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EuPTCVAg0870-63522013000100009

EuPTCVAg0870-63522013000100009

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaAgricultural Sciences
ISSN0870-6352
Year2013
Issue0001
Article number00009

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Grandes Incêndios Florestais em Portugal Continental como Resultado das Perturbações nos Regimes de Fogo no Mundo Mediterrâneo

1 - Introdução O fogo faz parte da natureza desde a criação do mundo, constituindo um dos quatro elementos, considerados como essenciais no universo. E, embora seja mais comummente associado à ideia de destruição e catástrofe, o fogo pode também ser relacionado com a ideia de bênção e de renovação. Este aparente paradoxo, reflete o duplo papel do fogo nas sociedades ao longo de milhões de anos, simultaneamente, uma forma de destruição e de renascimento, tal como acontece com os ecossistemas que têm evoluído na sua presença.

Apesar do fogo ser um fenómeno com impacte na Terra mais de 400 milhões de anos, tudo mudou profundamente quando os primeiros hominídeos aprenderam a manuseá-lo e a controlá-lo, ocupando um lugar de destaque no triângulo do fogo (PYNE, 2001). A verdade é que os seres humanos têm influenciado os regimes de fogo ao longo de milhares de anos através do seu impacte sobre as taxas de ignição, combustíveis e uso do solo (DENEVAN, 1992; PYNE, 2001; BOND et al., 2005; MILLER et al., 2005; STORM e SHEBITZ, 2006; NEVLE e BIRD, 2008; BOWMAN, 2009; ARCHIBALD et al., 2009; PARISIEN e MORITZ, 2009). Assim, podemos afirmar que a partir do momento que o homem dominou o fogo, ele mudou de forma irreversível o curso da história da Terra, contribuindo para a definição de novos regimes de fogo.

2 - O fogo no Mediterrâneo O fogo é parte integrante de muitos ecossistemas (BENTO-GONÇALVES et al., 2012), tendo acompanhado os desbastes da floresta através dos tempos, quer para a agricultura, quer para o pastoreio, assumindo-se como um fator ecológico determinante do desenvolvimento ou regressão dos sistemas florestais em diversas partes do Mundo. No mediterrâneo, o seu papel foi muito marcante, o que se ficou a dever a uma conjugação de características muito peculiares que tornam os ecossistemas do Mediterrâneo diferentes dos do resto do Mundo. Estas particularidades estão relacionadas, sobretudo, com as características climáticas, e a longa e intensa presença humana e as suas influências no regime do fogo (PAUSAS e VALLEJO, 1999).

A primeira evidência das mudanças induzidas pelo homem, através do fogo, na paisagem mediterrânea remonta ao Neolítico (NAVEH, 1975). Desde então, a Bacia do Mediterrâneo tem presenciado a evolução de muitas culturas, algumas com elevadas densidades populacionais, e, na sua maioria, fazendo uso do fogo.

Contudo, esta particularidade, da antiga e intensa intervenção humana sobre o uso do solo, é notória, sobretudo, na parte europeia da Bacia Mediterrânea, onde o Homem utilizou o fogo como uma ferramenta para controlar e alterar o uso dos espaços de uma forma mais intensa do que noutras regiões mediterrâneas (WAINWRIGHT, 1994; GROVE, 1996; MARGARIS et al., 1996; GOLDAMMER et al., 2007).

A intervenção do Homem sobre as florestas é, de fato, o elemento milenarmente importante de diferenciação das florestas das regiões de influência mediterrânea e as florestas do Centro e do Norte da Europa. Daí nasce a ideia de que desta mistura de povos tão diversos (que sucessivamente ocuparam estas regiões europeias) se formou uma mentalidade uniforme a que podemos chamar de mediterrânea, mentalidade de pastores, sobretudo de pastores nómadas inimigos da floresta (PAVARI, 1954). Mais adiante escrevia ainda: A predominância da pastorícia na economia dos povos primitivos mediterrâneos [ ] e as suas consequências têm sido muito mais desastrosas [do] que em qualquer outra parte, pois [ ] os três fatores da destruição do bosque, isto é, o corte, a pastagem e o fogo, têm efeitos qual deles o mais intenso neste ambiente físico particular (PAVARI, o. c.).

M. ALMEIDA (1934) escreveu: A floresta foi cedendo a pouco e pouco o terreno ao desenvolvimento da agricultura, devido ao acréscimo da população e especialmente ao da indústria pecuária e hoje, ainda infelizmente é prática em muitas localidades, de recorrer ao fogo para destruir as matas e assim baratearem a cultura ou tomarem mais fácil a renovação das pastagens.

