Intervenções de Dragagem na Barra de Aveiro (Portugal) e de Protecção da Zona
Costeira a Sul
1. Introdução
1.1 Enquadramento
A zona costeira em estudo localiza-se na costa NW de Portugal, estando centrada
aproximadamente no trecho litoral arenoso com cerca de 150 km de extensão,
compreendido entre Espinho e o Cabo Mondego (Figura_1). A batimetria costeira
deste trecho é regular com batimétricas aproximadamente paralelas à linha de
costa. Exceptua-se deste padrão, a proximidade da ligação da Ria de Aveiro ao
oceano (40º38’40’’N; 8º45’16’’W) efectuada através de um canal artificial
fixado por dois molhes que permitem o acesso ao porto de Aveiro localizado
precisamente já no interior da Ria.
Figura_1
A Ria de Aveiro constitui o maior sistema lagunar português com abertura
permanente ao mar. A dinâmica desta laguna, que se caracteriza por uma
geometria irregular, com canais estreitos, ao longo dos quais a propagação da
maré induz a ocorrência de muitas zonas de espraiado, é muito complexa. A
montante recebe inputs de água doce, principalmente do rio Vouga. A jusante, a
embocadura constitui a zona de entrada da maré oceânica marcadamente do tipo
semi-diurno regular.
Actualmente, a singularidade que a barra de Aveiro representa no trecho litoral
está relacionada com o sistema de molhes e com a orientação e intensidade das
correntes que estão associadas ao prisma de maré da Ria, por sua vez definido
em função da evolução da secção da barra e da amplitude de maré aí registada
(Teixeira, 1994). De facto, e embora ao largo na costa ocidental de Portugal,
face à influência dos ventos predominantes, as correntes de maré apresentem
valores pouco significativos, as envolventes das embocaduras de rios e
estuários, como é o caso da embocadura da Ria de Aveiro, constituem zonas de
excepção, de forma que, na vazante, em marés vivas, a corrente pode atingir os
3,1ms-1, ou mesmo os 4,1ms-1 em períodos de caudal mais acentuado (Instituto
Hidrográfico, 1990). Na enchente os valores máximos são da ordem dos 2,1ms-1.
Fora da barra e até cerca de 5,5km da costa, a corrente corre geralmente de
norte para sul, não atingindo valores superiores a 0,5 ms-1 (Instituto
Hidrográfico, 1990).
Valores publicados pelo Instituto Hidrográfico (2010) de Portugal permitem
inferir valores das amplitudes de maré, ao largo de Aveiro, da ordem dos 2,72m
(AV) e 1,28m (AM), referidas ao Zero Hidrográfico (ZH), situado 2,0m abaixo no
Nível Médio (NM) do mar.
A costa ocidental portuguesa, onde se insere a região litoral de Aveiro, está
muito exposta à ondulação gerada no Atlântico Norte e a agitação marítima na
costa é caracterizada essencialmente por componentes de geração distante tendo,
em geral, alturas e períodos superiores aos que ocorreriam por simples acção do
vento local (Pires, 1989). As condições de agitação marítima de NW são as mais
frequentes na costa ocidental portuguesa, ocorrendo durante cerca de 80% do
ano. Resultam da ondulação de NW gerada no Atlântico Norte em latitudes mais
elevadas e da vaga associada aos ventos locais dominantes de N e de NW - mar do
noroeste. A altura das ondas é superior a 1m em cerca de 85% do ano e superior
a 4m durante cerca de 5% e 2% do ano (Pires, 1989).
A agitação proveniente de SW ocorre principalmente no período de inverno e
períodos de transição (Pires, 1989). São características do mar de SW as
alturas de onda de 3m a 4m com períodos de 9s a 10s, mas não é raro atingirem-
se 7m no caso de aproximações frontais associadas a depressões muito cavadas
(Pires, 1989). No verão, o mar de sudoeste é pouco frequente e quando ocorre
não excede em geral os 3m.
As ondas mais altas ocorrem preferencialmente durante o Inverno, quando a rama
de rumos é mais larga e mais rodada a sul. O clima de agitação no verão é mais
moderado e mais regular, predominando os rumos a norte de oeste (Teixeira,
1994). A altura média ao largo de Aveiro atinge 1,8m e o período significativo
associado ronda 11s, conferindo a este litoral regime de elevada energia. A
variação longilitoral da batimetria da praia submarina induz gradiente da
altura ondulação na rebentação, que atinge valores médios da ordem de 1,7m em
Espinho, até cerca de 2,0m no Cabo Mondego (Teixeira, 1994).
Às condições de ondulação de tempestade (H>5m) associam-se, regra geral rumos a
norte do oeste, que ocorrem cerca de 10 dias por ano. Nestes períodos o
montante de transferências sedimentares atinge 20% do total anual. A
profundidade de acumulação da praia submarina recua para batimétricas
inferiores a 5m (ZH), possibilitando a ocorrência de rebentação de ondas na
praia sub-aérea com alturas que excedem o limiar de manutenção do estado
reflectivo, promovendo o rebaixamento generalizado do perfil da praia subaérea.
Nessa altura, a estrutura de suporte de praia, a duna frontal, é tocada,
eventualmente destruída (Teixeira, 1994).
No porto de Aveiro (no interior da Ria) o abrigo à agitação marítima é completo
(Instituto Hidrográfico, 1990). Contudo, na zona exterior aos molhes da barra,
a ondulação do quadrante de W, de N a WSW, provoca frequentemente muita
rebentação, obrigando ao encerramento da barra (IH, 1990). A ondulação de S e
SW é a mais benigna já que, em regra, não provoca o encerramento da barra.
Relativamente à ocorrência de temporais na costa portuguesa e considerando que
nestas situações a altura de onda significativa excede os 5m, Ferreira (1993),
quantificou os períodos de retorno das ondas associadas aos temporais com uma
duração média de 4 a 5 dias. Os seus resultados apontaram para os seguintes
valores: para uma altura significativa de 5m os períodos mínimos de retorno dos
temporais estarão compreendidos entre 0,35 e 0,45 anos; para ondas de 8m estes
valores estarão no intervalo entre 1,1 e 2,1 anos; para alturas superiores a
12m o período de retorno estará compreendido entre 5,3 e 32,0 anos.
O regime morfodinâmico, na embocadura da Ria de Aveiro é determinado pelo facto
de esta se situar num trecho de costa aberta sujeito a intenso transporte
longitudinal, cuja resultante anual é no sentido norte-sul. A construção do
molhe Norte em 1953-55 resolveu, durante três décadas os problemas de
navegabilidade na barra de Aveiro. Essa intervenção veio interromper a deriva
litoral, correspondente ao caudal transportado pela ondulação no sentido
longilitoral que resulta da relação de equilíbrio entre o clima de agitação
marítima, os sedimentos disponíveis e a orientação do litoral exposto à
ondulação vigente (Teixeira, 1994). Esta interrupção evitou que as areias
continuassem a assorear a barra, mas provocou também forte deposição de areias
imediatamente a norte do molhe e uma forte deficiência sedimentar a sul, onde
se registou um recuo assinalável da linha de costa que pode ser visualizado na
figura_1.
