Ocupação do Litoral do Alentejo, Portugal: passado e presente
1. Introdução
Desde o século XVIII que a generalidade dos litorais europeus foi sujeita a um
processo crescente de ocupação e antropização devido à instituição das práticas
balneares marítimas terapêuticas. A partir de meados do século XIX, tal
verificou-se com bastante maior intensidade, principalmente nos litorais que
apresentavam características climáticas mais amenas. Aí, as marcas da ocupação
humana, bem como da exploração dos recursos naturais, são iniludíveis. Uma das
excepções à realidade aludida é caso do litoral alentejano, em Portugal(fig.
1).
A grande maioria deste segmento litorâneo manteve, até à actualidade, as suas
características naturais, podendo considerar-se que, em muitas zonas, permanece
ainda quase em estado pristino, correspondendo a um dos últimos redutos de
costa selvagem da Europa. A análise das causas que impuseram que este trecho
costeiro constitua uma excepção à tendência geral de ocupação intensiva é,
obviamente, de grande importância para a compreensão dos vários aspectos do
processo geral de ocupação dos litorais mundiais e pode fornecer dados de
grande relevância para os processos de decisão na gestão costeira.
Na análise do dito processo temos sempre que tomar em linha de conta as
interacções do Homem com o Meio, tentando percepcionar e explicar (na medida do
que é destrinçável) o que são os condicionantes físicos e os mecanismos
antrópicos forçadores da evolução da paisagem.
É que se as sociedades foram (e são) determinantes na forma como se processou a
ocupação (até porque o Homem é o principal ocupante e utilizador / explorador
dos recursos naturais), o facto é que essas mesmas sociedades actuaram sobre
uma base fundamental que é a das características geológicas, geomorfológicas,
oceanográficas e climáticas da região. O Alentejo, constituindo, na
generalidade, um litoral exposto à forte agitação marítima do Atlântico,
apresenta, todavia, pequenos redutos abrigados (principalmente zonas lagunares
e estuarinas) que constituíram pólos de atracção humana, por excelência. Com
efeito, a extremidade norte deste trecho costeiro é constituída por uma
importante zona abrigada, o estuário do Sado, onde a história e as
características da ocupação contrastam fortemente com o que se verificou na
generalidade deste trecho costeiro. Além deste, registam-se também pequenos
redutos de litorais abrigados materializados na pequena baía imediatamente a
sul de Sines ou, ainda, no pequeno estuário do rio Mira. Desta forma, tendo em
consideração a tardia ocupação/exploração da maioria do litoral em análise, os
objectivos deste trabalho consistiram em:
* a) compreender as razões que condicionaram a evolução do povoamento e da
utilização do litoral alentejano ao longo da História;
* b) evidenciar os contrastes de ocupação e consequente exploração dos recursos
naturais existentes nos litorais expostos (generalidade deste trecho
costeiro) e nos litorais abrigados estuários do Sado e do Mira; zona a sul de
Sines);
* c) ensaiar uma comparação muito sucinta da evolução e do povoamento do
litoral alentejano com os trechos costeiros adjacentes (a norte e a sul),
identificando os principais mecanismos forçadores que impuseram evoluções
completamente distintas;
* d) expressar as bases fundamentais de preservação do litoral alentejano que
podem / devem ser utilizadas como indicações definidoras da tipologia da
gestão costeira do litoral alentejano no decurso do século XXI.
2. Caracterização geral da área
A costa alentejana, aqui entendida como a zona que se estende do estuário do
Sado à foz da ribeira de Seixe (fig._1), corresponde a uma faixa estreita do
litoral Sudoeste de Portugal, em que ocorrem, entre outros, pequenas ilhas,
ilhotas e escolhos, arribas marinhas, praias de tipos diferenciados, dunas
móveis e consolidadas, charnecas e zonas húmidas (que incluem estuários,
lagunas costeiras, rios e ribeiras, e lagoas temporárias). Apresenta
características muito específicas que lhe conferem elevada diversidade
paisagística.
2.1 Clima atmosférico
A área estudada está, de certa forma, abrigada pelas proeminências formadas
pelas serras de Sintra e da Arrábida, as quais fazem com que as massas de ar
fresco de NW sofram um desvio, tornando o clima desta região mais
continentalizado, com forte amplitude térmica (Daveau, 1988, p. 456-458). Tem
clima pré-mediterrâneo com forte influência marítima, com Verões quentes e
secos e os Invernos frescos e húmidos. A temperatura atmosférica mantém-se
amena todo o ano com médias que oscilam entre 14ºC e 18ºC, aumentando
tendencialmente de Norte para Sul. Esporadicamente registam-se temperaturas
superiores a 35ºC, no Verão, e inferiores a 5ºC, no Inverno. Por exemplo, em
Sines, no período 1941 a 1991 verificaram-se valores máximos absolutos de
37,1ºC em Julho e 0,5ºC em Dezembro e Janeiro (MAOT, 1999b, p. 23).
Os valores médios anuais de precipitação variam entre os 400 mm e os 700 mm
(Daveau et al., 1977), ocorrendo a precipitação máxima em Dezembro. Porém, em
anos secos a precipitação anual pode reduzir-se ao intervalo 0 mm a 400 mm, e
em húmidos pode atingir valores entre 700 mm e 1400 mm. No período 1941/42 a
1990/91 o ano mais húmido ocorreu em 1968/69 com um valor ponderado de 941 mm,
e o ano mais seco ocorreu em 1944/45 com 271 mm (MAOT, 1999c, p.10). Com
frequência, a precipitação apresenta carácter torrencial típico das áreas
mediterrâneas. Em média há 70 a 80 dias por ano com precipitação que, na parte
sul, aumentam para 80 a 90 dias (Daveau, 1985).
A região caracteriza-se por forte insolação, superior a 2600 a 3000 horas/ano
(Brito, 2005, p. 50), sendo das mais altas da Europa.
Os ventos dominantes, durante todo o ano, são de norte e noroeste, sendo
ocasionalmente fortes. Por vezes registam-se ventos de sudoeste, principalmente
no Inverno, enquanto os de Levante ocorrem com baixa incidência (ICNB, 2008,
p.148). Ventos fortes carregados de humidade são mais frequentes nos meses de
Verão, contribuindo assim para os altos valores de humidade (da ordem de 80%)
registados durante o estio (ICN, 2006, p.6).
2.2 Agitação marítima
A agitação marítima predominante é de NW/WNW cerca de 80% do ano, com altura
significativa entre 1 e 2 metros e 8 segundos de período. A ondulação de W e SW
ocorre principalmente no período de Inverno, caracterizando-se por alturas
significativas de 3 a 4 metros, que ocasionalmente podem atingir mais de 7
metros, com períodos de 9 a 10 segundos. Embora com baixa incidência anual, a
altura significativa ao largo chega a ultrapassar os 10 metros e o período de
pico chega a ser superior a 18 segundos (IH/LNEC, 1994; IM, 2004).
A temperatura da água o mar varia entre os 14/15º em Fevereiro e os 20/21º em
Setembro. Devido aos ventos do quadrante Norte ocorre, com frequência,
afloramento costeiro (coastal upwelling), o qual faz aflorar à superfície águas
mais frias, ricas em nutrientes, que enriquecem a produção primária,
potenciando o desenvolvimento de fitoplâncton, base da cadeia alimentar
marinha. Tal influencia, obviamente, as pescas, designadamente as capturas de
sardinha (e.g.: Fiúza et al., 1982; Borges et al., 2003).
2.3 Geologia e geomorfologia
Quebrando a paisagem da extensa peneplanície alentejana, a zona costeira do
Alentejo compreende, basicamente, três fig._2).
A faixa costeira entre o Sado e Sines, com cerca de 65 km de extensão,
apresenta forma arqueada devido à acção da ondulação dominante difractada pelo
Cabo Espichel. Corresponde a um litoral arenoso contínuo em que a praia é
marginada do lado de terra por cordões dunares ou por arribas talhadas em
sedimentos detríticos mal consolidados. Entre Tróia e Carvalhal o litoral
caracteriza-se pela presença de praia contínua que transita para sistemas
dunares bem desenvolvidos. Para sul, até às proximidades Sines, a praia encosta
a uma escarpa dunar, com cerca de 10 m de altura, a qual transita para arriba,
com 10 m a 40 m de altura, talhada em formações detríticas (correspondentes a
sequências sedimentares flúvio-marinhas do Miocénico). Este litoral apresenta
ainda algumas lagunas costeiras das quais se destacam a Lagoa de Santo André e
a Lagoa de Melides. No extremo sul, junto a Sines, a arriba é talhada em rochas
magmáticas.
