iLeger: Uma proposta de Mediação Digital para Períodos Eleitorais
1. Introdução
A Internet é hoje uma ferramenta que molda a nossa vida em muitos aspetos. Para
alguns é uma fonte inesgotável de informação e, para outros é um meio para
gerir contas bancárias, fazer compras e utilizar os serviços públicos. Grande
parte das atividades da vida real tem já uma equivalente em linha. Seguindo
essa tendência, também no campo da participação pública se tem verificado uma
integração crescente das Tecnologias da Informação e Comunicação e da Internet,
levando ao conceito de participação eletrónica - eParticipação (Stanford &
Rose, 2007).
A utilização da Internet tem vindo a tornar-se relativamente mais interativa e
orientada para o utilizador. A Web 2.0 e, mais recentemente o surgimento dos
Media Sociais, não só criaram novas possibilidades para a comunicação, mas
também novas formas de comportamento e envolvimento social e político (Kes-
Erkul & Erdem-Erkul, 2009). Hoje, os sites de redes sociais como o
Facebook, YouTube, Twitter, LinkedIn, Wikipedia e Flickr têm milhões de
utilizadores ativos. Com os exemplos de mobilização de massas, como a Primavera
Árabe e os movimentos de protesto contra a crise económica global, como o
OccupyWall Street (http://occupywallst.org/) e o We Are the99 Percent (http://
wearethe99percent.tumblr.com/), é seguro afirmar que os Media Sociais estão a
transformar a sociedade e o jogo da política. Na revisão da literatura sobre
Media Sociais e participação, Effing e os seus colegas alegam que o uso da
Internet pelos cidadãos é cada vez mais social e participativo (Effing,
Hillegersberg & Huibers, 2011). Eles ainda argumentam que um fator-chave da
Web 2.0 e dos Media Sociais é a participação.
O acréscimo de interatividade torna a utilização da Internet num ambiente
importante de comunicação em disputas eleitorais e acaba por diferenciar as
campanhas online das campanhas empreendidas nos Media tradicionais. De acordo
com (Bimber & Davis, 2003), a real contribuição democrática das campanhas
em linha estaria na apropriação do potencial interativo da Internet para tirar
os eleitores da função de meros espetadores.
No entanto, considerando, em campanhas eleitorais, ferramentas como blogues,
sites de campanha dos partidos políticos, e-mail, boletins informativos, ou
abordagens mais tradicionais que cobrem as transmissões de TV, debates, SMS
(Short Message Service), contactos porta-a-porta ou discursos públicos, elas
estão mais concentradas na comunicação unidirecional, como ilustra a Figura_1,
e não suportam um eficiente processo de comunicação escalável baseado nos
objetivos e necessidades de todas as partes interessadas.
Se considerarmos a perspetiva do cidadão e o processo de compilação de
informação que precede a decisão de voto, temos duas grandes abordagens. A
primeira, que pode ser denominada passiva, consiste em assistir a notícias,
debates e discursos dos candidatos na televisão ou na rádio, assim como às
análises dos comentadores políticos. Na segunda, a ativa, o cidadão consulta o
programa eleitoral dos diferentes candidatos, tipicamente nos correspondentes
sítios Web, ou eventualmente consulta outros sítios Web que agregam esta
informação e providenciam uma comparação entre as posições dos diferentes
candidatos sobre vários assuntos chave.
Depois de observar o tipo de comunicação política e de cobertura das campanhas
eleitorais operado pelos órgãos de comunicação social tradicionais, surgiu uma
pergunta de investigação preliminar importante: como estimular os cidadãos a
envolverem-se e a participar ativamente nos debates eleitorais, através de
mediação digital?
Neste contexto, acredita-se que pode ser útil e desejável ter uma solução que
agregue num único local, neutro e regulado, os principais intervenientes num
processo eleitoral e que possibilite uma comunicação multidirecional entre
eles, como ilustrado na Figura_2. Isso permitiria que, por um lado, os cidadãos
se esclarecessem acerca das questões e problemas mais importantes da sociedade
e, por outro lado, que os candidatos tomassem conhecimento das principais
ideias e problemas da comunidade sobre as diferentes áreas da governação
(educação, saúde, economia, entre outras).
