Análise do grau de artificialização: estudo de caso das Praias Brava, Itajaí
(Santa Catarina, Brasil) e Brava, Punta del Este (Maldonado, Uruguai)
1. Introdução
As crescentes pressão e confluência da população humana nas zonas costeiras
acarretam em um processo contínuo e cada vez mais frequente de artificialização
de áreas anteriormente naturais. Tal processo, quando associado a um
planejamento e ordenamento deficiente ou ausente do espaço litorâneo, ocasiona
problemas como a degradação de ecossistemas e a saturação de infraestruturas
urbanas, o que torna seu diagnóstico e sua análise necessários para a tomada de
decisões dentro do contexto da gestão costeira.
O conceito de artificialização surgiu no intuito de conceituar a rápida
alteração do ambiente natural pela ação do homem, estando presente nas mais
diversas áreas: saúde, social (Piatto & Polette, 2012), comunicação entre
outras.
No que tange à dinâmica territorial e ao uso do solo, Lacasa (2009); Piatto
& Polette (2012) definem como o processo de alteração das condições
originais do ambiente pela incorporação ou extração de elementos, que não
aparecem no processo evolutivo naturalmente, sem a intervenção do homem. Isso
ocorre sempre que o homem transforma o espaço de acordo com suas necessidades e
com a disponibilidade de recursos (Ferreira et al., 2009).
A artificialização consiste em um desafio para o planejamento e a gestão
territorial (Tejada et al., 2009), pois, para estes, é imprescindível o
conhecimento do nível de alteração humana para compreender as tendências da
área e, assim, estabelecer medidas sustentáveis de uso de acordo com as
necessidades e peculiaridades de cada região, especialmente aquelas
relacionadas ao crescimento impetuoso originado do turismo costeiro.
Embora essa modalidade de turismo proponha o desfrute de um entorno natural e
reconheça o recurso praia como base insubstituível da atividade, a urbanização
turística introduz componentes marcadamente artificiais que interagem de
maneira negativa com os processos naturais que ocorrem, como a modificação da
estrutura da paisagem, a fragmentação do habitat, a impermeabilização do solo,
entre outros (Dadon, 2011).
Nesse contexto, é importante detalhar que o turismo de sol e praia é traduzido
como a prática constituída de atividades relacionadas à recreação, ao
entretenimento ou ao descanso em praias, em função da presença conjunta de
água, sol e calor. Além de estar atrelado ao espaço geográfico costeiro e a sua
favorável condição climática, está diretamente ligado às dinâmicas de uso
ecobertura em termos de espaço e tempo, intimamente relacionado às diferentes
atividades sociais e econômicas locais (MTur, 2006).
No estado de Santa Catarina (SC), Brasil, o turismo consiste em uma das
atividades econômicas mais importantes, ao mesmo tempo em que tem gerado
grandes transformações, a partir da expansão e do crescimento urbano e, muitas
vezes, compromete o ambiente, a paisagem, bem como as estruturas urbanas
preexistentes (Reis, 2010).
Paralelamente, no Uruguai, o turismo costeiro é uma das principais atividades
econômicas, onde Montevideo e Punta del Este possuem destaque como os destinos
mais concorridos ao congregar quase 50% do número de turistas que chegam ao
país. Segundo Defeo et al. (2008), essa atividade exerce uma pressão negativa
sobre os ecossistemas costeiros e exige um incremento na infraestrutura de
hotéis, estradas, restaurantes etc., que nem sempre são considerados nos
processos de planejamento.
A fim de incrementar o conhecimento em escala local sobre a artificialização de
espaços costeiros, foi definido como objetivo principal do presente trabalho
determinar o grau de artificialização presente nas praias Brava de Itajaí, SC,
e Brava de Punta del Este, Maldonado, tomadas como estudos de caso, e
estabelecer relação entre o grau de artificialização com o estágio de
desenvolvimento atual de tais praias. Para sua consecução, foram gerados mapas
de uso e cobertura do solo, bem como mapas com os valores do grau de
artificialização, correspondentes a cada praia e área adjacente. Esses valores
foram cruzados e analisados com uma revisão bibliográfica dos processos de
ocupação e desenvolvimento, a qual também auxiliou a determinação do estágio de
desenvolvimento atual referente a cada localidade. Levou-se em conta que ambos
os casos de estudo são destinos turísticos importantes, localizados em dois
centros sul-americanos de destaque, tanto no mercado da construção civil quanto
da especulação imobiliária.
