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EuPTCVAg0870-63522009000200015

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National varietyEu
Year2009
SourceScielo

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A Critique to Silviculture: Managing for Complexity Klaus J. Puettman, K. David Coates e Christian Messier, 2009 A Critique to Silviculture. Managing for Complexity Island Press, 188 págs., ISBN 978-1-59726-146-3. Preço da edição "softcover": 40 €. A edição "hardcover" é de 2008 e tem o preço de 60€.

Luís Soares Barreto *

É um facto reconhecido, que na nossa profissão, preocupações ambientais públicas, e justificadas, põem em questão a maneira como as florestas têm vindo a ser geridas, com o objectivo dominante de produzir lenho. A antinomia floresta "natural" versus floresta "artificial" não é de hoje, como também se assinala no livro. Vários autores, como por exemplo, Barreto (1967,1970, 1979), Laurie, (1962), Scott (1966), Smith (1969), Thompson (1966), Watt (1968), analisaram e criticaram a silvicultura e o ordenamento florestal do seu tempo e insistiram na necessidade de uma sua reavaliação, nem sempre com o melhor enquadramento epistemológico (Barreto, 1971). É nesta época que o conceito de uso múltiplo ganha relevância e adeptos. A novidade da situação actual é que então a polémica situava-se adentro os muros da nossa profissão, com pouca repercussão fora do meio profissional, e hoje insere-se na vivência da cidadania. Neste cenário de mudança, emerge também a adaptação à alteração climática global.

Não podemos negar que nos seus duzentos anos de existência, a nossa profissão é um cometimento de sucesso, como os autores também reconhecem (págs. 40, 52), pois criou e aplicou os procedimentos necessários para garantir o suprimento adequado de lenho nos países do que se convenciona chamar do mundo ocidental, como lhe era exigido, adaptando-se bem à evolução social e económica que se desenrolou nestes dois séculos, o que leva a presumir que situações como a vivida quarenta anos atrás e agora, devem ter sido recorrentes no seu percurso bicentenário, e voltarão a acontecer, sem dramatismo, mas como uma oportunidade de inovação e auto adaptação. Mas, como se registou, um sector crescente das sociedades não quer madeira e valoriza outros serviços que a floresta proporciona, e questionam a maneira como a silvicultura tem vindo a ser praticada. O livro em apreço, como resposta a este novo contexto em que se insere a actividade florestal, propõe, fundamentalmente, uma reorientação de toda a ciência florestal: conceitos básicos de enquadramento, investigação e exercício da profissão. Uma radical mudança de paradigma, no sentido de Kuhn.

Antes de explicitarem a sua proposta no quinto e último capítulo, os autores constroem uma bem elaborada e documentada teia de argumentos que nela vêm a confluir.

O livro começa com uma resenha histórica,  bem comentada e contextuada, da silvicultura, senso lato, que devia ser lida nas escolas florestais. Os antecedentes próximos da proposta que será posteriomente avançada explicitam-se na secção final deste capítulo.

O capítulo segundo descreve os traços caracterizadores da silvicultura sendo destacados os seguintes:  Focalizada nas árvores, ignorando o resto do biota florestal; povoamentos biologicamente uniformizados, caracterizados por descritores relativos às árvores; intervenção centrada no controlo de cima para baixo; uma investigação dominada por métodos  desenvolvidos para a agricultura; preocupação com a previsibilidade, o que conduziu a uma silvicultura dominada por povoamentos puros e regulares;  escalonamento linear dos resultados aplicados em áreas restritas a espaços florestais maiores  e menos uniformes.  É isto que tem de ser mudado, porque no entender dos autores, a silvicultura enfrenta agora uma situação de situações ambientais e sociais de elevada mutabilidade, onde a resiliência e adaptabilidade, dos sistemas sob gestão, ganham uma importância muito grande.

O terceiro capítulo serve para introduzir e enfatizar o conceito de complexidade (nodal para o que se virá a propor) e a importância que tem no discurso da ecologia. Destaca-se que embora esta disciplina tenha registado assinalável progresso, nas últimas décadas, em clarificar a complexidade estrutural e funcional dos ecossistemas, não tem sido fácil traduzir este conhecimento em conceitos e normas de gestão dos sistemas naturais.

