Validação em Língua Portuguesa da Escala de Motivação de Realização
1. Introdução
A “programação de computadores” nos primeiros anos do ensino superior, para os alunos
que escolheram a computação e cursos afins, é um desafio para os professores e levanta
dificuldades de aprendizagem, assunto largamente analisado na literatura especializada
(Dan, Cooper & Paush, 2000; Jenkins, 2002; Moons & Backer, 2013; Pea & Kurland,
1984; entre outros). Ensinar programação a alunos fora das áreas da computação e das
tecnologias digitais é um desafio ainda maior, pois não é clara para estes a necessidade
de aprender a programar, e faltam-lhes as bases matemáticas para concretizar uma
programação de qualidade.
A literatura especializada no domínio da aprendizagem inicial da programação de
computadores para os estudantes de informática, tem analisado as dificuldades
que muitos encontram, entre elas: o raciocínio abstrato, as heurísticas de resolução
de problemas, os erros de sintaxe e a algoritmia. Contudo, estudos como os de Caspersen
e Kölling (2009) apontam que a maior dificuldade dos iniciantes está em combinar a
utilização dos conceitos básicos de programação e o seu uso efetivo na codificação. Os
alunos entendem os conceitos das estruturas das linguagens de programação, mas não
sabem como utilizá-los no código.
As dificuldades que os estudantes encontram no seu percurso de aprendizagem podem
influenciar a motivação e levar a que desejem abandonar os estudos neste domínio. Para
Lemos (2015) a motivação deve ser valorizada nos contextos escolares pois produz uma
melhor aprendizagem e tem influência no desempenho, na confiança em si próprio e
produz uma maior satisfação na realização dos trabalhos.
A motivação aqui estudada é a Motivação de Realização baseada na Teoria de Atkinson.
Para se alcançar o sucesso na realização de uma dada tarefa, o aluno deverá manifestar
interesse e empenho, tendo em vista obter sucesso ou, pelo contrário, evitar o fracasso,
que geralmente se expressa pela ansiedade e inibição, tendo consequências negativos no
comportamento (Jesus, 2000).
A utilização de provas para avaliar construtos psicológicos, como é o caso da motivação
de realização, pressupõe que os instrumentos que vamos usar devem ser tratados com
rigor e cientificidade. Negligenciar as ações de validação dessas provas pode por em
causa a credibilidade da investigação, pois esta depende do controlo das variáveis que
podem ameaçar a validade interna e externa dos planos de investigação (cf. Almeida &
Freire, 2017; Cohen, Manion & Morrison, 2006; Tuckman, 2014; entre outros), onde o
uso de instrumentos credíveis é essencial.
A escala aqui estudada foi desenvolvida em língua inglesa por Muthee e Thomas, (2011),
com base na teoria de Atinkson sobre a Motivação de Realização, e aplicada a uma
amostra da população estudantil do ensino secundário de Nairóbi. Esta escala possui
32 itens, 18 estão redigidos de forma positiva e 14 de forma negativa. Os itens com
formulação positiva e negativa estão dispostos aleatoriamente na escala.
Após a autorização dada pelos autores, foi feita a tradução e retroversão, mantendo o
enunciado de cada questão o mais próximo possível da versão original (Runa & Miranda,
2015). A segunda etapa consistiu em testar esta primeira versão junto de 11 alunos, que
foram entrevistados após a aplicação da escala. Realizou-se uma análise de conteúdo
no qual foram feitas melhorias no que diz respeito à tradução para a língua portuguesa
(versão de português de Portugal e versão de português do Brasil). Na terceira etapa foi
aplicada a escala a uma amostra portuguesa e brasileira (n = 204) utilizando três índices
para assegurar a credibilidade do instrumento: a sensibilidade dos itens, a validade
fatorial e a fiabilidade pelo alfa de Cronbach.
Com os resultados alcançados concluímos que o instrumento de medida é credível para
mensurar a motivação de realização em amostras retiradas de populações que falam a
língua portuguesa. Entende-se que um trabalho continuado de validação em diferentes
amostras é necessário para confirmar estes resultados.
2. Fundamentação Teórica
Ao realizar a revisão de literatura verificámos que a motivação é considerada como
um impulsionador da ação, que pode determinar comportamentos específicos (cf.
