Ba: Um Fator Determinante no Uso de Sistemas de Gestão do conhecimento
1. Introdução
Uma das principais preocupações que move as organizações atualmente, e em particular
as empresas de telecomunicações, passa por definir a melhor forma de implementar
os seus Sistemas de Informação (SI) tendo como foco não apenas a tecnologia mas
também a informação e o conhecimento para suporte das vantagens de competitividade
das organizações (Davenport & Prusak, 1998; Hall, 2001). No que diz respeito à
gestão do conhecimento é importante criar e implementar uma cultura que incentive
a comunicação, a colaboração e a partilha da informação, definido por “Ba” (Nonaka
& Nishiguchi, 2001; Rubenstein & Geisler, 2003). Foram efetuados diversos estudos
relacionados com a Gestão do conhecimento ao longo dos anos, com o objetivo de validar
o comportamento das pessoas em relação à partilha de conhecimento nas organizações e
em que medida fatores como a influência social, a cultura organizacional e a tecnologia
adotada, condicionam os colaboradores de uma organização (Galliers & Leidner, 2014;
Nonaka & Nishiguchi, 2001; Van Baalen, Bloemhof-Ruwaard, & Van Heck, 2005). Os
estudos não demonstraram em que medida “Ba” pode ser determinante na adoção de
sistemas KMS.
O trabalho de investigação aqui apresentado propõem um modelo estrutural de adoção,
contribuindo para a operacionalização do conceito “Ba”, designado aqui como a existência
de um ambiente propicio a partilha de conhecimento, assim como a identificação do seu
impacto na gestão do conhecimento em contexto organizacional.
O presente artigo introduz uma revisão de literatura na segunda secção. Em seguida, é
proposto na terceira secção um modelo. Finalmente, são apresentados os resultados e
conclusões respetivamente na quarta e quinta secções.
2. Revisão da Literatura
2.1. Conceito de Gestão do Conhecimento
Na perspetiva epistemológica da apresentação de posse do conhecimento, esta realça
os aspetos cognitivos, isto é, os aspetos de aquisição do conhecimento, sendo o
conhecimento visto como fazendo parte exclusivamente da mente humana, a capacidade
mental (ou cognitiva), onde o conhecimento tácito como o conhecimento explícito se
complementam, numa dinâmica que caracteriza a natureza humana, através da sua
criatividade e imaginação, possibilitando a criação de novo conhecimento e melhorar
assim a eficácia e eficiência no local de trabalho (Martins, 2010; Newell et al., 2009). Na
verdade, uma organização não é uma simples máquina de processamento de informação,
mas sim uma entidade que cria conhecimento através da ação e interação das pessoas
que a compõem, sendo imperativo fomentar uma dinâmica que permita o surgimento
de novas ideias. Desta forma, a gestão do conhecimento é nada mais do que a gestão
dinâmica do próprio processo de criação de conhecimento (Nonaka & Nishiguchi, 2001;
Nonaka, Toyama, & Konno, 2000). Podemos afirmar, no âmbito deste artigo, que a
gestão do conhecimento trata essencialmente do conhecimento existente, reportando
a um conjunto de táticas, com o intuito de promover a implementação de técnicas e
metodologias, orientadas por uma estratégia organizacional, sustentada numa cultura
transparente, aberta e aceite no contexto social organizacional, com o objetivo de
promover um ambiente propício à partilha de conhecimento entre colaboradores e
stakeholders, conduzindo assim a uma melhoria continua dos serviços prestados pela
organização aos seus clientes (Chaffey & Wood, 2005; Maier, 2007; Maier & Hädrich,
2011; Martins, 2010; Xavier, Oliveira, & Teixeira, 2012).
2.2. A Cultura Organizacional na Gestão do Conhecimento
A cultura organizacional é um fator importante na definição de uma gestão do
conhecimento eficiente. Davenport et al. (1998), abordam o conceito de “Knowledge-Friendly Culture” como sendo um dos mais importantes fatores para o sucesso dos
projetos nas organizações, bem como na aprendizagem mediada por sistemas de
informação (Aparicio, Bacao & Oliveira, 2016), sendo também um dos mais difíceis de
criar caso não exista de todo na organização. Na gestão do conhecimento, na perspetiva
das organizações, nomeadamente na área das Tecnologias da Informação (TI), não
consideram como foco principal a forma como a informação é disponibilizada às pessoas,
mas sim a necessidade de desenvolver um ambiente propício à partilha de conhecimento,
porque não são os sistemas que melhoram o desempenho organizacional ou criam valor
de negócio, mas sim as pessoas que trabalham para a organização (Junnarkar & Brown,
1997; Markus & Keil, 1994). No contexto da partilha de conhecimento, pré-condições
culturais como a “abertura”, o “clima de comunicação“ e o “respeito mútuo”, sendo este
último definido pela confiança, compreensão e apreço mútuo, são considerados como
tendo uma influência positiva no desenvolvimento do conhecimento, na partilha e na
avaliação crítica da necessidade de conhecimento e disponibilidade desse conhecimento.