No Cabo de Sines afloram rochas magmáticas (gabros, dioritos, sienitos,
doleritos, basaltos, etc.) do Cretácico, bem como algumas rochas carbonatadas
do Jurássico (fig._2), sobre as quais se depositaram, em discordância,
depósitos sedimentares do Plio-Quaternário.
A sul de Sines até ao extremo sul da área considerada o litoral é rochoso,
talhado em arriba, com frequência fortemente escarpada, cujo comando (altura)
tende a aumentar para sul. As litologias dominantes, com idades compreendidas
entre o Precâmbrico e o final do Paleozóico, correspondem a rochas
metamórficas, sedimentares e eruptivas, verificando-se grande incidência de
formações xisto-grauváquicas. Estas rochas definem, mais no interior, formas de
relevo arrasadas por sucessivas aplanações, deslocadas e desniveladas por um
complexo sistema de falhas. As próprias elevações designadas por
"serras", são quase sempre constituídas por restos de planaltos
soerguidos ao longo de falhas, ou por relevos de dureza (e.g.: Pereira, 1990).
Discordantes sobre estas rochas mais antigas ocorrem, por vezes com grande
continuidade, rochas detríticas (argilas, margas, calcários, areias e
cascalheiras) cenozóicas. No topo das arribas ocorrem eolianitos quaternários
correspondentes, com frequência, a dunas consolidadas. Nesta costa surgem
muitas pequenas praias encastradas (pocket beaches), as quais ocupam
reentrâncias talhadas nas arribas ou na parte terminal de ribeiras. As praias
mais extensas são raras, restringindose a sectores relativamente pequenos, como
em Malhão-Aivados.
Todavia, não obstante a generalidade deste trecho costeiro corresponder a um
litoral exposto (apresentando elevada exposição quer à onda dominante de NW,
quer aos temporais de SW), nele se definem alguns (poucos) litorais abrigados
correspondentes, principalmente, a estuários e a lagunas costeiras.
A principal zona abrigada é o estuário do Sado, uma das maiores zonas húmidas
de Portugal, localizado na extremidade setentrional da região considerada. O
rio Sado, com 180km e bacia hidrográfico com 7640km2 (Loureiro et al., 1986a,
p.411), apresenta declive médio de 1,5%o, sendo essencialmente um rio de
planície, situando-se mais de metade do seu percurso (95km) abaixo dos 50m,
(MAOT, 1999a, p.1-2 e 8). O escoamento médio global é da ordem de 1460 hm3/ano
(MAOT, 2000a, p.1). O estuário estende-se por uma área de aproximadamente 160
km2, tendo comprimento de cerca de 30 km e largura máxima de cerca de 20 km, na
zona terminal. A profundidade média é de 8m, sendo maior nos canais Norte
(profundidade média de 10 m) e Sul (profundidade média de 20 m) (MAOT, 1999d,
p.5-6). A foz, estrangulada pela restinga de Tróia, tem largura de cerca de
1,7km. Sendo navegável por cerca de 70km (até Porto de Rei), o seu traçado e
fraco declive instituiu-se através dos tempos como importante via de penetração
para o interior, tendo desempenhado papel estruturante na organização do espaço
de Portugal Meridional.
Na região considerada apenas existe outro estuário com relevância, o pequeno
estuário do Mira, estreito e encaixado, localizado na parte sul da região em
estudo. O rio Mira, com cerca de 130km de comprimento, drena uma área total de
1576 km² com altitude média de 156m (Loureiro et al., 1986b, p.467-468). O
estuário do Rio Mira, de longe o maior da costa alentejana, tem cerca de 32 km
de extensão e largura maxima de 150 m. A profundidade média é de 6 metros,
sendo a máxima de 13 metros. (ICNB, 2008, p.195 e 227). A foz está estrangulada
por bancos arenosos enraizados na margem sul, os quais restringem a barra a
larguras entre 100 e 300 m e profundidades entre os 0 e 4 m (ZH).
No limite meridional do litoral alentejano define-se ainda o reduzido estuário
da ribeira de Seixe, com características estuarino-lagunares. Com cerca de 4,5
km de comprimento, a comunicação com o mar é por vezes interrompida pela
formação de cordões dunares, o que faz com que o sistema transite de estuarino
para lagunar (Carvalho, 2004, pp. 36-37).
No litoral alentejano definem-se também algumas lagoas costeiras, instaladas na
parte terminal de ribeiras. Actualmente estão, em geral, isoladas do mar,
excepto em raras ocasiões em que se verifica ocorrência simultânea de marés
vivas, forte agitação marítima e grande pluviosidade. São, pelo menos desde o
século XVIII, artificialmente abertas uma vez por ano, normalmente no início da
Primavera, através da escavação de um canal no cordão dunar que as separa do
mar (Fonseca, 1989, pp.136-139). Consequentemente, estes corpos hídricos
funcionam alternadamente como sistemas lagunares e como sistemas estuarinos. As
principais lagoas são a Lagoa de Santo André, que ocupa uma área aproximada de
150ha, a Lagoa de Melides, com cerca de 26ha e a pequena Lagoa da Sancha com
apenas uns 13ha, a qual só muito excepcionalmente estabelece comunicação com o
mar. Devido à falta de comunicação com o oceano, as áreas referidas aumentam
substancialmente, por vezes para mais do dobro, no Inverno, quando a
pluviosidade é intensa (fig._1).
Como litorais relativamente abrigados são de referir, ainda, a baía de Sines
(localizada imediatamente a sul do cabo homónimo, o qual lhe confere protecção
da onda dominante de NW, mas muito vulnerável aos temporais de SW) e a Ilha do
Pessegueiro (fig._1), poucos quilómetros a sul onde, entre a ilha e o
continente, se define um pequeno canal com cerca de 200 m de largura e pequena
profundidade que, apesar da corrente forte que aí se faz frequentemente sentir,
proporciona um abrigo desde há muito tempo utilizado pelos pescadores e também
pela navegação comercial (Quaresma, 2009, p.13).
3. Alguns factores condicionantes da ocupação
Os litorais expostos sempre foram evitados pelas populações devido às suas
condições adversas (e.g., Corbin, 1989; Dias, 2005). É o caso do trecho
costeiro em estudo, onde características várias (naturais e antrópicas)
contribuíram para que, ao longo dos tempos históricos, sempre se tivesse
verificado rarefacção da ocupação humana. De entre as características naturais
aludidas, destacam-se as seguintes:
* 1- oceanográficas – uma das características mais relevantes da costa
alentejana é a alta energia da ondulação incidente, correspondendo a uma das
costas mais energéticas do mundo, o que, obviamente, constitui factor
extremamente condicionante das actividades marítimas (pesca, navegação,
etc.); acresce que os temporais são, com frequência, bastante violentos (por
vezes com ondas significativas superiores a 10 metros) tendo elevado poder
destruidor de estruturas edificadas a cotas mais baixas; embora com baixa
frequência, é também de referir a ocorrência de tsunamis (destacando-se o de
1755), que ficam na memoria colectiva das populações, tornando-se, também,
tendencialmente, factor inibitório ou, pelo menos, limitativo da ocupação;
* 2- geomorfológicas – embora a costa a norte de Sines, até Tróia (barra do
Sado) corresponda a areal contínuo que transita para corpos dunares ou
pequenas arribas, não existem pontos de abrigo que propiciem apoio e refúgio
para as actividades marítimas; acresce que a praia, na parte setentrional, é
limitada do lado continental por campos dunares e um braço do meio lagunar,
condições estas que dificultam o acesso às regiões interiores; a sul de
Sines, a costa rochosa talhada em arriba, frequentemente escarpada e de
grande comando (altura), apenas com pequenas praias encastradas, não é
propícia, também, ao desenvolvimento de pólos de desenvolvimento de
actividades ligadas ao mar;
* 3- pedológicas – devido às características geológicas, os solos desta região
costeira são, em geral, pobres, por vezes mesmo esqueléticos, o que não
propicia o desenvolvimento de agricultura com grande expressão, factor
suplementarmente dificultado pelos ventos marítimos carregados de salsugem;
* 4- climáticas – embora o clima seja temperado pela influência marítima, a
rarefacção da vegetação arbórea torna a região costeira desagradável para as
actividades humanas, o que é reforçado pela fortíssima insolação e pelos
ventos com frequência persistentes, por vezes bastante fortes.
Às condições naturais adversas à ocupação antrópica relevante juntam-se
factores humanos (que com elas estão relacionados), de entre os quais se
destacam:
* A. corso e pirataria – a costa portuguesa foi desde sempre flagelada por
actividades de corso e pirataria, as quais, desde a Reconquista, emergiam com
bastante maior acuidade na costa alentejana, com baixíssima densidade
demográfica e poucas estruturas de defesa, o que conferia um sentimento
generalizado de insegurança;
* B. acessibilidades – como não existiam (com raras excepções) pólos de
ocupação relevantes, não se desenvolveram acessos fáceis ao litoral; a não
existência de tais acessibilidades constituía, por outro lado, factor
limitativo à ocupação do mesmo (entrando-se em círculo vicioso).