2. Área de estudo
No intuito de viabilizar a presente análise, a praia Brava de Itajaí, SC,
Brasil, e a praia Brava de Punta del Este, Maldonado, Uruguay, foram tomadas
como estudo de caso. A localização de ambas está demonstrada na Figura_1.
2.1. Praia Brava, Itajaí
A praia Brava pertence ao município de Itajaí (litoral norte de Santa Catarina)
e encontra-se ao noroeste, entre as coordenadas 26° 55' 69''
e 26° 57' 36'' de latitude sul e 48° 37'
35'' e 48° 37' 93'' de longitude oeste. Constitui
a maior praia do município, com aproximadamente 3km de extensão. O bairro que
leva seu nome, e onde se localiza, possui 4.294 habitantes, dentro de uma
população fixa de 183.373 habitantes, relativa ao município de Itajaí (IBGE,
2010).
Setores como logística, construção civil, atividades industriais e portuárias
são os principais responsáveis pelo ingresso monetário na cidade, o que faz com
que Itajaí possua o segundo maior PIB do estado (SETUR, 2010). Embora a
atividade turística não seja a principal fonte de entrada monetária no
município, especificamente a praia Brava se destaca pelo seu potencial atual e
futuro para o desenvolvimento turístico (Siebert, 2008), o qual contabiliza na
economia local e modifica a qualidade de vida de seus moradores e visitantes.
Vale destacar que, até a década de 70, a praia Brava de Itajaí era considerada
agreste, apesar de já albergar alguns bares, casas noturnas e lares. Estava
associada a uma imagem de perigo e bandidagem, a qual começou a ser modificada
por iniciativas relacionadas a uma maior preocupação do Poder Público local em
melhorar a qualidade de vida da população itajaiense e a melhorias na
comunicação viária, especialmente pela Estrada do Turismo, com a cidade vizinha
de Balneário Camboriú, que já apresentava um grande afluxo de turistas. A
partir de então, ocorreu uma modificação da praia e de seu entorno, que tentava
transformar o passado relacionado a prostituição, jogos de azar e crimes (Luna,
2004).
A acelerada urbanização, a partir do final da década de 90, aliada ao
incremento do turismo de sol e praia, atraiu o investimento do capital
imobiliário e de políticos locais para esse território, o que gerou conflitos
territoriais entre as associações comunitárias e os interesses de grupos
privados com influência sobre o Poder Público (Santos Jr. & Pereira, 2011).
Desde então, o equilíbrio ambiental nessa zona tem sido ameaçado pela
irregularidade dos processos crescentes de ocupação e uso do solo e pelas
constantes alterações na sua organização espacial, impulsionadas pela
especulação imobiliária, o que acarretou em uma transformação notória de sua
paisagem e uma valorização acentuada (principalmente econômica) da área em um
curto espaço de tempo (Santos, 2006).
No que tange à sua morfodinâmica, tal praia é caracterizada como intermediária
(Menezes, 1999), localizada entre dois promontórios rochosos. Segundo Wright
& Short (1984), as praias intermediárias apresentam características de
praias refletivas e dissipativas, ou seja, sofrem variações no tempo, nas quais
o sedimento pode consistir de areia média a grossa e o clima de ondas possui
energia moderada. Essas características, integradas a uma variedade de serviços
turísticos, conferem à categoria mencionada, o potencial de ser utilizada para
o turismo de sol e praia.
2.2. Praia Brava, Punta Del Este
Punta del Este se situa no departamento de Maldonado (Uruguai), no encontro
entre o Rio da Prata e o Oceano Atlântico. Na face voltada ao Oceano Atlântico,
está localizada a Praia Brava, com coordenadas geográficas entre 34° 57'
34'' e 34° 55' 14'' de latitude sul e 54°
56' 18'' e 54° 52' 11'' de longitude oeste.
Apesar de ter uma população residente de 9.277 habitantes, Punta del Este
possui 23.954 residências, das quais 19.943 ficam vazias durante o ano (INE,
2011). Esses dados indicam o balneário como uma localidade centrada em
atividades turísticas de sol e praia, voltadas principalmente à temporada de
verão.