Com o decorrer dos anos, o volume de areias acumulado na parte setentrional
atingiu valores de saturação e o molhe Norte tornou-se menos eficaz na retenção
da deriva litoral, o que voltou a conduzir a um agravamento das condições de
navegabilidade na barra. O molhe Norte voltou a ser prolongado 500m, entre 1983
e 1987, em paralelo com um conjunto de obras interiores de correcção dos
canais, o que permitiu uma melhoria nas condições de operacionalidade da barra.
O banco exterior à barra foi sede de um desenvolvimento acelerado, e observou-
se o agravamento, de forma significativa, dos problemas de erosão costeira a
sul da Costa Nova (Dias et al., 1994).
Embora a erosão generalizada no trecho de costa tenha como causa principal o
enfraquecimento das fontes aluvionares localizadas a norte, nomeadamente o rio
Douro, não pode obliterar-se a influência que uma estrutura como o molhe Norte
tem na escala local, na medida em que intercepta e altera localmente o padrão
de transporte das areias.
Por outro lado, a minimização dos problemas referidos tem sido objecto de
acções de protecção, nomeadamente com a realização de obras de defesa frontal,
construção de esporões (figura_3) ou execução de dragagens nos canais de
navegação destinadas a garantir as profundidades de serviço necessárias.
Figura_3
1.2 Objectivo
Pretendendo assegurar que as condições de operacionalidade e a segurança da
navegação no acesso ao porto de Aveiro não sejam postas em causa pelo
assoreamento no exterior da barra de Aveiro e, ao mesmo tempo, acorrer à forte
erosão costeira que se verifica no trecho a sul da barra, entre a Costa Nova e
o Areão, preconizou-se que a realização da dragagem de cerca de 1x106m3 de
areia na região da barra de Aveiro fosse efectuada por forma a que a sua
posterior deposição pudesse contribuir para reforçar o trecho costeiro a sul.
Neste sentido, em 2005, foi efectuado, para as autoridades portuguesas com
competência no local (Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos-IPTM /
Administração do Porto de Aveiro-APA / Instituto da Água-INAG), um estudo que
inclui cálculos de transporte sedimentar na zona costeira em análise,
destinado, dentro das opções possíveis preconizadas para o projecto, a
determinar quais os locais mais adequados de dragagem e deposição de
sedimentos, face às condições hidrodinâmicas na zona (Hidroprojecto, 2006).
1.3 Metodologia
A definição das soluções para o problema colocado e a sua avaliação comparativa
assentaram, quer na identificação dos processos de acumulação de areia a norte
do molhe Norte e dos processos erosivos no trecho a sul da barra, quer na
simulação em modelo matemático transporte litoral da região da barra de Aveiro
e dos trechos adjacentes. Numa primeira fase o estudo comportou a compilação e
a análise de elementos hidrográficos existentes para a zona, de forma a
actualizar a caracterização do local. Estes elementos constituíram a base da
fase seguinte do estudo destinada a analisar e a prever o comportamento
morfodinâmico da zona, suportada pela aplicação de um modelo matemático. A
caracterização da zona, que envolveu a avaliação das taxas de transporte
sedimentar bem como o teste das soluções alternativas de dragagem e deposição
de areias efectuou-se com base na aplicação de um sistema de modelos
matemáticos com formulação bidimensional, constituído, basicamente, pelos três
módulos seguintes, integrados no designado Sistema de Modelos da Ria e da Costa
de Aveiro: propagação da ondulação; propagação da maré e de correntes induzidas
pelas ondas; transporte de sedimentos.
Numa fase posterior, a escolha da solução final resultou da aplicação de um
método multi-critério de análise comparativa das soluções de dragagem e de
deposição estudadas, no qual foram considerados, não só critérios técnicos, mas
também ambientais e económicos.
2. Análise de levantamentos hidrográficos e cartografia
2.1 Informação batimétrica
No âmbito da caracterização morfológica procedeu-se a uma análise da evolução
hidrográfica da região da barra nas duas últimas décadas, incluindo a evolução
da linha de costa. Neste sentido, uma primeira identificação dos processos de
acumulação a norte e dos processos erosivos a sul resultou da compilação dos
seguintes elementos hidrográficos existentes para a zona em estudo:
* Carta hidrográfica nº33, publicada pelo Instituto • Hidrográfico de Portugal
(IH), em Abril de 1991, do Furadouro ao Cabo Mondego (aproximações de Aveiro)
à escala 1:75000. Segundo o diagrama de compilação associado, a informação
contida nesta carta refere-se a: levantamento da barra e zona adjacente,
efectuado em 1987 (1:5000); levantamento a norte do molhe Norte, efectuado em
1987 (1:25000); levantamento a sul da barra efectuado em 1987 (1:25000);
* Carta hidrográfica nº59, publicada em Agosto de • 1990 pelo IH, da Barra e
Foz da Ria de Aveiro à escala 1:10000, com informação hidrográfica extraída
de levantamentos efectuados entre 1987 e 1988;
* Carta hidrográfica nº26403, publicada em Janeiro de • 2005 pelo IH, da Costa
Oeste, Aproximações a Aveiro, à escala 1: 30000, com informação compilada,
referida a: levantamento da zona da barra e do canal principal de navegação,
de 2003; levantamento imediatamente a norte do molhe, junto à linha de costa,
efectuado em 1987; levantamento imediatamente a sul do molhe sul, efectuado
em 1987;
* Levantamento hidrográfico efectuado em Janeiro de • 2003 no interior da ria,
no canal entre S. Jacinto e a Torreira, à escala 1:1000, segundo a projecção
de Gauss, Elipsóide Internacional, Datum 73;
* Levantamento hidrográfico do canal de navegação e da • zona da barra,
efectuado pela Administração do Porto de Aveiro (APA) em Setembro de 2005 (1:
5000).
A região caracteriza-se por uma acentuada dinâmica comprovada pelas marcadas
diferenças batimétricas encontradas nestes elementos hidrográficos, alguns
intervalados em mais de uma década. Os factores desta evolução incluem
processos de assoreamento e de erosão e a realização, mais ou menos frequente,
de operações de dragagem, principalmente as associadas à manutenção das
condições de operacionalidade do porto de Aveiro. Contudo e apesar dos
elementos hidrográficos e cartográficos mencionados, é de referir que não foi
possível fechar o balanço sedimentar na região porque, no decurso da realização
do trabalho não foi possível dispor de elementos relativos à evolução
hidrográfica imediatamente a sul do banco da barra e do próprio sector sul do
banco, nem de topografia actualizada do cordão dunar. Os elementos referidos
permitiram, no entanto, efectuar a caracterização preliminar da evolução
morfológica da zona tal como apresentada nos pontos seguintes.