Nestas condições, é compreensível que a generalidade da costa alentejana tenha
permanecido com baixíssimos índices de ocupação até recentemente, continuando a
densidade demográfica a ser baixa no início do século XXI. Para aferir das
condições prevalecentes até ao século XX, basta mencionar que o principal pólo
turístico actual da região, Vila Nova de Milfontes, que nem sequer está
localizado num litoral exposto mas sim no pequeno estuário do Mira, teve o
início da construção da primeira estrada somente em 1931 (Quaresma, 2003a,
p.17). Até então, e desde tempos recuados, a acessibilidade era feita por mar
ou pelo rio Mira, a partir de Odemira (TT, Livro dos Forais Novos de Entre-
Tejo-e-Odiana, Leitura Nova, Livro 45, fls. 40 - 44). Aliás, em toda a costa
alentejana, e mesmo para Sul, na costa ocidental do Algarve até Sagres, não
existem bons (nem sequer razoáveis) portos de abrigo imprescindíveis para
conveniente apoio à navegação de cabotagem, a qual teve importância fundamental
nas trocas comerciais e, mesmo, na deslocação das pessoas até meados do século
XX.
A grande excepção a este panorama foi o estuário do Sado, de longe a principal
zona húmida da região. Aqui, ao contrário do que se verificou em todo o
restante litoral alentejano, convergiram múltiplos factores propiciadores de
ocupação pelo Homem, designadamente: a) o seu extenso plano de água e as
profundidades imprescindíveis para segurança da navegação; b) a protecção da
forte agitação marítima do Atlântico que lhe é conferida pela restinga de
Tróia; c) a defesa contra as actividades de corso e pirataria devido à
limitação da barra de entrada, a qual está também protegida por fortificações
existentes na margem norte; d) o abrigo contra os ventos de Norte que é
propiciado pela Serra da Arrábida; e) as boas condições, designadamente de
ordem climática (temperatura, pluviosidade, insolação) para exploração do meio
estuarino-marítimo (salinicultura, pesca, etc.); f ) a existência de solos
aluvionares férteis propiciadores de actividades agrícolas importantes; g) a
possibilidade de desenvolvimento de actividades complementares da exploração do
ambiente marinho, designadamente a construção naval, beneficiando de fácil
entrada para o estuário a partir do mar, profundidades seguras para o trânsito
de navios, e existência da madeira necessária (nomeadamente na Serra da
Arrábida); h) a proximidade do principal pólo consumidor nacional, isto é,
Lisboa, a apenas algumas dezenas de quilómetros, por terra, e a umas 40 milhas
marítimas, por mar. Com estas condições, compreende-se que na dependência deste
meio estuarino se tenham desenvolvido, desde muito cedo, na margem norte,
importantes aglomerados urbanos, de onde ressaltam os de Alcácer do Sal e de
Setúbal.
4. Evolução da ocupação/utilização
4.1 Pré-Reconquista
Desde tempos pré-históricos que este trecho costeiro foi explorado pelo Homem,
principalmente nos litorais abrigados, como é o caso do estuário do Sado
(Labourdette, 2003, pp. 25-26). Também os fenícios, cartagineses e, mesmo,
gregos, mas ainda outros povos de origem indoeuropeia se instalaram nesta
região (Fabião, 1992, pp. 108-110), embora as relíquias arqueológicas que
testemunham esta ocupação proto-histórica sejam muito localizadas e
geograficamente esparsas: incidem, sobretudo, no estuário do Sado,
principalmente em Alcácer do Sal e em Setúbal. A intensa articulação destes
pólos com o rio materializase na sua importância política, militar e económica
e, consequentemente, facilmente se percebe que tenha constituído um foco
estratégico de atractividade humana desde tempos remotos. Como se tem vindo a
referir, a faixa costeira não era propícia à fixação humana e assim se
compreende que apenas se detecte uma via terrestre próxima do litoral que,
partindo de Sagres (ou Lagos) e atravessando a serra de Monchique, se estendia
até Aljezur, seguindo por Odemira, e inflectindo por Vila Nova de Milfontes até
Sines (Silva & Gomes, 1994, pp.112-113).
No Período Romano os vestígios de ocupação são igualmente esparsos. Da pesca, à
navegação fluvial e marítima, passando por uma evidente e intensa salicultura,
as pesquisas arqueológicas evidenciam núcleos de ocupação bem demarcados nos
litorais abrigados, particularmente no estuário do Sado e no do Mira. Veja-se o
exemplo da estação arqueológica de Tróia, datada do início do século I D.C.,
que se afigura como um dos mais importantes centros fabris de sal, de peixe e
de garum (pasta de peixe), e respectivas cetárias (tanques para salga de peixe
e preparação de conservas) (Silva, 2010, pp.12-13). Estruturas destas foram
descobertas também em vários outros locais, como na Ilha do Pessegueiro onde, a
partir da segunda metade do séc. III, se detecta um processo de especialização
na indústria da salga que se transforma no elemento dominante na estratégia
local de exploração de recursos (Silva & Soares, 1993, pp.183-184).
Após a dominação romana sobreveio a presença sarracena na Península Ibérica.
Com efeito, a invasão muçulmana, em 711, deixou marcas diferenciadas no
território português, dependendo da duração da presença islâmica. Assim, no
Norte ela foi mais superficial, enquanto que no Sul foi mais profunda, uma vez
que o Algarve só seria reconquistado em meados do século XIII e definitivamente
incorporado no território português com o Tratado de Alcañices, em 1297.
Neste período, novamente se destaca Alcácer do Sal como tendo grande
importância demográfica. As suas terras de aluvião são uma óbvia mais-valia e a
sua posição fluvial afigura-se privilegiada devido ao porto comercial com
grandes estaleiros para a época. Aí terão sido construídas as embarcações que
depois partiriam do seu porto, transportando os exércitos de Almançor na
campanha de 997 contra Santiago de Compostela (Fulgosio, 1867, p. 56). Já na
península costeira de Setúbal decai a importante Tróia romana, então reduzida a
um centro religioso de culto aos mortos (Torres, 1992, p.394). O porto de Sines
continua activo, agora com a designação islâmica de Marsa Hasine
(Torres, 1992, p.391), mantendo-se como a ligação ao exterior, por mar, de
Santiago do Cacém, localizado mais no interior. Mantém-se, porém, para o
período islâmico, uma incipiente ocupação da generalidade da faixa costeira
alentejana.
4.2 Da consolidação e afirmação do reino português à perda da independência
Durante as batalhas pela posse do território peninsular que opunham a
Cristandade ao Islão, o sul do espaço que veio a constituir o Reino de Portugal
apresentava-se muito instável e pouco propício a um povoamento permanente.
Aliás, as fontes coevas, como a Relação da Derrota Naval, Façanhas e Successos
dos Cruzados que Partirão do Escalda para a Terra Santa no Anno de 1189 (Lopes,
1844, pp.42-43) dão-nos conta da instabilidade sentida naqueles tempos ao
referir que, durante o percurso de sete dias que ligava Silves, no Algarve, a
Lisboa, e que atravessava o Alentejo, não existia um único local seguro.
Segundo o mesmo relato, só nos finais do século XII, é que a segurança retornou
àquelas paragens após a conquista de Silves, ficando assim demonstrado que só
nesta altura se registou uma pacificação do território alentejano. Os núcleo
Os núcleos urbanos localizavam-se, tendencialmente, em zonas relativamente
afastadas do litoral oceânico, embora com ele mantendo conexões: Santiago do
Cacém com a Lagoa de Albufeira e a baía de Sines; Odemira com a foz do Mira
onde viria a surgir Vila Nova de Milfontes (TT, Leitura Nova, Livro dos Forais
Novos de Entre-Tejo-e-Odiana, Livro 45, fl. 40). O resto do litoral manteve-se
quase completamente despovoado.
Foi apenas com o passar do tempo, através do progressivo crescimento
demográfico, de uma maior valorização dos recursos marinhos (pescas, portos,
sal), da intensificação do comércio (sobretudo por via marítima), e da maior
vigilância relativamente à actuação do corso e pirataria que, principalmente a
partir de meados do século XIII, os mercadores, marinheiros e pescadores
passariam a constituir uma proporção cada vez mais importante da população do
país (Mattoso, 2000, p. 255).