A sua fama e procura para a prática do turismo de sol e praia começou ainda no
início do século XX, a partir da qual uruguaios e também argentinos começaram a
se estabelecer, principalmente na época de veraneio. Esse estabelecimento
combinou diferentes estilos e tendências de urbanização e arquitetura (Silva,
1997). Nos dias atuais, o seu caráter, de elite internacional, tem permanecido
e se ampliado, inclusive, sendo utilizado em muitas de suas propagandas, mesmo
que a característica elitista do início e da metade do século passado já tenha
sido dissolvida por algumas opções características da classe média (Campadónico
& Cunha, 2009).
Com relação ao ambiente físico dessa praia, a qual possui cerca de 7 km de
extensão, De Alava (1995) define que a sua dinâmica na Zona Litoral Ativa é
caracterizada por ser uma arrebentação em cascata (do espanhol, rompiente en
cascada) desde a Punta de la Virgen, que evolui a uma arrebentação em degrau
(do espanhol rompiente en escalón), e, novamente, à arrebentação em cascata na
última semicircunferência que integra o sistema da barra do Arroio Maldonado.
Ou seja, apresenta distintas dinâmicas de onda ao longo de sua extensão, as
quais influenciam diretamente na morfologia do ambiente praial.
3. Metodologia
A metodologia para a execução desta pesquisa contou com ferramentas de
geoprocessamento, fotointerpretação de imagens de satélite, digitalização de
vetores (polígonos) e elaboração de mapas de uso e cobertura do solo e de grau
de artificialização. É importante destacar que o trabalho conta com o
conhecimento empírico das autoras sobre as áreas de estudo, dessa forma, a
fotointerpretação através de imagens de satélite é facilitada e validada pelo
conhecimento prévio da área.
3.1. Elaboração dos mapas de uso e cobertura do solo
3.1.1. Aquisição de imagens
As imagens utilizadas no presente trabalho são oriundas da base digital Bing
Maps, disponível no software ArcGis® 10 online (DIGITALGLOBE CORPORATE, Google
Earth), referentes ao ano de 2010.
3.1.2. Delimitações geográficas
Como etapa inicial, foi necessário delimitar uma linha de costa padrão, o que
foi realizado adotando um parâmetro de referência que seja aplicável em
diferentes tipos de praia. Nesse caso, o limite ou parâmetro "areia seca
- areia molhada" foi tomado como referência.
A partir desta, foi gerada uma zona buffer - por meio da ferramenta de análise
buffer da extensão ArcMap - de 300 metros de distância da linha de costa. A
escolha da amplitude da faixa considerada como orla marítima se deu em
observância às normativas de ambos os países no que concerne à proteção da zona
costeira e também com respeito à prevenção, uma vez que foi escolhida a faixa
de maior extensão.
No Brasil, a resolução CONAMA nº 303/2002 define como área de preservação
permanente (APP) a área que engloba desde a linha de preamar máxima até uma
faixa mínima de 300 metros (CONAMA, 2002), com o intuito de proteger a
vegetação de restinga, isto é, a vegetação costeira associada ao substrato
arenoso e que apresenta, como uma de suas funções, a proteção da linha de
costa. Ademais, o Projeto Orla estabelece uma faixa de 50 metros como área de
planejamento especial em zonas urbanizadas e uma faixa de 200 metros em zonas
não urbanizadas, com a linha de preamar como referência física (MMA, 2002).
De modo paralelo, no Uruguai, uma faixa de defesa é estabelecida no Código de
Águas (D.O., 1979), modificada pelo artigo 193 da Lei 15.903 (D.O., 1987).
Possui uma largura de 250 metros, medidos até o interior do território a partir
do limite superior da ribeira, com o propósito de evitar modificações
prejudiciais à sua configuração e estrutura. Cabe detalhar que, quando existem
avenidas costeiras abertas e pavimentadas a uma distância menor que 250m, como
em Punta del Este, a largura da faixa se estende somente até tal avenida.
Quanto à natureza jurídica dessa faixa, a lei exige do proprietário uma
autorização para poder realizar quaisquer ações que modifiquem sua
configuração, somada a um estudo de impacto ambiental para que a autorização
possa ser outorgada (Panario & Gutiérrez, 2005).
Como a análise limitou-se aos aspectos terrestres, essa zona de 300 metros a
partir da linha de costa foi desdobrada apenas em direção ao continente.
