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EuPTCVAg0254-02232000000100003

EuPTCVAg0254-02232000000100003

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaAgricultural Sciences
ISSN0254-0223
Year2000
Issue0001
Article number00003

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PRECIPITAÇÃO DA MATÉRIA CORANTE DE VINHOS TINTOS.

CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DA COMPOSIÇÃO DOS PRECIPITADOS

INTRODUÇÃO A grande instabilidade da cor de determinados tipos de vinho tinto, em particular dos vinhos de denominação de Origem Vinhos Verdes, tem originado uma acentuada desvalorização deste produto, com importantes repercussões económicas e sociais. De facto, nos últimos anos tem sido observada uma excessiva precipitação de matéria corante nos vinhos verdes tintos, bem visível no fundo dos depósitos onde são conservados ou mesmo, mais gravemente, na garrafa.

Concorrendo com a evolução natural do vinho tinto durante o período de conservação, esta precipitação origina pois uma modificação apreciável da cor do vinho, que constitui um dos aspectos mais importantes na avaliação da sua qualidade.

A precipitação de compostos fenólicos, vulgarmente designada por precipitação de matéria corante, é um fenómeno natural e frequente no vinho tinto durante o período de conservação.

Ribéreau-Gayon et al. (1976) e Glories (1979), defendem que a fracção coloidal é a componente fundamental dos precipitados de matéria corante. Os produtos de condensação de taninos e antocianinas, embora sejam responsáveis pela pigmentação dos precipitados, têm, segundo estes autores, um papel secundário.

Num estudo mais recente, Waters et al. (1994) verificaram que tais produtos constituem uma importante fracção dos precipitados.

O fenómeno parece ser fortemente condicionado pela fermentação maloláctica - FML (Ribéreau-Gayon, 1982) e, principalmente, pela estabilização tartárica (Glories, 1979; Usseglio-Tomasset e Di Stefano, 1980).

Por outro lado, pensa-se que as precipitações tartáricas que podem ocorrer no período de conservação do vinho são responsáveis, pelo menos em parte, pela precipitação de matéria corante, designadamente de matéria corante coloidal e que tal precipitação resulta não da insolubilização e precipitação das partículas coloidais por acção da temperatura (Sudraud, 1970; Ribéreau-Gayon et al., 1976) mas também do arrastamento pelos colóides e pelos sais tartáricos ao precipitarem.

Com efeito, no vinho podem existir combinações entre taninos e sais (Glories, 1979; Tang et al., 1992) que, tal como as combinações entre taninos e colóides (Glories, 1978), são susceptíveis de constituir um suporte coloidal para os compostos fenólicos. Estes polímeros, assim como os sais que se encontram em estado de sobressaturação, ao precipitarem podem arrastar mecanicamente ou por adsorção os compostos fenólicos (Glories, 1979).

Apesar de não termos encontrado qualquer referência bibliográfica explicitando a relação entre a precipitação de matéria corante e as precipitações tartáricas, o fenómeno de “empoeiramento” dos cristais abordado por diversos autores (Salgues et al., 1982; Guittard et al., 1982; Rodriguez-Clemente e CorreaGorospe, 1988; García-Ruíz et al., 1995), pode ter implícita tal ligação.

Esta hipótese parece colidir com a que evidencia a contribuição dada pelos polifenóis, como colóides protectores, para a estabilização tartárica (Gaillard et al., 1990). Mas, admitindo que a adsorção de matéria corante nas faces dos cristais de hidrogenotartarato de potássio (THK) pode ser apenas parcial, a inibição do crescimento também será parcial (Ribéreau-Gayon et al., 1976; Rodriguez-Clemente e Correa-Gorospe, 1988) e, existindo condições favoráveis, o processo de cristalização poderá desencadear-se e resultar mesmo em precipitação tartárica, com o consequente arrastamento de matéria corante adsorvida.

No presente trabalho apresenta-se, como complemento da pesquisa efectuada nos vinhos (Canas, 1997), o estudo de algumas características dos precipitados que se julga estarem mais relacionadas com a estabilidade da matéria corante.

O seu conhecimento poderá constituir informação de relevante interesse para a compreensão dos compostos e dos mecanismos envolvidos, podendo pois contribuir indirectamente para a definição de soluções para evitar a excessiva precipitação de matéria corante observada nos Vinhos Verdes tintos.

MATERIAL E MÉTODOS Material Foram utilizados os precipitados de vinhos verdes elementares Vinhão, Espadeiro e Borraçal, recolhidos à trasfega, após a FML. Os vinhos correspondentes foram obtidos através da tecnologia de vinificação tradicional naquela região.

