Melhoria de Habitat e Repovoamentos Piscícolas em Rios de Aptidão Salmonícola
do Nordeste de Portugal
1 - Introdução
A preservação e a requalificação de habitats piscícolas são de vital
importância para a conservação de espécies autóctones. Ainda que muitas medidas
de minimização e compensação estejam especificamente orientadas para
espéciesalvo é sabido, hoje em dia, ser necessário integrar soluções que
assegurem a integridade ecológica dos ecossistemas, muitos deles ameaçados por
vários impactos negativos, entre os quais se destacam a poluição, a extração de
inertes, o corte da galeria ripícola, a sobrepesca, a regularização e a
introdução de espécies exóticas. Apesar do interesse que algumas espécies
exóticas possam despertar (e.g.achigã, lúcio), as preocupações ambientais
centram-se particularmente nas espécies autóctones, sendo que algumas delas são
endemismos ibéricos (e.g.barbo, boga, escalo, bordalo) com elevado valor em
termos de conservação. Mas, no Norte e Centro de Portugal, a truta de rio
(Salmo truttaL.) continua a ser um recurso com elevado valor socioeconómico
(e.g.pesca desportiva) e também conservacionista. De facto, apesar do estatuto
pouco preocupante (LC) atribuído pelo Livro Vermelho dos Vertebrados (CABRAL et
al.,2005), vários estudos vieram demonstrar que as populações de truta do sul
da Europa possuem uma elevada diversidade genética, inclusive entre populações
duma dada bacia hidrográfica, que importa preservar como unidades básicas de
conservação (ANTUNES et al.,2001; ALMODÓVAR et al., 2006). No entanto, a baixa
produtividade piscícola de muitos rios e a pressão antrópica, caso da
sobrepesca exercida sobre as populações selvagens, têm justificado o recurso
aos repovoamentos, uma das técnicas mais usadas para mitigar perdas de stocks,
reabilitar populações e incrementar o potencial recreativo e comercial (COWX,
1998; WELCOMME, 1998). Por tal motivo, é fundamental compatibilizar a
exploração e conservação de recursos piscícolas autóctones, tendo em conta que
muitos repovoamentos têm originado impactos marcadamente negativos nas
populações selvagens (e.g.introdução de doenças, introgressão genética,
competição) (WHITE et al., 1995; LAIKRE, 2000; WEBER e FAUSCH, 2003). Nesta
medida, a reabilitação de rios, a melhoria do habitat piscícola e a adequada
manipulação do biotasão algumas das medidas que podem reverter o processo de
redução/extinção de muitas populações autóctones e aumentar a capacidade
biogénica dos sistemas aquáticos (HENDRY et al.,2003; APRAHAMIAN et al., 2003;
AYLLON et al., 2012).
A monitorização de espécies assumem um papel primordial na avaliação do sucesso
das técnicas usadas para manutenção/incremento da densidade piscícola. Segundo
LUCAS e BARAS (2000) existem diferentes métodos para estudar o comportamento de
populações piscícolas que, contudo, podem ser agrupados em duas grandes
categorias: 1) independentes da captura (e.g.observações subaquáticas) e 2)
dependentes da captura (e.g.marcação e recaptura, técnicas de telemetria).
Entre eles, a tecnologia da PIT-Telemetria é particularmente adequada para
monitorizar animais aquáticos, inclusive em águas pouco profundas (riffles),
com custos reduzidos, possibilitando a marcação de um número elevado de animais
(ROUSSEL et al., 2004; TEIXEIRA e CORTES, 2007).
O objetivo do presente estudo consistiu em avaliar: 1) o comportamento e uso do
habitat por populações simpátricas de trutas domésticas e selvagens no rio
Penacal, um curso de água do Nordeste de Portugal, através da utilização da
PIT-Telemetria; 2) o sucesso obtido pela manipulação do biota(e.g.repovoamentos
piscícolas, nomeadamente após a aclimatação prévia ao meio selvagem dos animais
criados em cativeiro) e a melhoria do habitat (e.g.colocação de blocos e
vegetação) no potencial incremento da capacidade biogénica do sistema aquático.