3.1.3. Nomenclatura utilizada
A metodologia utilizada para a elaboração dos mapas de uso e cobertura do solo
está baseada no Programa CORINE Land Cover, desenvolvido pela Agência Europeia
do Ambiente (EEA, 2000), apresentado como referência de trabalhos que
desenvolvem a mesma temática. Esse programa divide as categorias de uso e
cobertura do solo em 6 grandes grupos (espaço natural; espaço seminatural;
áreas residenciais; infraestrutura e equipamentos; minas, depósitos de lixo e
áreas em construção; e áreas de agricultura e silvicultura), subdivididos em 44
classes. Vale destacar que essa metodologia permite que as classes sejam
adaptadas ao objeto de estudo, ou seja, de acordo com as características
apresentadas, para que os resultados estejam mais próximos da realidade local.
A partir dessa classificação (tabela_1), digitalizaram-se os shapefiles
referentes a cada tipo de uso e cobertura do solo na extensão ArcMap do
software ArcGis® 10.0, em escala de análise de 1:2.000.
3.1.4. Determinação do grau de artificialização por tipo de classe
Para a análise dos dados, teve-se em conta que os dados gerados são de caráter
qualitativo (na atribuição de pesos de artificialização para diferentes tipos
de uso do solo), portanto se julgou necessário aplicar o modelo Delphi. Este é
reconhecido como um ótimo instrumento de previsão qualitativa e objetiva, usado
para encontrar um consenso de opiniões de um seleto grupo de pessoas
especializadas em determinada temática a respeito de eventos futuros (Martins
et al., 2006). A aplicação desse método ocorre, portanto, através da seleção do
grupo mencionado para que responda a questionários sobre a percepção que possui
do grau de artificialização de cada classe.
No presente estudo, foram utilizados os valores do modelo Delphi aplicado por
Lacasa (2009), no qual se selecionou um grupo de cinco profissionais
relacionados à área de pesquisa. Esses profissionais estipularam valores para
as diferentes classes, ou seja, foram atribuídos pesos de 0 a 4, para 21
classes, conforme os níveis crescentes de artificialização, sendo o zero
correspondente aos espaços naturais, e os demais valores progressivos aos graus
de artificialização (baixo, médio e alto), como indicado na tabela_2.
A tabela_3 apresenta o valor médio de cada classe de uso considerada com alguma
intervenção antrópica, o que possibilita a quantificação do grau de
artificialização (baixo, médio, alto) por tipo de classe.
Uma vez elaborados os mapas de uso e cobertura do solo e conhecendo a que grau
de artificialização estão correlacionadas cada categoria, foi possível gerar os
mapas de artificialização para cada praia.
3.2. Revisão bibliográfica
Para melhor interpretar os dados, foi realizada uma revisão bibliográfica
enfocada no histórico de ocupação dos estudos de caso, a partir da inserção do
turismo de sol e praia nas localidades. O intuito foi entender os processos que
levaram à conformação atual dos usos e da ocupação e, consequentemente, do grau
de artificialização. Estes também ajudaram a aproximar o estágio de
desenvolvimento (Tabela_4) (Horn Filho, 2006) ao qual cada praia está submetida
atualmente e estabelecer uma relação entre esse estágio e o grau de
artificialização.
Todas essas informações apresentam o potencial de serem incorporadas como
subsídios técnicos aos processos de tomada de decisão em ambas as praias
analisadas.
4. Resultados e discussão
4.1. Uso e cobertura do solo
Em ambas as localidades, a área analisada nos mapas de uso e cobertura do solo
(Figuras_2 e 3) foi dividida em quatro grandes grupos: espaço natural, espaço
seminatural, áreas residenciais e infraestrutura e equipamentos.
Na praia Brava de Itajaí, foi possível verificar, com relação à categoria de
espaço natural, uma predominância de vegetação de dunas, mata atlântica, praia
e lagoa. Alguns desses tipos de vegetação estão mesclados dentro do interior da
faixa de 300m considerada, e não somente no entorno imediato da linha de costa.
Para o grupo de espaço seminatural, somente a subcategoria de solo exposto foi
encontrada, a qual tem um caráter mais artificial (alto grau de
artificialização) que as demais subcategorias do mesmo grupo (espaço
seminatural) mapeadas com a técnica empregada. No que tange às áreas
residenciais, predominam áreas unifamiliares, seguidas de áreas multifamiliares
e serviços. Já para infraestrutura e equipamentos, ocorre, em ordem de maior
área correspondente, vegetação exótica, áreas em construção, estradas e
terrenos associados, e caminhos e estradas sem asfaltar.