-Foram ainda analisados os precipitados de um vinho Tinta Miúda vinificado com engaço e sem engaço, com o objectivo de comparar com os precipitados dos vinhos verdes e para estudar o efeito do engaço na composição do precipitado.

Os precipitados foram isolados por centrifugação (10 minutos, a 8000 g, a 10 ºC), pesados e colocados numa arca congeladora (a - 20 ºC), onde permaneceram até serem analisados.

Métodos analíticos Testes de identificação Para determinar a natureza dos precipitados, foram realizados exames microscópicos e testes de identificação dos cristais de THK e dos cristais de tartarato de cálcio (TCa), de acordo com procedimento indicado por Anónimo (1977) e no projecto de Norma Portuguesa (prNP) 4236 (CT83, 1992). A identificação dos precipitados de matéria corante foi baseada no método referido por Anónimo (1977).

Teor de humidade A humidade dos precipitados foi determinada por método gravimétrico, com secagem numa estufa de vácuo, a 50 ºC, na presença de pentóxido de fósforo, até à obtenção de um peso constante.

Teor de tartaratos totais Na amostra solubilizada foi efectuada a determinação do teor de tartaratos totais por fluxo contínuo segmentado, com doseamento colorimétrico (a 520 nm), segundo os princípios do método de Rebelein (Curvelo-Garcia e Godinho, 1990).

A solubilização da amostra baseou-se na metodologia utilizada para os testes de identificação das precipitações tartáricas, tendo em conta que a temperatura e o pH são dos factores que mais influenciam a solubilidade dos tartaratos.

Para a sua execução foi pesado cerca de um grama de precipitado seco, depois sujeito a dissoluções sucessivas e alternadas com 20 mL de água destilada a 100 ºC (aquecimento e permanência a esta temperatura durante 10 minutos) e com 10 mL de uma solução de ácido clorídrico a 50%, até insolubilização dos tartaratos do precipitado. Após cada dissolução o sobrenadante foi separado por centrifugação (12000 g, durante 10 minutos, a 5 ºC). No final misturou-se os sobrenadantes num balão de 200 mL e aferiuse com água destilada, obtendo-se a solução de extracção final (S), usada para a determinação do teor de tartaratos totais.

-Para avaliar a aplicabilidade do método de doseamento foram preparadas três soluções, diluídas a partir da solução de extracção final. A uma delas foi ainda adicionada uma quantidade conhecida de ácido L(+)-tartárico (Panreac).

A concentração foi expressa em mg/g de precipitado seco e em mg de tartaratos no precipitado resultante de 1 L de vinho (a partir da relação entre o peso de precipitado e o volume de vinho que lhe deu origem).

O precipitado remanescente, correspondente à matéria insolúvel, foi pesado.

Extracção das antocianinas A extracção das antocianinas foi efectuada a partir de um grama de precipitado húmido com 30 mL (6 x 5 mL) de uma solução de metanol - ácido clorídrico (999:1 v/v), por agitação num banho de ultrasons, seguida de centrifugação a 12000 g durante 10 minutos e filtração com filtros Gelman LC 13 de porosidade 0,45 µm.

Análise das antocianinas por cromatografia líquida de alta resolução Realizou-se a análise das antocianinas por cromatografia líquida de alta resolução (HPLC), num cromatógrafo Waters, constituído por um injector Universal U6K, duas bombas M 510 controladas por um programador de gradiente M680, um detector UV-Vis M 481 e um módulo de integração Merck Hitachi modelo D-2000. A análise cromatográfica foi realizada com uma coluna Merck Superspher 100 RP 18 (4 µm), de 250 x 4 mm, à temperatura de 25 ºC. As condições cromatográficas utilizadas, descritas por Roggero e Coen (1987), foram as seguintes: solvente A, água/ácido fórmico (90:10 v/v); solvente B, acetonitrilo/água/ácido fórmico (30:60:10 v/v/v); gradiente linear de 20 a 85% de B em 70 min; fluxo de 0,7 mL.min-1; detecção a 525 nm; volume de injecção de 10 ou de 25 µl.

A identificação dos picos cromatográficos baseou-se nos espectros UV-Vis dos compostos correspondentes e nos tempos de retenção relativos.