Assim sendo, certos ambientes são mais propícios para a partilha de conhecimento
quando a cultura corporativa encoraja à inovação e incute a responsabilidade da partilha
de conhecimento entre colaboradores, promova comunidades que assumem a partilha
de conhecimento como uma iniciativa, e ainda, o incentivo à experimentação dos
Knowledge Management Systems (KMS) disponibilizados pelas organizações (Gomes
& Romão, 2012; Hall, 2001; van den Hooff et al., 2003).
2.3. Ba: Ambiente Propício à Partilha de Conhecimento
Considera-se, no contexto do presente artigo, que um ambiente propício à partilha
de conhecimento é formulado pela interceção de quatro variáveis influenciadoras e
distintas (Castellani et al., 1998; Fishbein & Ajzen, 1975; Fleury, 1997; Gold et al.,
2001; Venkatesh & Davis, 2000). A primeira variável consiste em o ”Individuo”,
na visão do utilizador das soluções KMS e na disposição de partilhar o seu
conhecimento. A segunda variável é observada a ”Organização”, no que se refere à
cultura organizacional instituída, no sentido de abertura à partilha e aprendizagem
do conhecimento. A terceira variável consiste no ambiente “Social”, enquanto
influenciador do comportamento do colaborador inserido num registo de convivência
diária com os seus pares/colegas de trabalho. Como última variável, o ambiente
“Virtual”, referenciando a componente que compõe a infraestrutura tecnológica
utilizada para expressar, registar e partilhar os diferentes tipos de conhecimento
que compõem as diferentes componentes do negócio. Alguns autores referem-se a
“Ba” como sendo um lugar de interação no mundo virtual, onde é combinado o novo
conhecimento explícito com a informação existente (Nonaka & Nishiguchi, 2001).
O ambiente propício à partilha do conhecimento, proposto neste artigo, tem como
referência “Ba”, já que “Ba” é a relação de espaço-tempo, ou seja, determina o lugar
e o tempo onde a informação é interpretada para tornar-se conhecimento, sendo esta
parte da função mental do indivíduo (Leonard & Sensiper, 1998; Nonaka & Konno,
1998; Polanyi, 1958; Wilson, 2002), tal como apresentado na Figura 1.
Figura 1 – Ambiente Propício à Partilha de Conhecimento (“Ba”) – “fonte própria”
Desta forma, pode-se considerar o «Ambiente Propício à Partilha do Conhecimento
(“Ba”)», como um agregador de quatro dimensões apuradas na pesquisa, “Fatores
Individuais (FI)” (Lin, 2007), “Favorecimento da Cultura Organizacional (FCO)”
(Rosenberg, 2000; Tyan, 2004; Van Dam & Van Dam, 2004; Vasconcellos & Fleury,
2008), “Influência Social (IS)” (Venkatesh & Davis, 2000; Venkatesh, Morris, Davis, &
Davis, 2003) e a “Technological KM Infrastructure (TKMI)” (Gold et al., 2001; Lousã &
Sarmento, 2016).
2.4. KMS: Knowledge Management Systems
O conhecimento adquirido pelas pessoas e o produto resultado da aplicação desse
conhecimento, assume o fator mais relevante na gestão do conhecimento (Schütt,
2003). É este o conhecimento que é considerado importante para as organizações,
na medida que permite a resolução de problemas, evolução de projetos, elaboração
de um produto ou serviço, entre outros, definido como “knowledge workers”, sendo
que esse conhecimento vital não pode residir apenas na mente dos indivíduos, deve
ser externalizado, isto é, deve ser explicitado com o apoio de soluções colaborativas
avançadas. Numa empresa de telecomunicações, que opera num ambiente de constante
mudança tecnológica e num cenário altamente competitivo, a aplicação de “dynamic
capabilities frameworks”, permitem uma análise dos recursos e métodos como forma
de criação de riqueza. Estas medidas estratégicas permitem alcançar a sustentabilidade
e vantagem competitiva, dependendo em grande parte do aperfeiçoamento dos
processos tecnológicos, organizacionais e de gestão, que permitem um crescimento
continuo e da valorização do capital humano (conhecimento, habilidades e experiência)
(Helfat & Peteraf, 2003; Teece et al., 1997). Alguns dos termos adotados, resultado
das diferentes abordagens no âmbito da grande diversidade de estudos efetuados, tais
como: “knowledge-based information system”, “knowledge management software”,
“knowledge portal”, entre outros, resultam também em abordagens tecnológicas
corporativas, isto é, as organizações investem na criação de soluções tecnológicas
como plataformas abrangentes que pretendem colmatar o défice organizacional,
fundamentando-se num leque de conceitos ontologicamente baseadas em Knowledge
Management (KM), com o objetivo final de fomentar uma memória organizacional
eficiente onde a partilha de informação é a chave principal para o sucesso organizacional
(Maier, 2007). Podemos considerar assim, no âmbito deste artigo, que KMS, define-se
como sendo um conjunto de sistemas de Information and Communication Technology
(ICT) colaborativos, que fomentam a partilha de conhecimento, através da utilização
de serviços avançados, construídos de forma contextualizada e integrada, sustentada
numa ontologia, que permite a ação de compartilhar através da aplicação de um
vocabulário comum, personalizada e adaptada a uma rede de participantes que operam
em comunidade, com o objetivo de alcançar a sustentabilidade e vantagem competitiva,
através da valorização do capital humano (Helfat & Peteraf, 2003; Maier, 2007; Maier &
Hädrich, 2011; Noy & McGuinness, 2001).
