Influência da Composição Química do Metal de Adição nas Propriedades Mecânicas
e na Susceptibilidade à Corrosão sob Tensão de Juntas Soldadas do Aço
Inoxidável Ferrítico AISI 444
1 Introdução
Os aços inoxidáveis ferríticos têm sido muito utilizados em diversas aplicações
industriais que envolvem trocas térmicas devido à sua elevada resistência à
corrosão sob tensão (CST) combinada com sua boa condutividade térmica [1].
Nesse sentido, a ArcelorMittal Inox Brasil desenvolveu o aço inoxidável
ferrítico AISI 444 que pode ser aplicado em diversas situações, com destaque
para a indústria de açúcar e álcool. De acordo com Carvalho et. al. [2], com a
utilização do aço inoxidável AISI 444 para a fabricação de diversos
equipamentos, houve uma redução de mais de 50% nos gastos com manutenção e um
aumento de durabilidade destes, superior em até 20 vezes quando comparados com
equipamentos similares em aço carbono.
Segundo Machado et. al.[3], o aço inoxidável ferrítico AISI 444 é também muito
utilizado na indústria de petróleo por reunirem boas propriedades mecânicas a
temperaturas elevadas e boa resistência a corrosão.
Por outro lado, o reparo de equipamentos desgastados de aço inoxidável
ferrítico por soldagem torna-se um problema à medida que os mesmos apresentam
uma soldabilidade limitada devido ao crescimento de grão exagerado na ZTA após
soldagem.
A fim de contornar este problema, diversos estudos de técnicas e consumíveis
para a soldagem de aços inoxidáveis ferríticos com aços inoxidáveis
austeníticos têm sido realizados; com o objetivo de aliar a elevada resistência
à CST e boa condutividade térmica dos aços inoxidáveis ferríticos à boa
soldabilidade apresentada pelos aços inoxidáveis austeníticos, geralmente
susceptíveis à CST[1].
Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo estudar o efeito do metal
de adição nas propriedades mecânicas e na susceptibilidade à corrosão sob
tensão de aços ferríticos AISI 444 soldados utilizando metal de adição de aços
inoxidáveis austeníticos (AISI 316L e AISI 309L), em meios contendo cloreto de
magnésio.
2 Material e Métodos
Chapas de aço inoxidável ferrítico AISI 444 de 3mm de espessura foram
utilizadas como metal base. Os metais de adição utilizados foram arames sólidos
com espessura de 1,2 mm dos aços inoxidáveis austeníticos AISI 309L e AISI
316L. A Tabela 1 apresenta as composições químicas das chapas de aço inoxidável
AISI 444 e dos aços inoxidáveis austeníticos usados como metais de adição.
Tabela 1. Composição química nominal dos aços inoxidáveis utilizados
As chapas do aço inoxidável AISI 444 com dimensões de 130 x 70 mm, chanfradas
em V, foram soldadas pelo processo de soldagem MIG (Metal Inert Gas), usando
como metais de adição aos aços inoxidáveis do tipo 309L e 316L.
Os parâmetros de soldagem utilizados para ambos os metais de adição estão
apresentados na Tabela 2.
Tabela 2. Parâmetros de soldagem.
As análises microestruturais foram realizadas por meio de um microscópio óptico
e MEV. Ensaios de dureza Vickers foram realizados para determinação do perfil
de dureza dos corpos de prova soldados.
O ensaio de corrosão sob tensão foi realizado num dispositivo com carregamento
tipo carga constante utilizando corpos de prova de tração sem entalhe soldados
transversalmente ao seu eixo. A geometria do corpo de prova utilizado no ensaio
CST é mostrada na figura 1. Na sua preparação e utilização foram observados os
procedimentos padronizados pelas normas ASTM G58 e ASTM E8.
Fig. 1. Dimensões dos corpos de prova em milímetros.