A quantificação foi feita a partir de uma curva de referência, obtida com soluções de diferentes concentrações (10-200 mg/L) de malvidina-3-glucósido (Extrasynthése), injectadas directamente no HPLC, nas mesmas condições cromatográficas. Todas as antocianinas foram portanto expressas em mg/L de malvidina-3-glucósido.

A concentração foi expressa em mg/g de precipitado seco e em mg de antocianinas no precipitado resultante de 1 L de vinho.

Método estatístico Os resultados relativos à composição antociânica dos vinhos e dos precipitados correspondentes, expressos em valor percentual, foram sujeitos a uma análise em componentes principais, através de um sistema de programas NTSYS - pc program/vs 1.80 (Rohlf, 1993).

-RESULTADOS E DISCUSSÃO Relativamente à composição dos precipitados (Figura 1), para efeitos de análise fisico-química é possível distinguir duas fracções, em função da sua solubilidade: uma fracção solúvel, onde se incluem os tartaratos, as antocianinas (na forma monómera) e outros constituintes, e uma fracção insolúvel.

A fracção solúvel é essencialmente constituída por tartaratos. As antocianinas monómeras representam uma ínfima parte da mesma. Na fracção quantificada com a designação “outros constituintes” deverão estar incluídos diversos compostos, designadamente compostos fenólicos - antocianinas e procianidinas essencialmente sob a forma polimerizada, tal como verificado por Waters et al. (1994).

A fracção solúvel é mais elevada nos Vinhos Verdes que nos Tinta Miúda, verificando-se uma estreita relação entre este aumento e o teor de tartaratos totais (a precipitação resulta certamente das condições criadas pela FML).

No Tinta Miúda, a tecnologia de vinificação parece ter alguma influência na precipitação observada, sendo o engaço responsável por um muito acentuado aumento, relacionado com a precipitação de antocianinas e, sobretudo, de outros constituintes.

A par da análise fisico-química, a observação microscópica revelou a existência de estruturas cristalinas, de mucilagens, de matéria corante e de uma importante população de microrganismos, constituída por muitas leveduras (algumas com muitas granulações), bastantes bactérias e algumas hifas de fungos. Os cristais, as mucilagens e os microrganismos apresentavam-se intensamente pigmentados de vermelho, evidenciando pois o arrastamento de compostos fenólicos do vinho.

Tal como constatado por Spranger-Garcia (1988), verifica-se que a formação de precipitados após a FML é possivelmente devida a alterações tanto de natureza fisico-química, nomeadamente a elevação do pH, como microbiológica.

Os microrganismos e as mucilagens ou resíduos das partes sólidas da uva deverão ter sido quantificados na fracção insolúvel, bem como outros compostos com uma contribuição relevante para a cor do vinho, tanto assim que o precipitado remanescente do processo de extracção exibia uma intensa coloração vermelha. Estes compostos podem ser polímeros (designadamente de antocianinas - procianidinas) ou pigmentos condensados, que se encontram no precipitado como resultado de um processo de arrastamento.

Por outro lado, também algumas antocianinas monómeras adsorvidas e arrastadas pelos cristais, microrganismos e partes sólidas da uva, poderão não ter sido extraídas na totalidade com o solvente utilizado aquando da preparação da amostra para análise em HPLC, sendo quantificadas na fracção insolúvel, e por isso doseadas por defeito na fracção solúvel.

Composição tartárica Os resultados obtidos (Quadro I) demonstram que o método utilizado é aplicável para o doseamento dos tartaratos totais nos precipitados.

-Pela análise do Quadro II, constata-se que o teor de tartaratos é consideravelmente mais elevado em Tinta Miúda sem engaço do que com engaço. Considerando a relação precipitado - vinho, a diferença atenua-se que para o mesmo volume de vinho, o Tinta Miúda com engaço apresenta cerca do dobro do peso de precipitado seco.

Os precipitados de Vinhão e de Espadeiro apresentam teores de tartaratos mais elevados do que o de Borraçal.

O exame microscópico não permitiu diferenciar facilmente as duas espécies de cristais - THK e TCa - o que poderá estar relacionado com a perturbação da regularidade da cristalização por factores de ordem diversa, designadamente pela presença de colóides protectores, que originam a alteração do padrão cristalino (Ribéreau-Gayon et al., 1977).

Composição antociânica Analisando o Quadro III verifica-se que, dos vinhos estudados, o Vinhão é aquele que apresenta incomparavelmente maior concentração de antocianinas.

Por outro lado, observa-se em todos eles uma predominância das antocianinas não esterificadas (valor médio de 82 %), a qual é mais acentuada no Vinhão (91 %), devido fundamentalmente à sua riqueza em delfinidina-3-glucósido, cianidina-3-glucósido e petunidina-3-glucósido.