3. Proposta de Modelo
Compreender a aceitação e o uso de uma determinada TI é um dos principais objetivos
dos estudos inerentes aos SI, sendo que deve ser fácil de utilizar, confiável, atendendo a
opinião e necessidades reais do utilizador final (Doll & Torkzadeh, 1988; Pedrosa, Costa,
& Laureano, 2015; Venkatesh, Davis, & Morris, 2007). O estudo aplica uma metodologia
quantitativa, sendo que o modelo aqui proposto está sustentado na teoria da adoção
de sistemas de informação, com o objetivo de avaliar o uso efetivo e possibilitar uma
explicação dos fatores determinantes da utilização dos sistemas (Davis et al., 1989;
Venkatesh et al., 2003).
3.1. Dimensões
O modelo proposto baseia-se na teoria da gestão do conhecimento e na teoria da adoção
de SI. Na Tabela 1, apresentam-se as dimensões, que segundo a literatura, poderão ser
fatores determinantes na partilha e adoção de sistemas de gestão do conhecimento. As
subsecções seguintes apresentam cada uma dessas dimensões:
3.2. Proposta das Hipóteses
No levantamento das hipóteses, em relação às dimensões internas relacionadas
diretamente com o modelo Technology Acceptance Model (TAM), adotado no estudo,
as hipóteses são demonstradas pelos estudos de Davis (1986).
A dimensão Facilidade de Uso Percebida (FUP) tem sido demonstrado na literatura
como sendo importante na aceitação de tecnologia, representando o grau ao qual uma
pessoa acredita que usando uma tecnologia específica seria livre de esforço (Davis et al.,
1989). As Tarefas Tácitas (TT), definem as ações que são realizadas pelos indivíduos,
quando geram conhecimento, com a transformação da informação através de inputs e
outputs num sistema tecnológico (Goodhue & Thompson, 1995). Estudos efetuados na
área da gestão do conhecimento relataram a dificuldade no uso da tecnologia enquanto
fronteira a transpor pelo indivíduo que tem de executar as suas tarefas, com determinado
esforço e tempo despendido no uso dos sistemas KMS (Goodman & Darr, 1998). Para
além disso, Goodman & Darr (1998), afirmam que a complexidade do problema pode
inibir a mudança, neste caso o uso dos sistemas KMS, assim como a diferença entre o
conhecimento explícito na organização e o conhecimento tácito do colaborador. Pretende-se assim, compreender com a hipótese H1, em que medida a TT exercida pelo individuo
no uso de um sistema KMS influencia positivamente a FUP desse mesmo sistema KMS.
H1: A Tarefa Tácita (TT) terá um efeito positivo significativo sobre a Facilidade de Uso
Percebida (FUP)
A investigação de Davis (1986), concentrou-se nestas duas dimensões, Utilidade Percebida
(UP) e a Facilidade de Uso Percebida (FUP), teorizadas para fundamentar a utilização
do sistema. Davis, Bagozzi e Warshaw (1989) e Costa, Ferreira, Bento e Aparicio (2016),
demonstraram que estas duas dimensões são estatisticamente distintas, apresentando
medidas que indicam o uso do sistema em análise, onde FUP terá um efeito direto sobre
UP, na medida em que o aumento de FUP contribui para melhorar o desempenho da
tarefa, onde UP é influenciada pela FUP e por variáveis externas, desta forma propõe-se
a hipótese H2, onde FUP terá um efeito positivo e significativo sobre UP:
Dimensão
Descrição
Autores
Tarefa Tácita
O equilíbrio entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito.
Goodhue & Thompson, (1995)
Jarvenpaa & Staples, (2000)
Interdependência de Tarefa
A existência de partilha de saberes que permitem concretizar a tarefa.