Cabe destacar algumas características significantes para o entendimento do
cenário atual dessa praia, como a coexistência de áreas em construção,
residências unifamiliares e multifamiliares, além de estradas já construídas e
outras a asfaltar, as quais são interpretadas como indicadores de que a área em
questão ainda não atingiu sua ocupação plena, ou seja, está em desenvolvimento.
Igualmente, apresentou uma distribuição concentrada de áreas residenciais,
infraestrutura e equipamentos em pequenas áreas, a despeito de algumas de
espaços naturais, o que pode acarretar em maior pressão no ambiente, diminuição
da qualidade paisagística da orla e maior demanda pontual de infraestrutura
básica para suprir as necessidades do contingente populacional, especialmente
no verão.
Quanto à praia de Punta del Este, foi observada, para a categoria espaço
natural, a ocorrência de praia, vegetação de dunas e algumas pequenas áreas de
promontório rochoso. Para o espaço seminatural, igualmente, uma pequena parcela
de solo exposto. Relativo às áreas residenciais, predominam as residências
multifamiliares, seguidas das unifamiliares e dos serviços. No que tange à
infraestrutura e equipamentos, ocorre uma dominância de vegetação exótica,
estradas e terrenos associados, com poucas áreas em construção, e caminhos e
estradas sem asfaltar, o que dá base para inferir um estágio de consolidação
urbana.
Apresentou distribuição mais dispersa das áreas residenciais, infraestrutura e
equipamentos, quando comparada à praia de Itajaí, o que possivelmente demonstra
que o espaço construído possui uma configuração que lhe permite ser otimizado.
Por sua vez, a categoria de espaço natural é composta pela faixa de areia e
vegetação costeira imediata, relacionada com o tipo geomorfológico da praia,
mas que também pode ter influência na valorização do grupo em questão, já que
este não é observado em nenhum outro ponto da área buffer.
Também é de realçar que as localidades apresentaram valores significativos para
os grupos que se referem a zonas mais rígidas, que são áreas residenciais e de
infraestrutura e equipamentos, que podem confirmar que os espaços analisados
correspondem a praias semiurbanas.
Essas, segundo Ariza et al. (2010), podem ser definidas como praias localizadas
na adjacência de áreas residenciais, nos arredores de um núcleo urbano e que
possuem um equilíbrio no tipo de uso entre urbano e natural.
4.2. Grau de artificialização
Através dos mapas de uso e cobertura do solo, e a correlação entre os usos e a
cobertura do solo com os graus de artificialização explicitados na tabela_3,
foi possível gerar mapas de artificialização para ambas as praias, como pode
ser observado para a Praia Brava de Itajaí, na figura_4, e para a Praia Brava
de Punta del Este, na figura_5.
A geração desses mapas possibilitou que se quantificasse o grau de
artificialização para cada categoria e subcategoria de cobertura e uso do solo,
através dos valores de área e percentagem, considerando a área total. Esses
valores podem ser verificados nas Tabelas_5 e 6, para as praias brasileira e
uruguaia, respectivamente.
Paralelamente ao que foi visualizado nos mapas de uso e cobertura do solo, a
praia Brava de Itajaí apresentou valores de percentagem iguais a 41,8% para
natural, 41,7% para médio e 16,5% para alto grau de artificialização. Já a
praia Brava de Punta del Este apresentou valores de 43,6% para o grau natural,
44,8% para o médio e 11,6% para o alto grau de artificialização.
Nas duas praias analisadas, constata-se que o somatório de áreas de médio a
alto grau de artificialização se sobressai em comparação ao grau natural, o que
indica uma maior antropização dessa faixa costeira, em comparação a práticas de
conservação. Isso é especialmente válido se observado que as áreas naturais
estão relacionadas quase estritamente à faixa de areia da praia e do entorno, a
qual possivelmente está preservada devido à limitação do avanço da ocupação que
a construção das avenidas costeiras determinou, além da própria natureza
dinâmica do ambiente praia, que desfavorece tal intervenção. Fora da faixa de
areia, é possível perceber algumas pequenas parcelas de áreas naturais
emaranhadas no casco urbano, principalmente para a praia brasileira.
4.2.1. Os estágios de desenvolvimento e os processos de ocupação
Apesar da semelhança dos valores e da forma de turismo atualmente perpetrada em
ambas as praias, deve-se considerar que as zonas analisadas podem ser
classificadas em diferentes estágios de desenvolvimento, desdobrados a partir
de distintos modelos de ocupação.
