Corrosão de armadura de cilindros de betão confinados por duas camadas de GFRP
avaliada por impedância electroquímica
1. INTRODUÇÃO
O desempenho e a durabilidade dos componentes constituintes das infraestruturas
em betão armado constituem uma preocupação crescente na construção civil, tendo
presente os critérios de sustentabilidade actualmente privilegiados. Por outro
lado, a degradação introduzida nessas estruturas por fatores exógenos está na
origem de dispendiosas intervenções de reparação e reforço de estruturas de
betão armado.
A corrosão das armaduras de aço é reconhecida como o maior problema que afeta a
integridade estrutural destas estruturas [1 - 4]. Em pilares de pontes,
garagens subterrâneas e em construções costeiras a presença de elementos
agressivos como os cloretos potencia esta situação [3].
Apesar das armaduras de aço estarem protegidas contra a corrosão devido ao
ambiente alcalino proporcionado pelo betão (pH13), a penetração de iões
cloreto pode provocar a destruição do filme passivo o que inicia a atividade
corrosiva [1 - 3, 5 - 7].
Os produtos originados por esta reação possuem volume muito superior ao do seu
estado original o que gera forças de tensão no interior do betão [7, 8]. Como
consequência, poderá ocorrer fissuração e desagregação [1, 6 - 8] que se
acentuam com o tempo pois as armaduras ficam diretamente expostas. A diminuição
da secção das armaduras e a perda de aderência ao betão são duas consequências
negativas para o desempenho de toda a estrutura.
Os métodos convencionais de reparação ou substituição de estruturas de betão
armado acarretam elevados custos e são um dos maiores desafios da engenharia
civil [9].
Para aumentar a vida útil e reduzir os custos de manutenção e reparação, é
fundamental a utilização de novos materiais de elevada durabilidade e que
permitam novas soluções construtivas e nos últimos 20 anos, um grande número de
estudos têm sido realizados pela comunidade científica. Comprovou-se que a
utilização de compósitos reforçados por fibra (FRP) no reforço de vigas, lajes
e pilares conduz a vantagens como o aumento considerável da resistência
mecânica e melhoria das características sísmicas da estrutura [10 - 16]. É
também um material de fácil aplicação e com um reduzido impacto arquitetónico
[14].
Assim, a aplicação deste tipo de compósitos é reconhecida em todo o mundo como
uma tecnologia viável de reforço e reparação de infraestruturas e tem sido
frequentemente empregue na reabilitação de diversas estruturas nos EUA, Japão e
Europa [13] sendo uma das principais aplicações no confinamento de pilares de
viadutos e pontes [10].
Existem diversos casos de reabilitação de estruturas com problemas de corrosão
de armaduras em que foi utilizado FRP por questões económicas [17, 18]. No
entanto, o principal objetivo tem sido o reforço estrutural, já que a presença
de humidade em conjunto com cloretos e oxigénio no interior do betão torna a
aplicação do FRP inconsequente na paragem da corrosão, sendo aconselhável a
extração eletroquímica de cloretos (ECE) numa etapa prévia da reparação [19].
Diversos ensaios laboratoriais têm sido efetuados para avaliar a aptidão dos
FRP no abrandamento da corrosão das armaduras e as suas conclusões publicadas.
Devido ao elevado tempo necessário para avaliar a corrosão em condições
semelhantes às reais, o procedimento habitual recorre a técnicas de corrosão
acelerada, nomeadamente através da aplicação de uma corrente elétrica no
sistema para acelerar o transporte dos iões agressivos através do betão [1, 3,
5, 8, 9], embora se saiba que esta técnica provoca mudanças na composição
química, nas propriedades elétricas e na microestrutura do betão, o que
influencia a resposta global do sistema e o afasta de um caso real [20].
De qualquer das formas, parece unânime a conclusão de que ocorre uma diminuição
da taxa de corrosão em armaduras expostas em betão armado onde foi aplicado
FRP. Note-se que o processo também depende de vários parâmetros como o tipo de
resina e fibras, sua orientação e o número de camadas utilizadas [18].