Chiavenato, 1999, Lemos, 2015, entre outros). Os autores Taipa e Fita (2015) consideram
que “a motivação é um conjunto de variáveis que ativam a conduta e a orientam em
determinado sentido para poder alcançar um objetivo” (p. 77)
A motivação escolar é uma categoria da motivação e tem tanta importância como a
motivação para realizar outras atividades. Para Lemos (2015) os alunos motivados são
os que farão um percurso escolar mais longo, pois eles otimizam a aprendizagem e o
desempenho e manifestam mais entusiasmo, curiosidade e interesse.
Existem dois tipos fundamentais de objetivos que determinam a motivação escolar:
objetivos de aprendizagem e objetivos de realização ou desempenho (Elliot & Dweck,
2005). Os primeiros induzem os estudantes a serem persistentes, a atribuírem os seus
sucessos e fracassos ao esforço e a causas controláveis, porque estão mais interessados
em desenvolver as competências associadas à aprendizagem das diferentes tarefas do
que ao reforço do ego. Pelo contrário, os estudantes que se motivam para atingir objetivos
de realização têm tendência a procurar atividades em que possam obter juízos favoráveis
sobre os seus desempenhos pois, caso contrário, podem ficar fragilizados enquanto
indivíduos (Dweck & Leggett, 1988). Segundo Lieury e Fenouillet (1997) esta distinção
entre objetivos de realização e de aprendizagem “é semelhante à distinção entre um
envolvimento em relação ao ego (objectivo de desempenho) e um envolvimento em
relação à tarefa (objectivo de aprendizagem), que é retomada por muitos autores (p. 81)”.
Ramos (2013) afirma que, no contexto académico do ensino superior, a motivação é
decisiva para a qualidade da aprendizagem e do desempenho. Ela alega que os alunos que
estão motivados apresentam um comportamento ativo no processo de aprendizagem, o
que o possibilita melhor absorção do domínio do conteúdo estudado, mas claro, com
o dispêndio de esforço e dedicação adequado.
Compreender como os fatores motivacionais podem influenciar a aprendizagem da
programação junto de estudantes de arquitetura, cujas motivações académicas e
profissionais se situam noutros domínios do conhecimento, pode ser desafiador pois,
não sendo em princípio a programação um assunto que lhes interesse, terão que a
aprender para finalizar os seus estudos universitários e para responderem às demandas
do mundo profissional.
Preparar profissionais para o futuro é o papel de qualquer professor, e o uso das
tecnologias pode ser motivador para esse percurso. Desta forma, Beirão afirma que: “É
neste campo que a formação do arquitecto se encontra muito aquém do que deveria ser
a sua formação ideal. Argumento que a sua educação avançada em novas tecnologias,
nas áreas de multimédia, computação e ferramentas digitais em geral, constituem uma
mais-valia muito especial” (2017, Secção As valências da formação em arquietctura,
par. 5)
Celani (2008) reforça esta ideia quando diz que: “a programação pode melhorar o
raciocínio lógico e o pensamento conceitual no design. Minhas conclusões são tiradas
sobre o desenvolvimento histórico do software CAD, sobre experiências pedagógicas com
crianças e estudantes de arquitetura e, finalmente, sobre algumas aplicações recentes de
programação em projetos arquitetônicos”. (p. 2)
Para a programação de projetos arquitetônicos, o uso dos conceitos de programação de
computadores para a modelagem paramétrica, melhora e auxilia o arquitecto facilitando
o seu trabalho, fazendo com que ele possa criar modelos complexos mudando algumas
variáveis numéricas, em curto período e com alta eficiência, como relatam os estudos de
Santos e Beirão (2017).
Fonseca, Pifarré e Redondo (2013) confirmam ao dizer: “centrados en el ámbito
arquitectónico, las formas de expresión y comunicación tradicionales como el panel impreso
o la maqueta física se están viendo complementadas e incluso sustituidas por el uso de
todo tipo de herramientas TIC: desde las avanzadas simulaciones virtuales o la visualización
mediante realidad aumentada de modelos superpuestos con la información tanto real
como virtual, hasta los ya incluso clásicos montajes fotográficos en paneles compositivos,
la visualización multi-formato de ficheros CAD (Computer Assisted Design) y más
recientemente su evolución en los formatos BIM (Building Information Modeling)” (p. 2)
O problema que se nos colocou foi que instrumento usar para medir a motivação dos
estudantes que participaram na investigação. Tendo em conta o que antes referimos
sobre os objetivos que geram a motivação para as tarefas escolares, optámos por uma
escala que mede a Motivação de Realização, fundamentada na teoria desenvolvida por
Atkinson, McClelland, Clarck e Lowell (1953), pois esta adequava-se ao ambiente de
estudo que investigámos.