2.2 Trecho a norte da barra (S. Jacinto) – zona de acumulação
Genericamente na zona de intervenção, e designadamente no trecho a norte da
barra, o perfil topográfico da faixa da plataforma próxima é suavemente
inclinado, aumentando progressivamente de pendor, sensivelmente a partir da
batimétrica de 10m, à medida que se aproxima da praia. A zona a norte da barra
de Aveiro constitui uma área com intenso processo de acumulação sedimentar
sendo o desalinhamento da linha de costa nos trechos a norte e a sul da barra
de Aveiro, bem visível na figura_1. Porém, a comparação dos elementos
hidrográficos disponíveis, de 1987 e de 2003, contidos respectivamente nas
cartas hidrográficas n.º59 e n.º26403, permitiu inferir que, na zona
imediatamente a norte da barra, no decurso deste período, ocorreu um recuo de
cerca de 120m da isobatimétrica de 5m, em direcção à costa. Este facto poderá
denotar um padrão erosivo, que engloba as vizinhanças do molhe Norte, que
deverá ser encarado com alguma ressalva, na medida em que a zona da praia de S.
Jacinto, durante o período considerado terá sido sujeita a operações de
extracção de areia. A título exemplificativo refere-se que a extracção de
areias da praia em S. Jacinto atingiu um valor de 590x103m3/ano em 1990, e que
entre 1994 e 1998 se manteve em cerca de 300x103m3/ano (Cunha, 1998). Por outro
lado, relativamente à evolução da própria linha de costa não é possível
estabelecer comparações, uma vez que o levantamento hidrográfico desse sector é
o mesmo em ambas as cartas náuticas referidas, respectivamente, publicadas em
1990 e 2005.
A comparação entre as situações hidrográficas de 1987 e de 2003, mostradas,
respectivamente, nas cartas náuticas publicadas em 1991 e 2005, revela um
aumento das profundidades na barra e no sector norte do banco da Barra (único
em que é possível a comparação). Em alguns locais a diferença de profundidades
atinge 10m. O volume perdido por esse sector exterior aos molhes entre as duas
situações – intervaladas de 16 anos (1987-2003) – é cerca de 6,3x106m3. Desse
sector fazem parte a barra, os correspondentes sectores adjacentes a norte e a
sul, e o sector norte do banco da barra. Este último sector perdeu 2,4×106m3 e
o sector da barra perdeu 3,9×106m3.
Mais recentemente, entre 2003 e 2005, a comparação hidrográfica mostra uma
diferença de 0,8x106m3 com aprofundamento na zona exterior centrada sobre o
enfiamento da barra. No entanto, aquela diferença deverá ser analisada com
prudência, visto que resulta da comparação entre um levantamento hidrográfico e
uma carta náutica. Como é sabido, no processo de construção da carta náutica
apenas são seleccionadas as sondas mínimas de cada pequena área analisada. Da
experiência, preconiza-se a aplicação de uma correcção de 0,6x106m3 no caso
vertente. Este valor da correcção resulta de se ter considerado que a carta
náutica tem associada uma sobre-elevação média do fundo de 0,5m no troço
considerado, cuja área é 120ha. Deste modo o volume de erosão a considerar é
0,2x106m3.
2.4 Trecho final do canal de navegação – zona de erosão
As comparações hidrográficas do troço do canal de navegação entre a secção da
base do Triângulo das Correntes e a secção entre as cabeças dos molhes Norte e
Sul apuraram as seguintes diferenças de volumes: entre 1987 e 2003, perda de
3,2×106m3 (aprofundamento); entre 2003 e 2005, perda de 1,0×106m3
(aprofundamento).
O volume apurado na primeira comparação, efectuada entre duas cartas náuticas,
é coerente com o esforço de extracção de areias registado entre 1987 e 1998 no
canal de navegação, que se estima em cerca de 3,6×106m3, segundo dados da APA,
referidos eventualmente a um troço de canal ligeiramente mais extenso.
À semelhança do que foi preconizado para a comparação hidrográfica na zona
exterior aos molhes, a diferença apurada na segunda comparação terá de ser
analisada à luz da incoerência entre o levantamento hidrográfico e as sondas
representadas na carta náutica. Pela razão atrás referida haverá que aplicar
uma correcção de cerca de 0,3x106m3 à diferença obtida. O referido valor
resulta de se ter considerado que a carta náutica tem associada uma sobre-
elevação média do fundo de 0,5m no troço considerado, cuja área é 70ha. Por
outro lado, uma análise da distribuição espacial das diferenças mostra que
estas se concentram na enseada do Farol – onde foi removido um cabeço de areia
– e na área terminal do canal de navegação, principalmente na proximidade da
cabeça do molhe Norte. A estas áreas corresponde só por si, a diferença igual a
0,7x106m3, correspondente a um aprofundamento.
O aumento das profundidades sobre o banco da barra e na própria barra dá origem
a maior exposição da costa imediatamente a sul do molhe Sul. Este facto
eventualmente poderá constituir um factor que favoreça o aparecimento
localizado de fenómenos erosivos junto à costa.
2.5 Sub-trecho a sul do molhe sul - zona de acumulação
Embora não existindo elementos topográficos e hidrográficos para comparação com
a situação de 1987, estima-se, com base na inspecção do trecho e na recolha de
informações no local, que o sub-trecho de 3km que se desenvolve a partir do
molhe Sul tenha engrossado, até à data do trabalho, cerca de 4m sobre uma
largura de 300m. De facto, houve desmonte da defesa frontal de emergência de
protecção às casas do núcleo urbano da Barra situadas para sul da raiz do molhe
sul, por desnecessária, reforçando-se a praia nesse sector. A posição daquela
estrutura pode ser referenciada nas cartas náuticas de 2005 que, curiosamente,
mantiveram a sua representação. Por outro lado, verificou-se uma recriação
significativa, da ordem da centena de metros, dos sectores sub-aéreos das
praias da Costa Nova entre os 1º e 2º, e o 2º e o 3º esporões e, em menor grau,
entre os 3º e 4º esporões da Costa Nova.
Constitui igualmente um traço a assinalar na hidrografia da zona, representada
nas cartas náuticas, a existência de duas flechas formadas em frente à Costa
Nova, de sentido sul-norte, que estarão associadas aos processos de refracção e
de difracção pelo fundo produzidos pelo banco da barra.
2.6 Trecho sul – zonas de erosão
Ao contrário da tendência para acumulação no sub-trecho atrás referido, a costa
a sul do 4º esporão da Costa Nova tem vindo a ser sede de processos erosivos
que, em alguns locais e épocas, têm sido muito intensos. A sul do 4º esporão,
por exemplo, houve necessidade de construir uma defesa frontal de emergência.
Esta estrutura mantém-se activa, apesar da existência do 5º esporão, que
continua praticamente todo dentro de água, sendo também ténues as tendências de
retenção de areias na sua face norte.
Por sua vez, na zona costeira a sul do 5º esporão é de referir, a título de
exemplo, que uma inspecção local efectuada em 2004, revelou uma situação
envolvendo risco eminente de rotura do cordão dunar, particularmente
preocupante na zona da praia do Areão e nas suas vizinhanças, (Plecha, 2004).
