e por limitações na qualidade e nos serviços; os
entrantes, concorrentes potenciais, pela possibilidade de conquistar uma fatia
do mercado, e; os produtos substitutos, soluções alternativas para a mesma
função, pela oportunidade de conquistar um novo mercado. A rivalidade que
existe em meio a estas cinco forças é que irá definir a estrutura da indústria
e modelar a natureza das interações competitivas no setor. Ao abordar, com base
neste modelo de análise, as forças competitivas que atuam sobre as empresas do
cluster da malacocultura da Grande Florianópolis, o estudo permite identificar
fraquezas e oportunidades no posicionamento das empresas diante do mercado e
compreender aspectos que envolvem o ambiente externo às organizações.
Hofstede (1980) define cultura organizacional como uma programação coletiva da
mente humana, que diferencia os membros de um grupo ou categoria social, dos
membros de outros grupos ou categorias sociais. Em sua definição o autor busca
mostrar que o comportamento individual é previsível, já que para ele cada
indivíduo recebe um programa mental, ou seja, uma cultura, que conduz o seu
comportamento nas diversas situações da vida. Ao utilizar de forma combinada às
seis abordagens que o autor propõe em seu modelo de análise organizacional com
base na cultura organizacional, o estudo permite compreender aspectos da
organização do cluster da malacocultura da Grande Florianópolis condicionados
pela cultura organizacional.
Ao investigar a cultura organizacional, deve-se inicialmente admitir que ela
encontra-se na mente de todos os membros da organização e não apenas na de seus
dirigentes. Para Schein (1984, 1985), a cultura organizacional é um padrão de
pressupostos básicos que um dado grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao
aprender a lidar com os problemas de adaptação externa e de integração interna.
Esse padrão teria funcionado bem o suficiente para ser considerado válido e
ensinado a novos membros como a maneira correta de perceber, pensar e sentir em
relação aos problemas de adaptação. Porém não basta entender a cultura como um
conjunto de significados compartilhados, mas é preciso saber como a cultura
surge, como se torna o que é, e como mudá-la caso a sobrevivência da
organização disso dependa. Para a tarefa de decifrar a cultura organizacional,
o autor propõe que a análise seja feita em diferentes níveis: ao nível dos
artefatos visíveis; ao nível dos valores que governam o comportamento dos
indivíduos; e, ao nível dos pressupostos básicos. Como os valores são difíceis
de ser observados diretamente, é necessário inferi-los por meio de entrevistas
aos membros-chaves da organização, ou pela análise do conteúdo de artefatos,
tais como documentos e cartas. Assim, ao utilizar o modelo de análise da
cultura organizacional levando em cota as quatro abordagens possíveis segundo o
autor, o estudo permite identificar aspectos da cultura organizacional e
decifrar o paradigma cultural do cluster da malacocultura da região da Grande
Florianópolis.
A amostra da investigação é composta por representantes dos diversos atores e
segmentos que integram o cluster da malacocultura da Grande Florianópolis:
empresários que exploram a atividade produtiva; empregados de empresas que
exploram a atividade produtiva; produtores autônomos; instituições de apoio à
atividade produtiva da malacocultura como UFSC e EPAGRI; Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE); Secretaria Municipal da Pesca de
Florianópolis e Instituto de Geração de Oportunidade de Florianópolis (IGEOF);
fornecedores de insumos; empresas do seguimento de meios de hospedagem;
clientes tais como proprietários de restaurantes da região e comerciantes do
Mercado Público Municipal de Florianópolis.
A justificativa para adoção do cluster da malacocultura da região Grande
Florianópolis como objeto de estudo da investigação que está em curso e de que
trata este artigo consiste no fato do mesmo abranger cinco dos treze municípios
que integram região da Grande Florianópolis, nos quais há predomínio de
colonização açoriana. Além disso, nesses mesmos municípios onde a malacocultura
se desenvolve, a origem dessa atividade produtiva foi determinada pelo mesmo
fator em todos eles, isto é, o seu surgimento foi uma alternativa à pesca
artesanal que se encontrava em fase de decadência na região.
A investigação tem como objetivo identificar as manifestações da cultura ou
expressões da cultura, presentes na maneira de ser, pensar e sentir dos
indivíduos que tenham implicações na cultura organizacional das empresas que
integram o clustere que se reflitam no seu desempenho. É preciso analisar
aspectos relativos à percepção dos indivíduos quanto ao seu papel e sua
influência nos resultados da atividade produtiva (individual e coletivo daquilo
que fazem e da análise do que é feito) e os sentimentos em relação a isso.
O processo de coleta de dados será por meio de observação participante e de
entrevistas semiestruturadas a serem realizadas com representantes dos diversos
agentes que participam do cluster, como empresários, produtores autônomos,
empregados na atividade da malacocultua, representantes de instituições
participantes do cluster, representantes de empresas correlatas e, também,
fornecedores e clientes do cluster.
Os dados serão ordenados de acordo com os modelos de análise de Porter (1998,
2008), Hofstede (1980) e Schein (1984, 1985). A análise dos dados irá destacar,
nas diversas manifestações, os aspectos ligados às especificidades da cultura
local, em contraste com os conteúdos ligados à cultura empresarial, para
identificar as convergências e discrepâncias, os padrões e as singularidades
nestas manifestações.
5. Conclusões
A adoção de Saunders et al. (2012) como base para a abordagem metodológica da
investigação de que se trata neste trabalho, possibilita estruturar a coleta e
análise de dados. Evidenciar as escolhas metodológicas é uma forma de reflexão
que possibilita aumentar significativamente a consistência do modelo da
investigação.
A apresentação sistematizada da racionalização para as decisões assumidas no
processo de definição metodológica contribui para justificar uma possível opção
por coletar e analisar dados de forma qualitativa, bem como para reforçar a
validade científica de tal escolha.
Para a área da Engenharia, um trabalho desta natureza pode servir para chamar a
atenção de que até mesmo trabalhos que abordam temas subjetivos ou aspectos em
que medições não são possíveis, ou são desnecessárias, têm como se submeter ao
rigor metodológico para que se alcance consistência em seus resultados.