2.1. Motivação de Realização
Muthee e Thomas (2011) definem a motivação de realização como um conceito
amplo. Uma variável de personalidade que tem sido usada para explicar as diferenças
individuais em vários contextos, incluindo a escola, o desporto e o trabalho. Trata-se de
um conceito multidimensional que necessita de clarificação e de definições operacionais
que permitam desenvolver um instrumento de medição.
A Teoria da Motivação de Realização teve como percursor, segundo Covington (1998),
o estudo de Ferdinand Hoppe, realizado nos anos 30, como “a chave para a questão de
como, psicologicamente, os seres humanos definem sucesso e fracasso” (p. 27). Hoppe
convidou estudantes universitários e pessoas do comércio local para participar do
experimento, que consistia em lançar anéis em estacas móveis a diferentes distâncias.
Ele descobriu que alguns sujeitos se sentiam satisfeitos depois de acertar em torno
de oito anéis, enquanto outros apresentaram frustração mesmo após terem feito doze
lances assertivos. Hoppe concluiu que o nível de desempenho necessário para despertar
sentimentos de sucesso, muda ao longo do tempo e de indivíduo para indivíduo
(Covington, 1998).
O estudo de Hoppe levou Covington (1998) a concluir que há vários fatores de motivação
como: Níveis de Aspiração, Autoconfiança, Expectativa, Desafios Realistas, Metas
Autogeradas e Controlo do Progresso Próprio. (pp. 28-32).
Hoppe inspirou o artigo The Achievement Motive (1953) de Atkinson, Clark e Lowell
e influenciou McClelland no seu programa de investigação sobre motivação na
Universidade de Michigan.
Atkinson (1957) relata que “a motivação de realização é um modelo teórico destinado a
explicar como o motivo para obter sucesso e o motivo para evitar o fracasso influenciam
o comportamento numa situação em que o desempenho é avaliado em relação a algum
padrão de excelência” (p. 371).
Na teoria de Atkinson temos a presença da atividade orientada para a realização, definida
como uma atividade em que há no sujeito uma expectativa de que o seu desempenho
será aferido a partir de um padrão que deseja alcançar a excelência. Desta forma o
sujeito é desafiado a realizar ações que o conduzam ao sucesso esperado, porém há
também ameaças de um possível fracasso. As atividades orientadas para a realização
são influenciadas por duas intenções antagônicas que são: as intenções para alcançar o
sucesso e as intenções para evitar o fracasso.
Os estudos de Atkinson e Feather (1969) referem que a teoria da motivação de realização
se concentra principalmente na resolução do conflito entre estas duas intenções opostas
que são inerentes a qualquer atividade orientada para a realização, mas também ressaltam
que há fontes extrínsecas de motivação para realizar uma atividade que influenciam
diretamente os resultados motivacionais (p. 338). Contudo, cada pessoa desenvolve, ao
longo do seu percurso existencial, um padrão motivacional que pode ser mais orientado para
obter o sucesso ou, pelo contrário, para evitar o fracasso. São dois padrões distintos que se
repercutem no modo como cada um enfrenta as diferentes tarefas escolares e profissionais.
Geralmente, os alunos motivados para obter sucesso são mais persistentes, mesmo quando
encontram obstáculos para alcançar os objetivos propostos, resistem melhor à frustração
e avaliam melhor as situações. Os estudantes com um padrão motivacional ‘para evitar
o fracasso’, resistem pior à frustração decorrente dos obstáculos que encontram no
processo de aprendizagem, são menos persistentes e tem tendência a escolher tarefas ou
muit0 fáceis ou muito exigentes, pois avaliam pior as situações que lhe são propostas (cf.
Deci & Ryan, 1985; Vallerand, 1993; citados por Lieury & Fenouillet, 1997).