Para povoar o território recém-conquistado, como forma de defesa do mesmo,
principalmente nas zonas de fronteira, a ocupação militar directa não era
suficiente, até porque esta, não tendo características de perenidade, não
conseguia propiciar a sustentabilidade da ocupação. Era imprescindível adoptar
medidas extraordinárias que viabilizassem a fixação de populações, tarefa
difícil porquanto as fronteiras constituíam sempre zonas de risco e, como é
normal, a generalidade das pessoas tendia, tanto quanto possível, a evitá-las.
É neste contexto que surge o primeiro couto de homiziados do litoral
alentejano, em Vila Nova de Milfontes. Entenda-se pela figura de “couto de
homiziados” a criação de territórios imunes para onde se deslocavam condenados
a quem o monarca concedia o perdão de determinados delitos, contra a
permanência no couto pelo tempo equivalente à pena. Quase que nos atreveríamos
a designá-los como “prisões domiciliárias”, onde as pessoas condenadas per
jurem, podiam circular livremente a céu aberto ou em casa (Ventura, 1998,
p.602). Simultaneamente ao referido propósito de jureserviam, ipso facto, para
o povoamento e defesa de zonas limítrofes e territórios geograficamente
vulneráveis (Moreno, 1986, pp.93-94).
Os coutos de homiziados outorgados no litoral português localizaram-se,
predominantemente, junto à fronteira terrestre (fig._3). Porém, foram
instituídos alguns no litoral, mas sempre em zonas abrigadas (estuários,
lagunas) e, mesmo assim, o seu sucesso foi mais que questionável. Isso mesmo se
verificou em Milfontes.
Com efeito, esta povoação sofreu muito com os assaltos dos piratas argelinos.
Por exemplo, no reinado de D. João II, incendiaram e saquearam a povoação,
deixando-a quase deserta (Beires, 1927, p.185). Como forma de incentivar o
povoamento, D. João II, através de carta datada de 18 de Setembro de 1486,
concedeu a Milfontes o privilégio de couto de homiziados, permitindo aos seus
habitantes viverem livremente na vila e seu termo, com a condição de auxiliarem
as duas companhias de ordenanças existentes na vila e a defenderem contra as
investidas dos corsários (T.T., Chancelaria de D. João II, Livro 8, fólio 64;
Chancelaria D. Manuel, Livro 29, fl. 57; T.T., Leitura Nova, Guadiana, Livro 1,
fl. 223 v.; Chancelaria de D. João III, l. 18, fl. 47). Porém, esta medida não
terá alcançado os objectivos desejados, por via da precariedade da permanência
e do número reduzido dos inscritos, já que volvidos cerca de 50 anos, a vila
contava apenas com 10 moradores (Quaresma, 2003a, p.29). Tal tende a confirmar
que, mesmo nos litorais abrigados, os coutos de homiziados teriam sido de
eficácia duvidosa.
Outra estratégia de ocupação do pouco atractivo litoral alentejano esteve
ligado às Ordens Militares e, de modo particular, à Ordem de Santiago da
Espada. Esta passou a estar relacionada com uma actuação efectiva na área
costeira de cariz atlântico, por forma a dar continuidade à linha de defesa do
Tejo e do tráfego fluvial do Sado (Costa, 2006, p.82), única via de penetração
hídrica para extensa área do interior alentejano. Assim, e em contraste com o
que se verificara a norte (sobretudo no Entre-Douro e Minho, onde a tessitura
socio-económica que emergiu da Reconquista foi de cariz marcadamente
senhorial), nos territórios conquistados a sul do Tejo os monarcas tentaram
prevenir essa pulverização de poder, potencialmente conflituante, utilizando a
instituição concelhia e a atribuição de forais sob domínio directo do rei
(Mattoso, 1993, p.16) ou, ainda, a entrega às Ordens Religiosas-Militares dos
territórios conquistados ao Islão. Nesse contexto, verifica-se uma nítida
preponderância da Ordem de Santiago da Espada no litoral em estudo. A verdade é
que, á semelhança do que se passara a norte, as terras doadas pelos monarcas
serviam também como recompensa pelo apoio prestado aos monarcas na batalha
travada contra os muçulmanos. Contudo, a estreita relação entre a Coroa e as
Ordens militares garantiam à primeira um grande controlo sobre os domínios
destas, especialmente a partir de D. João I, quando o rei entregou aos infantes
a administração das referidas Ordens (Costa, 2004, p.146).
Pacificado o território alentejano após a Reconquista Cristã, regularizada a
administração e economia locais, Sines, sob a égide dos espatários, afirmou-se
como um dos raros pontos (portos) de escoamento dos produtos do Baixo Alentejo
(cereais, cortiça, peixe ou carvão). Assim se compreende que Dom Pedro I
concedesse carta régia a esta vila em 24 de Novembro de 1362 (Marques, 1990,
Doc. nº 105), emancipando-a de Santiago do Cacém, mas com a condição de
terminar a construção da fortaleza, confirmandose, deste modo, a função militar
da nova vila. É desta forma que o crescimento de Sines se insere num movimento
de fundação, ampliação e defesa de povoações litorais que então se processava.
Quanto a Vila Nova de Milfontes, esta foi fundada 1486 por D. João II (T.T.,
Chancelaria de D. João II, Livro 8, fólio 64; Chancelaria D. Manuel, Livro 29,
fl. 57; T.T., Leitura Nova, Guadiana, Livro 1, fl. 223 v.; Chancelaria de D.
João III, l. 18, fl. 47), tendo como principal razão o facto de ser o único
ponto fiável de abrigo com vocação portuária e com possibilidade de
estabelecimento de interface com o interior (especialmente Odemira) através da
navegação pelo rio Mira. Com efeito, o estuário do Mira era a porta de entrada
e saída marítima de Odemira, pelo que é lógico que perto da sua foz se tenha
começado a desenvolver um povoado de apoio à navegação (TT,Leitura Nova, Livro
dos Forais Novos de Entre-Tejo-e-Odiana, Livro 45, fls. 40–44). É de realçar o
facto de D. João II, no mesmo diploma em que declara a fundação da vila,
instituir a mesma como couto de homiziados, facto que evidencia a dificuldade
de captação de gentes para o litoral.
Estes núcleos urbanos situados no litoral intensificaram-se durante os
Descobrimentos, conferindo maior protecção relativamente à actuação do corso e
pirataria, sobretudo magrebina, especialmente activa na Época Moderna. Neste
período, a construção naval, desde logo associada aos Descobrimentos, foi
também muito importante, alimentada pelas madeiras dos bosques nacionais,
principalmente da região do pinhal de Alcácer, conduzindo à devastação
florestal desta região (e de todo Portugal arborizado) o que acarretou,
obviamente, fortes impactes nas zonas costeiras.
4.3 A União Ibérica
Entre 1580 e 1640 as coroas portuguesa e castelhana estiveram sob a égide dos
espanhóis, período este designado por Dominação Filipina, constituindo-se o
maior império mundial da época (Labourdette, 2003, p.275). Na altura, a defesa
da fronteira terrestre deixou de fazer sentido, porquanto toda a Península
Ibérica se encontrava sob domínio da mesma coroa. Porém, perante risco de
ataques de ingleses e holandeses à extensa costa oceânica (a acrescer aos do
corso e pirataria) e o receio de que a Inglaterra procedesse a uma invasão
marítima do território, os esforços de defesa tomaram a direcção da fronteira
marítima. Por essas razões, este período caracterizou-se pela construção e
reconstrução de fortalezas costeiras, designadamente no litoral considerado.
São exemplos desta política filipina de defesa e de controlo do território o
Forte de S. Filipe, em Setúbal, o porto oceânico na costa do Pessegueiro, em
1588 e o forte de Milfontes, (Quaresma, 2009, p.15 e p.26).
4.4 A vilegiatura marítima e evolução até à actualidade
4.4.1 O litoral alentejano em geral
A difusão das deslocações ao litoral para beneficiar dos banhos de mar
(vilegiatura marítima) com origem em Inglaterra, em meados do século XVIII,
teve como motivação os benefícios terapêuticos que os mesmos apresentavam
(Corbin, 1989, p.69). A sua propagação para os outros países europeus resultou
num rápido aumento da pressão antrópica no litoral. À medida que se avança no
tempo, aquilo que era inicialmente uma prática elitista, depressa se
generalizou a todas as classes sociais, surgindo a necessidade de ampliar, nos
pequenos povoados (por via de regra piscatórios, que serviam de ponto de
ancoragem a esta actividade) infra-estruturas para a acomodação, apoio à
prática balnear e lazer dos veraneantes (Dias, 2005; Freitas, 2007). Daqui
decorrem importantes transformações na paisagem natural de Portugal.
