Situação ecológica, socioeconómica e de governança após a implementação do
primeiro plano de ordenamento no Parque Marinho Professor Luiz Saldanha
(Arrábida, Portugal): II - percepções de utentes
1. Introdução
O Parque Marinho Professor Luiz Saldanha (PMLS - Arrábida, Portugal) foi o
primeiro Parque Marinho a ser criado em Portugal continental em 1998. O PMLS
estende-se numa área de 53 km2 ao longo de 38 km de linha da costa da Península
de Setúbal, desde os baixios da entrada do estuário do Sado - na praia da
Figueirinha - até aos biótopos rochosos situados a norte do Cabo Espichel
(Henriques et al., in press), com limite na praia da Foz. A sua maior parte é
exposta a Sul, com a Serra de Arrábida a proteger dos ventos N e NO, criando
assim condições de reduzido hidrodinamismo durante longos períodos do ano. Esta
extensão de costa abrigada e protegida da ondulação noroeste é rara na faixa
atlântica da Península Ibérica, permitindo o desenvolvimento de comunidades
ecológicas bastante estruturadas (Henriques et al., 2007, Henriques et al.,
2013). O Parque é habitado por aproximadamente 1320 espécies marinhas (Cunha et
al., 2014) e contém quatro tipos de habitats sensíveis: Bancos de areia
permanentemente cobertos por água do mar pouco profunda; Grutas marinhas
submersas ou semi-submersas; Lodaçais e areias a descoberto na maré baixa; e
Recifes rochosos. Parte do PMLS foi também designada como Zona de Protecção
Especial (ZPE), fazendo assim parte da Rede Natura 2000 desde 2003.
Para além da elevada importância da zona na actividade de pesca profissional
(ver Stratoudakis et al., 2015), a costa da Arrábida tem sido também nas
décadas recentes lugar privilegiado para actividades lúdicas ligadas ao mar,
nomeadamente mergulho com escafandro autónomo, pesca lúdica apeada e embarcada,
náutica de recreio, etc. (Cabral et al., 2008). A regulamentação inicial do
PMLS em 1998 baniu da área do Parque a pesca da ganchorra e a apanha de
bivalves com escafandro autónomo, enquanto que o POPNA proibiu também a pesca
do cerco, a pesca submarina de apneia e a aquicultura. O zonamento do PMLS pelo
POPNA (ver Informação_de_Suporte_-_Figura_IdS_1) também condicionou as
restantes actividades lúdicas, excluindo-as da zona de reserva de protecção
total, proibindo a fundeação de embarcações junto à costa nas áreas de
protecção parcial e restringindo a pesca lúdica apeada e embarcada nas zonas de
protecção complementar. Estes condicionalismos, juntamente com o modo
atribulado que se desencadeou o processo de consulta pública antes da entrada
em vigor do POPNA (Carneiro, 2011; Vasconcelos et al., 2012), criaram
insatisfação em vários grupos de utentes que, sem estar contra a criação da
AMP, se declararam contra as medidas do POPNA para a sua actividade (ver Cabral
et al., 2008 para respostas de pescadores lúdicos e praticantes de náutica de
recreio).
O questionário utilizado neste estudo foi desenvolvido para caracterizar os
sistemas social-ecológicos complexos que surgem da interacção da pequena pesca
com as AMPs (ver Stratoudakis et al., 2015). Os temas do inquérito são
divididos entre assuntos ecológicos, socioeconómicos e de governança, com
indicadores específicos para avaliar o estado actual (principalmente no
inquérito para os pescadores) ou a tendência recente. O exercício foi
desenvolvido através de inquéritos e inclui as percepções de outros utentes do
PMLS (presente trabalho), para além do registo de informações e opiniões dos
pescadores com licença de pescar no PMLS sobre os mesmos temas (Stratoudakis et
al., 2015). O objectivo geral do conjunto destes trabalhos é apoiar a avaliação
da eficácia de gestão no processo da primeira revisão do plano de ordenamento
do PMLS, focado em metodologias participativas (por isto, ambos os documentos
estão escritos em Português e submetidos numa revista com livre acesso on-
line).