2.2. Escala de Motivação de Realização
A Escala de Motivação validada neste estudo baseia-se na conceção de motivação
de realização que acabámos de descrever. Conforme foi referido na Introdução foi
desenvolvida por Muthee e Thomas (2011), para determinar os padrões motivacionais de
estudantes do ensino secundário de escolas da cidade de Nairobi, tendo como objetivo o
desenvolvimento de estratégias de intervenção eficazes para melhorar o desempenho dos
alunos. Visou ainda sugerir mudanças nas políticas governamentais de educação, tendo
em vista promover padrões motivacionais nos estudantes mais adequados a melhorar
os seus desempenhos. O estudo original analisou aspetos que podem influenciar o
desempenho como: o ambiente familiar, o estatuto socioeconómico da família, o clima
da sala de aula, as habilidades cognitivas e a motivação de realização.
A Escala de Motivação de Realização foi originalmente desenvolvida a partir das
seguintes etapas:
a. Conceptualização:
Foi feita uma revisão da literatura teórica e empírica, dos testes disponíveis
e consulta a psicólogos sobre motivação de realização; foram identificadas
quatro dimensões:
..I – Motivação de Realização (Motivation for Achievement): caracterizada
pela competitividade e orientação para alcançar objetivos.
..II – Recursos Internos (Inner Resources): caracterizada pelo estilo
descontraído, felicidade, paciência e autoconfiança.
..III – Forças Pessoais Internas (Inter Personal Strengths): caracterizada
pela assertividade, diplomacia pessoal, extraversão e co-cooperatividade.
..IV – Hábitos de Trabalhos (Work Habits): caracterizada pelo planeamento
e organização, iniciativas e espírito de equipa.
b. Geração e seleção dos itens:
Os itens foram desenvolvidos em forma de proposições, tendo o cuidado de
incluir frases formuladas pela positiva e frases formuladas pela negativa. Para
garantir a validade do conteúdo da escala, foi preparado um grande número de
itens tendo como base as dimensões antes referidas, que resultou num número
de 80 itens. Após uma análise minuciosa, foram retirados itens repetitivos,
sobrepostos e ambíguos, resultando uma lista de 50 itens. Essa nova lista
encurtada passou por uma nova filtragem, resultando numa terceira versão
com 40 itens, sendo 24 formulados pela positiva e 16 itens pela negativa. Para a
inclusão dos melhores itens foi realizado um teste t-student a partir do método
de Likert (Edwards, 1957), de modo a selecionar os 25% superiores e inferiores
da amostra. Os itens que produziram valores t estatisticamente significativos
foram os primeiros 32 itens, variando entre 6,955 a 2,615, que produziram a
escala final. Os demais oito foram retirados da escala. Entre os 32 itens retidos
na escala final, 18 foram formulados pela positiva e 14 pela negativa. Os itens
foram dispostos aleatoriamente na escala final. Os itens com formulação positiva
são: 3, 4, 5, 6, 11, 13, 14, 16, 17, 20, 23, 24, 26, 28, 29, 30, 31; e com formulação
negativa são: 1, 2, 7, 8, 9, 10, 12, 15, 18, 19, 21, 22, 25 e 27.
c. Pontuação:
As respostas aos itens foram registadas numa escala de cinco pontos de Likert,
onde 5 representa que o respondente está “completamente de acordo” com a
afirmação, 4” quase sempre de acordo”, 3 “parcialmente de acordo”, 2” quase
sempre em desacordo” e 1 “completamente em desacordo”. Aquando da inserção
dos itens na base de dados para realizar o tratamento estatístico de validação,
nos itens formulados pela positiva mantivemos os valores da escala e nos itens
formulados pela negativa tivemos a necessidade de inverter os valores (Maroco,
2014). As pontuações mais altas indicam níveis mais elevados de motivação de
realização, e as pontuações mais baixas níveis mais baixos.
d. Confiabilidade
Na escala original apenas foi determinado o alfa de Cronbach, tendo em vista
garantir a confiabilidade da escala. Obteve um valor de 0.749, que pode ser
considerada uma boa consistência interna (Maroco & Garcia-Marques, 2013).