Goodhue & Thompson, (1995)
Kankanhalli, Tan, & Wei, (2005)
Cultura Organizacional
Assume o papel mais importante no contexto social, sendo que os valores influenciam
direta ou indiretamente o uso de ferramentas KM.
Davis Jr, (1986); Fleury, (1997); Alavi, Kayworth, & Leidner, (2005); Vasconcellos & Fleury,
(2008)
Influência Social
Define o grau pelo qual um indivíduo percebe o quanto é importante que os outros
acreditam que devem utilizar o sistema
Venkatesh et al., (2003); Venkatesh & Davis, (2000)
Fatores Individuais
Fator referente ao comportamento do individuo influenciado pelas suas crenças,
valores, motivações e experiência, enquanto colaborador na organização.
Lin, (2007); M McLure Wasko & Faraj, (2000)
Technological KM Infrastructure
Define a dimensão tecnológica como a geração de oportunidade na realização das
tarefas.
(Gold et al., 2001; Lousã & Sarmento, 2016)
Utilidade Percebida
Define o grau e que uma pessoa acredita que usar um sistema em particular aumenta o
desempenho do seu trabalho
(Davis et al., 1989; Venkatesh & Davis, 2000)
Facilidade de Uso Percebida
Define o grau a que uma pessoa acredita que usando um determinado sistema estaria livre
do esforço
(Davis et al., 1989; Venkatesh & Davis, 2000)
Intenção Comportamental com relação ao uso
O grau de afeto avaliativo que um indivíduo associa quando usa o sistema no seu trabalho
(Davis et al., 1989; Venkatesh & Davis, 2000)
Uso efetivo do sistema
Resposta comportamental da intenção do indivíduo em utilizar o sistema
(Davis et al., 1989; Venkatesh & Davis, 2000)
Tabela 1 – Dimensões do modelo de adoção de KMS
H2: A Facilidade de Uso Percebida (FUP) tem um efeito positivo significativo sobre a
Utilidade Percebida (UP)
A Intenção Comportamental do Uso (BI) é atualmente o melhor preditor para o uso
de sistemas, já que é determinado pela atitude comportamental no uso dos sistemas,
esta atitude, por sua vez é determinada pela UP e pela FUP (Davis & Venkatesh, 1996;
Davis Jr, 1986). Tanto o modelo original de Davis (1986) como pesquisas posteriores
demonstraram que o efeito de UP sobre BI era apenas parcialmente medida pela atitude
em relação ao uso, sendo explicado pelo facto de que no ambiente de trabalho as pessoas
podem utilizar uma determinada tecnologia independentemente de terem ou não uma
atitude positiva para o uso dessa tecnologia, desde que essa tecnologia permita o alcance
da produtividade no seu trabalho (Davis & Venkatesh, 1996; Costa et. al., 2016). Desta
forma são propostas as hipóteses H3, H4 e H5 com que se pretende determinar o efeito
positivo e significativo exercido.
H3: A Facilidade de Uso Percebida (FUP) terá um efeito positivo significativo sobre a
Intenção Comportamental do Uso (BI)
H4: A Utilidade Percebida (UP) terá um efeito positivo significativo sobre a Intenção
Comportamental do Uso (BI)
H5: A Intenção Comportamental do Uso (BI) terá um efeito positivo significativo sobre
a Uso Efetivo (USE)
O conceito de “Ba”, enquanto dimensão enraizada na filosofia Japonesa, é apresentado
neste estudo como conceito abstrato que explica o espaço ou o Ambiente Propício à Partilha
de Conhecimento (Alavi et al., 2005; Nonaka & Konno, 1998). O desenvolvimento de
um ambiente organizacional que permita a partilha do conhecimento de forma natural,
ou seja, um ambiente propício à partilha de conhecimento, assume o papel de maior
relevo no processo (Junnarkar & Brown, 1997). No entanto, as pessoas podem sentir
alguma relutância quando são convidadas a participar na partilha de conhecimento,
e como tal, no uso de sistemas dedicados ao processo quando a confiança é parte do
problema (Rubenstein & Geisler, 2003; Ruppel & Harrington, 2000). Abordando a
framework SECI, de Nonaka & Takeuchi (1995), o enquadramento de “Ba” é visível nos
quatro quadrantes do modelo SECI, sendo expressivo neste contexto nos quadrantes
“externalização” e “internalização” respetivamente: “Dialoguing Ba”, o espaço e
momento onde o conhecimento tácito é transferido e documentado na forma explícita;
e “Exercising Ba” como sendo o espaço e momento onde o conhecimento explícito é
convertido em conhecimento tácito (Nonaka, 1994; Nonaka & Konno, 1998). As tarefas
tácitas são enquadradas no contexto do indivíduo que usa um determinado sistema
KMS, acima de tudo uma tarefa cognitiva que se funde com um contexto social, e
como tal não são facilmente descartáveis como o uso de uma ferramenta física. Estas
tarefas enquadram-se no “saber” mas dependem também do “fazer”, enquanto no
uso da tecnologia, sendo que estes dois aspetos são inseparáveis, denominando-se por
“knowledge how” e “knowledge what”, tendo em conta que o conhecimento tácito
suporta dois aspetos relevantes: o “aspeto técnico” e “aspeto cognitivo” (Polanyi, 1958;
Ryle, 2009). Podemos considerar para a hipótese H6, como relevante, para entender em
que medida “Ba” exerce um efeito positivo e significativo na Tarefa Tácita do indivíduo
quando do uso de KMS.