Do ponto de vista dos modelos de desenvolvimento, pode-se inferir que, na praia
brasileira, se instalou um padrão de ocupação urbana que, na ecologia humana,
se denomina "Modelo de Chicago" (De la Peña, 2003), o qual faz
referência a uma dinâmica que começa a escoar as populações, a partir do centro
comercial - também a parte mais antiga da cidade - para áreas situadas
externamente a ele, à medida que aumentam de status, renda e nível de
assimilação. Ademais, esse padrão explana que o vício e os jogos se concentram
em áreas também externas aos centros comerciais.
Tal afirmação se justifica devido à transformação da Brava, anteriormente
dominada por jogos de azar e prostituição, no local para onde fluíam as pessoas
do centro da cidade vizinha, Balneário Camboriú, da qual muitos dos processos
de desenvolvimento foram expandidos. De fato, Silva Jr. & Pereira (2011)
citam a praia itajaiense como "balneário satélite" da sua praia
vizinha. Igualmente, destaca-se que a conformação do centro da praia também
escoou a sua própria população e se adaptou para acolher e ser melhor
apresentado aos turistas, com o passar do tempo e com o melhoramento das vias
de acesso. Como afirmado por Siebert (2008), "a praia Brava é um
território sujeito a um processo de refuncionalização turística, decorrente da
apropriação turística da paisagem".
Na praia uruguaia, com o decorrer do tempo, estilos se somaram, os quais
relatam a diversidade de modificações de gosto e as expressões da mentalidade
das classes altas da região que se estabeleciam. De um primeiro momento
caracterizado pela rusticidade, se transitou, no início do século XX, para
construções refletoras da tendência ao europeu e aos seus balneários em voga. A
partir da construção do Hotel Biarritz, no ano de 1907, e semelhantes, o
loteamento de terrenos, o estabelecimento de cassinos e a inclusão de terraços
e quiosques sobre o mar foram desencadeados. Inclusive, a uniãoindissolúvel
entre praia, jogos de azar e sociabilidade se torna indiscutível. No final dos
anos 30, uma nova formação de bairro, chamada "Bairro jardim", foi
a condição peculiar que impulsionou o desenvolvimento de Punta del Este, a qual
se tornou a imagem característica da cidade, que combina uma trama
paisagística, florestação de pinheiros e baixa densidade de casas (FARQ, 2013).
Após os anos 40, a urbanização da paisagem inóspita conformada por areais,
pontas rochosas e pinheiros se converte ao estabelecer condomínios abertos, que
consistem em ricas mansões. Os altos edifícios marcam o término de uma etapa
exclusivamente elitista e provocam a abertura social do balneário à classe
média, modificando definitivamente a paisagem (Campadónico & Da Cunha,
2009). Além de alterar o panorama verde da cidade, também modificam a própria
tradição de Punta del Este de ser um âmbito espaçoso, aberto e de baixa
densidade residencial (Delavaud, 1991).
Com relação aos estágios de desenvolvimento atuais, é possível destacar que a
praia Brava de Itajaí se encontra em estágio intermediário. Este é definido
pela descaracterização da paisagem costeira devido ao incremento de turistas, o
que acarreta também na alteração da biota, em problemas como erosão costeira e
alteração de solos.
Por sua vez, a praia Brava de Punta del Este se figura no estágio nomeado como
principal. O estágio principal é caracterizado pela consolidação urbana, no
qual a paisagem costeira está bastante alterada, o que ocasiona graves
problemas socioeconômicos e ambientais. Tais estágios de desenvolvimento são
derivados principalmente do crescimento pela prática do "turismo de sol e
praia". Essa atividade iniciou em distintas épocas históricas em cada uma
das praias, e foi intensificada a partir da década de 90 na primeira (Santos
Jr. & Pereira, 2011) e em meados do séc. XX na segunda, respectivamente
(Campadónico & Cunha, 2009).
Como indicadores dos diferentes estágios, pode-se perceber que, na praia
brasileira, há uma maior percentagem de estradas a asfaltar, áreas em
construção e áreas naturais que ainda não foram suprimidas, na parte mais
interna da zona buffer, em comparação com a praia uruguaia. Nesta, por exemplo,
as áreas em construção têm um valor aproximado a 0% e não apresenta áreas de
vegetação natural, além da classe de espaço natural, que contabilizou 43%,
relacionada quase estritamente à zona da faixa de areia e adjacências.