3. Método
3.1. Participantes
Foi constituída uma amostra não probabilística de alunos utilizadores de ferramentas de
desenho assistido por computador (CAD), de Portugal e Brasil. Em Portugal, na cidade
de Lisboa, foram coletados 109 inquéritos em papel, em cinco turmas diferentes: a primeira,
composta por 30 estudantes no Instituto Superior Técnico da Universidade Lisboa, nas
aulas de Programação e Computação para Arquitetura; a segunda, terceira e quarta
turmas, composta respetivamente por 18, 29 e 17 estudantes da disciplina de Modelação
e Visualização Tridimensional da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa
(FAUL); e a quinta turma composta por 15 estudantes da disciplina de Projeto Urbano
Paramétrico também da FAUL. Dos 109 inquéritos coletados 7 continham inconsistências
nas respostas e foram descartados, totalizando 102 inquéritos válidos coletados em Portugal.
No Brasil foram coletados 102 inquéritos em formato digital, junto de estudantes do
Curso de Arquitetura da Faculdade Paraíso, da Universidade Federal do Ceará, da
Universidade de Fortaleza, e da Faculdade de Juazeiro do Norte, com o total de 102
questionários. Por fim resultou numa amostra total de 204 (n = 204).
A amostra é composta por 52% estudantes do género feminino e 48% do masculino, com
idades compreendidas maioritariamente entre os 20 e 30 anos (74%), solteiros em 95%
e casados nos 5% restantes.
3.2. Procedimentos
Após selecionada a escala que nos pareceu mais adequada para atingir o objetivo do
estudo, procedeu-se ao processo de validação para a nossa amostra. O primeiro passo
foi traduzir da língua inglesa para a língua portuguesa (versão português de Portugal e
português do Brasil) e retroverter para inglês, tentando manter a maior fidedignidade ao
sentido original dos itens (Moreira, 2004).
Depois, o questionário foi aplicado a uma amostra de 11 alunos e foram feitas entrevistas
registradas em áudio. Realizou-se uma análise de conteúdo, na qual foram detetadas sete
sugestões de melhorias, tendo sido aceites duas, que deram origem a pequenos ajustes
no texto para expressões em português de Portugal e em português do Brasil.
A versão final da escala em língua portuguesa foi aplicada à nossa amostra (n=204),
sendo que a versão portuguesa foi aplicada à amostra de estudantes portugueses e a
versão brasileira à amostra de estudantes brasileira (n=102).
Usámos o SPSS (versão 24) para tratamento e análise dos dados.
4. Resultados
4.1. Sensibilidade dos Itens, Validade Fatorial e Consistência Interna
4.1.1. Sensibilidade
A análise da sensibilidade dos itens permite verificar se a escala é sensível às respostas
diferenciadas dos sujeitos que são estruturalmente diferentes no constructo que se
está a medir. Dito de outro modo, verifica se os itens da escala permitem discriminar
os sujeitos com padrões motivacionais diferentes. É realizada recorrendo a dois
indicadores: a assimetria (skewness) e o achatamento (kurtosis) que, segundo Maroco
(2014), tem valores aceitáveis quando variam entre -3 e +3 para o skewness e -7 e +7
para o kurtosis. De acordo com nossa análise, os 32 itens que compõem a escala têm
valores de assimetria e de achatamento aceitáveis, conforme se pode observar na tabela
1. Por isso, nesta primeira fase de análise resolvemos não eliminar nenhum item.
Variável
Skewness
Kurtosis
V1. Sinto que sou uma pessoa preguiçosa
-0.207
-0.682
V2. Muitas vezes passam-se dias sem eu ter feito nada.
-0.486
-0.968
V3. Gosto de ler a biografia de grandes pessoas, a fim de aprender como elas superaram obstáculos e alcançaram grandes coisas na vida.
0.182
-0.781
V4. Planeio com antecedência quais os assuntos a estudar durante o meu tempo livre.
-0.316
-0.627
V5. Quando fico a saber que alguém que gosta de mim conseguiu alcançar algo grandioso, fico motivado para fazer a mesma coisa de uma maneira melhor.
-0.932
0.412
V6. A maioria das pessoas que me conhecem dizem que eu sou trabalhador e ambicioso.
-0.23
-0.733
V7. Vou adiando o que eu deveria estudar no dia-a-dia.
0.027
-1.008
V8. Levo muito tempo para começar a estudar.
-0.033
-1.072
V9. Na maioria dos dias prefiro descontrair e relaxar em vez de me preparar para o próximo dia de trabalho na Faculdade.