Estes aspectos poderão pois justificar a menor importância da quebra de antocianinas no Vinhão, apesar do precipitado correspondente ser o mais rico nestes compostos.

Pelo contrário, o Borraçal é o que apresenta menor riqueza antociânica, tanto no vinho como no precipitado, no entanto a diminuição é apreciável (designadamente em antocianinas não esterificadas) relativamente aos outros vinhos elementares.

No vinho Espadeiro, que relativamente ao Borraçal possui um teor mais elevado de antocianinas, ocorre uma precipitação semelhante mas constituída fundamentalmente por antocianinas esterificadas.

Quanto ao Tinta Miúda, observa-se que o teor de antocianinas é ligeiramente superior no vinho com engaço, mas o teor no precipitado respectivo é cerca de duas vezes superior. Pode então pensar-se que a presença do engaço favorece a sua posterior precipitação.

Através da análise em componentes principais, cujas 3 primeiras componentes representam 85,8 % da variância total, é possível ainda avaliar globalmente a composição em antocianinas dos vinhos e dos precipitados correspondentes.

A primeira e a segunda componentes principais (Figura 2), que explicam 43,4 % e 30,8 %, respectivamente, da variância total, permitem definir essencialmente três grupos: um grupo localizado no quadrante, formado pelo vinho e precipitado do Vinhão; um segundo grupo, situado no e quadrantes, constituído pelo vinho e precipitado do Borraçal, pelos vinhos Tinta Miúda com engaço e sem engaço e pelo vinho Espadeiro; e um terceiro, posicionado no quadrante, compostos pelos precipitados dos Tinta Miúda e do Espadeiro.

É possível constatar que os compostos mais directamente relacionados com esta discriminação são os ésteres cinâmicos, sobretudo cumáricos, que precipitam preferencialmente, em particular no Espadeiro. Este facto contribui para a maior importância relativa destes compostos em qualquer dos precipitados analisados relativamente aos vinhos que lhes deram origem.

-As antocianinas não esterificadas contribuem também para a separação destes grupos, essencialmente pela composição particular dos vinhos Vinhão e Borraçal e, consequentemente, dos respectivos precipitados, tal como atrás referido.

Ao nível das antocianinas não esterificadas, existe uma tendência para a precipitação de delfinidina-3-glucósido, de cianidina-3-glucósido e de petunidina-3-glucósido, talvez por se tratar de antocianinas mais polares e por isso mais facilmente eliminadas do vinho, tal como referido por Caillet et al.

(1995). A precipitação de malvidina-3-glucósido é considerável em termos absolutos mas perde importância em termos relativos, por ser o pigmento não esterificado mais representativo em todos os vinhos.

Os resultados obtidos sugerem ainda que a precipitação tartárica pode ter alguma influência na precipitação preferencial de certas antocianinas monómeras, mas o tipo de vinho (a casta) é determinante, tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo.

CONCLUSÕES Os precipitados são constituídos por duas fracções, em função da sua solubilidade: uma fracção solúvel, onde se incluem os tartaratos, as antocianinas (na forma monómera) e outros constituintes, e uma fracção insolúvel. Na fracção quantificada com a designação “outros constituintes” deverão estar incluídos diversos compostos, designadamente compostos fenólicos antocianinas e procianidinas essencialmente sob a forma polimerizada. Da fracção insolúvel poderão fazer parte microrganismos, mucilagens ou resíduos das partes sólidas da uva, bem como polímeros ou pigmentos condensados, responsáveis pela intensa coloração vermelha apresentada por esta fracção.

Dentro das antocianinas constata-se existir uma precipitação preferencial de ésteres cinâmicos, sobretudo cumáricos. As antocianinas não esterificadas também constituem parte importante dos precipitados, observando-se uma tendência para a precipitação de delfinidina-3-glucósido, de cianidina-3glucósido e de petunidina-3-glucósido, talvez por se tratar de compostos mais polares e por isso mais facilmente eliminados do vinho. A precipitação de malvidina-3-glucósido é considerável em termos absolutos, mas perde importância em termos relativos, por ser o pigmento não esterificado mais representativo em todos os vinhos.

Por outro lado, os resultados obtidos sugerem que a precipitação tartárica pode ter alguma influência na precipitação preferencial de certas antocianinas monómeras, mas o tipo de vinho (a casta) é determinante, tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo.


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