2. Materiais e métodos
i) Inquérito
O questionário utilizado neste estudo foi desenvolvido no âmbito do projecto
MAIA (Áreas Marinhas Protegidas no arco Atlântico; http://www.maia-network.org)
para ser aplicado em várias AMPs em paralelo com um questionário dirigido aos
pescadores com licença de pesca na AMP (ver Stratoudakis et al., 2015). No caso
do inquérito para os utentes que não pescadores do PMLS, no total foram
desenvolvidas 11 perguntas ecológicas, 11 socioeconómicas e 15 de governança
(Pomeroy et al., 2004), identificando indicadores apropriados para avaliar a
tendência de cada propriedade do sistema comparativamente à sua situação 4-
5 anos antes (nesta primeira aplicação, aproximadamente o período desde a
entrada em pleno funcionamento dos condicionalismos espaciais do plano de
ordenamento). As perguntas foram desenhadas para registar directamente a
percepção dos inquiridos sobre a tendência de cada indicador numa escala Likert
de cinco níveis ordinais (Norman, 2010). Estes níveis foram centrados na
percepção de ausência de mudança, considerando dois cenários de deterioração
(deteriorou ou deteriorou muito) e dois de melhoria (melhorou ou melhorou
muito) no período de referência. Por exemplo, para avaliar a percepção dos
inquiridos sobre a propriedade socioeconómica ligada às condições de vida dos
pescadores da AMP foi elaborada a pergunta: "Na comunidade de Sesimbra
ligada ao PMLS, considera que durante os últimos 4-5 anos o rendimento dos
pescadores em relação ao ordenado mínimo nacional: decresceu muito; decresceu;
manteve-se; aumentou; aumentou muito; não sei; não respondo" e foi
comparada com uma pergunta idêntica para os rendimentos dos restantes utentes
da AMP.
Para além destas 37 perguntas na escala Likert, foram incluídas no questionário
algumas perguntas sobre o inquirido e a clareza e possível utilidade do
questionário. Todas as perguntas foram inicialmente desenvolvidas em inglês, no
contexto da colaboração de equipa internacional no âmbito do projecto MAIA, e
depois foram traduzidas em português para aplicar no PMLS. Na ficha do
questionário um preambulo introduziu os objectivos e componentes do estudo,
garantindo o anonimato aos inquiridos. As perguntas foram também transcritas
num questionário on-line (software Surveymonkey) para fornecer a possibilidade
de preenchimento remoto a inquiridos que podiam ser contactados
electronicamente. Cópias do questionário em papel foram entregues aos
inquiridos com indisponibilidade para responderem no momento da entrevista e
sem facilidade para preencher o inquérito on-line.
ii) Amostragem
O questionário dos utentes foi desenhado para ser respondido por pessoas com
elevada probabilidade de algum conhecimento específico sobre a interacção
pequena pesca-PMLS. Com base na experiência anterior sobre o sistema (contacto
directo com vários utentes e participação em sessões públicas sobre a
problemática do PMLS - Vasconcelos et al., 2012), foram identificadas
cinco categorias específicas de utentes com acção reconhecida no contexto do
PMLS:
* administração pública (incluindo a entidade gestora do PMLS, a Câmara local,
a Capitania e a administração pesqueira);
* investigadores (só incluindo investigadores com trabalho desenvolvido nesta
zona);
* pescadores lúdicos;
* mergulhadores (com experiência no PMLS);
* pescadores profissionais que desenvolvem a sua actividade fora do PMLS (mas a
operar do porto de Sesimbra);
* outros.
A sexta categoria (Outros) foi criada para inquiridos que não se sentiam
suficientemente representados por nenhuma das categorias anteriores. Optou-se
por não chamar esta última categoria comunidade local, uma vez que isto
pressupunha uma abordagem diferente (querer saber a opinião da comunidade
independentemente do grau de contacto com o PMLS) e um desenho de amostragem
adequado para obter uma amostra representativa da população geral da zona do
Parque.
O inquérito foi efectuado no verão de 2012 (Julho-Setembro), simultaneamente
com o inquérito dirigido aos pescadores do PMLS. Dentro de cada categoria
procurou-se amostrar um painel de "peritos" (Davis and Wagner,
2003), seguindo distintas estratégias de amostragem em diferentes categorias
mas procurando manter o tamanho da amostra semelhante ou igual: para pescadores
com conhecimento do PMLS mas a operar fora do Parque e para pescadores lúdicos,
foi seguida a metodologia de amostragem de bola de neve - durante as
entrevistas com os pescadores profissionais com licença do PMLS procurou-se
obter o contacto de alguns elementos iniciais e através do contacto com os
próprios foram depois obtidos contactos adicionais; para os investigadores, a
administração pública e os outros o contacto baseou-se em conhecimento prévio
(incluindo a experiencia durante o projecto MARGOV - Vasconcelos et al.,
2012); finalmente, para identificar o grupo de mergulhadores, foi pedido
auxílio à direcção do CPAS (Centro Português de Actividades Subaquáticas) que
forneceu uma lista de contactos eletrónicos dos mergulhadores com maior
experiencia no PMLS e incentivou a sua participação. O objectivo inicial era
obter 15 respostas por categoria, tendo em conta que a população total da vila
de Sesimbra ronda os 5000 habitantes e que nas sessões públicas mais
participadas sobre o PMLS (projecto MARGOV - Vasconcelos et al., 2012)
raramente participaram mais que 70-80 pessoas.
