Mapeamento do uso do solo na APA estadual Lagoas de Guarajuba, Camaçari, BA,
Brasil
1. INTRODUÇÃO
Dentre as estratégias para a conservação da biodiversidade, destaca-se o
estabelecimento de áreas prioritárias para sua proteção e manejo pelo poder
público. No Brasil, a lei nº 9.985/2000 instituiu o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC), que definiu normas para a criação, implantação
e gestão das unidades de conservação, permitindo compatibilizar a conservação
de recursos naturais, o uso sustentável destes e a ocupação urbana, através das
áreas de proteção ambiental (Presidência da República do Brasil, 2000).
Neste contexto, a Área de Proteção Ambiental Estadual Lagoas de Guarajuba (APA
E.L.G.) foi criada e zoneada para proteger uma das mais importantes áreas
úmidas do litoral norte da Bahia, no município de Camaçari, com grande beleza
cênica e inúmeras funções ecológicas, sociais, econômicas, recreativas e
educativas. A APA foi estabelecida considerando toda a região localizada entre
a rodovia BA-099 (Estrada do Coco) e a Plataforma Continental Interna, sendo
limitada a noroeste pelo Rio Pojuca e a sudoeste pelo Rio Jacuípe (CEPRAM,
1991).
Os principais conflitos na APA E.L.G. são decorrentes da ocupação urbana
desordenada da região: desmatamento, lançamento de efluentes domésticos, caça e
pesca predatória, depósito de lixo.
O litoral de Camaçari é um grande vetor de crescimento urbano, comercial e
turístico do estado. Barra do Jacuípe (região sul), Guarajuba (região central)
e Itacimirim (região norte), antigos povoados, transformaram-se em
conglomerados urbanos da região da APA, através da junção de loteamentos
regulares e irregulares e condomínios de veraneio, comércio associado e hotéis/
pousadas nas últimas décadas (Sobral, 2008).
Os impactos socioambientais gerados por estas mudanças de cenário tendem a
aumentar. Quando da elaboração do Plano de Desenvolvimento Urbano do município
de Camaçari, foram identificados os seguintes impactos negativos na APA
(Secretaria de Planejamento de Camaçari, 2001):
a) excessiva pressão sobre as terras úmidas, produzida pelos efeitos das
ocupações humanas;
b) risco de contaminação dos mananciais hídricos superficiais e subterrâneos;
c) alterações nos elos dos ecossistemas costeiros, pela expulsão de espécies
que integram as cadeias alimentares destes ecossistemas;
d) alterações nos fluxos de água superficiais e subterrâneos.
O SIG - Sistema de Informação Geográfica, por sua vez, consiste num
conjunto de procedimentos, manual ou automatizado, utilizados no sentido do
armazenamento, e manipulação de informação georreferenciada (Aronoff, 1989),
que possibilita avaliar situações ambientais com precisão e economia
considerável de esforço humano, na coleta e organização dos dados (Xavier-da-
Silva, 2001).
O uso do solo é um indicador genérico e simples para monitorar a paisagem e sua
integridade. As alterações de uso do solo podem ser o fator mais importante nas
alterações que atingem os sistemas ecológicos (Foody, 2002).
Desta forma, torna-se imprescindível a elaboração de um mapa atualizado de uso
e cobertura do solo para apoiar a gestão da APA E.L.G., planejando
ambientalmente a região, incluindo o ordenamento do seu processo de ocupação.
2. MATERIAL E MÉTODOS
A APA Estadual Lagoas de Guarajuba possui em torno de 2.030 hectares, está
localizada geograficamente entre as coordenadas de latitudes
12°42'35.33"S e 12°35'15.43"S e longitudes 38°
8'29.18"O e 38° 2'26.31"O, no município de Camaçari,
litoral norte da Bahia, entre as áreas de proteção ambiental estaduais Rio
Capivara, Litoral Norte e Plataforma Continental.
Figura_1
O clima da região, conforme classificação de Köppen-Geiger é o Tropical As
(clima Tropical com estação seca de verão).
Utilizou-se uma imagem adquirida através do software Google Earth datada de 11
de novembro de 2010, um arquivo formato shapefile com os limites da APA,
adquirido no site do IBAMA, e uma carta topográfica, da folha Salvador (SD.24-
X-A-V) publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, na
escala 1:100.000.
As imagens foram importadas para uma base de dados no software livre Quantum
GIS versão 1.8.0 Lisboa. Foi feito o georeferenciamento das imagens com base na
carta topográfica da folha Salvador no mesmo programa, com projeção UTM, na
zona 24S e Datum horizontal WGS 84, gerando um erro quadrático médio (RMSE)
residual aceitável, correspondente a aproximadamente 18 metros. Posteriormente,
foi realizada a segmentação da imagem Google Earth, comparando com a própria
folha Salvador, identificando as classes de uso e ocupação do solo possíveis,
utilizando a interpretação visual e a vetorização manual, por ser uma área
relativamente pequena. Com auxilio de aparelho GPS (Garmim Etrex Legend HCX)
foram feitas observações em campo, no dia 25 de outubro e 22 de novembro de
2012, para melhor caracterizar as classes de uso encontradas.
Diferentemente da sua resolução de criação, o mapa da referida APA,
disponibilizado pelo site do IBAMA, parece delimitá-la a leste, considerando
apenas a faixa de praia. Conforme Coutinho (2000), considera-se Plataforma
Continental Interna toda região oceânica limitada a 20 metros de profundidade.