Em trabalho anterior [21] estudou-se por espectroscopia de impedância
eletroquímica (EIS) o comportamento de armaduras expostas a betão revestido com
uma camada de FRP de fibra de vidro (GFRP). Concluiu-se que o GFRP atua como
uma barreira física à penetração de agentes corrosivos. Uma vez que é
extremamente sensível a variações na fase de confinamento, não foi possível
garantir este efeito em todos os provetes. Por outro lado, em contacto com
agentes agressivos, o GFRP tende a degradar-se o que permite a lenta penetração
destes agentes.
O presente artigo pretende contribuir para o conhecimento deste tipo de efeito,
assim como para despistar eventuais erros atribuíveis em medições EIS a dois
electrodos não inertes. O estudo foi efetuado em provetes cilíndricos de betão
armado, quer não confinados, quer confinados por duas camadas de GFRP, a escala
laboratorial. A aplicação do colete de FRP foi efetuada antes da contaminação,
simulando a sua utilização no momento inicial da construção. Por medidas do
potencial de circuito aberto (OCP) e espectroscopia de impedância eletroquímica
(EIS) pretendeu-se avaliar em tempo real, a influência da aplicação de duas
camadas GFRP na degradação da armadura.
2. METODOLOGIA EXPERIMENTAL
Foram construídos provetes cilíndricos de betão com uma relação água/cimento
(a/c) igual a 0,50. As proporções da mistura em percentagem de massa foram as
seguintes: 46,06% de brita com dimensões inferiores a 9,5 mm, devido às
reduzidas dimensões dos provetes; 35,53% de areia; 12,28% de cimento Portland
CEM I classe 42,5R e 6,14% de água.
Para simular a armadura utilizou-se em cada provete um varão de aço comum com
12 mm de diâmetro. Uma vez que a contaminação não será acelerada por outros
processos, optou-se por uma espessura de recobrimento dos varões de 15 mm,
abaixo dos valores mínimos aconselhados e normalmente utilizados.
Para as medições a dois electrodos, utilizou-se um varão de aço similar no
centro do provete. Para as medições a três electrodos utilizou-se um varão de
material inerte (grafite) como electrodo de referência no centro do provete e
como contra electrodo um varão de aço comum. As características geométricas dos
provetes são apresentadas na figura_1.
Após 28 dias de cura o valor médio obtido para a resistência do betão à
compressão em ensaios de cubos feitos de acordo com a norma NP EN 206-1 [22]
foi de 37,1 MPa.
Com 20 dias de cura, foram aplicadas pelo método wet lay-up duas camadas de
GFRP num provete cilíndrico para medições a três electrodos. O compósito é
composto por um tecido de fibra de vidro unidirecional com 1,27 mm de espessura
nominal, denominado comercialmente por Tyfo® SEH-51. Como aconselhado pelo
fornecedor, a resina utilizada foi epoxídica designada por Tyfo S. As bases dos
provetes foram cobertas com duas camadas de resina epoxídica.
Após a cura do compósito, os provetes foram parcialmente imersos numa solução a
3 % de cloreto de sódio (NaCl), valor semelhante à concentração média da água
do mar. Permaneceram neste estado no decorrer de toda a investigação (figura
2).
As medições de OCP foram obtidas com recurso a um multímetro portátil e um
eléctrodo saturado de calomelanos. O seu contacto com o betão foi facilitado
por uma esponja humedecida.
No que diz respeito aos estudos por EIS, as medições foram efetuadas a dois
electrodos (dois varões de aço nos provetes) num potencióstato Gamry Ref 600. A
gama de frequências variou entre os 100 kHz e os 5 mHz e a onda sinusoidal foi
de 10 mV (rms). Os ensaios foram executados com uma diferença de potencial de 0
V.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na figura_3 são representadas as evoluções dos potenciais registados ao longo
do período de imersão dos provetes com e sem GFRP. Os valores medidos do
potencial de circuito aberto nos provetes confinados com GFRP situam-se acima
dos -200 mV, o que traduz uma situação típica de passividade.
Em contraste, durante todo o período de imersão, os provetes sem GFRP
apresentam valores inferiores a -500 mV. Estes valores de potencial são
característicos de um estado de corrosão ativa.