Por sua vez, no âmbito de uma caracterização mediterrânea do nosso país, O.

RIBEIRO (1963) escreveu: [ ] junto desta flora antiga convive, também desde longa data, o Homem, com as queimadas, arroteias, culturas e rebanhos. A degradação que ele provocou [ ] é uma ideia inseparável do estudo da vegetação mediterrânea.

A abertura das florestas, através do corte e do fogo, permitiu alargar as áreas de pastoreio em formas iniciais de aproveitamento, através de nomadismo e de transumância dos gados, mas dada a pobreza alimentícia dessas áreas, para haver continuidade na utilização, é ainda feita através do fogo a sua regeneração valorizando os nutrientes deixados nas cinzas e, simultaneamente, eliminando a competição das plantas indesejáveis. Por outro lado, a agricultura desenvolve­se paralelamente, tirando partido das melhores terras, mas onde o fogo, na sua dupla função nutricional e de purificação, exerce igualmente o seu papel central, antecipando a fertilização química e os herbicidas e pesticidas (ALVES et al., 2006). Neste sentido, não dúvida de que o fogo é um dos mais importantes agentes de evolução florestal no Sul da Europa (PYNE, 1997).

Com o desenvolvimento industrial, e a transformação da sociedade rural em urbana, estes países têm experimentado, desde a última metade do século XX, o despovoamento das zonas rurais, o aumento da mecanização agrícola, a diminuição da pressão da pastorícia e da coleta de lenha, e o aumento da urbanização das áreas rurais (LEHOUÉROU, 1993). Estas mudanças no uso tradicional da terra e estilos de vida das populações que resistiram (e ainda resistem) têm implicado o abandono de grandes áreas agrícolas, o que levou à recuperação da vegetação e a um aumento do combustível acumulado durante o Inverno e a Primavera, pronto para alimentar os incêndios (fogos descontrolados) durante o Verão, quente e seco (REGO, 1992; GARCÍA-RUIZ et al. 1996, ROXO et al. 1996).

Desde os anos 60 do século XX até à atualidade, a tendência geral de evolução do número de incêndios e área queimada no Mediterrâneo Europeu, principalmente nas Penínsulas Ibérica, Itálica e Grega, tem aumentado exponencialmente (JRC, 2001). As estatísticas de incêndios florestais compilados para a Espanha a partir dos anos 60 revelam um claro aumento do número de incêndios e de superfície queimada, especialmente a partir de meados dos anos 70 (MARTINEZ- RUIZ 1994; MORENO et al., 1998; PIÑOL et al., 1998), e o mesmo acontece no caso português, com a média anual da área ardida mais que a quadruplicar desde os anos 60 do século XX (ISA/APIF, 2006).

3 - Os grandes incêndios florestais na história recente de Portugal Em Portugal, a influência do ser humano sobre a floresta através do uso do fogo (queimadas) surge a partir da Idade do Bronze (DEVY-VARETA, 1993). O trabalho de KNAAP e LEEUWEN (1994) permite ler a evolução holocénica do coberto vegetal regional como a sucessão de uma série de episódios de degradação, nomeadamente em altitude, cuja causa mais plausível parece ter sido a intervenção antrópica através do pastoreio (revelada nomeadamente por indícios de desflorestações por incêndio sem consequente regeneração integral da floresta).

A evolução do uso do fogo em Portugal terá seguido as mesmas tendências do restante mundo mediterrâneo, onde o fogo sempre fez parte dos ecossistemas. São conhecidos, por exemplo, os problemas de erosão na bacia do Mondego (queimadas) e da consequente intervenção Real em 1464: Carta Régia de D. Afonso V (FERNANDES MARTINS, 1940).

Embora em Portugal não sejam conhecidos muitos documentos escritos relativos a grandes incêndios florestais anteriores ao séc. XX, apenas a título de exemplo, podemos destacar alguns relatos existentes: SILVA e BATALHA (1859) referem que a região da Mata Nacional de Leiria foi afetada por diversos fogos entre 1818 e 1824, o último dos quais terá sido de grandes proporções (5 000ha); também PINTO (1939), na sua obra O Pinhal do Rei relata que um incêndio florestal em 1824 consumiu cerca de 5 000ha na referida Mata Nacional de Leiria; ainda no séc. XIX, em 1882 ou 1883 (?), terá ocorrido um incêndio de grandes proporções na Matta do Bussaco, referido por NAVARRO (1884) no seu livro Quatro dias na serra da Estrela.