Nesta zona, a construção do esporão do Areão, efectuada anteriormente, entre
2002 e 2003, apesar de ter colmatado localmente o problema, com a criação de
uma retenção e acumulação visível de areia na sua face norte, não o resolveu
inteiramente.
3. Definição de locais de dragagem e deposição
2.3 “Passe” da barra e banco da barra – zona de erosão
A partir da caracterização apresentada sobre a acumulação de areia a norte do
molhe Norte e os processos erosivos a sul, e considerando as características do
projecto, limitado a um volume de dragagem igual a 1x106m3, foi efectuada uma
análise envolvendo critérios técnicos, ambientais e económicos. Esta análise
conduziu, numa fase preliminar, e em conjunção com a identificação dos métodos
apropriados de dragagem e de deposição, à formulação de um conjunto de sete
soluções alternativas, referidas nas tabelas_1e 2 e localizadas na figura_3.
Tabela_1
Tabela_2
4. Modelação matemática
Os processos sedimentares e a sua interacção com a morfologia foram estudados
recorrendo a metodologias de modelação matemática utilizada para caracterizar
uma situação de referência e complementar a análise das soluções de dragagem e
as que envolveram, especificamente, depósito no mar.
4.1 Fundamentos do modelo matemático
O transporte sedimentar, sendo função da acção combinada das ondas e das
correntes de maré e da sua interacção com o fundo, constitui um processo
complexo, passando a metodologia da sua análise pelo recurso à modelação
matemática. No caso particular das zonas onde a batimetria e o escoamento
apresentam padrões marcadamente bidimensionais, como na proximidade das
embocaduras, pode recorrer-se a uma formulação bidimensional para estudar o
transporte dos sedimentos. Desta forma, a caracterização do comportamento
morfodinâmico da zona, com avaliação das taxas de transporte sedimentar bem
como o teste das soluções alternativas de dragagem e deposição de areias
efectuou-se com base no desenvolvimento de um sistema de modelos matemáticos
2D, designado por Sistema de Modelos da Ria e da Costa de Aveiro (Teles &
Barata, 1996; Hidroprojecto, 2001) constituído, basicamente, pelos três módulos
de: propagação da ondulação, propagação da maré e de correntes induzidas pelas
ondas e transporte de sedimentos.
Uma breve descrição destes módulos, aplicados sucessivamente pela ordem
indicada, é apresentada seguidamente.
4.2 Módulo de propagação da ondulação
O módulo de propagação da ondulação que integra o Sistema de Modelos da Ria e
da Costa de Aveiro resolve a equação da conservação da energia das ondas em
associação com uma relação de dispersão, linear ou não. A equação original
elíptica, designada por equação de “mild slope” é transformada numa equação
parabólica conduzindo a métodos de resolução numérica muito eficientes, com a
consequente redução do tempo de cálculo. O método de resolução das equações é
de diferenças finitas. Os algoritmos de cálculo recorrem ao esquema de Crank-
Nicholson e a outros esquemas implícitos.
O modelo considera que as ondas se propagam quasi-unidireccionalmente e que a
onda reflectida é desprezável. Este último aspecto não constitui uma limitação
à aplicação ao domínio em estudo, uma vez que, dada a escala envolvida, o
efeito dos fenómenos de reflexão se pode considerar desprezável. Considera os
efeitos da refracção e da difracção, numa malha regular, que se pode construir
idêntica ou igual à do módulo de propagação da maré. Além dos efeitos
mencionados, são incluídos os efeitos de dissipação por atrito no fundo, sob a
forma de turbulência na zona de rebentação, o que o torna uma versão bastante
completa para aplicação em zonas costeiras e na presença de embocaduras.
As condições de fronteira do modelo de propagação da ondulação no Sistema de
Modelos da Ria e da Costa de Aveiro são especificadas a partir do tratamento
dos dados de agitação marítima. Para cada simulação são atribuídos, ao longo da
fronteira oeste, os valores relativos aos parâmetros que caracterizam a
ondulação: altura significativa, período e rumo da onda. Os valores nas
fronteiras norte e sul são calculados pelo próprio modelo a partir dos
anteriores.
4.3 Módulo de propagação da maré e de correntes induzidas pelas ondas
O módulo de propagação da maré e das correntes induzidas pelas ondas tem
formulação bidimensional no plano horizontal. Da integração segundo a direcção
vertical resulta que as equações que constituem o modelo (equação de Navier-
Stokes, da continuidade do volume e do balanço de massa) são resolvidas em
termos das variáveis de campo na coluna de água. O método numérico é de
diferenças finitas, semi-implícito, de duplo varrimento e direcções
alternantes, ADI. O modelo assenta no algoritmo desenvolvido por Leendertse
(1987).
São representados pelo modelo os fenómenos mais importantes que intervêm na
propagação da maré e na transferência da energia do vento para a água,
designadamente: a advecção da quantidade de movimento, o atrito no fundo, o
atrito lateral devido à difusão horizontal da quantidade de movimento, a força
tangencial do vento à superfície, o efeito de rotação da Terra (efeito de
Coriolis) e os gradientes de pressão do modo barotrópico.
Por outro lado o modelo integra, na equação de Navier-Stokes, um termo
adicional relativo às correntes induzidas pelas ondas, calculado em cada célula
do domínio de cálculo a partir de gradientes das tensões de radiação,
calculados, por sua vez, em função da altura, período e direcção da onda
fornecidos pelo módulo de propagação da ondulação, descrito no ponto anterior.
Este procedimento corresponde a considerar as correntes induzidas por um campo
de ondas estacionário, associado a uma determinada condição de ondulação ao
largo, que se mantém constante durante, pelo menos, um intervalo de tempo da
mesma ordem de grandeza do período da maré.
O modelo de propagação da maré e das correntes induzidas pelas ondas permite
calcular alturas de água e as velocidades totais à custa de alturas e direcções
locais da onda e de condições fronteira de maré ou velocidade.
4.4 Módulo de transporte de sedimentos
O módulo de transporte sedimentar do Sistema de Modelos da Ria e da Costa de
Aveiro considera o transporte de sedimentos não coesivos. As partículas
simuladas podem variar, quer em dimensão, quer em constituição. Considerou-se
que o material predominante é o quartzo e que a dimensão dos grãos corresponde
a areia, isto é, o diâmetro mediano varia tipicamente entre 0,1mm e 0,5mm
(Hidroprojecto, 1994; Hidroprojecto, 2007). Estas partículas têm velocidades de
queda relativamente elevadas, da ordem de 2cm/s e, consequentemente, possuem
tempos de suspensão muito curtos, ao contrário dos sedimentos coesivos que são
transportados em suspensão a grandes distâncias. O transporte dos sedimentos
não coesivos depende principalmente do balanço local de forças, que se traduzem
por correntes devidas à propagação da maré e induzidas pelas ondas. Na camada
de fundo, os sedimentos são levantados pela acção combinada da rugosidade e da
tensão de corte exercida junto ao fundo, por sua vez, também devida, sobretudo,
às ondas.