Estes resultados podem ser devidos a: i) despassivação dos varões devido à
rápida penetração de cloretos através do betão e consequente chegada à
interface betão/aço ou ii) polarização catódica devido ao facto da maior parte
dos provetes estarem imersos e saturados o que provoca um défice de difusão de
oxigénio. A interpretação dos resultados obtidos por EIS permite estabelecer
qual desses fenómenos terá ocorrido.
A evolução dos espectros de EIS com o tempo de imersão é apresentada na Figura
4.
Os diagramas de Bode evidenciam, para o caso dos provetes sem GFRP, ligeiras
diferenças nos sistemas. Embora com progressão semelhante, os resultados das
medições a dois electrodos revelam, regra geral, resistências óhmicas
superiores. Os valores para as altas frequências que estão associados às
características do betão, mostram consideráveis diferenças entre provetes com e
sem GFRP.
Nas frequências intermédias e baixas ocorreu uma diminuição ligeira do ângulo
de fase ao longo do tempo para os provetes sem GFRP, sugerindo que o processo
de corrosão se torna mais importante. Para os provetes com GFRP, o ângulo de
fase apresenta-se superior e constante ao longo do tempo, o que revela um
estado passivo dos varões de aço. Nestes provetes é também possível identificar
uma constante de tempo adicional que corresponderá à presença de um filme
protetor na superfície do aço, que protege a armadura, adiando o início das
reações de corrosão.
Nas frequências baixas, é possível identificar fenómenos de difusão
caracterizados pela distorção do patamar correspondente à resistência de
transferência de carga.
Para caracterizar os dois tipos de provetes, com e sem GFRP, e acompanhar a
evolução dos fenómenos ocorridos ao longo do tempo, recorreu-se à utilização de
circuitos equivalentes.
O circuito equivalente adotado para descrever o sistema dos provetes com GFRP
(figura_5_b) caracteriza-se por: resistência do betão (Rb); constante de tempo
que resulta de filmes passivos na superfície do aço (C1 e R1) e uma capacidade
de dupla camada (Cdc).
No que respeita à modelação dos espectros correspondentes aos provetes sem
aplicação de GFRP (figura_5_a) , uma vez que se detetou um estado de corrosão
ativa, o circuito utilizado foi ligeiramente alterado. Foi adicionada uma
resistência de transferência de carga (Rtc) e um elemento para caracterizar
fenómenos de difusão através da camada de óxidos (CPE1).
Através dos valores obtidos por ajuste é possível acompanhar a evolução da
resistividade do betão (figura_6), assim como os valores da resistência de
transferência de carga.
A evolução da resistividade do betão é importante para uma melhor compreensão
da influência do confinamento por GFRP na penetração da solução. Os valores de
resistividade do betão foram obtidos através das frequências elevadas, a partir
dos valores Rb. Esta resistência foi convertida em resistividade, tendo em
conta a área do electrodo e a espessura do betão entre electrodos.
Uma vez que a resistividade é inversamente proporcional à condutividade e que a
velocidade de corrosão do sistema é condicionada pela quantidade de eletrólito
disponível para o transporte de cargas, através da resistividade pode-se obter
alguma informação qualitativa acerca da corrosão. Genericamente considera- -se
que a corrosão é pouco provável para valores de resistividade superiores a
12000 O.cm, é provável entre 5000 e 12000 O.cm e para valores inferiores a 5000
O.cm a corrosão será muito provável [7].
Nos provetes sem GFRP, após três dias de imersão os valores variam entre os 800
e 1400 O.cm. Esta gama de valores permite afirmar que ocorreu uma rápida
penetração de solução no betão e que os provetes estão saturados.
Com a evolução do tempo de imersão, a cura do betão prossegue através de
processos de hidratação o que resulta num aumento progressivo da resistividade
do betão. Existe, no entanto, uma tendência para valores mais estáveis de
resistividade após 3 meses de imersão
Para os provetes confinados com GFRP os valores obtidos durante os primeiros
dias de imersão são várias vezes superiores. Apresentam uma resistividade de
cerca de 12000 O.cm. A presença de GFRP tem o efeito de uma barreira física que
retarda a absorção de solução e isto reflete-se numa maior resistência. Além
disso, devido à maior taxa das reações de hidratação, o betão apresenta um
aumento significativo de resistividade. Após 300 dias a resistividade sofreu um
aumento de 3 vezes face à inicial o que revela a conservação das propriedades
durante este período de tempo.