Reis (2010) destaca que as atuais cidades costeiras catarinenses se inserem em
um modelo urbano que mescla, em muitos casos, lazer e produção e que o processo
de parcelamento da terra tem sua velocidade diminuída, já que as maiores
transformações passam a acontecer através do adensamento, da verticalização e
da transformação nas redes de infraestrutura, por sobre as estruturas
consolidadas em épocas anteriores. As estruturas urbano-turísticas desse
litoral têm se caracterizado pela modificação e/ou substituição dos
ecossistemas litorâneos por paisagens urbanas, que têm ocasionado grandes
perdas ambientais.
No panorama legal brasileiro, existem instrumentos para apoiar os municípios em
processos participativos de gestão territorial e ampliar o acesso à terra
urbanizada e regularizada, principalmente beneficiando grupos sociais
tradicionalmente excluídos (Ministério das Cidades, 2005). Nesse contexto,
destaca-se o Estatuto da Cidade, o qual estabelece as diretrizes gerais da
política urbana, além do Plano Diretor como seu instrumento básico. Este possui
a finalidade de disciplinar e gerir o ordenamento do espaço territorial urbano
de forma participativa (D.O.U., 2001).
Porém, a aplicação desses instrumentos pelo município nem sempre respeita as
diretrizes propostas no que diz respeito à participação pública.
Especificamente, em Itajaí, o seu Zoneamento (Lei Complementar nº 144/2008,
Itajaí, 2008), que alterou o Plano Diretor de Gestão e Desenvolvimento
Territorial, com instituição de normas para o Zoneamento, Parcelamento e Uso do
Solo Urbano, foi julgado inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de Santa
Catarina através da Ação Direta de Inconstitucionalidade- ADIN nº 2008.064408-
8, pois não foi submetido à participação popular, exigência constitucional.
Dessa forma, evidencia-se o processo massivo de construção civil, em detrimento
da conservação ambiental e dos anseios da população (Siebert, 2008).
Atualmente, Itajaí está em processo de atualização de seu plano diretor, que
rege o ordenamento territorial da localidade desde o ano de 1971 (atualizado em
meados da década de 80) (SPDU, 2013). Para o Uruguai, existe uma inegável
relação entre as origens do turismo, como dinamizador da economia, e o processo
urbano nas primeiras décadas do século XX. O primeiro começou e manteve-se
através do entorno costeiro, onde, em suas transformações, se reafirmou a
modalidade de sol e praia. Punta del Este se converteu em uma grande cidade
balneária não tão excludente de classe média ao modificar a paisagem através de
uma arquitetura com altos edifícios, vida noturna de espectro ampliado, um
porto remodelado, melhores instalações hoteleiras, maior oferta gastronômica e
vários cassinos (Campadónico & da Cunha, 2009). De forma paralela, Dossetti
(a publicar) afirma que a localidade em questão possui um mecanismo turístico
destinado ao produto, no qual não se tem em conta o ambiente e os recursos
naturais locais, ainda que estes comecem a ser considerados à escala de
departamento pelo seu plano de ordenamento (Maldonado, 2010), a partir do ano
de 2010.
De fato, para Punta del Este, pode-se interpretar que uma nova fase surge para
o ordenamento de seu território. De acordo com o plano de Aglomeración
Maldonado - Punta del Este - San Carlos (2013) - o qual procura
aperfeiçoar as qualidades ambientais e paisagísticas da área - frente ao boom
da construção civil, observado na localidade, surgem preocupações relacionadas,
como a altura dos edifícios, a qual teve que ser reduzida, devido ao efeito de
sombreamento destes sobre a praia e a pressão da sociedade civil com relação a
isso. Objetiva a geração de oportunidade para definir o manejo do território,
construir um projeto urbano da cidade que permita a inclusão social e definir
estratégias para o futuro da região por meio de instrumentos como o zoneamento
de usos do solo.
Assim, o Uruguai, igualmente, conta com um quadro legal para melhor ordenar seu
território costeiro, sendo que da lei de Ordenamento Territorial e
Desenvolvimento Sustentável (D.O., 2008) se derivam os planos de ordenamento
referidos para o departamento de Maldonado e para Punta del Este. Essa lei
nacional define alguns instrumentos como estratégias regionais, diretrizes
departamentais, planos locais, entre outros.