O inquérito foi respondido por 64 pessoas (ver Informação_de_Suporte_-
Respostas_ao_inquérito_e_Tabela_IdS_1). A idade dos inquiridos variou entre os
19 e os 80 anos (ver Informação_de_Suporte_-_Figura_IdS_2), com a média da
amostra situada aos 46 anos e com as mulheres em média ligeiramente mais novas
que os homens (43 vs 47 anos). A grande maioria dos inquiridos tinha mais que
10 anos de contacto com o sistema, sendo este período em média mais longo para
os pescadores profissionais a operar fora do PMLS (categoria com maior idade
média) e mais curto para administração pública e investigadores.
Foram respondidas 1694 das 2368 perguntas colocadas (37 perguntas a 64
inquiridos), numa percentagem global de resposta de 71,5%. Na grande maioria
dos casos a ausência de resposta era por desconhecimento, sendo que a falta de
vontade de comunicar uma opinião pessoal só foi invocada em 3 situações
relacionadas com a aceitação pessoal do PMLS. A taxa de resposta foi
ligeiramente menor para as perguntas ecológicas (69,7%), para as quais
pescadores, pescadores lúdicos e mergulhadores tiveram uma taxa de resposta
muito superior à das outras três categorias. Globalmente a categoria com maior
taxa de resposta foi a dos pescadores lúdicos (86%) e com menor a dos
mergulhadores (56%), que tiveram relativamente baixas taxas de resposta para
perguntas socioeconómicas e de governança. A pergunta mais respondida foi sobre
a aceitação do PMLS pelo inquirido (que só não foi respondida por 3 pessoas que
não quiseram emitir opinião) e a menos respondida foi sobre a participação dos
pescadores nas deliberações da Associação (que não foi respondida por 37
pessoas).
iii) Exploração e análise de dados
Os resultados do questionário foram codificados, explorados e analisados
utilizando o software R (versão 3.1 - R Core team 2014). O caracter
ordinal das respostas na escala Likert foi mantido numa escala numérica
natural, na qual a resposta de ausência de mudança foi codificada como zero.
Assim, respostas de melhoria e grande melhoria ficaram representadas por 1 e 2
unidades positivas respectivamente e respostas de deterioração e grande
deterioração ficaram representadas por 1 e 2 unidades negativas
respectivamente. Para cada inquirido, foi calculado o número total de respostas
fornecidas por cada um dos três grupos de perguntas e para os 37 indicadores no
total (i.e. excluindo não sei ou não respondo). Foi também calculado o número
de respostas de percepção de melhoria (i.e. resposta positiva,
independentemente da sua qualificação) e o número de respostas de percepção de
deterioração (resposta negativa) para cada um dos três grupos de perguntas e
para a totalidade. Nos casos que um inquirido tinha pelo menos uma resposta
negativa, foi também calculado o ratio de respostas positivas/negativas para
cada grupo de perguntas e para o inquérito na totalidade.
As respostas para cada pergunta foram sumarizadas em histogramas de densidades
(ver Informação_de_Suporte_-_Figuras_IdS_3-5). Para facilitar a visualização
dos padrões em cada resposta, a função de densidade de probabilidade da
distribuição normal padrão ∼N(0,1) foi sobreposta em cada histograma. Para
cada pergunta foram geradas 100 amostras aleatórias de uma distribuição normal
padrão (usando como tamanho de amostra o número de respostas válidas da
pergunta - valor n apresentado em cada histograma) que foram aproximadas
ao número inteiro mais próximo. Os raros valores de >2 desvios padrão da média
centrada nestas amostras aleatórias foram substituídos por 2 (o valor mais
extremo considerado no inquérito). Cada uma destas 100 amostras geradas foi
comparada com a distribuição das respostas no inquérito através do teste
Wilcoxon para duas amostras (Man-Whitney). O número de comparações para as
quais a diferença na distribuição foi significativa (i.e. p<0.05) foram
registadas (estatístico k expresso na forma de percentagem apresentado em cada
histograma). Este teste estatístico fornece uma estimativa do grau de desvio no
padrão de respostas numa pergunta em comparação a uma distribuição normal
padrão truncada nos extremos e centrada na percepção de ausência de mudança.
Apesar dos pressupostos implícitos nesta comparação (que a percepção sobre um
indicador pode ter uma distribuição continua subjacente e que a transição entre
níveis ordinais na escala de Likert pode ser definida com base no desvio padrão
desta distribuição), esta abordagem permite a rápida visualização dos dados e
facilita a interpretação dos resultados sem violar a natureza ordinal da
informação-base.