H6: O Ambiente Propício à Partilha do Conhecimento (“Ba”) tem um efeito positivo
significativo sobre a Tarefa Tácita (TT)
Alguns estudos revelaram que uma cultura organizacional não consolidada, com falha
em alguns dos mecanismos relevantes como o clima de comunicação e a abertura, pode
repercutir resultados desastrosos no uso efetivo das soluções KMS que as organizações
disponibilizam com o objetivo de fomentar uma política de partilhar de conhecimento na
organização (Rubenstein & Geisler, 2003; Ruppel & Harrington, 2000). As plataformas
ICT colaborativas e integradas que permitam a partilha de conhecimento, assumindo
uma base ontológica relacionada com o ato de compartilhar, são fundamentais no uso
da tecnologia por parte dos participantes, dessa forma, é importante conhecer em que
medida as infraestruturas tecnológicas afetam o processo de partilha de conhecimento
(Aparicio et al., 2016), já que a tecnologia é um elemento crucial na dimensão estrutural
para mobilizar o capital social no processo de criação de novo conhecimento na
organização. Assim, a tecnologia é enquadrada na componente virtual, como parte de
“Ba”, como fator condicionador nas tarefas do indivíduo, tendo em conta as chaves que
a caracterizam: a tecnologia, a cultura e a estrutura organizacional, no ambiente como
sendo em parte o local da organização, onde é executada a tarefa pelo individuo quando
do uso dos sistemas KMS (Alavi et al., 2005; Fleury, 1997; Gold et al., 2001; Maier &
Hädrich, 2011; Nonaka & Konno, 1998; Noy & McGuinness, 2001).
H7: O Ambiente Propício à Partilha do Conhecimento (“Ba”) é uma dimensão de segunda
ordem de tipo refletivo-refletivo, que se reflete nas seguintes dimensões: Favorecimento
da Cultura Organizacional (FCO), Influência Social (IS) e Infraestrutura Tecnológica
KM (TKMI)
4. Validação do Modelo de Adoção de Sistemas de Gestão
do Conhecimento
4.1 Definição da amostra
O estudo ocorreu durante o último trimestre de 2016, e foi conduzido em ambiente
real de uma organização que opera na área das telecomunicações, com a participação
dos profissionais das 16 áreas que compõem a direção de suporte e qualidade, sendo
identificados para o estudo 3 sistemas de gestão do conhecimento atualmente em
utilização: (1) Confluence (Atlassian Software Systems Pty Ltd, 2013); (2) JIRA
(Atlassian Software Systems, 2012); (3) SharePoint (Microsoft Coorporation, 2010).
As soluções Content Management System (CMS), apresentadas no estudo baseiam-se
numa arquitetura centralizada “Server-based”, mas sem camada integradora com outros
sistemas ou bases de dados que compõem a infraestrutura dos SI da organização. A
plataforma da Atlassian: JIRA e Confluence, contem uma vertente “peer-to-peer” (p2p),
no entanto sem componentes de arquitetura “super-peer” configuradas. A iniciativa KM
apresenta uma característica estratégica personalizada, ao encontro de numa filosofia
de design organizacional descentralizada, em que o conteúdo resume o registo de
documentos individuais, ideias, procedimentos, resultado da experiência no trabalho do
dia-a-dia, tendo como base uma cultura organizacional aberta e de confiança intrínseca
nos colaboradores da organização (Maier & Hädrich, 2011).
4.2. Caracterização da Amostra
Os dados recolhidos através do recurso a um inquérito (consultar Apêndice A)
difundido internamente, foram tratados com recurso ao método SEM/PLS, o método
dos mínimos quadrados parciais. Os dados foram tratados estatisticamente com recurso
ao programa Smart PLS. A amostra foi considerada adequada ao modelo (Cohen, 1992;
Hair et al., 2014)”issued”:{“date-parts”:[[“1992”]]}}},{“id”:184,”uris”:[“http://zotero.
org/users/3129792/items/A3DPDHE3”],”uri”:[“http://zotero.org/users/3129792/
items/A3DPDHE3”],”itemData”:{“id”:184,”type”:”book”,”title”:”A primer on partial
least squares structural equation modeling (PLS-SEM. A taxa de resposta foi de 39% do
universo formado por colaboradores internos e externos, da direção de suporte dos SI da
empresa de telecomunicações. Com uma média de idade de aproximadamente 37 anos,
foi apurado o total de 253 respostas ao inquérito, representativo das 3 soluções CMS em
uso. A distribuição por cada solução CMS é visível na Tabela 2.