O processo aludido teve pequena expressão na Costa Alentejana. Mesmo nos anos
60 do século XX, o boom turístico incidiu principalmente no Algarve meridional,
devido às suas condições naturais, nomeadamente às características climáticas e
de agitação marítima (que, como a costa está virada a Sul, são bastante mais
amenas do que na fachada do País virada a Oeste), bem como às acessibilidades
locais que contrastam com as da costa alentejana. Além disso, a criação do
Aeroporto de Faro, em 1965, permitiu ligações directas com o exterior,
transformando-se em factor extremamente dinamizador do turismo internacional
para o Algarve. Por seu lado, no litoral alentejano, nas últimas décadas do
século XX, a criação de áreas de protecção ambiental abrangendo a maior parte
do território costeiro serviu como factor suplementar inibitório da ocupação
turística intensiva.
Na análise do processo que isentou, em grande medida, o litoral analisado das
grandes modificações inerentes ao turismo de massas, forçoso é ter em
consideração o papel estruturante dos caminhos de ferro. No final do século XIX
e princípio do século XX a maioria das estâncias balneares em Portugal (como se
verificou na generalidade da Europa) foram condicionadas pela existência de
estações de caminho de ferro (Dias et al., 2002) (fig._4).
No Alentejo, em que as zonas costeiras eram escassamente ocupadas e onde não
existiam pólos económicos que o justificassem, a via férrea cruza a região pelo
interior, o que dificultou sobremaneira a utilização turístico-balnear do
litoral.
4.4.2 As zonas de excepção
O que se referiu no ponto anterior não é aplicável a três zonas,
correspondentes aos principais litorais abrigados da região.
a) O estuário do Sado
No estuário do Sado, embora sempre tenha sido submetido a forte pressão
antrópica (salinicultura, pescas, agricultura, contrução naval, etc.), as
grandes modificações começaram a ocorrer na 2ª metade do século XIX, com a
construção do caminho de ferro (1860) (CP, s/d) e, depois, com a indústria
conserveira (actividade que se pode considerar tradicional, mas que foi
revolucionada em 1880 com a chegada de industriais franceses) (Guimarães, 1994,
pp. 227-228).
Mais tarde, já em pleno século XX, beneficiando das características decorrentes
da sua posição estuarina, bem como da proximidade de Lisboa, aí se vieram a
desenvolver novas indústrias, transformando esta zona, principalmente Setúbal,
num pólo de atracção populacional.
Apontam-se, a título exemplificativo:
* a) os estaleiros navais, de onde se destacam os da Setenave, vocacionados
para os grandes navios e cuja actividade se iniciou em 1973; contudo, a sua
história foi complicada pois que, com a revolução de 25 de Abril de 1974, se
transformou num autêntico “caldeirão político e laboral”; a posterior
evolução do mercado mundial da construção naval viria a ditar a sua
decadência acentuada, estando os estaleiros reduzidos, em 2001, a apenas 1300
trabalhadores (Pereira, 2006);
* b) a indústria petroquímica, representada principalmente pela Eurominas, cuja
fábrica foi construída em 1973 na península da Mitrena, em terrenos
pertencentes ao Domínio Público Marítimo; dotada de cais privativo, possuía
dois fornos eléctricos com capacidade de processamento de 150 000 toneladas
anuais de ferromanganês; em 1986, na sequência de problemas energéticos,
iniciou-se todo um processo complexo, deixando a empresa de laborar, o qual
terminou apenas em 2001 quando o Estado, apesar de vários pareceres jurídicos
em contrário, atribuiu à empresa uma indemnização de 12 milhões de euros
(Pereira, 2006);
* c) a indústria cimenteira (do grupo Secil), instalada em Outão, cuja
actividade se iniciou em 1904, tendo como matéria prima os calcários da Serra
da Arrábida, e cuja produção arrancou em 1906, com dois fornos verticais
produzindo 10 000 t/ano; entre 1931 e 1972 foram instalados 7 fornos por via
húmida, aumentando sucessivamente a sua capacidade de produção até atingir 1
milhão de toneladas de clínquer, tornando-se então na maior fábrica de
cimento em Portugal; a partir de 1978 os fornos via húmida foram substituídos
por fornos via seca, mais modernos e adequados às preocupações ambientais,
com capacidade de produção de 800 000 t/ano, dando resposta ao crescimento do
consumo interno; actualmente, tem produção anual superior a 2 milhões
toneladas de vários tipos de cimento (Secil, s/d).
Várias outras indústrias foram sendo instaladas ao longo da segunda metade do
século XX nas margens do estuário, designadamente para produção de pesticidas,
adubos, rações e produtos químicos (Sapec), produção de pasta de papel
(Portucel e Socel-Inapa), minas (como as minas de Aljustrel, das Pirites
Alentejanas, que lança os seus efluentes num afluente do estuário), fábricas de
concentrados de tomate, suiniculturas a Central Térmica de Setúbal, e várias
outras (MAOT, 1999d, p.61).
Consequentemente, o estuário do Sado, contrastando com o que se verifica na
generalidade do sector costeiro considerado, sofreu e sofre efeitos poluidores
diversificados. Porém, o turismo é actividade à qual nenhuma área fica imune, e
esta não foi a excepção. Vários são os empreendimentos turísticos que, ao longo
da 2ª metade do século XX, se implantaram nesta zona, embora sejam,
normalmente, pequenas unidades. Ressalta, neste panorama, por ser, de longe, o
expoente de maior relevância, o complexo turístico da Torralta, cuja construção
se iniciou em 1970. O seu desenvolvimento foi interrompido com a revolução de
25 de Abril de 1974, ficando alguns dos grandes edifícios que na altura estavam
em construção votados ao completo abandono (Lobo, 2007, p.25). Impulsionado por
estes empreendimentos vários outros se desenvolveram em finais do século XX na
Península de Tróia, de tal modo que o Concelho de Grândola (ao qual Tróia
pertence), apresentava no final do século passado uma média de 12,83 camas
hoteleiras por cem habitantes, contrastando fortemente com o valor médio da
bacia hidrográfica do Sado (3,75 camas por cem habitantes) e com a média
nacional (2,21 camas por cem habitantes) (MAOT, 1999e, p.108). Recentemente, na
sequência da aquisição da Torralta pelo grupo financeiro Sonae, as torres
inacabadas foram implodidas (em 2005) e o projecto turístico completamente
reformulado, procedendose à construção intensiva de muitas novas edificações.
Directa e indirectamente, o empreendimento, re-baptizado “Troiaresort”, gerará
previsivelmente, segundo o presidente da Câmara Municipal de Grândola, entre 12
e 15 mil empregos (Marques, 2005). A Península de Tróia, com este e outros
empreendimentos aí sediados, é indubitavelmente a principal zona turística (em
termos de número de turistas e de investimento) de toda a costa alentejana.
b) A Baía de Sines
A baía de Sines, devido à saliência formada pelo maciço sub-vulcânico com o
mesmo nome, está protegida do vento norte e da agitação marítima dominante de
NW (Fig._1), constituindo uma das poucas zonas abrigadas dotada de bons
ancoradouros existentes entre Sagres e o estuário do Sado. Esta especificidade,
como se referiu em pontos anteriores, foi largamente explorada no decurso dos
tempos históricos. Porém, a dita baía, está muito exposta aos temporais de SW,
que embora sejam pouco frequentes, podem ser muito violentos, o que por certo
funcionou como factor inibidor de um maior desenvolvimento desta zona no
Passado.
Além da actividade portuária, relativamente reduzida ao longo do século XX, as
principais actividades de Sines reduziam-se essencialmente, até à segunda
metade do século, à indústria da cortiça, à pesca e a alguma agricultura. É de
referir, ainda, uma certa actividade turístico-balnear.
Na realidade, Sines era, no início do século passado, a principal estância
turística da costa alentejana. Porém, nem sequer é ainda referida no roteiro
balnear de Ortigão (1876) onde, aliás, não é mencionada qualquer praia do
Alentejo ou do Algarve.
Porém, desde há muito que a população camponesa, numa prática e num ritual
anualmente repetidos, descia até ao mar nos dias 24 de Junho (nascimento de S.
João) e 29 de Agosto (martírio de S. João) para banhos, em que incluíam os
gados, cumprindo a velha tradição dos banhos santos, prática esta que viria a
ser posteriormente proibida (Quaresma, 2003b, p.6). Porém, na primeira década
do século XX, Sines é já referenciada como praia, sendo tipificada como
“frequentada por alentejanos e espanhóis vindos por Ayamonte e Badajoz”
(Arroyo, 1908, pp.101-145). Efectivamente, esta estância balnear era procurada
essencialmente por populações locais ou do interior alentejano, ou mesmo de
algumas regiões de Espanha em que a praia mais próxima era precisamente a de
Sines. No “Guia de Portugal”, de 1927, são referidos oitocentos a mil banhistas
por estação, na sua quase totalidade alentejanos (Beires, 1927, p.11).