O tempo necessário para ocorrência da fratura foi o parâmetro adotado para
avaliar a susceptibilidade à fissuração por corrosão sob tensão dos corpos de
prova soldados.
3 Resultados e Discussão
3.1 Caracterização Microestrutural das Juntas Soldadas
A Figura 2 apresenta as microestruturas das juntas soldadas com o metal de
adição E316L e E309L respectivamente. Em ambas as figuras, pode-se observar
claramente o crescimento de grão na ZTA.
Fig. 2. Microestrutura da junta soldada com metal de adição: a) E316L e b)
E309L. Ataque: Água Régia.
Segundo Oliveira e Faria[4], a forma mais utilizada de controlar esse
crescimento de grão é através da adição de estabilizantes (Ti, Nb) e do
controle da energia de soldagem, de forma que quanto menor a energia de
soldagem menor é o crescimento de grão.
Medidas de tamanho de grão realizadas na ZTA mostraram que o crescimento de
grão foi praticamente idêntico nos dois casos. Isto indica que a diluição e a
velocidade de resfriamento de ambas as juntas soldadas foram pouco
influenciadas pela diferença de composição química entre os metais de adição,
mostrando-se mais dependentes da energia de soldagem (5,0 KJ/cm para ambas)
As Figuras 3a e 3b apresentam microestruturas da zona fundida (ZF) das juntas
soldadas com o metal de adição E316L e E309L respectivamente. Pode ser
observado na ZF com metal de adição E316L (figura 3a) que a ferrite delta (fase
escura) se apresenta em maior quantidade e em uma rede relativamente continua.
Por outro lado , na ZF com metal de adição E309L (Figura 3b), a ferrite delta
se apresenta em menor quantidade e de forma mais descontinua.
Fig. 3. Microestrutura da ZF com o metal de adição a) E316L e b) E309L. Ataque:
Água Régia
A presença de ferrite delta em menor quantidade e de forma descontínua no metal
de adição E309L pode ser atribuída à maior presença de Ni (estabilizador de
austenite) na composição de metal de adição, o que reduz a formação de ferrite
delta na interface austenite-ferrite no final da solidificação. Por outro lado,
a presença de maior quantidade de ferrite delta e de forma relativamente
contínua no metal de adição 316L pode ser atribuída à maior presença de Mo
(forte estabilizador de ferrite) na composição do metal de adição; o que
aumenta a formação de ferrite delta na interface austenite-ferrite no final da
solidificação.
Cabe ressaltar que quando a ferrite delta se forma de maneira contínua após a
solidificação do metal de solda, esta contribui mais efetivamente para a
propagação de fissuras CST no contorno de grão ferrítico.
Portanto, comparando as duas microestruturas das zonas fundidas, observa-se que
o metal de adição E309L apresenta uma microestrutura menos susceptível à CST em
relação ao metal de adição E316L uma vez que uma rede de ferrite delta
descontínua dificulta a propagação de fissuras ao longo dos contornos de grão.
3.2. Resultados de Tração
As figuras 4a e 4b mostram os resultados de tração para ambas as juntas.
Fig. 4. Ensaios de tração mecânica realizados nas juntas soldadas com os metais
de adição: a) E309L e b) E316L.
As fraturas dos corpos de prova, para ambas as juntas soldadas, ocorreram
sempre na zona termicamente afetada (ZTA), o que pode ser atribuído ao
crescimento de grão nesta região[7]. Pode-se observar também pelas figuras que
a tensão de escoamento e o limite de resistência a tração da junta soldada com
metal de adição E316L se mostraram inferiores em relação às juntas soldadas com
o metal de adição E309L.
3.3. Dureza das Juntas Soldadas
A Figura 5 apresenta o perfil de dureza das juntas soldadas usando os metais de
adição estudados. Observa-se que os valores de dureza para ambas as juntas
foram bastante similares, sendo o máximo valor encontrado foi de 220 HV.