2 - Material e métodos
2.1 - Área de Estudo
O estudo foi desenvolvido num troço de cabeceira do rio Penacal, afluente da
margem direita do rio Sabor (Bacia Hidrográfica do Rio Douro), situado na
proximidade de Santa Comba de Rossas, na proximidade de Bragança. Vários
estudos (TEIXEIRA, 2006; SILVA, 2010) destacam uma boa qualidade da água e
integridade ecológica nos cursos de água de montanha da região transmontana. No
entanto, em muitos troços estão presentes sinais de influência antrópica,
nomeadamente de agricultura, pastoreio e corte da vegetação ripícola. O troço
de aptidão exclusivamente salmonícola selecionado para o estudo apresentava
sinais de alguma perturbação, nomeadamente com o corte da galeria ripícola e a
homogeneidade do substrato, maioritariamente de granulometria fina, dominado
por areia e silte.
2.2 - Equipamento de PIT-Telemetria
A tecnologia de PIT-Telemetria (Passive Integrated Transponder- Telemetry)
usada baseia-se num data-logger, unidade MPD (Multi-Point Decoder) (UKID
Systems Ltd, Preston, U.K.). Esta unidade está conectada, através de cabos de
10 metros, com um sistema de 8 antenas, sendo alimentada por uma bateria
recarregável de 24 volts (18 Ah) que permite o registo contínuo de dados
durante pelo menos 24 horas. Cada antena (painel circular com dimensões de 300
mm de diâmetro e 22 mm de espessura) opera numa frequência de 134 kHz e tem um
limite máximo de deteção de aproximadamente 90 mm para os transmissores 122IJ
(PIT-Tags com dimensão de 12,0 mm comprimento x 2,1 mm de diâmetro; UKID
Systems) utilizados neste estudo. Este sistema tem capacidade para armazenar na
memória do data-logger, mais de 1200 registos individuais (códigos de
identificação únicos) ao longo do tempo. No sentido de reduzir o número de
eventos repetitivos, motivado pela permanência de um peixe sobre ou no raio de
deteção duma mesma antena, utilizou-se um filtro, de modo a registar apenas as
leituras com um intervalo de tempo mínimo de 25 segundos. O output dos dados de
identificação (ID) foi descarregado do MPD (via RS232) para um ficheiro excelde
um computador pessoal.
2.3 - Amostragem de campo
Foi selecionado um troço representativo do curso de água na zona de cabeceira,
com uma extensão de 30 metros de comprimento, e uma largura e profundidade
médias de, respetivamente, 4,5 e 0,5 metros, incluindo uma sequência riffle/
pool, típica dos habitats de rios de montanha na região transmontana. Promoveu-
se a melhoria do habitat pela incorporação de blocos e ramos de vegetação que
garantissem à fauna piscícola diferentes mosaicos de microhabitats e uma gama
heterogénea de condições ambientais, nomeadamente ao nível da velocidade da
corrente, substrato e cobertura. A avaliação do habitat aquático disponível,
analisado antes das experiências de PIT-Telemetria, baseou-se em transectos,
realizados perpendicularmente ao fluxo principal do curso de água. Em cada
transecto, foram feitas medições, com um espaçamento de 50 cm, numa área pré-
definida (20 x20 cm) e determinadas as seguintes variáveis: 1) profundidade
total (medida com uma vara graduada); 2) velocidade da corrente na coluna de
água, medida a 0,6 da profundidade total (para uma profundidade total < 75 cm)
e a 0,8 e 0,2 da profundidade total (para uma profundidade total > 75 cm)
(molinete- Modelo Valeport); 3) velocidade da corrente próximo do leito; 3)
substrato dominante (classes definidas na Tabela_1) (medição da dimensão média
das partículas dominantes do substrato); 4) cobertura (Tabela_2); 5) distância
à margem mais próxima e 6) distância ao riffle.
A composição do substrato foi determinada de acordo com a Tabela_1.
Os tipos de cobertura considerados são apresentados na Tabela_2.
Em Junho de 2010, antes de iniciar a experiência, toda o troço de estudo foi
sujeito à realização de várias pescas elétricas (HANS GRASSL DC, 1,5 W, 300/600
volts) de modo a capturar a totalidade de peixes nativos presentes.
