Caso de Estudo: Análise mecânica e fractográfica de um cabo de aço pré-
esforçado
1. Introdução
O presente trabalho respeita ao estudo das causas de ruína de um cabo de
suspensão de um dos lados de uma ponte, que atravessa o maior rio que nasce em
Portugal.
O cabo era constituído por 84 varões, distribuídos por 12 enrolamentos de 6+1
varões. A parte acidentada do mesmo (sujeita a este estudo) correspondia ao
interior da ancoragem, tendo o comprimento de 1950 mm.
Exceptuando-se cinco varões centrais dos enrolamentos, que não sofreram
fractura, pois apresentavam-se com o comprimento original, todos os restantes
apresentavam fracturas distribuídas de modos distintos, identificados
macroscopicamente:
· 21 varões, correspondendo integralmente à totalidade dos varões de
três cordões de enrolamento, apresentavam superfícies de fractura dúctil, tipo
cone e taça, sitas perto do início da ancoragem (entre 100 e 250 mm);
· 45 varões (ou sejam mais de 50%), fracturados a distância entre 600
e 900 mm do início da ancoragem e apresentando elevado estado de corrosão
(Fig.1), exibiam fractura de tipo frágil alguns dos quais com extremidades em
ponta de lança, desenvolvendo-se longitudinalmente em comprimentos variáveis,
atingindo por vezes 50 mm (Fig.2);
Fig. 1- Observação a baixa ampliação de um dos varões fracturados, verificando-
se efeito de forte corrosão superficial muito irregular.
Fig. 2- Superfície de fractura de um varão fracturado segundo fácies de tipo
frágil, em ponta de lança com elevado grau de corrosão, destacando-se a
cavidade assinalada pela seta.
· Os poucos varões remanescente fracturados a distância idênticas ao
do caso anterior, mas apresentando superfícies de fractura de difícil
identificação macroscópica devido a elevado grau de corrosão.
2. Caracterização química, mecânica e microestrutural do material
A composição química do material consta da tabela 1, verificando tratar-se de
um aço de alto teor em carbono (0,91%) de alta resistência e baixa ductilidade.
Trata-se de um aço hipereutectóide (% C> 0,8%) ao manganês.
Tabela 1- Composição química do material
_____________________________________________________________________
|__________ELEMENTO__________|__________________[%]___________________|
|________Carbono_(C)_________|__________________0,91__________________|
|_______Manganês_(Mn)_______|__________________0,59__________________|
|________Fósforo_(P)________|__________________0,02__________________|
|________Enxofre_(S)_________|__________________0,06__________________|
|________Silício_(Si)_______|__________________0,39__________________|
|_________Cobre_(Cu)_________|__________________0,12__________________|
|________Níquel_(Ni)________|__________________0,07__________________|
|________Crómio_(Cr)________|__________________0,06__________________|
|______Molibdénio_(Mo)______|__________________0,06__________________|
Os ensaios de tracção foram realizados em provetes cilíndricos segundo a norma
ASTM E8-04 [1] com diâmetro de 4,6mm e comprimento de deformação L0= 20mm.
Ensaios mecânicos de tracção e durometria apresentaram valores de tensão de
rotura 1865 a 1932 MPa e valores de dureza 556 HV2, mostrando tratar-se de um
aço duro e resistente [2]. O aço revelou-se do tipo frágil pois obtiveram-se
valores do alongamento de rotura de 0,19.
A observação microestrutural de amostras obtidas em diversos varões e locais
(perto e afastado da zona de fractura) apresentavam sistematicamente
microestrutura muito fina, alinhada longitudinalmente, com presença de
inclusões não metálicas (Fig. 3 a) e b)), tendo só com ampliações possíveis no
microscópio electrónico de varrimento, sido identificadas zonas de perlite fina
(Fig. 3 c) e d)).
Fig. 3- Microestruturas obtidas por microscopia óptica identificando a
estrutura alinhada e, por microscopia electrónica de varrimento, permitindo com
maiores ampliações a identificação de perlite fina.
3. Ensaios de fadiga
Os ensaios de fadiga foram realizados em duas séries: uma série foi realizada
apenas ao ar e a outra série foi realizada também ao ar mas com provetes
submetidos a corrosão prévia em condições descritas a seguir.
3.1. Ensaios prévios de corrosão
Foram realizados previamente ensaios de corrosão numa amostra de doze provetes
(fios) retirados da zona de estudo. Estes provetes foram imersos em água
corrente com um caudal de 3 l/min num tempo de ensaio contínuo de 264 h (11
dias). Mediu-se o diâmetro dos fios antes e depois do banho assim como o peso.
Neste ensaio fez-se uma avaliação dos efeitos das picagens e da dissolução
causada pela água corrente. Destes ensaios concluiu-se que os provetes
apresentavam um efeito significativo das picadas e da dissolução e oxidação
causado pela acção da corrosão.