-0.006
-0.878
V10. Às vezes esqueço-me de fazer os trabalhos de casa.
-0.423
-0.903
V11. Nunca deixo uma tarefa inacabada, pois termino tudo o que começo.
-0.193
-0.87
V12. Gosto de trabalhar com pessoas que tenham resultados do meu nível ou inferior, mais do que com aquelas que são mais inteligentes e trabalhadoras do
que eu.
-1.09
0.279
V13. Não gosto de falhar nos exames devido a não me ter preparado.
-1.192
0.591
V14. Trabalho sempre muito para estar entre os melhores alunos da minha Faculdade.
-0.017
-0.665
V15. Sinto que vivo a vida como ela é, sem a planear.
-0.097
-1.005
V16. Tenho como objetivo alcançar o mais alto nível na Educação.
-0.681
-0.041
V17. Quando crescer, quero fazer algo que os outros não fizeram.
-0.842
0.138
V18. Sou basicamente uma pessoa competitiva e compito apenas por uma questão de competir.
-0.178
-0.723
V19. Acredito que o sucesso na vida tem menos a ver com o trabalhar no duro, e mais a ver com a sorte e com estar no lugar certo na hora certa.
-0.348
-0.827
V20. Gosto de ler todos os tipos de livros, incluindo aqueles que não fazem parte dos programas académicos.
0.017
-1.126
V21. Ficarei satisfeito com um desempenho acima da média, mesmo que não seja o meu melhor.
0.452
-0.458
V22. Prefiro usar o meu tempo para fazer qualquer outra coisa, ao contrário de tentar aperfeiçoar algo que já tenha concluído.
-0.14
-0.84
V23. Gosto de passar a maior parte do meu tempo sozinho, concentrado no meu trabalho académico.
0.287
-0.477
V24. Tento sempre destacar-me do resto da minha turma, de uma forma ou de outra.
0.097
-0.641
V25. Só levo a cabo os meus planos se estiver certo de que outras pessoas os vão aprovar.
-0.36
-0.532
V26. Fico inquieto e irritado quando sinto que estou perdendo tempo.
-1.181
0.95
V27. Não é uma boa ideia ter sempre melhores resultados do que os outros, porque isso pode fazê-los sentirem-se mal consigo próprios.
-0.831
-0.346
V28. Gosto de ser o melhor aluno da minha turma.
-0.142
-0.547
V29. Gosto de terminar as minhas tarefas académicas, mesmo quando são difíceis e consomem muito tempo.
-1.21
1.073
V30. Gosto de fazer amizade com o aluno mais inteligente da minha turma, de modo a manter os meus padrões de desempenho.
0.007
-0.942
V31. Gosto quando as pessoas dizem na frente dos outros que estou indo bem na Faculdade.
-0.468
-0.607
V32. Gostaria de lidar com situações difíceis, de modo que a culpa ou o louvor pelos resultados obtidos, fossem apenas a mim dirigidos.
-0.133
-0.951
Tabela 1 – Índice de sensibilidade da escala de motivação de realização: Assimetria (skewness) e
Achatamento (kurtosis)
4.1.2. Análise Fatorial
O indicador mais importante, quando se pretende determinar a credibilidade científica de
um instrumento de medida que avalia um constructo psicológico, é a validade. Há vários
tipos de validade (Anastasi & Urbina, 1997; Moreira, 2004), onde destacamos a validade de
conteúdo e a validade de constructo. A validade de conteúdo foi determinada pelo estudo
original, e a de constructo deve ser sempre verificada em cada novo estudo que se realiza
com amostras diferentes, para verificar se o instrumento se comporta de maneira idêntica.
No estudo original, os autores (Muthee & Thomas, 2011) não realizaram ou, pelo menos,
não divulgaram a análise fatorial. No entanto, pareceu-nos essencial determinar este índice
de validade do constructo que se está a medir para verificar se, na amostra a que se aplica a
escala, as respostas se organizam de acordo com o constructo teórico proposto. A teoria prevê,
como antes referimos, que o Constructo de Motivação de Realização que é avaliado por esta
Escala é multidimensional, i.e., é composto por mais do que uma dimensão, neste caso por
quatro dimensões: (i) Motivação de Realização, (ii) Recursos Internos; (iii) Forças Pessoais
Internas; (iv) e Hábitos de Trabalho. No estudo original os autores não discriminam os itens
que fazem parte de cada dimensão. Por isso, resolvemos fazer uma análise ao conteúdo de
cada item e integrar os diferentes itens em cada uma das quatro dimensões. O resultado
desta análise pode ser observado na Tabela 2, que cumpre com o critério assinalado por
Maroco (2014), que refere que cada dimensão deve incluir no mínimo 3 itens.