Posteriormente, o troço foi delimitado com redes (malha de 0,5 cm), de modo a
evitar fenómenos de migração que pudessem afetar o comportamento dos peixes
marcados. Foram registados vários dados biométricos, nomeadamente o comprimento
(medido com um ictiómetro) e o peso (balança digital) e retiradas escamas (para
determinação da idade) da população residente. As trutas residentes foram
marcadas com PIT-Tags e, depois de um período de recuperação de aproximadamente
duas horas, libertadas no troço previamente definido. Foi então estabelecida
uma condição simpátricana área confinada, mediante a incorporação de trutas
domésticas. Destas, metade foram criadas em condições similares aos peixes de
cativeiro, i.e.com densidades elevadas em tanques de cimento, enquanto a outra
metade foi aclimatada, no último mês, num tanque de terra, de modo a encontrar
condições mais próximas do habitat natural (i.e.com alimento natural e
refúgios). Antes do processo de marcação, os peixes foram anestesiados com uma
solução de 2-phenoxy-ethanol(0,25 ml.L-1) e a região abdominal desinfectada
(Betadine ®). A marcação foi feita com uma pistola acoplada com uma agulha
esterilizada e cirurgicamente implantada na cavidade intraperitoneal do peixe
(Figura_1).
Foram cirurgicamente implantados 60 PIT-tags (12,0 mm comprimento x 2,1 mm
diâmetro) distribuídos por trutas juvenis de idade 1+, criadas em cativeiro
(12,518,1 cm LT, 16,8-59,9 g), (20 exemplares provenientes de tanques de
cimento e 20 exemplares provenientes de tanques de terra) e por trutas
selvagens, de várias classes etárias (8,0-16,0 cm LT, 4,5-29,8 g) (20
exemplares, capturados previamente através de pesca elétrica no local de
estudo). Experiências realizadas em meio controlado (Posto Aquícola de
Castrelos) demonstraram taxas de sobrevivência de 95% e uma cicatrização rápida
e efetiva dos tecidos lesados pela incorporação do PIT-Tag. A unidade MPD, a
instalação das antenas e a aquisição de dados foi realizada de modo similar ao
definido no trabalho de RILEY et al.(2003). Contudo, foi usada uma distribuição
aleatória das 8 antenas, cuja posição foi alterada com intervalos de três dias.
Imediatamente após a instalação das antenas foram recolhidas informações
detalhadas por antena relativas às variáveis da profundidade total, substrato
dominante, velocidade da corrente na coluna de água e na proximidade da antena,
cobertura aquática, ensombramento e distâncias à margem mais próxima e ao
riffle(secção de montante). No sentido de minimizar o efeito visual da antena
foi colocada uma camada do substrato adjacente.
Durante as experiências de campo verificaram-se condições climatéricas
praticamente inalteráveis, com temperaturas da água que variaram entre 18 e 19
ºC. Alguns dos parâmetros físico-químicos foram medidos no campo através de
equipamentos potenciométricos, nomeadamente a condutividade, pH, temperatura e
oxigénio dissolvido. Os parâmetros da alcalinidade, dureza total, e o teor de
nitratos e fosfatos foram determinados em laboratório.
2.4 - Tratamento estatístico
As análises estatísticas basearam-se nos registos obtidos a partir do MPD
durante o período de amostragem e tiveram em consideração: 1) frequências
repetidas(todos os eventos registados ao longo do tempo sobre cada antena) e 2)
frequências não repetidas(os registos repetidos de cada peixe sobre uma antena
não foram considerados). Foi aplicada uma técnica de análise multivariada aos
dados obtidos, nomeadamente a análise não-métrica multidimensional (NMDS), que
consiste num método de ordenação baseado em ranksestabelecidos a partir da
matriz de similaridades de BRAY-CURTIS, que foi aplicada quer às frequências
repetidas quer às frequências não repetidas, para deteção de potenciais
comportamentos diferentes entre os grupos de trutas considerados i.e., 1)
trutas selvagens e 2) trutas domésticas criadas em 2a) tanques convencionais de
cimento e 2b) aclimatadas em tanques de terra. Para avaliar a ligação
estabelecida entre as variáveis ambientais e o microhabitat usado pelos peixes
foi executada uma análise de redundância baseada em distâncias (dbRDA). A dbRDA
permite testar a significância dos termos que interagem num dado modelo
(LEGENDRE e ANDERSON, 1999). Desta forma é possibilitada a análise comparativa
de duas matrizes de dados de natureza distinta, envolvendo os dados ecológicos
e ambientais. Por fim, realizou-se uma análise multivariada de similaridades
mediante a aplicação de um teste não-paramétrico (one-wayANOSIM test) à matriz
de similaridade de BRAY-CURTIS para avaliar as diferenças significativas entre
os três grupos considerados. Estas análises foram efetuadas com o packagePRIMER
6 + PERMANOVA (CLARKE e GORLEY, 2006) Os dados das frequências repetidas e não
repetidas foram log-transformados [log (x+1)] e as variáveis ambientais
estandardizadas. As diferenças entre os grupos de trutas consideradas para as
variáveis do microhabitat definidas foram avaliadas através de testes de
KRUSKALL-WALLIS (H), uma vez que os dados não se ajustavam a uma distribuição
normal (foi realizado o teste de BARTLET). Estas análises estatísticas foram
realizadas com o programa STATISTICA 7.0 (STATSOFT, 2004).