No Sistema de Modelos da Ria e da Costa de Aveiro o módulo do transporte de
sedimentos baseia-se na determinação das taxas de transporte médias referidas
ao período da onda, em função das características locais e instantâneas do
escoamento, constituído por correntes e ondas. Para o cálculo das taxas de
transporte optou-se pela utilização do método de Van Rijn (1989), que considera
a acção conjugada de correntes e ondas. O método é susceptível de ser aplicado
fora e dentro da rebentação o que o torna particularmente apropriado à
determinação da acção de correntes fortes em presença de ondas, tal como a zona
do banco da barra de Aveiro, onde as correntes fortes se devem, quer à acção da
maré na vizinhança da barra, quer às correntes na zona de rebentação, induzidas
pelas ondas ao longo da costa.
4.5 Condições de simulação
4.5.1 Domínio de Cálculo
As equações que constituem os vários módulos do Sistema de Modelos da Ria de
Aveiro são resolvidas num domínio de cálculo, representado na figura_4. Este
domínio, com uma malha regular de 50m, representa toda a região lagunar,
incluindo a parte terminal do rio Vouga, numa extensão total de 40,5km segundo
y e 15,4km segundo x. O eixo y do domínio faz um ângulo de 15º com o Norte
real, no sentido ciclónico. Esta orientação permite uma melhor reprodução da
dinâmica do sistema, tanto nos canais da ria, como na zona costeira, na medida
em que a malha fica aproximadamente orientada com as linhas batimétricas do
sistema.
A elaboração do domínio descrito resultou da utilização de informação
hidrográfica da região, nomeadamente a referida no ponto 2.1 da presente
publicação. O mesmo domínio de cálculo é utilizado para os modelos de
propagação da ondulação, propagação da maré e de correntes induzidas pelas
ondas e do transporte de sedimentos. Os fundamentos da calibração do modelo
efectuada a partir de observações anteriormente realizadas em vários pontos da
Ria de Aveiro encontram-se descritos em Hidroprojecto (2001).
4.5.2 Condições fronteira de agitação marítima: ondas representativas
Representam-se na tabela_3 as seis ondas representativas do clima de agitação
marítima, utilizadas nas simulações do transporte sedimentar.
Tabela_3
O processo que conduziu à selecção destas ondas encontra-se descrito em Barata
et al. (1996) onde pode, igualmente, ser encontrada uma descrição pormenorizada
do clima de agitação da região da barra de Aveiro. A determinação das ondas
referidas resultou de uma análise conjunta da distribuição dos parâmetros da
agitação e da respectiva frequência de ocorrência, optando os referidos autores
por seleccionar as ondas dominantes, do ponto de vista do transporte anual de
sedimentos, em vez das ondas predominantes de um ponto de vista meramente
estatístico, restrito aos parâmetros da onda.
O critério de selecção das ondas representativas foi estabelecido recorrendo ao
cálculo do transporte litoral num perfil transversal numa zona de batimetria
regular, isto é, afastada das embocaduras. As condições foram seleccionadas
tendo por base o princípio que, ao longo dum perfil transversal, devem produzir
o mesmo transporte anual e a mesma distribuição que o conjunto das ondas que
representam o clima de agitação, cujo transporte e distribuição foram
previamente calculados nesse perfil (Barata et al., 1996).
As ondas seleccionadas, apresentadas na tabela_3, constituem não só as
condições de fronteira dos modelos de propagação da ondulação e das correntes
induzidas pelas ondas, utilizados para caracterizar a dinâmica costeira, mas
também as condições para a simulação do balanço anual do transporte de
sedimentos não coesivos.
4.5.3 Condições de fronteira e iniciais dos módulos hidrodinâmico e de
transporte sedimentar
No modelo de propagação da maré são especificadas séries temporais de alturas
de água nas fronteiras norte, leste e sul. Ao longo da fronteira oeste foi
introduzido um desfasamento de modo a representar o efeito regional da
componente da propagação da maré, de sul para norte. Na direcção perpendicular
à costa foram introduzidas correcções à inclinação da superfície livre, para
incluir os efeitos, quer da sobre-elevação devida à propagação da ondulação,
quer do vento. A aplicação presente não considerou, no entanto, a acção do
vento. Na fronteira Este considerou-se suficiente a especificação de uma única
condição de caudal médio igual 5m3/s.
O modelo de propagação da maré e de correntes induzidas pelas ondas correu com
uma condição fronteira de maré reproduzida na Figura_5.
Figura_5
Como resultado obtiveram-se valores de alturas de água e de correntes, a ser
posteriormente utilizados no cálculo do transporte sedimentar, como campos
iniciais de níveis de água e velocidade, para arranque do modelo.
O modelo de transporte sedimentar correu com um intervalo de acumulação, no
total, igual a um período de maré (12h 25min).
Relativamente às ondas considerou-se que a escala temporal relevante seria o
ano, esquematizado pelo número de condições características de agitação ao
largo, referidas como ondas representativas. Para o conjunto de simulações
efectuadas, tomaram-se ainda os sedimentos com um diâmetro médio de 0,25mm,
associado ao quartzo.
5. Resultados e discussão da aplicação do modelo matemático
A aplicação do Sistema Bidimensional de Modelos da Ria e da Costa de Aveiro
resultou na definição da caracterização de uma situação de referência e das
várias soluções destinadas à prossecução dos objectivos fundamentais do
projecto. Os resultados obtidos, que permitiram determinar taxas de transporte
sedimentar potencial na região, são descritos nos pontos seguintes.
5.1 Situação de referência
5.1.1 Propagação das ondas
A batimetria complexa conduz a alterações significativas na propagação da
ondulação e ao longo da costa observa-se a alternância de zonas de convergência
e de divergência, tal como pode ver-se, a título de exemplo, na figura_6, que
representa um resultado do modelo de propagação das ondas. Nesta figura está
representado o campo relativo à direcção local da propagação da onda 4 (ver
tabela_3) e ao coeficiente de refracção-difracção, definido pelo coeficiente
entre a altura da onda registada em cada célula da malha de cálculo e o valor
da altura de onda em água profunda.
Verifica-se que as principais perturbações na propagação da ondulação se
registam na zona da barra e do banco da barra. Sobre o banco da barra é gerada
uma zona de convergência muito significativa, à qual está associado um aumento
local da altura da onda. Imediatamente a sul desta zona, verifica-se uma
diminuição da altura da onda, associada a uma divergência da ondulação. Em
consequência do abrigo proporcionado pelos molhes Norte e Sul identifica-se uma
zona de difracção com forte diminuição da altura da onda junto à zona sul do
molhe Sul. Uma análise segundo uma direcção transversal à costa mostra que para
as ondas de maior altura (ondas 4 e 5), a zona de rebentação se posiciona mais
ao largo do que as restantes ondas. Este aspecto é particularmente visível
sobre o banco da barra no caso da propagação da onda 4 (figura_6).
5.1.2 Velocidade da corrente
O aspecto mais significativo dos resultados obtidos (figura_7) refere-se à
importância do jacto de vazante através da barra na definição do padrão de
velocidades na zona adjacente, constituída pelo sistema da barra, molhes e
banco da barra. Associado ao jacto de vazante instala-se uma circulação
residual de sentido anticiclónico, pelo norte do enfiamento da barra. Como
consequência deste padrão, a corrente junto à cabeça do molhe Norte tem o
sentido da enchente em qualquer fase da maré. Este fenómeno poderá potenciar a
transposição de areias de norte para sul nesse local.