Assim, através do arquivo tipo shapefile que representa as variações
batimétricas no estado da Bahia, disponibilizado também, no site oficial do
IBAMA, os limites da APA E.L.G. seriam muito maiores neste sentido. O limite
fornecido pelo IBAMA, no entanto, atende as necessidades envolvidas neste
estudo e foi considerado neste momento.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Através do mapeamento gerado, foram identificadas seis classes de uso do solo
dentro do limite da APA estadual Lagoas de Guarajuba, a seguir especificadas:
a) fragmentos de floresta de mangue; b) terras inundáveis ou úmidas, compostas
por lagoas intermitentes de água doce, brejos, pântanos e vegetação hidrófila
associada; c) cultivo de coco-da-baía; d) fragmento de restinga; e) áreas
urbanizadas de ocupação regular e irregular, f) faixa de praia.
Nota-se que os fragmentos florestais não estão conectados estruturalmente,
cercados por ocupações e barreiras físicas e o fragmento residual de restinga
encontra-se muito reduzido. As fragmentações da paisagem são uma ameaça a
biodiversidade e torna-se uma das principais preocupações no planejamento
ambiental (Silva et al., 2006).
With & King (1999), no entanto, alertam que a conectividade funcional entre
fragmentos não está somente associada à continuidade estrutural, mas também, a
habilidade de dispersão de cada organismo e o uso do habitat da matriz. Ou
seja, em alguns casos não existe uma diferença clara entre manchas e matriz, o
uso desta pode ser, inclusive, uma vantagem de sobrevivência para algumas
espécies.
Percebe-se uma matriz sem barreiras artificiais capazes de fragmentá-la, porém
com formato alongado, incrustado entre a rodovia BA-099 e a faixa de praia, que
não é favorável a manutenção da biodiversidade existente, conforme o princípio
aplicado da biogeografia de ilhas (MacArthur & Wilson, 1967).
Esta unidade de paisagem apresenta-se conservada, principalmente na região
abrangida pelo parque municipal das Lagoas de Guarajuba (Gabinete da Prefeitura
de Camaçari, 1977) que protege as zonas úmidas próximas a esta localidade,
conforme visitas de campo efetuadas, mesmo com a presença de espécies exóticas
como coco-da-baía, e sendo cercada por forte urbanização. É necessário, no
entanto, avaliar em maior escala os impactos ambientais gerados pelas ocupações
regulares e irregulares existentes, assim como o efeito de borda existente
destas áreas urbanizadas e da rodovia BA-099 sobre estes ecossistemas úmidos.
A urbanização ao longo das praias de Guarajuba e Itacimirim, verificada pelo
mapa gerado e confirmada in situ inclusive com a detecção de interferências
antrópicas irregulares também é inquietante. Silva et al. (2012) estudaram a
qualidade recreacional e os limites de carga das praias do litoral norte da
Bahia, estabelecendo que a praia de Itacimirim apresentou capacidade de carga
inferior a 10.000 pessoas/dia, e a praia de Guarajuba valores de área
disponível por usuário inferiores à 10 m². A ocupação da orla, por exemplo,
(hotéis e condomínios) é um dos principais fatores que causam impacto negativo
nas populações de tartarugas marinhas (Almeida et al., 2011).
Os serviços ecossistêmicos providos pelas praias e zona costeira do município
de Camaçari, indicam forte dependência das suas condições naturais conservadas.
Verifica-se uma maior quantidade de serviços (regulação e/ou suporte, provisão
e de informação, cultura e lazer) em áreas com baixo nível de urbanização e com
ambientes naturais conservados (Santos & Silva, 2012). Infere-se daí o
estágio preocupante em que se encontra a APA E.L.G., visto que, em torno de 35%
da região está urbanizada, ou seja, incapaz de gerar serviços ecossistêmicos de
qualidade.
Notou-se, com base na folha topográfica estudada, que o processo de ocupação
avançou pelas antigas áreas de cultivo, restingas e mata nativa que existia
nesta região. As áreas úmidas são sujeitas a alagamentos intermitentes e o
custo envolvido em construções nestes locais é, portanto, maior. Porém, como as
restingas ocupam, atualmente, apenas 1,74% da APA, a tendência é que a
especulação imobiliária e a consequente expansão urbana pressionem os
ecossistemas úmidos desta região.
É urgente, portanto, a necessidade de se frear a pressão por ocupações dentro
do limite da APA Estadual Lagoas de Guarajuba, através dos processos de
licenciamento e dos programas de fiscalização e monitoramento, por parte do
poder público. Todos estes processos devem ser guiados por uma avaliação
ambiental estratégica de todo litoral norte da Bahia. Com o intuito de
conservar suas áreas úmidas, fragmentos florestais, de restinga e sua faixa de
praia, para que esta APA continue provendo serviços de qualidade ambiental e
essenciais a saúde pública.
CONCLUSÕES
A partir desta análise paisagística, que considerou os fatores quantitativos e
qualitativos do uso e ocupação do solo, propiciou-se um parâmetro para
avaliação temporal em relação ao nível de urbanização sobre os ecossistemas
remanescentes desta região.
A ocupação urbana tende a avançar sobre as zonas úmidas da Área de Proteção
Ambiental Estadual Lagoas de Guarajuba.
A utilização do SIG, através da interpretação visual e da vetorização manual de
imagem oriunda do software Google Earth, satisfez a análise espacial
desenvolvida neste estudo, com praticidade, rapidez e precisão considerável.