3 - Resultados
No troço de estudo, observou-se uma boa qualidade da água. De facto, segundo o
D.L. 236/98 de 1 de Agosto, nenhum dos parâmetros físico-químicos ultrapassou
os Valores Máximos Recomendáveis (VMR). Foram determinados os valores dos
seguintes parâmetros físico-químicos: condutividade elétrica EC< 50 µS.cm-
1,temperatura T < 19 oC, oxigénio dissolvido O.D.> 8,5 mgO2.L-1e baixos teores
de nitratos N-NO3-< 0,05 mg.L-1e de fosfatos P-PO43-< 0,01 mg.L-1. A geologia
presente, composta por granitos, contribuiu marcadamente para a água elevada
acidez (pH < 6,5), uma baixa taxa de mineralização e de capacidade
tamponizante, confirmada pelos valores assumidos pela alcalinidade < 15 mg
HCO3-.L-1 e dureza total < 18 mg CaCO3.L-1.
Foram identificados com sucesso pelo MPD um total de 30 154 registos (códigos
de identificação únicos dos PIT-Tag) realçando-se o facto de somente 0,07%
corresponderem a códigos de PIT-Tags não identificados. Do total das 60 trutas
marcadas com PIT-Tags, foram detetadas, pelo menos por uma vez, 80,0% (32
indivíduos) para as duas modalidades de trutas domésticas consideradas, i.e.1)
criadas em tanques de cimento; 2) aclimatadas em tanques de terra, e 60,0% (12
indivíduos) das trutas selvagens. Comparativamente, o maior número de deteção
em termos de frequências repetidas correspondeu às trutas domésticas criadas em
tanques de cimento (43,5% do total de registos), seguidas das trutas
aclimatadas em tanques de terra (34,0%) e finalmente das trutas selvagens
(22,5%). Quando analisados os dados em termos de frequências não repetidas não
se verificou a mesma tendência. Assim, do total de registos, 49,8% referem-se a
movimentos das trutas domésticas aclimatadas aos tanques de terra invertendo a
posição com as trutas domésticas criadas nos tanques de cimentos, com 39,1% dos
registos e finalmente apenas 11,1% dos registos corresponderam às trutas
selvagens. Relativamente ao habitat disponível avaliado foram encontrados os
seguintes valores referentes às variáveis do microhabitat definidas 1)
profundidade total: 50 cm ± 0,15 S.E. (profundidade máxima= 80 cm) 2)
velocidade média da coluna de água (0,085 ± 0,04 m.s-1S.E.; velocidade máxima
no riffle- 1,10 m.s-1) 3) composição do substrato: domínio de areia, seixos e
pedras; 4) cobertura: composta por vegetação ripícola pendente e pela melhoria
do habitat incrementada com blocos e ramos de vegetação incorporada no meio
aquático. Relativamente ao uso do habitat detetaram-se diferenças entre as
trutas selvagens e as trutas domésticas para a maioria das variáveis
consideradas (Tabela_3).