Considerando que a dureza máxima requerida para aços inoxidáveis austeníticos a
para evitar a CST é de 250 HV, de acordo com a NACE MR0175 [8], ambas as juntas
podem ser classificadas como aceitáveis.
Fig. 5. Perfil de dureza do Aço AISI 444 soldado com os metais de adição E309L
e E316L.
Pode ser observado também que os valores de dureza na zona fundida da junta
soldada com o metal de adição E316L foram superiores àqueles encontrados na
junta com metal de adição E309L. Isto pode ser atribuído principalmente à
presença de Mo em maior quantidade no metal de adição E316L.
3.4 Resultados dos testes CST
Os ensaios de corrosão sob tensão foram realizados inicialmente utilizando-se
uma tensão equivalente a 80% da tensão de escoamento do aço AISI 444 (325 MPa)
e temperatura de 140° C. Nesta condição de ensaio, não houve a fissuração por
CST dos corpos de prova após tempos de exposição acima de 200 horas.
De acordo com Pinto[1], para tensões abaixo de 80% do limite de escoamento, os
corpos de prova apresentam um tempo de fratura bastante superior em relação a
níveis de tensão mais altos. Isto se deve ao fato de que em tensões mais altas,
o efeito do encruamento do corpo de prova é mais pronunciado sobre a fissuração
por corrosão sob tensão.
Em seguida, foram realizados ensaios utilizando-se 90% da tensão de escoamento
(365 MPa) e uma temperatura de 145° C. Os resultados obtidos são apresentados
na tabela 3. O tempo médio de ensaio foi de 113,15 horas para uma temperatura
média de 145° C
Tabela 3. Resultados obtidos nos ensaios de corrosão sob tensão.
Os resultados mostraram que as juntas soldadas com o metal de adição E309L
foram significantemente mais resistentes à fissuração por CST em relação às
juntas soldadas com o metal de adição E316L.
3.4.1 Caracterização Microestrutural
As Figuras 6a e 6b mostram microestruturas das juntas soldadas com os metais de
adição estudados. Em ambas as juntas aparecem fissuras na ZTA e zona de
ligação. A avaliação microestrutural juntamente com os resultados dos ensaios
CST indicam que a zona de ligação (interface entre o metal de solda e ZTA) é a
região mais susceptível ao fissuração por CST. De maneira geral, todas as
amostras apresentaram fissuras nesta região, sendo que, na sua maioria, esta
fissuração levou à ruptura dos corpos de prova.
Fig. 6. Fissuras de Corrosão sob tensão a) na zona de ligação da junta soldada
com o metal de adição E309L e b) na ZTA da junta soldada com o metal de adição
E316L. Microscopia Ótica. Ataque eletrolítico: Ácido Oxálico.
As microestruturas sugerem também que a fissura iniciou-se no metal de solda de
aço inoxidável austenítico (mais susceptível a CST) próximo à zona de ligação e
propagou-se na direção da zona de ligação e da ZTA do aço ferrítico AISI 444.
Portanto, a maior resistência à CST da junta soldada de aço AISI 444 usando
metal de adição E309L pode ser atribuída a presença de uma rede descontínua de
ferrite delta no contorno de grão da austenite; que dificultou a propagação da
fissura nucleada no metal de adição para a zona de ligação e ZTA do aço AISI
444.
É importante ressaltar também que, embora o aço AISI 444 seja praticamente
imune à CST na condição não soldada, o mesmo passa a apresentar
susceptibilidade quando unido com aços austeníticos. Isto, provavelmente, se
deve ao fato de que: (1) elementos (Cr,C, Ni, etc) provenientes do metal de
adição migram para a zona termicamente afetada durante a soldagem e (2) a ZTA
está sujeita a ciclos térmicos rápidos na soldagem. O efeito combinado destes
dois fenômenos acarreta a precipitação de partículas de segunda fase nesta
região, as quais constituem pontos preferenciais de ataque (ver figuras_8c_e
8d)).