Assim, propõe-se uma aplicação Web, designada iLeger, especificamente concebida
para reunir, durante o período eleitoral, os cidadãos e os candidatos a uma
eleição num espaço deliberativo compartilhado. A interação e a colaboração são
suportadas através de perguntas, respostas, sugestões, comentários, votações e
debates em direto. Com esta aplicação pretende-se contribuir para colmatar a
lacuna de comunicação identificada entre estes dois principais intervenientes,
para tornar as campanhas mais abertas a discussões com o eleitorado e para
converter o eleitor - que antes exercia a função de consumidor de informação -
num agente com capacidade de intervir e de produzir informação.
A aplicação iLeger está integrada no projeto Liberopinion (http://
www.liberopinion.com) que visa criar uma plataforma tecnológica na área dos
Media Sociais e da eParticipação, com ênfase na interação entre os
utilizadores. Atualmente, a plataforma Liberopinion consiste em duas
aplicações, a descrita neste artigo, iLeger e o Governómetro (Afonso de Sousa
& Borges Gouveia, 2011), que visa monitorizar o desempenho da atividade
governativa. Em síntese, o Governómetro é uma aplicação Web baseada nos
princípios da eParticipação, especificamente projetada para monitorizar e
discutir, de forma objetiva e independente, a atividade do governo e as novas
leis a nível nacional, regional ou local. Numa primeira fase, o Governómetro
foca três aspetos: a evolução dos indicadores de conjuntura, os objetivos do
governo e as medidas de governação.
A aplicação iLeger foi recentemente testada na Eleição do Bastonário da Ordem
dos Médicos de Portugal de 2010 (http://om.ileger.sapo.pt) e foi usada em
parceria com o maior portal Web português (SAPO - http://www.sapo.pt),
propriedade da Portugal Telecom, nas Eleições Presidenciais Portuguesas de 2011
(http://presidenciais.ileger.sapo.pt) e nas Eleições Legislativas Portuguesas
de 2011 (http://ileger.noticias.sapo.pt/legislativas/2011/).
Este artigo está estruturado do seguinte modo: Na secção 2 apresentam-se
algumas iniciativas de participação em linha em períodos eleitorais. Na secção
3 descrevem-se as principais áreas funcionais da aplicação iLeger. Na secção 4
são apresentados os resultados de um caso de estudo sobre as Eleições
Legislativas Portuguesas de 2011. Finalmente, na secção 5 apresentam-se os
comentários finais e abordam-se alguns tópicos para futura investigação.
2. Mediação digital e eleições
Têm sido levadas a cabo várias iniciativas em linha para ajudar os cidadãos a
esclarecer as questões e as propostas eleitorais por parte dos diferentes
candidatos. Uma abordagem conhecida apresenta um questionário aos cidadãos
sobre vários assuntos, faz uma comparação estatística com as posições dos
candidatos e obtém o candidato que melhor corresponde às respostas do
utilizador (Smartvote, 2005). Todavia, isso não permite que o cidadão comunique
e envie perguntas aos candidatos. Ademais, as perguntas formuladas são baseadas
no programa eleitoral, tal como definido por cada candidato e não fornecem
qualquer base para a interação. Também existem outros sites que comparam as
propostas dos candidatos em vários tópicos (CNN Election Center, 2010).
Uma outra abordagem procura retificar a lacuna na comunicação entre os cidadãos
e os políticos (Abgeordneten, 2010). Nessa iniciativa, é exibida a lista de
representantes políticos, bem como dos candidatos às eleições, e os cidadãos
podem enviar perguntas para os candidatos responderem. Porém, o site está
desenhado em torno de cada representante político e não parece oferecer nem uma
solução escalável quando o número de perguntas aumenta, nem uma comparação
direta (lado a lado) das respostas dos candidatos para uma mesma pergunta, e
nem a possibilidade de debater em torno da questão e das respetivas respostas.