Com o crescimento demográfico geral do País, a população de Sines foi
paulatinamente aumentando. Com cerca de 4 000 habitantes na viragem do século,
passou para quase 8 000 em 1930, e mais de 9 500 em 1950. Entretanto, na década
de 60 do século XX, com a guerra colonial e um forte surto migratório, a
população residente regista decréscimo significativo, passando para cerca de 7
500 em 1970 (Silva, 2005).
Foi precisamente nesta altura de retracção demográfica que o governo decidiu
criar um grande complexo portuário e industrial que visava dotar Portugal de
autonomia em sectores fundamentais como o da energia e da transformação de
matérias-primas. O objectivo era criar uma plataforma multisectorial que
incluía, entre outras, a refinação de petróleo, a indústria petroquímica, e a
importação / exportação de mercadorias industriais, conferindo a Portugal
condições de competitividade nos mercados internacionais.
A escolha recaiu sobre Sines devido às águas profundas que detinha (ideais para
o desenvolvimento de um porto oceânico, utilizável por barcos de grande
calado), mas também porque o complexo industrial iria ocupar maioritariamente
terrenos rurais pobres, cuja expropriação teria valores de indemnização muito
baixos. Para efectivação do projecto foi criado, através do Decreto-Lei nº 270/
71 de 19 de Junho, o Gabinete do Plano de Desenvolvimento da Área de Sines,
correntemente designado por Gabinete da Área de Sines (GAS).
Figura_5
Com o início da construção do empreendimento multisectorial verificou-se forte
explosão demográfica, crescendo a população para mais de 12 000 em 1981, e para
quase 13 500 no início do século XXI (Silva, 2005, p.18). Perante a dificuldade
em albergar os trabalhadores vindos de outras regiões o GAS criou o Centro
Urbano de Santo André (criada de raiz para servir de dormitório ao complexo
industrial de Sines), actual Vila Nova de Santo André, na margem da lagoa
homónima, que em 2001 tinha 10 696 habitantes, e seria elevada a cidade em 2003
(e.g.: Rede Social, 2003, p.21).
É de referir que o projecto de Sines e a sua construção inicial se verificou
numa realidade económica, política e social profundamente diferente da que se
instituiu posteriormente, com os choques petrolíferos de 1973 (na sequência da
guerra Israelo-Árabe) e de 1979 (na sequência da revolução do Irão) que criaram
novas normas nos mercados energéticos.
Paralelamente, a revolução portuguesa de 1974 e a subsequente perda das
colónias, e a rápida evolução da electrónica e da informática, conduziram a
rápida transmutação de todos os sectores económicos e industriais portugueses.
Devido a estes e a outros factores, o GAS viria a ser extinto pelo Decreto-Lei
nº 228/89, devido ao desajuste deste organismo relativamente às realidades
nacional e internacional.
As transformações originadas pela instalação do complexo industrial de Sines
começaram por se operar na própria paisagem. De um território com reduzidas
marcas da intervenção do homem passou-se para um território reconfigurado por
uma intensa presença industrial, revelando os efeitos das actividades
antrópicas.
A poluição, apesar de confinada à zona de Sines, tem-se revelado a grande fonte
de conflito opondo a população (aliada ao poder local) ao Gabinete da Área de
Sines e ao Estado central. A ideia de aterrar a baía de Sines e a transferência
do porto de pesca para Vila Nova de Milfontes motivaram protestos ainda durante
a década de 70 do século XX. Além do demais, o risco de se verificar um evento
poluente de grande relevância está sempre presente. Os graves problemas
ambientais decorrente da explosão do petroleiro “Campeón”, ao largo de Sines,
em Agosto de 1980 e o derrame de crude do navio “Marão”, em Julho de 1989
(Município de Sines, s/d), são apenas avisos.
Enquanto Sines, orientada para um futuro portuário e industrial, empalidecia
turisticamente, as praias de Porto Covo (do concelho de Sines) converteram-se
em estâncias da moda, contribuindo para que este concelho fosse, no final do
século passado, na região em análise, o segundo com maior ocupação turística,
com 4,32 camas hoteleiras por cem habitantes, logo a seguir ao de Grândola
(onde se localizam os empreendimentos de Tróia), com 12,83 camas por cem
habitantes (MAOT, 1999e, p.108).
c) O Estuário do Mira
Como foi referido em pontos anteriores, Milfontes, no baixo estuário do rio
Mira, instituiu-se como porto e ponto de apoio à ligação flúvio-marítima de
vasta área do interior do Alentejo ao exterior (com destaque para a interface
estabelecida por e com Odemira). Por outro lado, era e continua a ser dos
únicos portos de abrigo seguros entre Sagres e o Sado, apesar da sua barra ser
normalmente difícil de praticar. Não passava, porém, de pequeno povoado,
raticamente sem acessibilidades abstraindo a fluvial. Apesar de vários
projectos que, na segunda metade do século XIX, pretendiam transformar este
porto para viabilizar um mais fácil escoamento dos minérios de ferro e de
manganês explorados na região (Loureiro, 1909, pp. 123-124), tal nunca foi
concretizado.
Tal como noutras povoações costeiras alentejanas, desde há muito que a
população camponesa descia até ao mar cumprindo a velha tradição dos banhos
santos. Porém, as primeiras notícias explícitas sobre banhistas em Milfontes,
são ainda da primeira metade do século XIX, mas aos banhos salgados, afluíam
inicialmente apenas algumas pessoas de posses, para tratar de seus males de
saúde (Quaresma, 2003b, p.7). No “Guia de Portugal” de 1927 Milfontes é
referida como vilazinha de 810 habitantes, com hospedarias de ínfima ordem e
rara casas de aluguer que deixavam muito a desejar, onde não havia clubes e
diversões, e cuja praia era apenas frequentada por famílias de Odemira (Beires,
1927, pp.185-186).
O pequeno povoado manteve marcadas características rurais e piscatórias até ao
início dos anos 70 do século passado, embora registasse decréscimo demográfico
(2896 habitantes em 1960; 2460 em 1970) devido à emigração e à guerra colonial.
Foi nessa década de 70, principalmente após a revolução de 1974, que se começou
a converter num dos principais pólos turísticos regionais, crescendo
rapidamente a sua população (2914 habitantes em 1981, 3228 em 1991 e 4258 em
2001) (Município de Odemira, s/d).
Decorre do que acima se expôs que, apesar da indústria e do turismo intensivo
que afecta essencialmente os litorais abrigados, na maior parte da extensão
deste trecho costeiro, constituída essencialmente por litorais expostos, os
níveis de ocupação são bastante baixos. Muitos trechos encontram-se ainda em
estado que se pode considerar próximo do pristino. É certo que, nas últimas
décadas, se tem assistido a crescimento de todos os núcleos urbanos costeiros,
principalmente de Porto Covo, na dependência de Sines, e de Zambujeira e
Almograve, na dependência de Vila Nova de Milfontes. É certo, também, que
várias das novas construções resultam de atropelos à lei (ou de formas várias
de contornar a lei), que o Estado não tem conseguido regularizar.
4.4.3 As Áreas Protegidas
A legislação em vigor confere a todo o litoral alentejano, tal como a toda a
zona costeira portuguesa, estatuto de protecção, definindo mesmo faixas
contínuas non edificandi. Estes estatutos de protecção derivam, de uma ou outra
forma, da instituição do Domínio Público Marítimo (DPM), em 1864, que determina
que a faixa em terra da zona costeira (margens, praias, etc) é propriedade
inalienável do Estado, pelo que os privados (pessoas, empresas, etc.) só podem
dispor do direito de utilização ou exploração dessa área, e nunca da sua
propriedade. O DPM em Portugal é actualmente regido pelos Decretos-Lei 468/71
de 5 de Novembro e 46/94 de 22 de Fevereiro.
Nas últimas décadas produziu-se legislação muito variada consignando figuras de
protecção complementares ou suplementares à do DPM. Referem-se, a título
exemplificativo, a REN - Reserva Ecológica Nacional, que integra todas as áreas
indispensáveis à estabilidade ecológica do meio e à utilização racional dos
recursos naturais, tendoem vista o correcto ordenamento do território (Decreto-
Lei n.º 321/83, de 5 de Julho e Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março), e a
Rede Natura 2000 (transposição das Directivas comunitárias 79/409/CEE
(Directiva Aves) e Directiva 92/43/CEE (Directiva Habitats) pelos Decretos-Lei
nº 75/91, de 14 de Fevereiro e outros, sintetizados e revogados pelo Decreto-
Lei nº 140/99 de 24 de Abril).