Para além da anterior metodologia de avaliação da importância da alteração de
percepção num indicador em função da percepção 4-5 anos antes, foi também
investigada a coerência entre inquiridos, adoptando a estratégia seguinte: a
análise exploratória dos dados mostrou que na pergunta sobre a aceitação
pessoal do PMLS havia um claro efeito de anos de experiência no sistema (Figura
1), bastante correlacionado com a idade dos inquiridos e algo correlacionado
com a categoria de utente (sendo que os 5 pescadores a operar fora do Parque
eram também os que tinham maior idade média e mais anos de contacto com o
PMLS). Foi também verificada uma forte ligação entre o nível de aceitação
pessoal do PMLS e o ratio de respostas positivas/negativas na totalidade do
inquérito, sendo ele substancialmente inferior (e abaixo de 1) para inquiridos
cuja aceitação do PMLS deteriorou nos anos recentes.
Uma vez que os dados disponíveis não permitem uma clarificação entre o efeito
categoria de utente, idade e anos de contacto com o PMLS, optou-se por
considerar a importância do "optimismo" nos resultados para cada
indicador. Assim, em cada pergunta foi também comparada a distribuição das
respostas dos "optimistas" (i.e. que a sua aceitação melhorou nos
últimos 4-5 anos) com os restantes para avaliar se a mensagem geral tinha
suficiente concordância entre utentes com diferentes perspectivas sobre o PMLS.
Foi utilizado de novo o teste Wilcoxon para duas amostras, esta vez corrigido
para comparações múltiplas (nível nominal de rejeição da hipótese nula o 0.1,
que corrigido para 36 comparações corresponde a p < 0.0028 em cada aplicação).
3. Resultados
i) Indicadores ecológicos
Para 8 das 11 perguntas ecológicas, a percepção modal é positiva (i.e. de
alguma melhoria durante os últimos 4-5 anos) o que se reflecte também na soma
das respostas ecológicas (ver Informação_de_suporte_-_Figura_IdS_3). As
únicas modas a situar-se na percepção de manutenção da situação anterior são os
casos das macroalgas castanhas (indicador sobre estado de habitats) e os
avistamentos de aves e mamíferos marinhos (indicador sobre presença de
predadores de topo na comunidade). No caso das macroalgas verdes prevalece
também a percepção da manutenção da situação, mas neste caso a resposta pode
ser considerada positiva, uma vez que não aponta para aumentos da eutrofização
na zona do PMLS.
Apesar da prevalência de modas com percepções positivas, a comparação com
amostras aleatórias provenientes de uma distribuição normal padrão só indicam
forte probabilidade de resultados significativos no caso da abundância de
peixes juvenis (estatístico k > 95% , i.e. o teste Wilcoxon detectou uma
diferença significativa com a distribuição das respostas dos inquiridos em 96
das 100 comparações com as amostras aleatórias da distribuição normal padrão
geradas). Esta diferença é suportada pela densidade desproporcionalmente
elevada de inquiridos que consideraram que a abundância de peixes juvenis tinha
aumentado muito nos anos recentes. Existe também uma probabilidade
relativamente elevada de diferença significativa para a percepção da presença
de peixes estranhos ou raros e para o esforço de pesca na fronteira do PMLS.
Nestes casos a moda positiva aproxima ou ultrapassa a metade da amostra, mas
diferenças significativas no teste Wilcoxon são só detectadas em 91% e 82% das
comparações respectivamente.
Considerando a coerência das respostas ecológicas entre
"optimistas" e restantes, não existe nenhuma pergunta com
diferenças significativas na distribuição das respostas após a correcção para
múltiplos testes. Todavia, no caso da pergunta sobre a cobertura com algas
castanhas (W=95,5; p=0,0046) e na pergunta sobre o avistamento de aves e
mamíferos (W=155; p=0,0066) existe uma diferença significativa para um nível de
confiança ligeiramente inferior. Nestes casos, a percepção modal dos
"optimistas" aponta para alguma melhoria nos últimos anos, uma
minoria acha que a situação melhorou muito e quase ninguém acha que a situação
piorou, enquanto que a moda para os restantes está na ausência de mudança, com
alguns a considerar que a situação deteriorou muito e quase ninguém a achar que
a situação melhorou (ver Figura_2)
ii) Indicadores socioeconómicos e de governança
Ao contrário das perguntas ecológicas, existe maior variabilidade no
posicionamento das modas entre perguntas socioeconómicas, mas também menor
discrepância entre as opiniões dos inquiridos optimistas e restantes (ver
Informação_de_Suporte_-_Figura_IdS_4). Assim, modas negativas prevalecem
no caso da probabilidade dos pescadores excluídos do PMLS continuarem a ganhar
a vida através da pesca e na atractividade da pesca no PMLS como profissão para
jovens. Por outro lado, existem quatro perguntas com a moda a indicar uma
percepção de melhoria ou aumento (no caso dos rendimentos de outros utentes, da
criação e divulgação de conhecimento sobre o PMLS e da procura de licença para
pescar no PMLS). Para as restantes cinco perguntas a moda está situada na
percepção de ausência de mudança, apesar de - no caso dos rendimentos dos
pescadores do PMLS e dos seus conflitos com pescadores lúdicos - a frequência
de respostas com percepção de alguma deterioração ser quase igual à frequência
modal.