Em (Aggio, Marques & Sampaio, 2011) descreve-se uma iniciativa de
participação mantida pelo candidato José Serra às Eleições Presidenciais
Brasileiras de 2010. Resumidamente, ao longo da primeira fase das eleições a
campanha de José Serra lançou uma plataforma Web de comunicação cujo objetivo
era a construção de um plano de governação colaborativo, apto a agregar
contribuições de cidadãos, especialistas e demais interessados em questões
políticas relevantes para o Brasil. Para o efeito, foram criados fóruns
temáticos classificados de acordo com a região do país ou com a natureza da
questão abordada. Em (Talbot, 2008; Greengard, 2009) é analisada, a partir de
uma perspetiva de eParticipação, a bem-sucedida campanha eleitoral de Barack
Obama durante as Eleições Presidenciais de 2008. Todavia, essas abordagens
servem essencialmente para envolver os cidadãos em torno de uma candidatura.
Isto é, não juntam num único espaço os vários candidatos e os cidadãos para
comunicarem e partilharem ideias e opiniões.
O espaço U.S. Politicsno Facebook (http://www.facebook.com/uspolitics) destaca
o uso desta rede social por políticos. Uma iniciativa interessante, levada a
cabo por uma parceria entre o Facebook e a estação de televisão NBC, transmitiu
ao vivo, em http://www.facebook.com/uspolitics?sk=app_201387976576727, o debate
entre os candidatos presidenciais do Partido Republicano (Grand Old Party -
GOP) realizado em 8 de Janeiro de 2012. Nesse espaço os cidadãos foram
previamente convidados a submeter questões para os candidatos. Algumas dessas
perguntas foram depois usadas durante o debate, juntamente com as perguntas do
moderador, o jornalista David Gregory, e com mais algumas perguntas colocadas
por cidadãos enquanto decorria o debate. Há, todavia, a questão sobre o modo de
seleção das perguntas para o debate. Apesar de possuir uma premissa
participativa, a iniciativa não é clara sobre as regras de seleção, não havendo
qualquer referência ao modo de escolha das perguntas. Uma outra limitação da
iniciativa diz respeito à organização da informação. Não existia nenhuma
estrutura temática para a submissão de perguntas. Por outro lado, também não
existiam áreas específicas para a submissão de sugestões, nem para realizar
inquéritos aos cidadãos.
3. Estrutura funcional da aplicação iLeger
A plataforma iLeger foi projetada e desenvolvida de raiz para atender às
necessidades e aos objetivos dos principais intervenientes no processo
eleitoral, nomeadamente os cidadãos e os candidatos. Como ilustrado na Figura
3, a aplicação permite ao editor criar e gerir cinco tipos de iniciativas de
participação em linha: perguntas dos cidadãos e respetivas respostas dos
candidatos, sugestões e ideias da comunidade, inquéritos aos cidadãos, o
programa eleitoral dos candidatos e, finalmente, debates em direto. A gestão da
plataforma, dos utilizadores e dos eventos de participação, incluindo a sua
moderação, é da responsabilidade do editor.
Convém referir que, nas Eleições Legislativas Portuguesas de 2011, para poder
usufruir das principais funcionalidades, tais como submeter perguntas,
sugestões, comentários e votar, cada utilizador tinha que estar previamente
registado na plataforma e tinha que efetuar o login. Por outro lado, caso não
efetuasse o login, o utilizador apenas podia consultar os conteúdos da
aplicação. No entanto, é possível configurar o iLeger para diferentes
definições, de modo a permitir a interação por utilizadores não registados. Por
exemplo, há um cenário em que utilizadores não registados podem votar, mas não
podem introduzir conteúdos, e outro em que é permitida a votação e a introdução
de conteúdos. Na última configuração, a única limitação para os utilizadores
não registados é a falta de notificações por e-mail e dos recursos adicionais
característicos das redes sociais, tais como seguir utilizador e acesso ao
perfil público.