5.1.3 Transporte anual
Os resultados de alturas, direcções e tensões de radiação das ondas obtidos na
simulação com o modelo de propagação das ondas foram incorporados no modelo de
propagação da maré (modelo de correntes) de forma a obter as correntes
combinadas de maré e ondas, responsáveis pelo transporte sedimentar. A
resultante do transporte anual (figura_8) mostra que o transporte de sentido
norte-sul, que ocorre ao longo do trecho situado a norte da barra de Aveiro, é
essencialmente unidimensional. No entanto, na zona representada, até cerca de
6km do molhe Norte, podem distinguir-se algumas zonas de maior intensidade
desse transporte.
Na zona da barra e do banco da barra o transporte é marcadamente bidimensional,
processando-se na circulação de um vórtice de sentido ciclónico. Esse vórtice
abrange a embocadura, cruzando-a em dois sentidos: junto ao molhe Sul o
transporte processa-se do exterior para o interior; junto ao molhe Norte é do
interior para o exterior. Por seu lado, o progressivo aumento da intensidade do
transporte ao longo do canal de navegação à medida que nos aproximamos da
embocadura, cujo sentido é do interior para o exterior, configura uma tendência
para erosão da zona terminal do canal, designadamente junto ao molhe Norte.
Estas circulações poderão dar origem a fenómenos cíclicos de assoreamento e
erosão na zona da embocadura, tendendo a constituir um tampão contra a
penetração de areias do mar no canal de navegação em direcção a montante na
ria.
Estas tendências são coerentes com os resultados das comparações hidrográficas
que foram apurados no ponto 2 e com a situação hidrográfica representada no
levantamento da APA de Setembro de 2005. No entanto, ressalva-se que a
periodicidade das alternâncias erosão-assoreamento junto às cabeças dos dois
molhes não pode ser determinada com os elementos disponíveis.
À existência daquele vórtice pode também ser atribuída, quer a acumulação
aluvionar que se verifica no sub-trecho de costa de cerca de 3km que se
desenvolve para sul a partir da raiz do molhe Sul, quer a redução do transporte
de areia em direcção ao sul.
A seguir ao referido sub-trecho, em frente à Costa Nova, ocorre uma revessa do
transporte, de sentido sul-norte. Esta revessa é a responsável pela formação em
direcção ao norte das duas flechas representadas nas cartas náuticas naquele
troço, que foram objecto de menção no âmbito da descrição da morfologia. Estes
resultados também são confirmados pela própria geografia da evolução do
enchimento das praias da Costa Nova referida no ponto 2. A existência dessa
inversão do sentido geral da resultante do transporte anual ao longo da costa
constitui um factor de decisão nas opções de deposição em frente à Costa Nova.
Na continuação do trecho de costa para sul da Costa Nova o transporte processa-
se sob a forma de células em que a componente este-oeste assume por vezes
significado em relação à componente norte-sul. Atribui-se este aspecto à não
uniformidade hidrográfica do trecho, reflexo da não uniformidade da própria
linha de costa. Ressalva-se, no entanto, que não se possui actualização
hidrográfica junto à costa nesse trecho e que, na zona referida, os resultados
deverão ser encarados com alguma prudência.
5.1.4 Transporte em perfis transversais à costa
Em complemento aos resultados atrás apresentados, mostram-se os gráficos da
resultante do transporte anual ao longo de alguns perfis transversais à costa,
assinalados na figura_9, e a respectiva quantificação.
A análise do conjunto dos perfis registados na situação de referência mostra
que, a norte da barra o transporte em direcção ao sul se processa entre a linha
de costa e a isobatimétrica de 14m, com os picos de intensidade situados entre
as isobatimétricas de 4m e 8m (figuras_10 e Figura_11). O cálculo das
componentes do transporte para sul, na situação de referência conduziu,
respectivamente, nos perfis 343 e 324, aos valores 0,9x106m3/ano e 1,1x106m3/
ano, aproximando-se a média de 1,0x106m3/ano. Este valor constitui o parâmetro
de calibração do módulo do transporte sedimentar ao longo da costa, dado que é
da ordem de grandeza do valor adoptado na literatura da especialidade,
nomeadamente o proposto por Mota-Oliveira nos seus trabalhos (e.g. Mota-
Oliveira, 1990).
Figura_10
Figura_11
Sobre o perfil 295 que intercepta a cabeça do molhe Norte o transporte adquire
o valor aproximado de 0,6x106m3/ano. Por comparação com a média atrás apurada
relativa ao trecho adjacente a norte, pode deduzir-se que os resultados
revelaram a existência de capacidade de acumulação por parte do molhe Norte.
Sobre o banco da barra, no perfil 274 (figura_12), distinguem-se duas
componentes principais do transporte sedimentar: uma componente sul-sueste,
responsável pelo encaminhamento de areias em direcção ao trecho a sul; e uma
componente les-nordeste, responsável pela acumulação de areia no sub-trecho de
costa entre o molhe Sul e a Costa Nova.
Figura_12
No trecho sul adjacente ao banco da barra o transporte junto à costa sofre uma
diminuição comparativamente aos valores que se têm vindo a analisar. De facto,
segundo as direcções, aproximadamente, perpendicular e ao longo da costa, os
valores na situação de referência, são, respectivamente, iguais a -49464m3/ano
(sentido offshore) e 3885m3/ano (sentido para norte), no perfil 200 (figura
14), e 12770m3/ano (sentido onshore) e 18213m3/ano (sentido para norte), no
perfil 194 (figura_15).
Figura_13
Figura_14
Figura_15
5.2 Situação de projecto
5.2.1 Dragagem a norte do molhe Norte
Os resultados da simulação do transporte sedimentar na presença de uma dragagem
de 1,0x106m3 na zona a norte do molhe Norte mostram que ocorre intensificação
do transporte entre a zona dragada e a linha de costa no troço dragado,
relativamente à situação da referência, respectivamente, segundo as direcções,
aproximadamente, perpendicular e ao longo da costa, com os valores -0,15x106m3/
ano e -1,1x106m3/ano (perfil 343, conforme a figura_10) e -0,5x106m3/ano e -
1,2x106m3/ano (perfil 324, conforme a figura_11). Este processo é uma
consequência do aumento da energia das ondas junto à costa proporcionado pela
dragagem, que induz um aumento das taxas de transporte sobre o perfil. A
intensificação do transporte nas proximidades da linha de costa tenderá a
originar temporariamente o seu recuo nesse troço. Estima-se que o referido
recuo configure uma área de 0,5ha, sobre a extensão de 1500m de costa e que
atinja a profundidade máxima de cerca de 10m. Em seguida, a linha de costa
tenderá a recompor-se.