Tabela 2 – Relação dos itens por dimensão
Seguidamente realizámos uma Análise Fatorial Exploratória (AFE), com Rotação
Varimax (Kaiser, 1958) com os 32 itens da escala, para verificar as comunalidades dos
itens e se se organizavam nos quatro fatores/dimensões de acordo com a teoria.
A AFE deve obedecer a determinados pressupostos, quer dizer, só é aconselhável
avançar com esta análise se o valor de KMO (Kaiser-Meyer-Olkin Measure) for igual
ou superiores a .70 e se o valor do Teste de Esfericidade de Bartlett (Bartlett’s Test of
Sphericity) for igual ou inferior a .001. No nosso caso estes valores foram cumpridos,
conforme se pode ler na Tabela 3.
Tabela 3 – Teste de KMO e Bartlett’s com 32 itens
Os resultados desta primeira AFE mostraram o contributo de cada item para a variância
total explicada; os 10 fatores que emergiram da análise representavam 63% da variância
total da escala. Resolvemos não aceitar esta primeira análise pois havia uma grande
dispersão dos 32 itens por 10 fatores, longe da proposta teórica original. Resolvemos
forçar esta análise a n fatores até aos 4 propostos pela teoria, mas com uma variância total
explicada de apenas de 40%, o que não nos pareceu aceitável (cf. Moreira, 2004). Por isso
tentamos novas abordagens tendo chegado a uma escala com 21 itens dos 32 iniciais, que
se organizaram em 5 fatores, que explicam quase 56% da variância total (55,688%), o que
já nos pareceu aceitável para uma primeira AFE, conforme se pode observar na tabela 4
(pressupostos da AFE) e na tabela 5 (AFE com Rotação Varimax aos 21 itens). Esta escala
de 21 itens foi obtida eliminando os que saturavam em dois fatores ao mesmo tempo e
com valores em ambos os casos próximos dos 50%, e que já nos tinham suscitado dúvidas
na sua inclusão num ou outro fator aquando da análise qualitativa (cf. Tabela 2).
Tabela 4 – Teste de KMO e Bartlett’s com 21 itens
Tabela 5 – Análise fatorial com rotação varimax.
Após a eliminação de 11 itens decorrente das várias análises fatoriais realizadas, comparámos
a inclusão dos 21 itens feita segundo a análise de conteúdo qualitativa reportada na tabela
2 e a análise fatorial a 5 fatores que resolvemos reter. Existe uma coincidência quase item
a item entre estes dois métodos de análise conforme se pode observar na tabela 6, exceto
para os itens 6, 11 e 28 que se organizaram num novo fator a que resolvemos chamar de
“Motivação centrada no Ego” para a distinguir das outras 4 dimensões.
Tabela 6 – Relação dos itens entre Análise de Conteúdo e AFE
Após a AFE passámos a determinar a fiabilidade de cada um dos 5 fatores que emergiram
e da escala na sua globalidade.
4.2. Fiabilidade
“A fiabilidade de uma medida refere a capacidade desta ser consistente. Se um
instrumento de medida dá sempre os mesmos resultados (dados) quando aplicado a
alvos estruturalmente iguais, podemos confiar no significado da medida e dizer que
a medida é fiável.” (Maroco & Garcia-Marques, p. 66)
A medida escolhida foi a da consistência interna determinada por meio do Alpha de
Cronbach que, para Maroco e Garcia-Marques (2013), é definida como “uma medida
estável de fiabilidade pois não está sujeita à variabilidade resultante da forma como o
instrumento ou teste é dividido para calcular a fiabilidade split-half.” (p. 73).
Como a escala é multidimensional determinámos o valor de Alpha para cada um dos 5
fatores, conforme tabela 7 e para o conjunto dos 21 itens, conforme tabela 8.
O Coeficiente Alpha de Cronbach total foi de.723, que pode ser considerado como
aceitável. Verificámos ainda que não havia qualquer vantagem em eliminar itens pois
nenhum fazia subir o valor do alfa.