O quarto capítulo compara a ecologia dita geral,  com a ecologia florestal, explicitando as particularidades dos enfoques de cada uma, e a convergência que se vem a verificar em temas como a resiliência e produtividade ecossistémica, e não arbórea.  Para alcançar estes desideratos carecemos de informação obtenível em experiências que se estendam por uma grande superfície (large- scale silvicultural experiments), envolvendo equipas pluri-disciplinares, cujos resultados têm de ser analisados com métodos estatísticos disponíveis, mas que os florestais têm ignorado, ao contrário dos ecologistas. Esta situação (novo paradigma para a investigação) também é recorrente. A propósito da emergência do ordenamento para uso múltiplo e a investigação florestal, veja- se, por exemplo, Barreto (1967:20; 1972).

Para enquadrar a reorientação da silvicultura, os autores propõem recorrer à ciência da complexidade, originada no Santa Fe Institute, Novo Mexico, E.U.A.

(para uma resenha histórica da ciência da complexidade veja-se Waldrop, 1992).

Em grande extensão, esta ciência é um sucedâneo da teoria geral de sistemas (Bertalanffy, 1973) e cibernética (Wiener, 1948), na abordagem do mesmo tipo de problemas, postos pelos sistemas complexos. Do arsenal ontológico da complexidade, escolhem os sistemas complexos adaptáveis (SCA; complex adaptive systems). No dizer dos autores, na introdução ao capítulo 5: "Arguing that silviculturists should manage forests as complex adaptive systems is the raison d'être of this book" (pág. 108; itálico no original). Este conceito está implícito nas meta assunções das minhas elaborações teóricas (Barreto, 2003:4; 2004:5; 2005:13) mas considero-o simplesmente uma concepção de natureza ontológica e não nomológica. Nestas assunções refiro explicitamente a trabalhos de quadros do mesmo instituto. Uma clarificação necessária. Uma ciência da complexidade procura estabelecer as leis gerais que regem a estrutura e dinâmica de todos os sistemas complexos, adaptáveis ou não (os ecossistemas em toda a sua diversidade e os sistemas criados pelo homem, como por exemplo o sistema financeiro global). Eu, humildemente, procurei desvendar a nomologia que emerge da estrutura e dinâmica de um subsistema (as populações de árvores ' povoamentos puros e mistos) dos SCA florestas. Este contraponto é feito com a intenção de tornar mais claro o que se pretende introduzir na silvicultura.

Neste capítulo, os autores começam por esclarecer os conceitos de ciência da complexidade, e os atributos dos SCA, de que as florestas são uma reificação.

Para a definição constante na Wikipedia, onde foram buscar uma figura que adaptaram às florestas (figura 5.1, pág. 111), omitem a auto semelhança.

Passo a resumir o que se segue. A bondade das intervenções florestais afere-se pelos seus impactes, certamente muito difíceis de prever, nos atributos caracterizadores dos SCA. Estas intervenções não devem afectar a complexidade estrutural das florestas, pois ela é necessária para preservar a sua capacidade de adaptação. Deste modo, a silvicultura vigente deve ser abandonada, por afectar negativamente os atributo mencionados, nomeadamente a resiliência e adaptabilidade das florestas. A abordagem é holística e procura-se promover a biodiversidade e complexidade das florestas, sacrificando-se, por exemplo, a produtividade e a previsibilidade da dinâmica do arvoredo.

Os autores reconhecem que o nosso actual conhecimento é insuficiente para aplicar cabalmente a silvicultura que preconizam (pág. 119) e fazem sugestões específicas para a reorientação da investigação florestal (págs. 143-144).

Para situar a silvicultura proposta no contexto da actual, insiro a figura 1, inspirada na figura 5.7 do livro.