A comparação com as amostras aleatórias provenientes da distribuição normal
padrão denota uma probabilidade muito elevada de diferenças significativas no
caso da probabilidade dos pescadores excluídos continuarem a viver da pesca
(i.e. deterioração significativa) e nos casos da criação e divulgação do
conhecimento sobre o PMLS (i.e. melhoria significativa). Considerando a
coerência das respostas socioeconómicas entre "optimistas" e
restantes, a única diferença significativa surge para a atractividade da pesca
no PMLS para jovens (W=136,5; p=0,0022): para os "optimistas" a
moda está situada num aumento desta atractividade nos últimos 4-5 anos,
enquanto que para os restantes está numa deterioração (i.e. modas parcelares
com 2 níveis ordinais de diferença - ver Fig._2). No total, a percepção
globalmente neutra representada pela soma dos indicadores socioeconómicos é
algo enganadora, uma vez que está a equilibrar percepções globalmente negativas
para indicadores socioeconómicos ligados directamente aos pescadores com
percepções globalmente positivas para indicadores mais relacionados com outros
utentes ou a comunidade geral. Estas percepções são no geral partilhadas entre
categorias, apesar de no caso da atractividade para jovens existir uma
separação significativa baseada no grau de aceitação do PMLS.
Ao contrário das perguntas socioeconómicas, no caso de governança não houve
perguntas com moda na resposta negativa (ver Informação_de_suporte_-
Figura_IdS_5). Em 7 das 15 perguntas a moda está situada na percepção de
ausência de mudança, incluindo as três perguntas sobre a aceitação do PMLS
pelos utentes e os próprios inquiridos. Modas positivas foram observadas nas
três perguntas relacionadas com a legitimação dos pescadores e dos seus
representantes nos processos de decisão sobre o PMLS, nas perguntas do
cumprimento das regras do PMLS (mas não no cumprimento das regras gerais de
pesca), no encontro de soluções de gestão para outros utentes do PMLS e na
aceitação do PMLS pela comunidade local e as comunidades vizinhas.
Das perguntas com moda positiva, só a da capacidade de intervenção da
Associação dos pescadores mostra um resultado altamente significativo quando
comparada com as amostras aleatórias da distribuição normal padrão. Todavia, a
pergunta sobre o número de pescadores associados é a única pergunta de
governança com uma distribuição bimodal na frequência das respostas (e
juntamente com a cobertura de macroalgas castanhas as únicas a mostrar alguma
bimodalidade em todo o inquérito), indicando que existe também uma minoria de
inquiridos a achar que o associativismo diminuiu nos últimos 4-5 anos. Uma vez
que os dados da AAPCS apontam para um aumento do número de associados nestes
anos, esta bimodalidade pode estar relacionada com a diferença de perspectivas
entre pescadores de aiolas (cuja representação pela AAPCS é parcial, havendo
muitos não associados em nenhuma organização) e embarcações maiores (cuja
representação é total para os botes com licença do PMLS e muito elevada para
embarcações maiores).
Finalmente, na comparação entre "optimistas" e restantes,
verificou-se uma divergência significativa nas respostas sobre a aceitação do
PMLS pelos pescadores (W=180,5; p=0,0027), pelos outros utentes (W=175,5;
p=0,0020) e pela comunidade de Sesimbra (W=157; p=0,0008). Nestes três casos
(ver Fig._2) existe uma clara diferença na moda, com os
"optimistas" a apontar maioritariamente para alguma melhoria na
aceitação do PMLS pelos pescadores, outros utentes e a comunidade geral,
enquanto que os restantes estão centrados na ausência de mudança de opinião.