Tabela 2 – Distribuição por Plataforma CMS
Em resposta a uma afirmação no inquérito, a maioria dos inquiridos (90%) expressa
vontade em utilizar apenas uma única plataforma KMS, que centralize a informação a
registar e consultar, em vez de várias.
4.3. Resultados
Na avaliação da fiabilidade dos resultados obtidos, como apresentado na Tabela 3, referente
aos Critérios de Qualidade, as variáveis latentes apresentam um Alpha de Cronbach
superior a 0.85, apresentando assim uma Fiabilidade de Consistência Interna (Hair et
al., 2014). A Variância Média Extraída (AVE), tendo em conta os “loadings” superiores
a 0.708, permitiram assim analisar a Validade Convergente. Os valores AVE apresentam-se superiores a 0.5, para a dimensão refletivo-refletivo (segunda ordem) “Ba” e valores
superiores a 0.7 para as restantes dimensões reflexivas. A Fiabilidade Composta Interna
deve ser superior a 0.708, embora na realização de pesquisa exploratória, 0.60 a 0.70
é considerado aceitável. Pode-se considerar a possibilidade do Alfa de Cronbach como
sendo uma medida conservadora da Fiabilidade Consistência Interna (Hair et al., 2014).
O item TT2, indicado na tabela de medida (consultar Apêndice A), foi excluído dos
resultados por apresentar um “Outer loading” embora superior a 0.40, mas inferior
a 0.70. A decisão deriva do facto da análise ao impacto da exclusão do indicador
demonstrar um aumento das medidas acima do limite para AVE assim como para a
Confiabilidade Composta (Hair et al., 2014). É confirmada a validade discriminante
através da verificação das Cargas Transversais “Cross Loadings” dos itens, sendo que
os valores das cargas externas dos indicadores associados às dimensões são superiores
a todos os valores de carga das restantes dimensões (Hair et al., 2014). Foi também
avaliada a validade discriminante, através da aplicação do critério de Fornell-Larcker,
verificado na Tabela 4, como abordagem mais conservadora para avaliar a validade
discriminante, onde apenas as dimensões reflexivas são possíveis de avaliar com a
aplicação do critério de Fornell-Larcker (Hair et al., 2014).
Tabela 3 – Critérios de Qualidade – Smart PLS v2.0
Tabela 4 – Validade Discriminante Critério de Fornell-Larcker
Com a validação do modelo estrutural, procedemos à avaliação dos caminhos
estruturais para testar as hipóteses apresentadas neste estudo. Desta forma, o ambiente
propício à partilha do conhecimento “Ba”, enquanto dimensão de segunda ordem
refletivo-refletivo, porque “Ba” reflete-se nas dimensões FCO (ß=0.817, p<0.001), IS
(ß=0.727, p<0.001) e TKMI (ß=0.925, p<0.001), explicando em 66.7%, 52.8% e 85.6%
respetivamente, confirmando assim a hipótese H7. Já “Ba” (ß=0.497, p<0.001) explica
apenas em 24.7% da variação exercida sobre a TT, confirmando assim a hipótese H6. A
dimensão referente à TT (ß=0.815, p<0.001) explica em 66.5% da variação sobre FUP,
confirmando assim a hipótese H1. Na Tabela 5 podemos observar os efeitos para FUP,
sobre UP e BI, sendo significativo de FUP para BI e fortemente significativo de UP para
BI, como seria esperado por já ter sido comprovado em diversos estudos (Venkatesh
& Davis, 2000), onde a dimensão FUP (ß=0.801, p<0.001) explica em 64.1% da UP,
confirmando também a hipótese H2.
Tabela 5 – Resultado das Hipóteses
BI é explicada em 65.7% pelas dimensões FUP (ß=0.266, p<0.01) e UP (ß=0.582,
p<0.001), para as hipóteses H3 e H4. A dimensão BI (ß=0.684, p<0.001) explica por sua
vez 46.8% da variação exercida sobre USE, confirmando assim a hipótese H5, embora
de forma moderada. O modelo estrutural KMS, apresentado na Figura 2, suporta assim
todas as ligações (Cohen, 1992), como visível na demonstração gráfica do modelo
estrutural KMS.