Mais recentemente, nos anos 60 do séc. XX, depois do GIF de Vale do Rio (Leiria, Figueiró dos Vinhos) em 1961 (LOURENÇO, 2009), o Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios (APIF, 2005) refere a ocorrência de três GIF: Viana do Castelo (1962), Boticas (1964) e Sintra (1996).

Apesar destes relatos, até à década de 70 do século passado, os incêndios não eram considerados um problema-chave para a floresta portuguesa. A partir desta data, verificou-se um aumento da acumulação de combustível nas florestas, devido à redução do pastoreio e à falta da roça de matos para a cama dos gados, provocadas pelo êxodo rural iniciado por volta dos anos 50, que refletia de perto as mudanças socioeconómicas então em curso nos países do sul da Europa, em particular nas regiões do Mediterrâneo (LOURENÇO, 1991; VÉLEZ, 1993; MORENO et al., 1998; REGO, 2001; BENTO-GONÇALVES et al., 2010).

Estas mudanças no uso tradicional da terra e estilo de vida das populações implicaram o aumento de grandes áreas abandonadas de anteriores terras agrícolas, o que, por um lado, levou à recuperação da vegetação e ao aumento do combustível acumulado nos espaços florestais tradicionais (LOURENÇO, 1991; REGO, 1992; GARCÍA-RUIZ et al., 1996; ROXO et al., 1996) e, por outra parte, conduziu, naturalmente, ao aumento dos espaços com uso florestal. Muitas destas áreas rurais tornaram-se paisagens propensas à ocorrência de incêndios de grande intensidade, devido aos elevados níveis de biomassa, acumulados ao longo dos anos e prontos para alimentar fogos catastróficos durante o Verão.

Assim, começaram a vulgarizar-se os incêndios florestais com área igual ou superior a 100 hectares e, até à década de 80 do século passado, os incêndios no nosso país nunca tinham atingido 10 000 hectares de área ardida numa ocorrência. O primeiro destes ocorreu no ano de 1986, no concelho de Vila de Rei (LOURENÇO, 1986) e, o segundo, no ano seguinte, 1987, tendo afetado os concelhos de Arganil, Oliveira do Hospital e Pampilhosa da Serra (LOURENÇO, 1988). A partir destas datas podemos dizer que se deu início a uma nova realidade no que respeita aos grandes incêndios.

3.1. Grandes incêndios florestais na atualidade Com base nas estatísticas dos incêndios disponibilizadas pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas ' ICNF (2012)1, observa-se que no decénio 1981-1990 os GIF representaram 1,6% do total das ocorrências registadas nesses 10 anos, sendo este o valor mais significativo das últimas 3 décadas (0,7% em 1991­2000 e em 2001-2010) (Tabela_1). No entanto, no que respeita à área ardida, esta não foi a década mais representativa, pesem embora os 68,1% de área ardida em GIF, pois os 79% registados na última década analisada (2001- 2010) representam o valor mais significativo (Tabela_1). Confirma-se assim que, em termos gerais, os GIF representam uma pequena fração do número total das ocorrências mas são responsáveis por uma grande percentagem do total da área ardida (Tabela_1).

Outro aspeto que importa assinalar, é o facto de na última década (2001-2010) se terem registado os grandes incêndios florestais de maior dimensão, isto porque, apesar de não se ter registado entre 2001 e 2010 a maior percentagem de ocorrências de GIF (0,7%) registou-se a maior área ardida (1 164 748ha), o que significa que cada ocorrência observada nesta década queimou mais do que as registadas nas anteriores (com uma área ardida média de 672ha) (Tabela_1).

Para tal, muito contribuiu o excecional ano de 2003 (Figura_1)2, com nove dos treze GIF com área ardida superior a 10 000 ha, ocorridos entre 1981 e 2012, os quais foram responsáveis por 124 503 ha de área ardida, ou seja, 31,5% do total da área queimada. Foi ainda em 2003 que se verificou um dos dois únicos incêndios, em igual período, com mais de 20 000 ha, e que ajudou a colocar o referido ano no primeiro lugar do ranking em termos de área ardida (ICNF, 2012).

A análise do número de GIF e área ardida anualmente em GIF, entre 1981 e 2010, permite confirmar uma ténue tendência de aumento destas variáveis ao longo dos últimos 30 anos, sendo esta ligeiramente mais significativa no que respeita à área ardida em GIF (R2=0,0354) do que no respeitante ao número de GIF (R2=0,0217) (Figura_2).