Todas as intervenções dos cidadãos foram alvo de moderação, de acordo com as
regras de utilização da plataforma. Note-se que quando se registavam na
plataforma, os utilizadores tinham que aceitar os termos de utilização. Por
outro lado, as intervenções dos candidatos não foram moderadas. De modo a
incentivar a participação, foi permitido aos cidadãos requerer o anonimato em
todas as intervenções escritas submetidas na plataforma. Não obstante, a
plataforma está desenhada para suportar diferentes configurações para a
moderação. Por exemplo, é possível publicar diretamente todo o conteúdo, ou
seja, desabilitar a moderação, ou moderar apenas as entradas denunciadas pelos
utilizadores da plataforma.
Acredita-se que as redes sociais em linha serão cada vez mais importantes para
as comunidades. Assim, considera-se muito importante munir a plataforma iLeger
com recursos característicos das redes sociais. Por exemplo, um utilizador
registado pode seguir outros utilizadores registados na plataforma. Todos os
utilizadores registados possuem uma área de perfil onde podem colocar
informação pessoal, nomeadamente dados de contacto, links para as suas páginas
nas redes sociais e de blogues. Na área de perfil público de cada utilizador é
também apresentada a sua atividade (as suas perguntas, sugestões e comentários)
recente no iLeger, bem como a sua rede social.
A integração da plataforma com as redes sociais também é de suma importância.
Por esse motivo, e como um passo inicial nessa direção, os utilizadores podem
partilhar no Facebook e publicar diretamente no Twitter as perguntas e
sugestões submetidas no iLeger. Deste modo, providencia-se uma interface mais
aberta para promover a participação e reforça-se a voz do cidadão, uma vez que
se aumenta o alcance e o potencial impacto de participação de cada indivíduo.
Note-se que a publicação nas redes sociais não depende da aprovação do
moderador.
Atualmente, o iLeger pode também ser configurado em relação ao tipo de
interação dos candidatos. Estão previstos dois cenários: com ou sem interação
por parte dos candidatos. Com interação, os candidatos têm uma conta de acesso
e são responsáveis ??pela introdução de conteúdos, permitindo a comunicação
direta com os outros utilizadores. Na ausência de interação do candidato, o
iLeger pode ser usado pelo editor para identificar as principais questões e
sugestões dos eleitores, bem como as suas opiniões sobre as questões-chave
sobre a eleição. O editor pode também colocar conteúdos sobre as candidaturas
para que os cidadãos possam analisar e comentar. A seguir, apresentam-se as
principais funcionalidades da aplicação, organizadas por ator.
3.1. Cidadãos
Resumidamente, como pode observar na Figura_4, os cidadãos podem submeter
perguntas, sugestões e comentários, votar, participar em debates em direto,
definir critérios para receber notificações (por exemplo: quando um candidato
responde a uma pergunta ou comenta uma sugestão do utilizador, quando outro
utilizador responde a um comentário do utilizador, entre outros), seguir ou
deixar de seguir outros utilizadores e candidatos, editar o seu perfil público,
propor sugestões para melhoria do iLeger.
Os cidadãos podem ainda visualizar um vasto conjunto de informação. Por
exemplo, podem consultar e comparar as respostas dos candidatos; consultar,
avaliar e comentar os programas eleitorais propostos por cada candidatura;
consultar o perfil público dos outros utilizadores e dos candidatos, bem como a
rede (seguidores) e a atividade do candidato na plataforma; consultar o
arquivo; consultar resultados estatísticos; visualizar os TOPs das perguntas e
das sugestões mais populares, etc.
3.2. Candidatos e representantes
No caso de o iLeger estar configurado para haver interação direta dos
candidatos, como pode observar na Figura_5, os candidatos e os seus
representantes podem editar o seu perfil, responder a perguntas colocadas pelos
cidadãos, comentar sugestões, marcar perguntas e sugestões para responder e
comentar mais tarde, comentar respostas e comentários a sugestões de outros
candidatos, participar em debates em direto, consultar dados estatísticos das
consultas feitas aos cidadãos, definir critérios para receber notificações (por
exemplo: quando outro candidato comenta uma resposta ou um comentário seu,
quando outro candidato comenta uma proposta eleitoral sua, entre outros),
apresentar o seu programa eleitoral (PE), incorporar sugestões dos cidadãos no
PE, comentar os PE dos outros candidatos.