Figura 2 – Resultados - Modelo Estrutural KMS – “fonte própria”
4.4. Discussão
O efeito positivo da IS é o resultado de que o uso das tecnologias CMS, alvo do estudo KMS,
é considerado necessário no ponto de vista das pessoas que são importantes para nós. No
entanto, no modelo estrutural KMS, “Ba” explica em 52.8% da variância da IS (ß=0.727,
p<0.001), demonstrando-se um valor bastante moderado na vertente social, que pode
influenciar o ambiente de partilha de conhecimento. Este valor pode explicar em parte
um efeito baixo exercido por “Ba” sobre a TT do colaborador, enquanto utilizador das
plataformas tecnológicas KMS na organização, onde a dimensão do ambiente propício à
partilha de conhecimento (“Ba”) (ß=0.497, p<0.001) apenas explica 24.7% da variação
exercida sobre a TT. Segundo Nonaka & Nishiguchi (2001), alterações drásticas, como
as que envolvem a transformação de uma organização, podem afetar negativamente as
relações sociais, pondo em risco a criação de conhecimento dentro das organizações,
sendo uma eventual explicação sobre o valor mediano obtido para IS. Com a evolução
dos SI integrados, a subsistência dos sistemas KMS pode passar pela implementação de
módulos aplicacionais de redes sociais que permitam criar ou reforçar os laços de confiança
para a realização da partilha de conhecimento, como componente de socialização entre
colaboradores na organização e stakeholders (Nonaka & Takeuchi, 1995; Rodriguez &
Edwards, 2008; Sousa, Costa, & Aparicio, 2013). A tarefa tácita determina a acumulação
implícita de habilidades, resultado da aprendizagem prática, onde a codificabilidade e
a observabilidade são as variantes utilizadas como forma de medir o grau exercido pelo
conhecimento tácito na execução de uma tarefa num determinado sistema (Kankanhalli
et al., 2005). São observados valores R² superiores a 0.64 quando a TT (ß=0.815,
p<0.001) explica em 66.5% da variação sobre a FUP, demonstrando que a tarefa tácita
exercida pelo utilizador assume um efeito positivo quando do uso dos sistemas KMS,
sendo relevante codificar e observar a informação técnica inserida nos sistemas KMS
da organização (Hair et al., 2014). Na análise efetuada aos resultados, foi verificado
que os valores das dimensões FUP e UP corroboram BI, com valores R² superiores a
0.64, com níveis de significância que permitem suportar as hipóteses H2, H3 e H4 (Hair
et al., 2014). Contudo, o USE em relação aos sistemas KMS avaliados neste estudo,
apresenta um valor R² moderado, explicado por BI em 46.8%. Pode eventualmente, o
valor moderado apresentado na hipótese H5, ser em parte explicado pelo uso da internet
social como alternativa ou complemento aos sistemas internos de KMS da organização,
embora o uso de soluções sociais na internet possa representar uma falha de controlo da
informação obtida e disponibilizada, e consequentemente um risco para a organização
(McLoughlin & Lee, 2007; Molly McLure Wasko & Faraj, 2005). No entanto, estas
ferramentas sociais Web 2.0, categorizadas como CMS, tais como os Blogs, Wikis e redes
sociais especializadas, são também consideradas ferramentas pedagógicas e de suporte
técnico, utilizadas por diferentes organizações no mundo inteiro, promovendo as
condições ideais para a realização da partilha da informação e de conhecimento, através
da partilha de experiencias entre diferentes utilizadores (McLoughlin & Lee, 2007).
Outra explicação para o valor moderado apresentado na hipótese H5, pode passar pelo
uso de vários sistemas KMS, neste caso específico dos sistemas CMS, poder ser contra
procedente, desmotivando o utilizador final e promovendo por vezes a redundância de
informação, que nem sempre representa necessariamente eficiência, já que pode resultar
numa rede caótica e impraticável de informação (Stenmark, 2004). Para além disso, o
uso dos sistemas CMS pode estar condicionado a diferentes aspetos relacionados com
a perceção que cada utilizador desenvolve em relação ao uso efetivo desses sistemas,
onde para alguns utilizadores o uso dos sistemas CMS está intrinsecamente associado
ao desempenho imediato do seu trabalho, implicando assim um uso mais frequente
da tecnologia com um objetivo mais tático, já para outros utilizadores a motivação
para o uso dos sistemas CMS tem em consideração o usufruto a longo prazo, sendo
intrinsecamente associado ao seu desenvolvimento pessoal, podendo assim representar
uma frequência menor, com um objetivo mais estratégico (Malhotra & Galletta, 1999).
5. Conclusões
Este estudo apresenta uma revisão de literatura no âmbito da gestão do conhecimento,
nomeadamente no que concerne aos fatores apresentados por vários estudos, como
sendo fatores influenciadores da partilha de conhecimento em ambiente organizacional.