Existem também diferenças na frequência dos que acham que a aceitação diminuiu
muito, com nenhum dos "optimistas" a achar que a opinião dos
intervenientes no PMLS piorou muito, enquanto que para os restantes existe uma
minoria a acreditar nisto.
iii) Comparações entre grupos
No inquérito existem cinco perguntas sobre aspectos socioeconómicos e de
governança formuladas de forma idêntica com respeito a pescadores e outros
utentes, permitindo avaliar se os inquiridos têm uma perspectiva de evolução
distinta para estes grupos desde a implementação do POPNA. Da comparação das
respostas (Tabela_1), verifica-se que os inquiridos identificam diferenças
significativas nas soluções de gestão e no rendimento: em ambos os casos é
considerado que a situação dos outros utentes é comparativamente melhor que a
dos pescadores, com um aumento nas soluções de gestão e nos rendimentos desde a
implementação do PMLS para os outros utentes que não é observado para os
pescadores do PMLS. Por outro lado, não são detectadas diferenças
significativas entre estes dois grupos no nível de conflitualidade com a
entidade gestora, na conformidade com as regras do PMLS ou na aceitação do PMLS
(apesar que neste último caso o resultado é só marginalmente não
significativo).
A Figura_3 fornece uma imagem sinóptica dos resultados deste inquérito e das
variações de opinião entre temas e categorias de utentes, contabilizando o
ratio de respostas positivas sobre negativas para perguntas ecológicas,
socioeconómicas, de governança e total. Globalmente, as respostas positivas
ultrapassam as respostas negativas num ratio de 2,04:1 (i.e. 1 resposta
negativa ou muito negativa para cada 2.04 respostas positivas ou muito
positivas nas 1119 respostas que identificaram alguma mudança da situação entre
as 1694 perguntas respondidas pelos 64 inquiridos). Este padrão é verificado em
todas as categorias de utentes com excepção dos pescadores profissionais a
operar fora do PMLS, que forneceram mais respostas negativas do que positivas
para todos os tipos de perguntas. Para os restantes, o grau de optimismo varia,
com a categoria não especifica (outros) e os pescadores lúdicos a terem ratios
globais muito perto de 1 e a administração e investigação a terem ratios
globais substancialmente mais elevados. O ratio de respostas positivas é mais
elevado para perguntas ecológicas (3,01), intermédio para perguntas de
governança (2,31) e mais baixo para perguntas socioeconómicas (1,23), nas quais
para além dos pescadores, os pescadores lúdicos e os outros também fornecem
mais respostas negativas do que positivas.
iv) Comparações com o inquérito dos pescadores
Para além das comparações anteriores, intrínsecas ao inquérito para outros
utentes, existe também a possibilidade de comparar estes resultados com os
principais resultados do inquérito para pescadores do PMLS (ver Stratoudakis et
al., 2015). Esta comparação na maioria dos casos não pode ser directa (uma vez
que as perguntas aos pescadores foram codificadas de forma a basearem-se na sua
actividade) e em alguns casos nem sequer é possível (em situações que para os
pescadores só existe um indicador de estado que nesta primeira aplicação não
pode ser comparado com os indicadores de tendência do questionário para outros
utentes). Todavia, para seis indicadores de tendência (ver Fig._IdS_4.1 em
Stratoudakis et al., 2015) é possível comparar a distribuição das respostas dos
pescadores com as dos outros utentes e avaliar a similitude das respostas dos
dois grupos.
Para os assuntos ecológicos, a observação genérica mais marcante é da
discrepância entre a percepção genericamente optimista dos outros utentes (com
modas na percepção de alguma melhoria para a maioria das variáveis ecológicas,
apesar de muitas delas não significativas) e a percepção de falta de mudança ou
deterioração não significativa para os pescadores do PMLS.
Isto é confirmado pela diferença significativa na distribuição das respostas
para quatro dos cinco indicadores de tendência ecológicos passíveis de
comparar: a abundância de espécies alvo (W=775; p=0,0010); a abundância de
juvenis (W=256,5; p=0,0005); o número de espécies sem interesse comercial
(W=409,5; p=0,0004); e a presença de peixes grandes (W=660,5; p=0,0007). Em
todos os casos a percepção maioritária dos outros utentes é de alguma melhoria
nos últimos 4-5 anos, enquanto que para os pescadores estas variáveis ficaram
inalteradas ou eventualmente diminuíram ligeiramente no caso da abundância das
espécies alvo da pesca (ver Tabela_IdS_4.1 em Stratoudakis et al., 2015).
A principal concordância ecológica nos dois inquéritos surge relacionada com o
papel das macroalgas castanhas na diversidade e productividade do ecossistema
na zona e as consequências do seu desaparecimento abrupto, assunto para o qual
convergem as narrativas tanto na caracterização do ecossistema antes e depois,
como no período de transição (fim dos anos 80/inicio dos anos 90) e as causas
prováveis (varias hipóteses de "poluição"). Outro assunto de
possível concordância é sobre o registo de algum aumento na observação de
espécies estranhas ou raras nos últimos anos (percepção significativa para
outros utentes) que é corroborado pela lista de espécies sem interesse
comercial, raras ou estranhas registadas pelos pescadores. Também para o
indicador de tendência ecológica relacionado com a presença de esforço de pesca
nos limites do PMLS a comparação da distribuição das respostas não foi
significativa (W=347; p=0.066), apesar da moda dos pescadores estar situada na
ausência da resposta e a dos outros utentes na de alguma melhoria (mas não
significativamente diferente da ausência de mudança).