Com efeito, o reconhecimento da importância estratégica da zona costeira, bem
como da necessidade de proceder à sua protecção e gestão integrada, levou a que
nas últimas três décadas fossem desenvolvidas várias iniciativas, que se
iniciaram com a clarificação do regime jurídico dos terrenos do domínio público
marítimo pelo Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, o qual teve
continuidade com o regime dos planos de ordenamento da orla costeira, (Decreto-
Lei n.º 309/93, de 2 de Setembro), a Estratégia para a Orla Costeira Portuguesa
(Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/98, de 10 de Julho), e a Estratégia
Nacional da Conservação da Natureza (Resolução do Conselho de Ministros n.º
152/2001, de 11 de Outubro). Nos diplomas referidos, a política do litoral, nas
suas vertentes terrestre e marinha, é assumida como de crucial importância para
a prossecução de uma boa gestão costeira. Mais recentemente, foram aprovados
outros diplomas estruturantes, entre os quais a Estratégia Nacional para o Mar
(Resolução do Conselho de Ministros n.º 163/2006, de 12 de Dezembro) e a
Estratégia Nacional para a Gestão Integrada da Zona Costeira (Resolução do
Conselho de Ministros nº 82/2009, de 8 de Setembro).
Acresce à protecção geral acima aludida que, para o litoral alentejano, a opção
oficial e declarada é a de protecção ambiental. Constituem-se como excepções
uma parte do estuário do Sado e a zona de Sines, precisamente aquelas onde a
pressão antrópica é maior e que sofrem impactes industriais variados, aí
incluindo também parte da Península de Tróia (integrada na área do Estuário do
Sado), onde a pressão dos empreendimentos turísticos é muito grande. Toda a
região costeira está classificada com uma ou várias figuras de protecção
ambiental (fig._6). Entre as áreas com estatuto de protecção referem-se:
* Parque Natural da Arrábida, com 10 800 ha, foi criado pelo Decreto-Lei nº
622/76, de 28 de Julho, com o objectivo de conferir maior protecção aos
importantes valores botânicos, geológicos e zoológicos ali existentes e que
estavam sujeitos a sucessiva degradação ambiental; embora localizado fora da
área em estudo, a sua adjacência ao estuário do Sado releva que aqui seja
elencado;
* Parque Marinho Professor Luiz Saldanha, com cerca de 53 Km2 de área
correspondente aos 38 Km de costa rochosa entre a praia da Figueirinha, na
saída do estuário do Sado e a praia da Foz a norte do Cabo Espichel, foi
criado pelo Decreto Regulamentar n.º 23/98 de 14 de Outubro; na realidade é a
extensão submarina do Parque Natural da Arrábida e concretiza o que estava já
indicado do Decreto de criação deste quando se afirmava que “a zona costeira
da Arrábida fazer parte de uma baía que constitui um dos principais
mananciais do Atlântico Norte, absolutamente indispensável à criação e
manutenção das espécies marítimas animais e vegetais que deverão justificar
oportunamente a criação do parque marítimo de Sesimbra”;
* Reserva Natural do Estuário do Sado, com 24632,50 ha, criada pelo Decreto-Lei
nº 430/80, de 1 de Outubro, com o objectivo de, considerando as poluições de
vária ordem que afectam o estuário, se tomarem medidas no sentido de não
comprometer irreversivelmente as incontestáveis potencialidades biológicas
deste estuário; está também classificada como Biótopo CORINE; anteriormente,
através da resolução do Conselho de Ministros nº 142/97, de 28 de Agosto,
tinha sido considerado como Sítio proposto para Sítio de Importância
Comunitária / rede Natura 2000; em 7 de Maio de 1996 foi integrada na Lista
de Sítios da Convenção de Ramsar (zonas húmidas de importância
internacional); posteriormente, através do Decreto-Lei no 384-B/99, de 23 de
Setembro, foi aí criada a Zona de Protecção Especial para Aves Selvagens
“Estuário do Sado”, que integra directamente a rede Natura 2000;
* Zona de Protecção Especial do Açude da Murta, com superfície de 497,70 ha,
instituída pelo Decreto- Lei nº 384-B/99, de 23 de Setembro, tendo como
objectivo a protecção da avifauna; corresponde a um pequeno açude com
nascente natural, utilizado para irrigar os campos de arroz na margem Sul do
Estuário do Sado, onde existe vegetação aquática abundante, nomeadamente
salgueiros e caniço, sendo rodeado por dunas plantadas com pinhal
* Sítio Comporta - Galé, com 32.051 ha, consignado pela Resolução do Conselho
de Ministros nº 142/97, de 28 de Agosto, como Sítio proposto para Sítio de
Interesse Comunitário / rede Natura 2000;
* Reserva Natural das Lagoas de Sanro André e da Sancha, criada pelo Decreto-
Lei nº 10/2000, de 22 de Agosto, com o objectivo de proceder à conservação do
elevado valor ecológico destas duas zonas húmidas e das suas áreas
envolventes, nomeadamente enquanto áreas importantes para a reprodução,
invernada e migração de aves; o estatuto de protecção visa também a protecção
do complexo dunar envolvente e da faixa marítima adjacente que alberga uma
fauna marinha característica; anteriormente, em 7 de Maio de 1996 tinham sido
já integradas Lista de Sítios da Convenção de Ramsar (zonas húmidas de
importância internacional); através do Decreto-Lei no 384-B/99, de 23 de
Setembro, tinham sido aí estabelecidas as Zonas de Protecção Especial para
Aves Selvagens “Lagoa de Santo André” e “Lagoa da Sancha” que integraram
directamente a rede Natura 2000).
* Parque Natural do SW Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), criada pelo
Decreto Regulamentar no 26/95, de 21 de Setembro, incluindo a área marinha
adjacente, a fim de preservar a grande diversidadede habitats costeiros,
traduzida na presença de uma flora enriquecida pela presença de vários
endemismos e de uma fauna em que a avifauna e ictiofauna detêm um papel
destacado; tem como objectivo preservar os valores naturais existentes e
disciplinar a ocupação do espaço; refere-se nesse diploma que “a zona litoral
do Sudoeste de Portugal continua sendo uma das menos adulteradas nos seus
aspectos naturais, considerando inclusivé o todo europeu, determina que a sua
defesa seja uma prioridade nacional, ultrapassando o estrito âmbito
municipal”; anteriormente, através do Decreto-Lei nº 241/88, de 7 de Julho,
tinha já sido criada a Área de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e
Costa Vicentina; em 1997, pela Resolução do Conselho de Ministros no 142/97,
de 28 de Agosto, foi também onstituído com o Sítio “Costa Sudoeste”, proposto
para Sítio de Interesse Comunitário / rede Natura 2000; e através do Decreto-
Lei no 384-B/99, de 22 de Julho, foi criada a Zona de Protecção Especial para
Aves Selvagens “Costa Sudoeste”, que integrou directamente a rede Natura
2000.
4.4.4 Os PINs
Como se referiu, as zonas costeiras do Alentejo estão protegidas quer pela
legislação geral portuguesa sobre o litoral, quer por legislação específica
(Parques, Reservas, Zonas de Protecção Especial, etc.), quer por compromissos
internacionais (Rede Natura 2000, Convenção Ramsar, etc.).
Todavia, a compatibilização entre a protecção dos valores ambientais e o
desenvolvimento económico e social é, sem dúvida, difícil. Em Portugal, pequeno
país muito dependente dos mercados turísticos, a análise do passado recente
permite concluir que, em geral, a componente ambiental sai preterida no embate
com os interesses económicos, designadamente os turísticos.
No sentido de dinamizar o investimento empresarial associado a actividades que
diversifiquem a base económica existente, criem emprego qualificado e
apresentem características que lhes permitam gerar mais valor acrescentado, o
governo criou a figura dos PIN - Projectos de Interesse Nacional (Resolução do
Conselho de Ministros nº 95/2005 de 24 de Maio). Pretendeu-se, desta forma,
atrair o investimento em grandes projectos, garantindo análise e resposta
rápidas das estruturas governamentais.
Para serem reconhecidos como PIN os projectos têm que representar investimento
global superior a 25 milhões de euros. Embora tenham que apresentar “adequada
sustentabilidade ambiental e territorial”, receia-se que a viabilização de tais
grandes investimentos acabe por se sobrepor à defesa dos valores ambientais,
tanto mais que, para os aprovar, é frequentemente necessário suspender os PDM –
Planos de Desenvolvimento Municipal e, quiçá, outras figuras de ordenamento.