Verifica-se igualmente que no conjunto dos trinta anos analisados, o de 2003 foi aquele que registou a maior área ardida por GIF, 395 640 ha, representando 93% do total da área ardida nesse ano, embora representassem menos de 1% das ocorrências (253 registos). o ano de 2005 foi aquele que registou maior número de GIF (422) embora com uma área ardida inferior à do ano de 2003 (-107 973 ha), mas, mesmo assim, muito significativa (287 668 ha), representando 85% do total das áreas ardidas nesse ano (ICNF, 2012) (Figura_2). Estes dois anos constituem, de facto, os mais preocupantes em termos da ocorrência de grandes incêndios e da sua área ardida. Para os valores máximos atingidos, de áreas ardidas no caso de 2003, e do número de ocorrências em 2005, muito contribuíram as condições climáticas, que se apresentaram bastante favoráveis tanto à ignição como à propagação de incêndios nestes anos (LOURENÇO et al., 2012). Por outro lado, o ano de 2008 foi aquele que registou não menos GIF, em relação ao número total de ocorrências, 0,1% (18 registos), mas também menor área ardida, 26%, correspondentes a 4 339 ha. A partir deste ano observa-se novamente o aumento tanto do número como das áreas ardidas em GIF, sem, contudo, se alcançarem os valores atingidos nos anos de 2003 e 2005 (Figura_2).

Desagregando a informação relativa aos grandes incêndios nos últimos 30 anos verifica-se que os GIF mais frequentes foram os que queimaram áreas entre 100 e 500ha, representando, em média, 77,9% do total dos GIF, e foram responsáveis por 40,3% da média das áreas queimadas em GIF neste período. Entre os de dimensão superior a 500 ha, destacam-se, pela área consumida, aqueles com área entre os 1 000 ha e 5 000 ha, que representando, em média, 8,7% do total, queimaram, em termos médios, 30,9% da área total (Tabela_2, Figura_3, Tabela_3, Figura_4).

Podemos ainda referir o fato de apenas em quatro anos (1986, 2003, 2004 e 2005) se terem registado incêndios com área igual ou superior a 10 000ha, e, três desses anos (2003, 2004 e 2005) terem ocorrido na última década, com destaque para 2003, onde, estes grandes incêndios de maior dimensão (=10 000 ha) foram responsáveis por 31,5% do total área ardida, nesse ano, em GIF.

4 - Conclusões Os regimes de fogo têm tido uma evolução natural ao longo dos tempos, mas recentemente o ser humano assumiu um papel preponderante nessa evolução. Com efeito, a esmagadora maioria dos incêndios florestais é causada por atividades humanas e apenas uma pequena parte por causas naturais (FAO, 2001). Além disso, um número relativamente pequeno de incêndios é responsável pela maioria da área ardida (STRAUSS et al., 1989).

Com efeito, em Portugal, a influência do ser humano sobre a floresta através do uso do fogo (queimadas) remonta à Idade do Bronze (DEVY-VARETA, 1993). A partir dos anos 50 do século XX, com a profunda desestruturação do mundo rural (BENTO- GONÇALVES et al., 2010), criaram-se condições para uma profunda modificação dos regimes de fogo vigentes no nosso país, até então. Assim, numa primeira fase, começaram a vulgarizar-se os incêndios florestais com área igual ou superior a 100 hectares e, mais tarde, em meados da década de 80 do século passado, franquearam pela primeira vez a barreira de 10 000 ha ardidos. A partir dessa década podemos dizer que se deu início a uma nova realidade, no que respeita aos grandes incêndios, o que resultou da mudança dos regimes do fogo verificados em Portugal a partir da segunda metade do século XX.

Os GIF representam, em Portugal, uma pequena fração do número total de incêndios, acompanhando as tendências verificadas na Bacia do Mediterrâneo, mas são responsáveis por uma grande percentagem da área ardida. Por outro lado, foi nos últimos dez anos que se registaram os incêndios florestais de maior dimensão, pois, apesar de não se ter registado a maior percentagem de GIF, verificou-se a da maior área ardida, o que significa que, em média, nesta década cada GIF queimou mais do que os das décadas anteriores. Isto resulta, por um lado, da redução do número de grandes incêndios florestais ao longo dos anos e, por outra parte, do aumento da área dos maiores grandes incêndios.


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