Silva (2007) [23], para o caso de uma solução salina, estimou um coeficiente de
difusão para o GFRP de 1,55x106 mm2/s, valor várias vezes inferior ao de um
betão comum. A proteção natural que o betão confere contra a corrosão e o
reduzido coeficiente de difusão do GFRP formam uma ação conjunta e eficaz na
prevenção da corrosão.
Por outro lado, são conhecidos os efeitos de soluções de NaCl na degradação das
propriedades do GFRP. Os danos produzidos podem resultar de lixiviação das
fibras e formação de micro-fissuras [24]. O enfraquecimento da matriz ocorre
por plasticização e, embora este dano pareça ser reversível, a exposição
constante provoca danos irreversíveis através de hidrólise [25, 26]. Além
disso, a integridade estrutural e o desempenho do GFRP são fortemente
dependentes da estabilidade da ligação fibra/matriz. A difusão de moléculas
causa expansões volumétricas e provoca tensões diferenciais na interface fibra/
matriz [27].
Devido à penetração de solução ocorrer apenas pelo exterior, seria previsível
que a utilização de duas camadas quando comparadas com um confinamento com uma
camada diminuísse a permeabilidade do confinamento e que este mantivesse as
suas características barreira intactas durante um maior período de tempo.
Contudo, Khoe et al. (2010) [28] afirma que laminados apenas com uma camada são
menos permeáveis do que sistemas com duas camadas.
Alguns autores [21] referem que todos os provetes de betão confinados com uma
camada de GFRP sofreram uma significante diminuição de resistividade nos
primeiros 300 dias de contaminação. Isto indica que o GFRP perdeu o seu efeito
barreira durante este período de tempo. Este efeito revela-se mais sensível a
pequenas variações e imperfeições inerentes à aplicação de GFRP por wet-lay up,
do que à reduzida permeabilidade natural do material. Também a durabilidade do
GFRP é um dos fatores principais na eficaz redução de penetração de cloretos e
na redução da probabilidade de corrosão das armaduras.
Na tabela_1 apresentam-se alguns dos resultados experimentais obtidos através
dos ajustes aos dados experimentais.
Após nove dias de imersão, os provetes com GFRP apresentam um comportamento
tipicamente passivo com declives determinados no diagrama de log |Z| superiores
a 0,8. Os provetes não confinados apresentam declives inferiores e valores de
Rtc característicos de um estado de corrosão ativo.
Com o evoluir do tempo de imersão, os dois tipos de provetes sem GFRP
apresentam valores de Rtc semelhantes e com uma velocidade de corrosão
ligeiramente variável ao longo do tempo.
Esta diferença poderá ser explicada pela variação de temperatura e humidade no
ambiente ao longo das estações do ano, o que provocou diferentes comportamentos
na absorção de água por capilaridade na parte emersa dos provetes.
Através dos declives é possível constatar que o confinamento provocou uma
manutenção do estado passivo, com declives sempre superiores a 0,8 até ao final
dos ensaios.
4. CONCLUSÕES
Os provetes sem GFRP sofreram uma rápida saturação e por este motivo os varões
de aço revelaram-se ativos numa fase precoce da investigação. Com o
desenvolvimento dos ensaios esta corrosão intensificou-se.
Pela evolução da resistividade concluiu-se que os provetes confinados se
mantiveram num estado seco e que os processos de hidratação prosseguiram a uma
taxa elevada. Os varões mantiveram- -se num estado passivo durante os 300 dias
de ensaio. O confinamento revelou reduzida permeabilidade à penetração de
solução e atuou como uma barreira física. Quando comparados com a utilização de
uma camada, verificou-se que a utilização de duas camadas é mais eficaz na
prevenção de penetração de cloretos.
Imperfeições na fase de aplicação de GFRP e a sua degradação por ataque através
de uma solução salina são dois aspetos de grande importância na eficiência de
redução da probabilidade de corrosão.