O vasto conjunto de informação anteriormente referido para os cidadãos poderem
visualizar está também, naturalmente, disponível para os candidatos. Destaca-se
ainda a possibilidade de um candidato poder visualizar estatísticas sobre o seu
desempenho, nomeadamente as votações às suas respostas e propostas eleitorais,
a sua posição no ranking das melhores respostas, o seu nível de atividade, etc.
3.3. Editor da plataforma
A administração de utilizadores, a configuração da plataforma e a gestão dos
eventos de participação e dos conteúdos editoriais é efetuada a partir de uma
secção dedicada, o BackOffice. Como pode observar na Figura_6, o editor da
plataforma pode criar eventos de participação para angariação de perguntas e de
sugestões, para auscultação da opinião dos cidadãos (inquéritos) e debates em
direto. O editor pode selecionar as iniciativas de participação que quer
destacar na respetiva secção (perguntas, sugestões e debates em direto), até a
um máximo de quatro em simultâneo. O editor pode ainda definir o modo de
moderação de cada evento de participação. Caso defina que o evento é moderado,
todos os conteúdos escritos submetidos pelos cidadãos são alvo de moderação. O
editor, no papel de moderador, deve fazer a moderação à luz dos termos de
utilização do iLeger. O editor pode marcar/selecionar perguntas e sugestões
colocadas pelos cidadãos, que considere pertinentes para incluir em TOPs
editoriais.
No caso de o iLeger estar configurado para não haver interação direta dos
candidatos, o editor pode colocar informação sobre cada candidato: slogan de
campanha, biografia, agenda de campanha, mensagem do candidato, notícias (texto
ou através de um feed RSS), imagens e vídeos de campanha, links para o sítio
Web e para as redes sociais da candidatura e o programa eleitoral. Neste
cenário, o editor pode ainda usar o iLeger para identificar as melhores
questões dos cidadãos eleitores. Depois, pode remetê-las a todos os candidatos
para que possam responder. Finalmente, o editor publica no iLeger as respostas
dos candidatos para que os cidadãos as possam comparar.
4. Caso de estudo: As Eleições Legislativas Portuguesas de 2011
A plataforma iLeger foi usada, em parceria com o maior portal Web de Portugal,
o SAPO, propriedade da Portugal Telecom, durante a campanha para as Eleições
Legislativas Portuguesas em Junho de 2011. Cobriu as duas últimas semanas antes
das eleições, entre 20 de Maio e 3 Junho de 2011.
A versão do iLeger usada foi configurada para que os utilizadores tivessem que
se registar para poderem submeter conteúdos (perguntas, sugestões e
comentários) e votar. Todos os conteúdos escritos submetidos por cidadãos foram
sujeitos a moderação e as várias candidaturas apenas participaram em debates em
direto. Note-se, contudo, que para participar nos debates em direto não era
necessário estar registado no iLeger.
Para o registo dos utilizadores foi usado o mecanismo de Single Sign On (SSO)
do nosso parceiro. Desta forma, os utilizadores já registados no SAPO poderiam
entrar no iLeger sem necessitarem de efetuar um novo registo. Foram
contabilizados 290 utilizadores distintos que efetuaram o login no iLeger, ou
seja, que ficaram habilitados para submeter conteúdos escritos e para votar. As
estatísticas extraídas do Google Analytics mostram que, durante as duas
semanas, 21.486 utilizadores únicos visitaram o iLeger (perfazendo um total de
44.777 páginas vistas). Assim, apenas 1,3% dos visitantes distintos chegaram a
efetuar login no iLeger.