Figura 1 - A posição da silvicultura dos sistemas complexos adaptáveis, relativamente às alternativas praticadas actualmente. BA = biodiversidade alta; BI = biodiversidade intermédia; BB = biodiversidade baixa. A partir da figura 5.7 do livro em apreciação

Passando por cima da roupagem duma nova terminologia e conceptualização ontológica, no estricto plano da intervenção florestal, tudo isto me lembra a silvicultura natural dos anos 60 e 70, e afigura-se, ao fim e ao cabo, ser uma silvicultura próximo-da-natureza mitigada (cf. págs. 135-136). A insistência na imprevisibilidade das florestas, a que se atribui o estatuto de um sistema quase caótico, com sensibilidade elevada às condições iniciais (pág. 112; detectada e simulada pelo meu modelo BACO2 (Barreto, 2005:118-122) por isso aqui a imprevisbilidade é atenuável) levada até últimas consequências não nos conduzirá a uma silvicultura prudencial e por isso minimalista? Tanto quanto me posso aperceber, as propostas dos autores para a silvicultura e investigação florestal estão muito próximas do ordenamento ecossistémico em aplicação nas florestas públicas boreais do Quebeque e dos projectos pilotos associados (www.mrnfp.gouv.qc.ca/; Ministère des Ressources Naturelles et de la Faune, 2008). Foram os professores de ecologia florestal, da Universidade de Quebeque, Christian Messier (um dos co-autores) Yves Bergeron, et Daniel Kneeshaw que estabeleceram as bases do ordenamento ecossistémico.

Não ponho de lado a possibilidade de este livro ser influenciado por um factor regional: a necessidade de proteger, vastas áreas florestais dos E.U.A e do Canadá, de uma exploração excessiva.

Na sua caracterização do contexto actual em que se insere o aproveitamento dos recursos florestais pelo homem, os autores omitem duas ocorrências muito importantes: - O crescimento da população.

- O aumento espectacular do consumo e das importações de madeira da Índia e China, que se verifica e não se prevê estabilizado (a que níveis?) tão cedo.  Este assunto não é irrelevante e suscitou, pelo menos, uma análise da capacidade de resposta a nível continental (Gonzalez, Saloni, Dasmohaptra e Cubbage, 2008).

É a simultaneidade dos aumentos das procuras de lenho e dos outros serviços prestados pelos ecossistemas florestais que tornam a situação que enfrentamos de muito difícil solução, o que também nos obriga a ser imaginativos e escrutinar todas  as alternativas de mudança que sejam formuladas.

O texto é pontilhado de destaques com clarificação de termos técnicos e informação afim. No final do livro, é apresentado um glossário, o que faz presumir que os autores visam um público mais vasto, para além dos florestais, o que é socialmente salutar. A bibliografia ocupa 24 páginas das 188 do livro, revelando a abrangência dos temas chamados à colação e o cuidado em os documentar devidamente.

Embora na substância me parecer que a maior novidade do texto seja de enquadramento conceptual (ciência da complexidade, SCA) trata-se de um livro actual, denso, relevante, imaginativo e desafiador, que deve ser lido, meditado e discutido, quiçá institucionalmente (promoção do evento: EFN? SPCF? Ordem dos Engenheiros?). Tentei deixar alguns incentivos informais para essa análise e discussão, no texto desta recensão. Lembro a este propósito Collingwood (sem data): "...um cientista que nunca tenha filosofado sobre a sua ciência, nunca poderá passar de um cientista secundário, um imitador, um funcionário da Ciência".

Ao apreciar-se a inovação contextual introduzida pelos autores, não pode ser ignorado que a ciência da complexidade está em processo de criação e afirmação, sendo ainda cedo para sabermos se virá, ou não, a esvanecer-se como sucedeu à cibernética e teoria geral de sistemas.

Provavelmente, a conceptualização dos biossistemas como SCA é capaz de ter menos originalidade do que se supõe (Cf. Allen e Starr, 1982). Ao mencionar-se os ecossistemas florestais como os terrestres mais complexos, ao referir como propriedade dos ecossistemas a resiliência e a homeostase, não se estará implicitamente a assumir que são complexos e adaptáveis? A importância do tema do livro ' trata-se da essência da silvicultura ' justifica a minha preocupação com a contextuação documentada da análise.


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