Para os assuntos socioeconómicos e de governança, a observação genérica mais
marcante é a da consonância geral sobre as consequências da criação do Parque
para os pescadores excluídos, as perspectivas futuras para a pesca e o
relacionamento dos pescadores do PMLS com a entidade gestora. Há uma percepção
predominante entre os outros utentes que a probabilidade dos pescadores
excluídos pelo PMLS continuar a ganhar a vida pela pesca e a atratividade da
pesca para os jovens terem diminuído significativamente. Isto é corroborado
pelo número de pescadores identificados como tendo saído da pesca depois da
exclusão pelo PMLS e pela muito reduzida proporção de actuais pescadores a
sugerir a pesca como primeira opção para o futuro de jovens familiares.
Todavia, a relação dos pescadores com a entidade gestora (ICNF) não é vista
pelos outros utentes como tendo sofrido deterioração neste período. Isto é
apoiado pelas respostas dos pescadores sobre a importância dos conflitos com a
entidade gestora em relação a outros problemas e a claramente maioritária
vontade deles de embarcar num processo de co-gestão da actividade pesqueira no
PMLS com o ICNF.
Houve também assuntos socioeconómicos e de governança para os quais se notaram
algumas discrepâncias entre a resposta predominante dos pescadores e a dos
outros utentes. A mais evidente é a divergência sobre a tendência no
cumprimento das regras do PMLS pelos pescadores. Na óptica maioritária dos
outros utentes houve uma melhoria do cumprimento nos últimos 4-5 anos (apesar
de não significativa), que não é corroborada pela maioria dos pescadores (que
atesta maioritariamente que a frequência do incumprimento das regras do PMLS
ficaram inalteradas nos últimos 4-5 anos). A comparação das distribuições das
duas respostas confirma uma diferença significativa de percepção (W=796,5;
p=0,036), o que indica uma estranha incoerência entre actores e observadores do
mesmo fenómeno (com os últimos a ser mais optimistas ou benevolentes).
4. Conclusões
Considerando o inquérito aos utentes do PMLS na globalidade, sobressai uma
visão positiva para a evolução do PMLS e da sua interacção com a pesca no
período de 2007-2008 a 2012, com a excepção de alguns aspectos socioeconómicos
importantes ligados à pesca:
* O número de respostas a apontar para alguma melhoria é mais que o dobro das
que apontam para alguma deterioração, num ratio global de 2.04:1. Dos 37
indicadores de tendência, a moda está situada numa percepção de melhoria em
20 e de deterioração em dois deles (sendo os resultados significativos para o
tamanho da amostra em cinco positivos e um negativo);
* Existe um optimismo generalizado nos indicadores ecológicos (oito dos 11
indicadores com modas em percepções de alguma melhoria, dois deles
significativos) e mais moderado nos indicadores de governança (oito dos 15
indicadores com modas positivas, um deles significativo), não havendo nenhum
indicador ecológico ou de governança com moda negativa;
* Para os indicadores socioeconómicos existe uma apreciação menos uniforme
entre assuntos, havendo percepções globalmente negativas para alguns
indicadores ligados directamente aos pescadores (dois, ambos significativos)
e percepções globalmente positivas para indicadores mais relacionados com
outros utentes ou a comunidade geral (quatro, dos quais dois significativos).
Esta separação entre pescadores e outros utentes é também evidente na
comparação da distribuição de respostas em perguntas idênticas para os dois
grupos, onde se detectam difediferenças significativas na evolução dos
rendimentos e no encontro de soluções de gestão (em ambos os casos com
percepções melhores para as outras actividades que para a pesca no PMLS).
Estes resultados estão genericamente consonantes com os resultados apresentados
por Batista et al., (2011) que, com base em avaliação subjectiva de peritos
antes e depois da implementação do POPNA, consideraram que houve uma melhoria
para indicadores ecológicos e de governança e uma deterioração para indicadores
sociais e económicos.