No sector de costa a sul do troço dragado ocorrerão, temporariamente, duas
tendências opostas: receberá o excesso de areias associado ao aumento do
transporte sobre a linha de costa registado no troço adjacente a norte e terá
défice de areia entre as isobatimétricas de 3m e 7m, visto que a zona dragada
poderá funcionar como sumidouro nessas profundidades. As duas tendências
tenderão a compensar-se, de forma que o troço não deverá sofrer alterações
morfológicas significativas. Estas estimativas assentam na comparação das taxas
de transporte registadas sobre os perfis transversais dos troços em análise, e
da aplicação da equação da continuidade aplicada ao balanço de areia na zona
costeira:
Onde: Q - o volume de areia transportada (m3); y - largura do perfil de praia
activo (m); H - altura do perfil de praia activo (m); x - coordenada
longitudinal (segundo a direcção da linha de costa); t – tempo. As estimativas
atrás apresentadas tiveram por base a especificação de 10m para a altura do
perfil de praia activo. Os valores dos transportes foram calculados para os
referidos perfis transversais na situação de referência e na situação de
projecto.
5.2.2 Dragagem sobre o banco da barra
Os resultados da simulação da dragagem de 1,0x106m3 na zona a sul da barra,
sobre o banco da barra, mostraram que o padrão do transporte da areia segundo
uma circulação de sentido directo se mantém como se pode verificar no perfil
274, apresentado na figura_12. No entanto, o seu centro desloca-se em direcção
à costa como resultado do decréscimo da dissipação da energia da ondulação
sobre o sector dragado do banco.
As componentes do transporte para sul tendem a aumentar no sector norte do
banco e a diminuir no sector sul, indicando que o banco tenderá a reconstituir-
se. O processo de reconstituição tende a ser mais lento do que no passado (até
1988) enquanto se mantiver a diminuição do transporte sobre o perfil da cabeça
do molhe Norte. Como consequência, não é de esperar alteração significativa da
passagem de areia para sul.
Refere-se o facto de o banco da barra constituir uma peça fundamental do
sistema morfo-dinâmico da região, podendo constituir simultaneamente um
obstáculo ao encaminhamento das areias em direcção ao sul e um elemento de
protecção da costa entre os núcleos urbanos da Barra e da Costa Nova.
5.2.3 Dragagem na zona da barra
Os resultados da simulação da dragagem de 1,0x106m3 na zona da barra, segundo
as especificações já referidas, mostram que se intensifica muito
significativamente a taxa de transporte na vizinhança da cabeça do molhe Norte,
particularmente junto a essa extremidade. Esta intensificação, com valores, que
no perfil 295, são da ordem de 1,47x106m3 (segundo a direcção norte-sul), fica
a dever-se à maior exposição que esse local passa a ter relativamente ao mar de
oeste e de sudoeste, por efeito do aumento da profundidade na zona que lhe é
fronteira. Refira-se que o perfil 295 não intercepta a área de dragagem.
Pelo contrário, regista-se a diminuição da taxa de transporte sobre a zona de
dragagem, como se pode ver no perfil 286 (figura_13) como esperado, por efeito
do aumento das profundidades. A combinação destas acções converge para criar
uma forte tendência de assoreamento da zona dragada que, deste modo,
necessitará de frequentes dragagens de manutenção.
5.2.4 Deposição no mar a sul do 5º esporão da Costa Nova
Os resultados da simulação da deposição de 0,5x106m3 no mar, imediatamente a
sul do quinto esporão da Costa Nova, numa extensão de 1000m ao longo da costa
entre as isobatimétricas de 2m e 5m, mostram que se obtém a diminuição da taxa
de transporte sobre a linha de costa, cf. Perfis 200 (figura_14 e 194 (Figura
15). O avanço da linha de costa associado a este efeito poderá ser considerado
desprezável.
No sector adjacente a sul poderá ocorrer uma tendência inicial para o recuo da
linha de costa que será invertida à medida que as areias depositadas forem
mobilizadas para sul. Esse recuo deverá ser inferior a cerca de 10m. A
componente sul da taxa de transporte também aumenta, embora em proporção
inferior à da componente transversal. Este padrão de transporte indica uma
tendência para a permanência das areias na zona por um prazo alargado, que
poderá ser da ordem de grandeza de anos.
Como anteriormente, estas estimativas assentaram nos resultados calculados para
os perfis transversais do transporte sedimentar na situação de referência e na
situação de projecto e na aplicação da equação da continuidade ao balanço de
areia no troço.
5.2.5 Deposições no mar entre o 3º e 4º esporões da Costa Nova
Prevê-se a deposição a ser feita num sub-sector junto à costa onde é
predominante a componente do transporte em direcção a terra e onde ainda se
verifica a já assinalada revessa do transporte em direcção ao norte, isto é, da
inversão para norte da resultante do transporte anual, como pode ver-se nas
figura_16 e figura_17 correspondentes aos perfis 236 e 224.
Figura_16
Figura_17
Deste modo, é elevada a probabilidade de as areias depositadas ficarem retidas
no sector por um período alargado. A deposição de 0,5x106m3 de areia no mar nas
profundidades especificadas previsivelmente induzirá intensificação do
transporte sobre a zona de deposição, ocorrendo simultaneamente a sua inflexão
em direcção à costa. A componente do transporte em direcção à costa suporta uma
tendência para acumulação sedimentar sobre a linha de costa estimada em cerca
de 50000m3/ano.
Por outro lado, prevê-se uma diminuição do transporte sobre a linha de costa,
como resultado da intercepção das ondas por parte do depósito fronteiro, o que
reforçará a tendência para a estabilização da linha de costa.
5.2.6 Deposições no mar entre o 4º e o 5º esporões da Costa Nova
Este sub-sector situa-se já fora do alcance da inversão para norte da
resultante do transporte anual que se regista no sub-sector anterior. Como já
assinalado anteriormente, esta poderá ser a causa da não recriação da praia
nesse local. Pela mesma razão, os efeitos associados à deposição de 0,5x106m3
de areia no mar diferem dos registados para o sub-sector a norte, sendo de
esperar (figuras_18 e figura_19, correspondentes, respectivamente aos perfis
215 e 209), que ocorra a diminuição da taxa de transporte junto à linha de
costa, o que induzirá tendência para o seu avanço.
Figura_18
Figura_19
Pelo facto de a resultante do transporte anual junto à costa ser já em direcção
a sul, embora de reduzida intensidade, esse avanço será potenciado pela
presença do 5º esporão, cuja extensão se encontra presentemente praticamente
toda no mar. Um eventual prolongamento da referida estrutura poderia aumentar a
eficácia da retenção.
Parte das areias depositadas deverão ultrapassar o 5º esporão em direcção ao
sul, podendo vir a formar uma praia de difracção junto à raiz desse esporão. A
inversão desta tendência acompanhará a progressiva deslocação para sul das
areias depositadas.