Os cidadãos foram convidados a criar um top de 10 perguntas para ser, depois,
apresentado simultaneamente às candidaturas durante um debate em direto
realizado no dia 31 de Maio de 2011 no Instituto Superior de Ciências Sociais e
Políticas (ISCSP). Sucintamente, foram criadas três iniciativas de
participação. Cada iniciativa tinha a data limite de 30 de Maio de 2011 para a
submissão de perguntas e tinha um tema associado, nomeadamente o crescimento da
economia, o estado social e a ajuda externa. Convém referir que, dado o
contexto económico e financeiro de Portugal nesse momento, esses foram os temas
dominantes da campanha eleitoral. Para tal, os cidadãos inscritos enviaram
perguntas e votaram, de acordo com a sua relevância. Nessa fase, foram aceites
pelo moderador 107 das 116 perguntas submetidas pelos cidadãos, indicando uma
taxa de rejeição de 8%.
O debate do ISCSP foi moderado pela diretora do canal de notícias do portal
SAPO e, através de uma parceria entre a estação de televisão SIC Notícias e o
portal SAPO, foi difundido em direto no iLeger, via streaming de vídeo. As 10
perguntas mais votadas no iLeger foram as únicas usadas no debate e foram
respondidas por cada um dos políticos convidados. A Figura_7 ilustra a difusão
do debate na área do iLeger destinada aos debates em direto.
Destaque-se o facto de terem aderido a esta iniciativa políticos conceituados,
entre os quais líderes parlamentares e elementos que acabariam por vir a fazer
parte do governo eleito como ministros.
Adicionalmente, na segunda semana foram realizados seis debates em direto, cada
um com uma candidatura. Cada debate durou cerda de uma hora e meia. Ao longo
dos seis debates houve 3779 entradas submetidas na forma de perguntas ou de
comentários. No entanto, por restrições de tempo e de moderação, apenas 133
dessas entradas foram abordados pelas candidaturas. Para participar nos debates
em direto os utilizadores não tinham que estar registados no iLeger. Para a
realização dos debates em direto foi incorporado na plataforma iLeger o
componente CoveritLive (www.coveritlive.com).
É importante notar que, segundo as estatísticas do Google Analytics, dos 21.486
visitantes únicos durante as duas semanas, 19.419 entraram pela primeira vez no
iLeger durante os dias dos debates em direto, demonstrando o interesse dos
cidadãos para participar em eventos ao vivo e de curta duração. Na Figura_8
ilustra-se a descrição geral dos visitantes do iLeger entre 20 Maio e 3 de
Junho de 2011.
Os picos refletem os dias em que se realizaram debates em direto. Uma das
possíveis razões para a grande adesão dos cidadãos nos dias dos debates em
direto pode ser o facto de o nosso parceiro ter feito nesses dias maior
divulgação da iniciativa na sua home page. Isto também demonstra a grande
importância da divulgação das iniciativas de participação. Consideramos que os
Media têm, a este nível, também um papel muito importante.
Durante as duas semanas os utilizadores registados submeteram um total de 50
sugestões, das quais 9 foram rejeitadas pelo moderador. Nesta secção do iLeger,
o editor criou, em simultâneo, três iniciativas de angariação de sugestões;
desafiou os cidadãos a dizer o que fariam se fossem a Chanceler Alemã Angela
Merkel, o presidente do FMI (Fundo Monetário Internacional) e o presidente da
União Europeia. Note-se que o editor assumiu que as personagens (tomadoras de
decisão) consideradas nas três iniciativas de recrutamento de ideias tinham um
papel preponderante na eventual ajuda externa a Portugal.
No global, houve 299 votos em perguntas, 92 votos em sugestões e 1073 votos nas
15 questões do inquérito aos cidadãos.
É também pertinente notar que, se não se contabilizarem os debates em direto,
dos 290 utilizadores únicos que efetuaram login, 156 submeteram conteúdos
escritos (116 perguntas e 50 sugestões) ou votaram nas perguntas, nas sugestões
e nos inquéritos. Isto indica que, como ilustrado na Figura_9, participaram
ativamente no iLeger aproximadamente 54% dos utilizadores que efetuaram login.
Nestas eleições o iLeger foi usado principalmente para identificar as
principais questões e sugestões dos cidadãos, bem como a sua opinião sobre os
temas-chave da eleição. Através da realização dos debates em direto, foi também
possível ficar com uma melhor perceção do ponto de vista dos representantes das
candidaturas sobre as 10 perguntas mais votadas pelos cidadãos ao logo da
primeira semana, bem como sobre outras perguntas colocadas em direto. Ao
comparar os pontos de vista, os cidadãos ficam com informações adicionais sobre
a posição dos candidatos acerca das principais questões, ajudando-os,
eventualmente, a decidir pelo melhor candidato.