Tabela 7 – Definição do Alpha para cada fator (5)
Tabela 8 – Resultados obtidos do Coeficiente de Fiabilidade pelo Alpha de Cronbach
Após a Análise da fiabilidade de cada fator e tendo obtido resultados inaceitáveis para
os fatores 2, 3 e 5, resolvemos refazer a AFE com os itens que integravam os fatores 1
e 4, referentes à Motivação de Realização e às Hábitos de Trabalho. Apresentamos de
seguida os resultados desta análise a 2 fatores com os 10 itens retidos, seguidos do Alpha
por dimensão e total.
Tabela 9 – Teste de KMO e Bartlett’s com 10 itens
Tabela 10 – Análise fatorial com rotação varimax com 2 dimensões.
Tabela 11 – Resultados do Coeficiente de Fiabilidade pelo Alpha de Cronbach por Dimensão
Tabela 12 – Resultados do Coeficiente de Fiabilidade pelo Alpha de Cronbach (10 itens)
É esta a escala final que, para a nossa amostra, melhor representa a avaliação ou medida
do constructo de Motivação de Realização (ver Apêndice A). Contudo, tratando-se de
uma primeira análise fatorial do constructo será necessário realizar novas análises junto
de outras amostras, usando a escala original com os 32 itens, para verificar como este
instrumento se comporta.
5. Conclusões
Neste estudo foi apresentado o procedimento de validação de uma Escala para medir
a Motivação de Realização de estudantes de cursos de Arquitetura para aprenderem a
programação informática, que faz parte dos currículos da formação inicial dos arquitetos
portugueses e brasileiros.
Os resultados apontam que a Escala escolhida, traduzida e validada para uma amostra
de 204 estudantes portugueses e brasileiros, apresenta bons índices de sensibilidade dos
itens, uma estrutura fatorial consistente com a teoria da motivação de realização, embora
as quatro dimensões sugeridas pelos autores da escala não se tenham confirmado no nosso
estudo, tendo sido retidas apenas duas dimensões que explicam cerca de 51% da variância
total; uma dimensão relacionada diretamente com a Motivação de Realização (Fator ou
Dimensão 1) e a outra com as Hábitos de Trabalho (Fator ou Dimensão 4). A consistência
interna de cada fator e da escala no seu conjunto podem ser consideradas boas.
Deste modo podemos usar com segurança esta nova escala para medir a motivação de
realização de estudantes de arquitetura portugueses e brasileiros que se estão a aprender
a programação informática. No entanto, como em qualquer estudo de validação de um
instrumento de medida, este precisa de ser validado em novas amostras de estudantes do
ensino profissional e do ensino superior que tenham como língua oficial da escolarização
o português, e que se estejam a iniciar na aprendizagem da atividade de programação.
Seria também importante desenvolver estudos de validação com esta escala, traduzida
e primeiramente validada para a amostra deste estudo, com estudantes cuja primeira
opção é a aprendizagem da informática e com estudantes que frequentam outros cursos,
mas onde existe uma disciplina obrigatória de programação. Estes estudos permitiriam
dar maior credibilidade a este primeiro estudo de validação e garantir um maior poder
de generalização dos resultados.
Apêndice A: Escala de Motivação de Realização
No.
1.
Sinto que sou uma pessoa preguiçosa
2.
Muitas vezes passam-se dias sem eu ter feito nada.
3.
Planeio com antecedência quais os assuntos que vou estudar durante o meu tempo livre.
4.
Quando sei que alguém que gosta de mim conseguiu alcançar algo grandioso, fico motivado para fazer a
mesma coisa de uma maneira melhor.
5.
Vou adiando o que eu deveria estudar no dia-a-dia.
6.
Levo muito tempo para começar a estudar.
7.
Na maioria dos dias prefiro descontrair e relaxar em vez de me preparar para o próximo dia de estudo na
Faculdade.
8.
Às vezes esqueço-me de fazer as tarefas de casa.
9.
Prefiro usar o meu tempo para fazer qualquer outra coisa, ao contrário de tentar aperfeiçoar algo que já
tenha concluído.
10.
Gosto de terminar as minhas tarefas académicas, mesmo quando são difíceis e consomem muito tempo.