Mais recentemente foi criada a figura dos PIN+ Projectos de Potencial Interesse
Nacional com Importância Estratégica (Decreto-Lei n.º 285/2007 de 17 de
Agosto), cujo investimento tem que ser superior a 200 milhões de euros ou a 60
milhões de euros tratandose de projectos turísticos que promovam a
diferenciação de Portugal e contribuam decisivamente para a requalificação,
para o aumento da competitividade e para a diversificação da oferta na região
onde se insiram.
Estes conjuntos turísticos têm que integrar, pelo menos, um estabelecimento
hoteleiro com o mínimo de 5 estrelas, não podendo os restantes estabelecimentos
hoteleiros e meios complementares de alojamento possuir classificação inferior
a 4 estrelas. Suplementarmente, preconiza-se a eventual dispensa do
procedimento de AIA - Avaliação de Impacte Ambiental (alínea f do nº 5 do
Art.6º), o que causa grande preocupação nos meios ligados à defesa do ambiente.
Na região em análise foram, até agora, aprovados seis PIN: Tróia Resort e UNOP
5 de Tróia, Herdade da Comporta, Costa Terra e Herdade do Pinheirinho (Despacho
nº 22142/2009), no concelho de Grândola, e Projecto Multiparques – Camping
Resort, no concelho de Odemira Despacho nº 10254/2010) (fig._7).
Estes projectos incidem, na maioria, em ecossistemas já stressantrópico.
Teoricamente apresentam “adequada sustentabilidade ambiental e territorial”.
Porém, são grandes empreendimentos desenvolvidos em áreas com vários estatutos
restritivos de protecção ambiental, o que permite suspeitar de alguma (ou
muita) incompatibilidade.
Por outro lado, a legislação sobre os PIN é ainda muito recente (2005) e muitos
são os empreendimentos que têm direitos adquiridos (ou seja, ainda não estão
concretizados mas têm alvarás de construção conseguidos na década de 80 ou,
mesmo, na de 70, num quadro institucional profundamente diferente do actual).
É de esperar que vários empreendimentos consigam reformular os projectos e
aumentar o investimento por forma a poderem ser considerados PIN, assim
facilitando e agilizando a sua concretização. Face a esta situação, o futuro
não é difícil de prever: forte intensificação da ocupação das zonas costeiras
alentejanas, presumivelmente acompanhada da correspondente degradação
ambiental.
Conclusões
O Alentejo, à semelhança do resto do território, foi sujeito, à medida que o
tempo decorreu, a um processo progressivo de litoralização. Contudo, devido às
suas especificidades, esse processo foi aqui mais tardio, menos intenso, mais
explícito e mais bem tipificado que no restante território português.
À parte a utilização de carácter mais ou menos efémero efectivada em períodos
proto-históricos e na Antiguidade, pode afirmar-se que a litoralização do
alentejo se iniciou de forma consubstanciada na Baixa Idade Média, entre os
séculos XIII e XV.
Efectivamente, foi nessa época que o Alentejo ocidental, bastante
interiorizado, sentiu o apelo, a necessidade e a oportunidade de estabelecer de
modo perene ligações marítimas como forma de quebrar o isolamento, de mais
facilmente exportar os bens que produzia e importar o que necessitava, de
explorar recursos muito importantes (como as pescas) e, igualmente, de retirar
os dividendos respectivos do apoio à navegação, designadamente a de cabotagem.
Neste contexto, é preciso ter presente que as comunicações por terra eram
difíceis, até porque, com frequência, os bandos de salteadores as tornavam
perigosas. É importante considerar, também, que a comunicação entre o Algarve e
a capital ou o norte do Reino, devido à perigosidade do trajecto terrestre, era
frequentemente efectuada por via fluvial, através do Guadiana e do Sado, ou por
via marítima, sempre sujeita aos riscos dos temporais e às agruras do corso e
pirataria (e.g.: Garcia, 1986, pp. 72-99).
Neste caso, atendendo à quase inexistência de pontos de abrigo e protecção no
litoral alentejano, impunha-se que aí fossem criadas as estruturas de apoio
imprescindíveis. Os incentivos dados pela Coroa ao desenvolvimento, não só mas
principalmente, de Sines e de Vila Nova de Milfontes inserem-se, seguramente,
neste contexto.
Todavia, foi um processo de ocupação difícil. Com efeito, um conjunto de
factores naturais e antrópicos, de onde ressaltam as características
climáticas, oceanográficas, geomorfológicas e pedológicas pouco atraentes para
a ocupação permanente, a uma restritiva estratégia de distribuição fundiária
(decorrente de políticas de ocupação do território pós Reconquista e
consubstanciada no predomínio da propriedade espatária), bem como o risco
constante de acções de corso e pirataria, constituíam, em conjunto, elementos
que não propiciavam a criação e desenvolvimento de núcleos populacionais.
A situação perdurou praticamente até ao presente porquanto, mesmo na segunda
metade do século XX, com a expansão do turismo de massas vocacionado para o Sol
e praia, o trecho costeiro considerado ficou relativamente incólume, em muito
devido à carência de apoios (povoados costeiros) onde esse tipo de turismo se
pudesse ancorar e à falta de boas acessibilidades. Assim, a maior parte do
litoral do Alentejo perpassou os tempos históricos com ocupação extremamente
reduzida, chegando ao século XXI praticamente condições que não se afastavam
muito do estado pristino.
Exceptuam-se a este panorama os poucos litorais abrigados aí existentes: o
estuário do Sado, na extremidade norte deste sector, e em muito menor grau a
baía de Sines e o estuário do Mira (com Vila Nova de Fontes). O primeiro
constituiu, desde sempre, um pólo de atracção para o Homem, correspondendo a
zona económica de grande importância nacional, com actividades muito variadas
(salinicultura, pescas, agricultura, indústria conserveira, construção naval,
indústria petroquímica, etc.).
A baía de Sines protegida da ondulação dominante de NW (mas exposta aos
temporais de SW, menos frequentes), desde cedo que foi utilizada como abrigo
para a navegação, mas sem nunca se instituir como grande pólo de
desenvolvimento até anos 70 do século XX, quando aí se começou a construir um
grande porto oceânico e o Complexo Industrial de Sines.
O estuário do Mira constituía o único porto de abrigo realmente viável entre o
cabo de Sagres e o estuário do Sado, e uma boa via de comunicação com o
interior, pese embora a barra que frequentemente era difícil de praticar, pelo
que nunca se desenvolveu de forma minimamente notável até às últimas décadas do
século XX.
Com o advento das práticas balneares marítimas e a sua evolução para turismo de
Sol e mar, foram os litorais abrigados aludidos os primeiros a serem
“descobertos” e utilizados, até porque eram os únicos onde existiam núcleos
urbanos susceptíveis de fornecerem os apoios necessários. Com a intensificação
do turismo a ocupação irradiou destes pontos: da ponta de Tróia para sul, até à
Comporta e Carvalhal; de Sines para sul, para Porto Covo; de Milfontes para
sul, para Almograve e Zambujeira.
Com grande apetência turística, a ocupação generalizada do trecho costeiro
alentejano tem conseguido ser travada devido aos diferentes estatutos de
protecção ambiental e à acção de várias ONGs, apesar dos empreendimentos
turísticos com “direitos adquiridos” atingirem algumas dezenas de milhares de
camas.
A recente aprovação de alguns PINs neste trecho costeiro pode fazer perigar o
difícil e instável equilíbrio entre ocupação turística e conservação ambiental.
Os factores apontados, bem como as características e contrastes mais atrás
referidos, têm que estar sempre presentes na forma como a gestão costeira
actual do litoral alentejano deve ser implementada, cuja tipologia tem que ser,
obrigatoriamente, muito distinta da que existe mais a Sul, no Algarve, com
vocação turística muito marcada (designadamente vocacionada para o turismo de
massas de Sol e Mar), e mais a Norte, na região de influência da Grande Lisboa
(fortemente condicionada pela existência de praias urbanas).
O futuro da região está dependente, obviamente, da evolução macro-económica,
mas também, em muito, das estruturas de poder local e da coerência da gestão
das áreas protegidas, bem como do empenho e da capacidade de mobilização das
ONGs. É fundamental que todas as entidades envolvidas consigam demonstrar a
breve trecho que outros tipos de turismo (que não o de massas), conseguem gerar
retornos financeiros e sociais importantes sem comprometer os valores
paisagísticos e ambientais da região.
Devido às condicionantes históricas e ambientais a costa alentejana é, ainda,
um dos últimos redutos europeus de costa selvagem, e o único a médias latitudes
com grande apetência turística. Conseguirá manter-se assim? Quanto tempo?
Esperemos que impere o esclarecimento, a preocupação pela sustentabilidade e,
obviamente, uma boa gestão deste recurso de valor inestimável que é o litoral
e, particularmente, as suas praias.