5. Comentários finais
Os partidos políticos e os candidatos a eleições têm vindo a realizar grandes
investimentos (tempo, dinheiro e recursos humanos) em ferramentas de
comunicação baseadas na Web, tais como as redes sociais (Facebook, Twitter,
YouTube, Flickr, Myspace, entre outras), a blogosfera, e os Web sites de
campanha, para transmitir as suas mensagens aos cidadãos eleitores.
Apesar de se acreditar fortemente que as ferramentas de participação baseadas
na Internet, tais como as redes sociais e como a aplicação aqui apresentada,
serão cada vez mais importantes em campanhas eleitorais, e que, se forem
convenientemente usadas, elas têm potencial para contribuir significativamente
para reverter o atual afastamento dos cidadãos dos debates eleitorais, defende-
se que o foco tem que estar essencialmente na participação e nas pessoas
(cidadãos e candidatos) e não tanto na tecnologia.
Perante as experiências de utilização do iLeger nas eleições do Bastonário da
Ordem dos Médicos, Presidenciais e Legislativas Portuguesas de 2011 e à luz do
feedback recebido de alguns atores envolvidos nessas eleições, quando se tentou
responder à questão de investigação Como estimular os cidadãos a envolverem-se
e a participar ativamente nos debates eleitorais, através de mediação
digital?, alega-se que não se alcançou uma resposta conclusiva e completa.
Todavia, tal como em (Moreira, Moller & Ladner, 2009; Stromer-Galley, 2000;
Effing, Hillegersberg & Huibers, 2011) argumenta-se que o problema da
eParticipação não é apenas uma questão de tecnologia, mas também sobre a
mudança para uma cultura mais aberta e de colaboração.
Espera-se que os candidatos e os representantes democráticos aproveitem as
características de ubiquidade da Internet e as oportunidades da Web
colaborativa, emancipando-se dos Media tradicionais, em favor da Web 2.0 e dos
Media Sociais, para as suas estratégias eleitorais e de comunicação e que, cada
vez mais, promovam e participem em iniciativas de participação que os aproximem
mais dos cidadãos.
Ainda em relação à experiência de utilização do iLeger, considera-se que a
divulgação é um fator chave para o sucesso deste tipo de iniciativas de
participação. Era claramente percetível que sempre que havia divulgação na home
page do nosso parceiro, aumentava consideravelmente o número de visitas no
iLeger (cerca de 90%). A parceria com um dos principais órgãos de Media de
Portugal também se revelou como um fator facilitador para atrair os políticos a
participar. Portanto, entende-se que os Media podem desempenhar um papel muito
relevante em iniciativas de eParticipação. Note-se que eles possuem já grandes
comunidades de utilizadores com alguns hábitos de participação. Por outro lado,
têm também um conjunto de comentadores e analistas que podem contribuir para a
qualidade das discussões. A experiência jornalística que possuem pode também
contribuir para uma melhor dinamização da plataforma e para garantir a
qualidade dos conteúdos editoriais. É, no entanto, muito importante que tudo
seja feito com absoluta neutralidade política. Outro contributo importante
resultante das nossas experiências diz respeito à gestão editorial deste tipo
de aplicações. Os utilizadores habituais da Internet gostam de novidade
constante. Assim, entende-se que os cidadãos (e os políticos) devem ser
convidados a participar em eventos de curta duração e sobre temas da
atualidade. Considera-se que os Media estão numa posição privilegiada para
desempenhar o papel de curador de informação (Rosembaum, 2011) de plataformas
de eParticipação.
Como resultado da experiência obtida, surgem diversas possibilidades de
exploração e aprofundamento dos dados obtidos. Em particular, torna-se
pertinente colocar a questão para futuro trabalho: Qual o impacto dos
mecanismos de mediação digital na participação?