6. Critérios de comparação das soluções
Após a interpretação dos resultados obtidos por modelação matemática a fase
seguinte do estudo comportou a aplicação de um método multi-critério de análise
comparativa das soluções de dragagem e de deposição estudadas, na qual foram
considerados critérios técnicos, económicos e ambientais, por seu turno
divididos nos sub-critérios seguintes:
* (1) Critérios técnicos: objectividade (melhoria das condições de acesso
marítimo ao porto de Aveiro e o contributo directo para a protecção do cordão
dunar contra a erosão); urgência (brevidade com que cada solução pode ser
levada a concurso e executada); fundamentação (grau de conhecimento;
quantificação dos processos da dinâmica costeira envolvidos; previsão dos
seus efeitos); viabilidade técnica e oportunidade (capacidade, exigência e
disponibilidade dos meios e equipamentos a empregar nas operações de dragagem
e de deposição dos dragados; clima de agitação marítima ao longo do ano, para
a dragagem e a deposição); adaptabilidade (condições topográficas e
hidrográficas actuais das zonas de empréstimo e de deposição;
operacionalidade (condicionantes associadas à operação contínua do porto de
Aveiro).
* (2) Critérios económicos englobando: custo estimado de cada solução (os
custos fixos de mobilização e os custos unitários de operação); risco
económico (eficiência de cada solução); benefícios (maximização do impacte
positivo da utilização das areias no combate à erosão costeira).
* (3) Critérios ambientais: impactes sobre os ecossistemas terrestres (evitar a
interferência com a nidificação da avifauna no cordão dunar); impactes sobre
os habitats de bivalves (evitar ou reduzir a sua destruição); impactes sobre
a utilização das praias (evitar ou reduzir a interferência com a época
balnear); interferência com a navegação (manobra dos navios e das dragas);
impacte sócio-económico (desenvolvimento do porto de Aveiro); viabilização
(relativa ao reforço periódico do cordão dunar).
No que respeita os critérios ambientais é de salientar que todas as zonas de
dragagem e de deposição consideradas se encontram inseridas em Rede Natura 2000
que constitui um instrumento da política da União Europeia relativa à
conservação da Natureza e da diversidade biológica (Resolução do Conselho de
Ministros n.º 115-A/2008, da legislação portuguesa). Ao abrigo da classificação
referida, a zona em estudo está então integrada na Zona de Protecção Especial
da Ria de Aveiro, criada pelo Decreto-Lei nº 384-B/99 de 23 de Setembro, também
da legislação portuguesa.
Não foram estabelecidas diferenças entre os locais em termos de ordenamento,
mas apenas em termos de habitats. De entre estes, foi considerado que apenas os
de bivalves, no mar, e os da avifauna, em terra, seriam de reter para efeitos
de análise comparativa. Os impactes positivos sobre o desenvolvimento do porto
de Aveiro, bem como os impactes, igualmente positivos, da viabilização de
repetições periódicas de acções de reforço do cordão dunar foram também retidos
na análise comparativa das soluções.
Cada um dos sub-critérios mencionados anteriormente foi aplicado na comparação
dos locais de dragagem e de deposição e dos métodos tecnológicos de
intervenção. As Tabelas_4 e 5 apresentam os resultados do estudo multi-
critério, que considerou a atribuição de igual ponderação aos sub-critérios.
Este facto contribuiu decisivamente para a escolha da solução final.
Tabela_4
Tabela_5
A aplicação do método multi-critério referido de análise comparativa das
soluções de dragagem e de deposição estudadas conduziu ao seguinte ordenamento
relativo das três soluções mais pontuadas:
1) Dragagem na barra com deposições nos locais A1 e A2, integralmente no mar
entre os terceiro e quinto esporões da Costa Nova; 2) Dragagem sobre o banco da
barra igualmente com deposições nos locais A1 e A2, integralmente no mar, entre
os terceiro e quinto esporões da Costa Nova; 3) Dragagem na barra, com
deposições B1 e B2, respectivamente no mar e em terra, entre os quarto e quinto
esporões da Costa Nova.
Comentam-se seguidamente as vantagens e os inconvenientes relativos de cada uma
das três soluções atrás indicadas, no intuito de aprofundar a compreensão do
ordenamento obtido.
1. Dragagem na barra com deposição nos locais A1 e A2.
A solução de dragagem na barra deve o primeiro lugar à pontuação obtida
simultaneamente nos critérios económico e ambiental, sobretudo neste
último. A dragagem na barra satisfaz plenamente nos seguintes sub-
critérios: objectividade e de adaptabilidade; benefícios; e em todos os
critérios ambientais excepto no de interferência com a navegação. Por
outro lado esta solução é penalizada nos sub-critérios: fundamentação
técnica e interferência com a operacionalidade da barra e risco económico.
As deposições nos locais A1 e A2 devem também o primeiro lugar à pontuação
obtida nos três critérios, com destaque para o critério ambiental. A
deposição integralmente no mar satisfaz plenamente nos sub-critérios:
urgência, viabilidade técnica e adaptabilidade; custo, eficiência e
economias de escala; e minimiza os impactes sobre a avifauna e sobre a
utilização balnear das praias. Por outro lado, esta solução de deposição
não é penalizada em nenhum dos sub-critérios.
2. Dragagem sobre o banco da barra com deposições nos locais A1 e A2
Esta solução difere da anterior pela mudança do local de dragagem. A
dragagem no banco obtém melhor pontuação no critério técnico.
Relativamente aos sub-critérios a dragagem no banco pretere a dragagem na
barra nos seguintes: urgência, viabilidade técnica e operacionalidade;
custo; interferência com a navegação. Neste último sub-critério
considerou-se que diferença entre as soluções é a mínima, visto que a
prática da barra pela navegação está sob o controle total do Departamento
de Pilotagem do Porto de Aveiro.
3. Dragagem na barra, com deposições nos locais B1 e B2
Esta solução difere da primeira solução pela mudança dos locais de
deposição. Os locais B1 e B2 preterem os locais C1 e C2 nos seguintes sub-
critérios: objectividade e grau de fundamentação; benefícios; impactes
sobre os bivalves.
CONCLUSÃO
Da análise comparativa efectuada resultou que a solução de dragagem da barra,
com deposição no mar entre os terceiro e quinto esporões do campo de esporões
da Costa Nova foi a que melhor satisfez os critérios de análise adoptados,
técnicos, ambientais e económicos e, por esta razão foi a preconizada. Essa
solução pressupôs que se considerassem dragagens de manutenção anuais ou
plurianuais, cujos dragados terão como destino a protecção da zona costeira a
sul, com o mesmo enquadramento. Neste contexto, a solução preconizada equivale
a uma permanente transposição artificial da barra de Aveiro, intervenção há
muito reclamada em termos ambientais.
As soluções escolhidas foram implementadas pelas instituições com jurisdição na
área, depois de 2008. Numa fase final o estudo recomendou o desenvolvimento de
um programa de monitorização regular a ter lugar após a implementação do
projecto, de forma a tornar possível uma avaliação objectiva da evolução
sedimentar nas áreas de dragadas e de depósito.
O estudo efectuado constitui uma contribuição para a gestão costeira efectuada
de forma integrada na zona, uma vez que contribuiu decisivamente para a
definição e implementação de uma solução para o problema na área costeira em
análise.