Comparando os resultados do presente estudo com os resultados do inquérito para
os pescadores do PMLS (Stratoudakis et al., 2015), denota-se uma divergência
prevalecente nos assuntos ecológicos e uma convergência nos assuntos
socioeconómicos e de governança:
* Existem diferenças significativas nas respostas para a maioria dos
indicadores ecológicos de tendência comuns nos dois inquéritos, com os outros
utentes a serem significativamente mais positivos que os pescadores do PMLS
na percepção de evolução da abundância das espécies com interesse comercial,
da abundância dos juvenis e de grandes peixes e no número total de espécies.
Para algumas destas variáveis existe já alguma literatura a apoiar as
percepções de melhoria (Cunha et al., 2014; Henriques et al. 2013; Horta e
Costa et al. 2013). Todavia não é possível com o presente estudo avaliar se a
discrepância aqui observada resulta de diferenças objectivas no sistema de
referências dos dois grupos em termos de áreas de observação e espécies
focais (e.g. Yasué et al., 2010; Leleu et al., 2012) ou diferenças
subjectivas resultantes de enviesamento nas heurísticas utilizadas (e.g.
Davis et al. 2004; Tversky and Kahneman, 1974).
* A principal convergência ecológica prende-se com a importância das macroalgas
no ecossistema costeiro local e no papel da "poluição" no seu
desaparecimento repentino (uma narrativa quase idêntica entre inquiridos com
mais que 30 anos de experiência no local nas várias categorias de utentes).
Existe também alguma convergência na percepção do aumento de espécies raras
ou estranhas, corroborada também por literatura que salienta o papel da zona
de Arrábida como fronteira entre comunidades de zonas biogeográficas
distintas (Henriques et al., 2007) e o aumento do aparecimento de exemplares
de ecossistemas mais tropicais (Horta e Costa and Gonçalves, 2013);
* Nos indicadores socioeconómicos e de governança as comparações são indirectas
(porque maioritariamente têm de ser conjugadas respostas para indicadores de
tendência dos utentes com respostas para indicadores de estado dos
pescadores), mas no geral prevalece uma visão convergente, tanto sobre
aspectos positivos (fortalecimento do papel da Associação, aumento do
conhecimento sobre o PMLS) ou neutros (falta de agravamento da relação com a
entidade gestora do PMLS), como sobre aspectos negativos (impactos da
exclusão de pescadores do PMLS, divergência de rendimentos de pescadores com
outros utentes e pessimismo sobre a atractividade da pesca para os jovens);
* A principal divergência não ecológica surge na percepção do cumprimento das
regras do PMLS pelos pescadores, onde - paradoxalmente - os
outros utentes têm uma visão significativamente mais optimista que os
próprios pescadores do PMLS.
Apesar do esforço para desenhar o painel de inquiridos de forma equitativa
entre categorias e procurando metodologias ajustadas na realidade local para
encontrar números suficientes de informantes adequados (Davis and Wagner,
2003), a implementação deste estudo enfrentou algumas dificuldades que não
foram previstas:
* Apesar do número de inquiridos por categoria de utentes ter sido semelhante
ao apresentado num estudo recentemente publicado seguindo a mesma metodologia
(Pajaro et al., 2010), a dificuldade de encontrar pescadores profissionais a
operar fora do PMLS mas com conhecimento sobre a situação actual do Parque,
condicionou o número total de inquiridos e possivelmente limitou a capacidade
de detectar mais resultados significativos entre os indicadores com modas a
sugerir mudança;
* A construção do questionário dos pescadores usando perguntas ligadas com a
sua actividade diminuiu a comparabilidade com o questionário para os outros
utentes, tanto porque em algumas perguntas o enunciado não é idêntico (e.g.
abundância de peixes juvenis não é idêntico com peixes capturados abaixo do
tamanho mínimo legal) como porque no questionário dos pescadores alguns
indicadores de tendência só surgirão indirectamente após a repetição do
inquérito e a obtenção de novas respostas sobre indicadores de estado;
A aceitação pessoal do PMLS (ultima pergunta no inquérito) mostrou-se
correlacionada com o ratio de respostas positivas/negativas na totalidade do
inquérito (Fig._1b) e inversamente correlacionada com os anos de convivência
com o sistema (Fig._1a). Este padrão pode estar influenciado pela opinião mais
negativa de pescadores que operam fora do PMLS (que tinham geralmente mais anos
de exposição no sistema), mas não se limita a isto: observou-se também nos
inquéritos efectuados em Lira e Cedeira aonde a definição dos pescadores
incluídos foi menos conflituosa (Vidal e Verisimo, comunicação pessoal) e foi
também relatado na literatura (percepções positivas sobre AMP inversamente
relacionadas com a senioridade do pescador - Leleu et al., 2012).
Independentemente do motivo para o aparecimento deste padrão, o seu efeito foi
testado na análise dos dados, identificando indicadores para os quais a
distribuição das respostas de "optimistas" e restantes eram
divergentes.