3.2. Ensaios de fadiga ao ar em provetes com e sem corrosão prévia
Foram ensaiados 10 provetes sem corrosão prévia e outros dez com corrosão
prévia. O ciclo de fadiga aplicado consistiu numa onda sinusoidal a amplitude
de tensão constante em tracção com R= 0,5 e frequência entre 5 e 16 Hz
consoante o valor da carga.
Escolheu-se uma onda de carga com R= 0,5 para simular o efeito de uma pré-carga
de tracção a que tirantes deste tipo estão normalmente sujeitos, no qual o
ciclo de tensões é do tipo repetido consistindo numa solicitação alternada
dinâmica, sobreposta a uma carga média de tracção devido ao peso próprio e (ou)
pré-esforço e aos efeitos ambientais.
Os ensaios de fadiga foram realizados até à rotura ou até se atingir 6x106
ciclos sem partir, consoante o que ocorrer primeiro, consistindo este valor de
número de ciclos com o critério de vida infinita.
Os ensaios de fadiga obtidos nos provetes sem corrosão prévia, deram um elevado
nível de dispersão de tal modo que não foi possível obter uma correlação válida
entre a tensão máxima, σmax, e o número de ciclos de rotura, Nr.
Para os provetes que foram ensaiados com corrosão prévia as condições de ensaio
são mais uniformes, e a melhor correlação é obtida para a curva apresentada na
Fig. 4, cuja equação é dada pela expressão (1):
Fig. 4- Curva de fadiga obtida dos provetes com corrosão prévia.
4. Análise fractográfica
A análise fractográfica foi efectuada por microscopia electrónica de varrimento
(MEV). Os exames foram dificultados pelo elevado grau de corrosão que grande
parte das superfícies de fractura apresentava.
Seguiu-se o mesmo critério das observações macroscópicas referidas em 1. Deste
modo observaram-se:
· Provetes com fracturas dúctil (tipo cone e taça) nitidamente
identificáveis a pequenas ampliações, apresentando fracturas secundárias
geralmente radiais a partir duma zona central (Fig. 5 a)); maiores ampliações
dessas zonas centrais permitiram a identificação de morfologias típicas deste
modo de fractura, designada por coalescência de cavidades [3] (Fig 5 b)).
Fig. 5- Observação por MEV: a) e b) superfícies fracturadas de modo dúctil; c)
e d) zona central da amostra apresentando morfologia de fractura por
coalescência de cavidades.
· Provetes com fractura tipo ponta de lança: foram observados ao
longo das superfícies longitudinais de fractura e nos casos possíveis nas
superfícies transversais que ligam as primeiras ao varão integral (Fig. 6 a) e
b)); a presença de intensa corrosão (Fig. 6 c) e d)) tornou difícil a
observação, impedindo uma perfeita visualização das superfícies originais de
fractura, mas permitindo por vezes evidenciar uma descoesão no interior do fio
estirado (Fig. 6 e) e f)), denunciando uma possível separação de superfícies
segundo trajectos longitudinais de baixa resistência; entre os múltiplos
factores que poderiam promover este modo de fractura contam-se os factores
ambientais que provocam corrosão sob tensão e fragilização por hidrogénio; as
extremidades dessas pontas de lança também apresentam aspecto irregular e
serrilhado confirmando as ilações tiradas (Fig. 6 d)).
Fig. 6- Observações a diversas ampliações de provetes fracturados em ponta de
lança mostrando as morfologias descritas no texto.
5. Conclusões
Através da análise microestrutural não foram detectadas diferenças sensíveis
entre as microestruturas intrínsecas apresentadas por amostras tiradas de
varões fracturados por diferentes mecanismos. Igualmente, não foi detectada
evidência de contribuição de defeitos microestruturais originais, quer devidos
ao material em si, quer ao processamento, como possíveis responsáveis pela
ruína do cabo, que deverá então ser atribuída às condições mecânicas e
ambientais durante o serviço do órgão.
Para as duas situações analisadas nos ensaios de fadiga (com ou sem corrosão
prévia) verificou-se uma grande dependência entre a vida de fadiga e a tensão
máxima do ciclo de fadiga i.e. uma pequena variação da tensão máxima causa uma
grande variação da vida de fadiga.
Da análise fractográfica permite-se concluir que a fractura do cabo processou-
se segundo duas fases sequenciais: na primeira os varões foram sendo atacados
por corrosão sob tensão, que afectando de modo grave mais de 50 % dos varões,
levou-os progressivamente à fractura; quando o número de varões remanescentes
deixou de satisfazer aos esforços aplicados, os mesmos romperam-se
simultaneamente por fractura dúctil.