Finalmente, urge avançar em alternativas para a otimização dos espaços
costeiros em pauta, onde as dimensões sociais e ambientais sejam também tidas
em conta, além da dimensão econômica. O planejamento do turismo é um elemento
crucial para os destinos turísticos na busca da vantagem competitiva, sendo
importante por ordenar os recursos de modo sustentável (Limberger et al.,
2012). Além disso, o uso dos instrumentos já existentes (e.g. legislação
pertinente) torna tal processo ainda mais eficiente e sustentável. Segundo
Dadon (2011), o processo de urbanização turística costeira é um objeto de
estudo complexo no qual devem ser consideradas, principalmente, as
particularidades que resultam de sua finalidade específica, as quais, por um
lado, surgem como respostas às necessidades e demandas da atividade turística
e, por outro, dependem das características físico-naturais peculiares da área
onde são realizadas.
5. Conclusões
Ambas as praias analisadas apresentaram um maior somatório entre os graus de
artificialização média e alta frente ao grau natural, o que demonstra que se
encontram com um nível de antropização importante. Foi verificado que essa
antropização está associada ao "turismo de sol e praia", ao tratar
a praia primordialmente como um produto, o qual foi evidenciado como
modificador da paisagem e do espaço em ambas as localidades. Portanto, é
necessário colocar em prática o planejamento e as ações referentes à dinâmica
do território e do turismo, especialmente quando almejado o processo de gestão
integrada da zona costeira.
Foi possível destacar que a Praia Brava de Itajaí figura em um estágio de
desenvolvimento intermediário, e a praia Brava de Punta del Este se encontra no
estágio nomeado principal, apesar de ambas as localidades apresentarem
similares valores para os graus de artificialização e serem classificadas como
semiurbanas, perpetrando a modalidade de turismo antes mencionada. Em análises
como essas, ainda que as classes de uso e cobertura do solo possam determinar
valores de artificialização semelhantes, é recomendado que as características
ambientais, morfológicas e histórico-culturais sejam consideradas, para poder
explicar as dinâmicas territoriais e econômicas imperantes.
A metodologia aplicada foi adequada para o entendimento do uso e da cobertura
do solo, do grau de artificialização e dos processos de ocupação das áreas
estudadas, além de constituir uma ferramenta de grande potencial para entender
a configuração urbana atual decorrente do desenvolvimento aos quais os litorais
são submetidos. Porém, há uma debilidade no modelo Delphi que deve ser
minimizada, se desenvolvidos trabalhos futuros ou maiores detalhamentos do
presente estudo. Esse modelo necessita da opinião de especialistas sobre o tema
dentro da realidade de cada local, a qual, apesar de ter sido consultada para o
caso brasileiro, não a foi para o caso uruguaio, sendo que neste poderiam haver
divergências sobre as classes de uso e cobertura do solo.
Quanto à incorporação de informação para o manejo costeiro, ainda se destaca
que, tanto no Brasil quanto no Uruguai, existem políticas públicas e
instrumentos regulatórios para o planejamento e o ordenamento territorial, como
é a figura central do Estatuto da Cidade que institui o instrumento Plano
Diretor e a Lei de Ordenamento Territorial e Desenvolvimento Sustentável,
respectivamente, para cada um dos países. Ambos - além de outros instrumentos
complementares - devem ser promovidos e utilizados ao se almejar um
desenvolvimento sustentável centrado nas características dinâmicas da ocupação
dos territórios em questão.
A contribuição deste trabalho está em utilizar os mapas gerados como uma
importante ferramenta para facilitar a compreensão de dados importantes sobre
as localidades analisadas, além de ser um bom meio de levar informação a
pessoas sem conhecimento técnico-científico, visto que a academia apresenta o
papel de fornecer informação técnica e conhecimento para a elaboração de
políticas públicas e para a tomada de decisões nas iniciativas de gestão
costeira.
Finalmente, a metodologia utilizada permite caracterizar a situação atual do
objeto de estudo, mas, também, tem o potencial de ser uma ferramenta de análise
de processos futuros de uso e ocupação, assim como de dinâmica do crescimento
urbano, quando analisadas imagens de diferentes anos. Na sua aplicação, é
possível entender o presente e planejar o futuro de forma a melhorar a
qualidade da população que nele reside.