As análises metalográficas mostraram também que a morfologia das fissuras se
revelou mista com fissuras intergranulares e fissuras transgranulares e algumas
apresentando ramificações. As mesmas ocorreram sempre na direção perpendicular
à tensão aplicada, o que também as caracterizam como fissuras de corrosão sob
tensão.
A Figura 7 (a) mostra uma fissura intergranular que ocorreu na zona
termicamente afetada. Vale ressaltar que a região da ZTA está sujeita a
precipitação de carbonetos, o que pode resultar em heterogeneidade
composicional na região dos contornos de grão, tornando essas áreas anódicas em
relação ao restante do grão, e por conseguinte, acelerando o desenvolvimento de
fissuras intergranulares [9]. Na Figura 7 (b) pode-se observar várias fissuras
com morfologias transgranulares.
Fig. 7. Fissura: a) Intergranular de CST desenvolvida na junta soldada com o
metal de adição E309L. Aumento: 200 x; b) Transgranulares de CST desenvolvida
na junta soldada com o metal de adição E309L. Microscopia Ótica. Ataque
eletrolítico: Ácido Oxálico.
As Figuras 8a a 8d apresentam a superfície de fratura de dois corpos de prova
submetidos a ensaios de tração e dois corpos de prova submetidos a ensaios de
CST. Nos corpos de prova de tração (Figuras 8a e 8b), pode notar a presença de
dimples em todas as amostras, caracterizando-se o aspecto dúctil da fratura.
Fig._8. Microfratografias de CPs ensaiados por: a) Tração Mecânica ' Metal de
adição E316L; b) Tração Mecânica ' Metal de adição E309L; c) CST ' Metal de
adição E316L; d) CST ' Metal de adição E309L.
Como os rompimentos durante os ensaios de tração ocorreram na ZTA do aço AISI
444, já se esperava o aspecto dúctil, por tratar-se de um aço inoxidável
ferrítico que normalmente apresenta este tipo de fratura.
Na Figura 8c e 8d são apresentadas as superfícies de fratura das duas juntas
soldadas rompidas por CST. Pode-se observar claramente o aspecto frágil da
fratura através de facetas de clivagem e marcas de rios, em função do
fenômeno da corrosão sob tensão. Pode-se notar também a presença significativa
de precipitados na superfície de fratura das juntas rompidas por CST; o que não
se observa nos corpos de prova rompidos por tração.
Análises de energia dispersiva revelaram que estes precipitados são
provavelmente carbonetos M23C6 e/ou M7C3.
4 Conclusão
A partir das análises e observações feitas, pode-se concluir que:
● A microestrutura da ZTA, no que se refere ao tamanho de grão não foi afetada
pelo tipo de eletrodo empregado para a soldagem;
● Nos ensaios de tração e dureza Vickers, as juntas soldadas com o metal de
adição E309L apresentaram propriedades mecânicas consideravelmente superiores
às juntas soldadas com o metal de adição E316L;
● A partir dos ensaios de corrosão sob tensão em soluções aquosas de cloreto de
magnésio ficou evidenciado que todos os corpos de prova fissuraram por CST,
principalmente para níveis de carregamento próximos do limite de escoamentos da
junta;
● O eletrodo E309L apresenta-se como o metal de adição mais indicado para uso
nas soldas de reparo a serem realizadas em equipamentos compostos de aço
inoxidável ferrítico AISI 444 sujeitos à CST. A microestrutura formada por uma
rede de ferrite delta descontínua dificulta a propagação de fissuras do metal
de adição para a zona de ligação e ZTA do aço AISI 444.
● A formação da ferrite delta distribuída de forma contínua na zona fundida das
juntas soldadas com o metal de adição E316L contribuíram para a maior
susceptibilidade à corrosão sob tensão dessas juntas. O efeito maléfico da
ferrite aparentemente não depende somente da sua quantidade, mas também da sua
morfologia.