Com base na literatura, é aqui apresentado e validado um modelo estrutural de adoção
de sistemas de gestão do conhecimento (KMS). O modelo explica 47% do uso de KMS em
contexto organizacional. O artigo contribui para o melhor entendimento dos fatores que
levam à adoção de KMS, particularmente por efeito de um ambiente propício a partilha
de conhecimento, concluindo-se que “Ba” é uma dimensão de segunda ordem que se
reflete na cultura organizacional, na influencia social e na infraestrutura tecnológica.
“Ba” influencia a tarefa tacita, que por sua vez influencia a facilidade de uso percebida. A
facilidade de uso percebida e a utilidade percebida são fatores determinantes na intenção
de uso de KMS, explicando 66% dessa intenção. Trabalhos futuros podem passar pela
avaliação de resultados para cada um dos sistemas em separado, atendendo ao género e
idade como eventuais moderadores.
Apêndice A
Dimensão
Cód. Item
Item
Referências
Utilidade Percebida (Perceived usefulness)
UP1
Utilizar o sistema ____ permite aumentar a minha produtividade.
Davis et al. 1989
UP2
Eu acho que o sistema ____ é útil para o meu trabalho.
UP3
Usar o sistema ____ no meu trabalho permite-me realizar tarefas de forma mais célere.
Facilidade de Uso Percebida (Perceived ease of use)
FUP1
A minha interação com o sistema ____ é clara e compreensível.
Davis et al., 1989
FUP2
Acho que é fácil aceder ao sistema ____ para fazer o que pretendo fazer.
FUP3
Eu entendo que o sistema ____ é fácil de utilizar.
Atitude para com a utilização do Sistema (Attitude towards system use)
-
Utilizar o sistema ____ é uma má/boa ideia.
Davis et al., 1989
-
Eu não gosto/gosto da ideia de utilizar o sistema ____.
-
Usar o sistema ___ é desagradável / agradável.
Intenção Comportamental de Uso do Sistema
(Behavioral intention to use)
BI1
Assumindo que tenho acesso ao sistema ____, intenciono utiliza-lo.
Davis et al., 1989
BI2
Eu intenciono utilizar o sistema ____ nos próximos 12 meses.
BI3
Eu intenciono utilizar muitas vezes o sistema ____.
Uso Efetivo (USE)
USE1
Eu utilizo atualmente o sistema ____.
Davis et al., 1992
USE2
Utilizo o sistema ____ para obter a informação de apoio no meu trabalho.
Urbach et al, 2010
USE3
Utilizo o sistema ____ para guardar e partilhar documentos e informação.
Influência Social (IS)
IS1
As pessoas, que são importantes para mim, entendem que eu devo utilizar os sistemas de
apoio ao conhecimento.
Venkatesh and Davis, 2000
IS2
As pessoas, que influenciam o meu comportamento, entendem que eu deveria utilizar os sistemas de apoio ao conhecimento.
Favorecimento da Cultura Organizacional (FCO)
FCO1
A cultura da minha organização favorece a adoção de sistemas de apoio ao conhecimento.
Rosenberg, 2000
FCO2
A cultura da minha organização valoriza a aprendizagem.
Fatores
Individuais (FI)
Enjoyment in helping others
FI1
Eu gosto de ajudar os meus colegas compartilhando o meu conhecimento com eles.
Wasko
and Faraj, 2000
FI2
É um prazer compartilhar meu conhecimento com os meus colegas.
Knowledge self-efficacy
FI3
Estou confiante na minha capacidade de criar conhecimento que outros na minha organização consideram valioso.
Spreitzer, 1995
FI4
Eu tenho a experiência necessária para fornecer conhecimentos valiosos para a minha organização.
Tarefa Tácita (TT)
TT1
O conhecimento utilizado é codificável no sistema ____.
Subramaniam & Venkatraman, 2001
TT2
O conhecimento utilizado é complexo no sistema ____.
TT3
O conhecimento utilizado é observável no sistema ____.
Interdependência de Tarefas (IT)
IT1
As tarefas no sistema ____ dependem de outra unidade.
Jarvenpaa and Staples, 2000
IT2
As tarefas no sistema ____ dependem de outro departamento.
IT3
As tarefas no sistema ____ dependem de outra entidade.
Technological KM
Infrastructure (TKMI)
TKM1
Minha organização usa tecnologia que permite aos colaboradores partilharem informação e conhecimento com outras
pessoas dentro da organização.
Gold et al., 2001
TKM2
Minha organização usa tecnologia que permite que pessoas em vários locais aprendam como um só grupo heterogéneo
ou em diversas fases no tempo.
TKM3
Minha organização utiliza tecnologia que permite a busca de novos conhecimentos.
TKM4
Minha organização utiliza tecnologia que lhe permite recuperar e usar o conhecimento
sobre seus produtos e processos.
Tabela de Medida das Dimensões