Baseado nas frequências repetidas, foram observadas diferenças altamente
significativas para a profundidade total entre o grupo das trutas domésticas
provenientes de tanques de cimento e ambos os grupos das trutas selvagens e das
trutas aclimatadas em tanques de terra (P< 0,001, teste H). Também para as
velocidades da corrente (na coluna de água e próximo do leito) se obtiveram
diferenças significativas entre os grupos anteriormente mencionados (P< 0,05,
teste H). As trutas nativas ocuparam preferencialmente posições com refúgio,
junto aos riffles, em zonas privilegiadas pela proximidade ao alimento. Também
demonstraram preferência por locais junto às margens, onde foi promovida a
melhoria do habitat piscícola, pelo ensombramento das ramagens colocadas e o
refúgio proporcionado pelos blocos incorporados pelas ações de melhoria do
habitat piscícola. Tendo em consideração a aclimatação ao meio selvagem,
verificou-se que o comportamento das trutas domésticas diferiu mais
marcadamente (P< 0,01, teste H) para a cobertura, mais procurada pelas trutas
provenientes dos tanques de terra. A ligação entre as variáveis do microhabitat
e as trutas selvagens e domésticas estão apresentadas na Figura_2. Registo para
o facto dos dois primeiros eixos da análise dbRDA (dbRDA1e dbRDA2) explicarem
64,5% da relação entre as populações de trutas domésticas e selvagens e os
parâmetros ambientais.
As variáveis relativas às velocidades da corrente na coluna de água e no leito,
a profundidade e o substrato estruturaram a ocupação do espaço pelas diferentes
populações. As trutas nativas, ainda que com exceções provavelmente
relacionadas com a hierarquia social estabelecida, demonstraram ocupar
maioritariamente os locais na proximidade do riffle, teoricamente mais
favoráveis em termos da proximidade ao alimento, confirmando a tendência
evidenciada numa primeira análise dos dados.
Por sua vez a ordenação NMDS (Figura_3) mostrou, num espaço bidimensional, uma
separação mais evidente entre trutas nativas e as trutas domésticas aclimatadas
previamente em tanques de terra com as trutas domésticas criadas segundo moldes
convencionais, i.e.com elevadas densidades e em tanques de cimento, embora nem
todos os indivíduos manifestem o mesmo comportamento. Registo para o valor do
stressobtido na ordenação, tendo em conta as frequências não repetidas, que foi
de 0,22, que significa uma razoável representação dos dados obtidos (CLARKE e
WARWICK, 1994).
Os testes one-way ANOSIMvieram confirmar as tendências observadas na ordenação
NMDS tendo sido somente detetadas diferenças significativas (P<0,05) entre as
trutas selvagens e as trutas domésticas criadas em tanques de cimento e entre
as duas classes de trutas domésticas.
Finalmente, registo para o facto de quatro (4) trutas selvagens e oito (8)
trutas domésticas, cinco (5) das quais provenientes de tanques de cimento e
três (3) de tanques de terra, não terem sido identificadas pelo MPD, nem
capturadas pela pesca elétrica efetuada no final das experiências. Tal facto
pode sugerir a ocorrência de mortalidade e/ou a expulsão dos tagsdepois da
implantação cirúrgica. Contudo, em todos os indivíduos capturados no fim do
estudo (2 meses após) verificou-se que as suturas de incisão dos tags estavam
bem cicatrizadas.
4 - Discussão
O presente estudo desenvolvido no Rio Penacal permitiu verificar através da
PIT-Telemetria que as trutas criadas em cativeiro de modo convencional (i.e.em
tanques de cimento, com elevadas densidades) mostraram um uso distinto do
microhabitat, quando comparadas não só com as trutas selvagens como também com
as trutas previamente aclimatadas ao meio selvagem. Como seria de esperar as
trutas selvagens manifestaram um comportamento que lhes permitiu uma adaptação
efetiva ao meio natural. Esta tendência foi também observada noutros rios do
Nordeste Transmontano (rios Baceiro e Sabor) (TEIXEIRA, 2006; TEIXEIRA et al.,
2006; TEIXEIRA e CORTES, 2007) embora não tenha sido estudado o comportamento
das trutas previamente aclimatadas ao meio selvagem. De facto, as baixas taxas
de sucesso detetadas (i.e.inferiores a 10%) nos repovoamentos efetuados na
região (CORTES et al., 1998; TEIXEIRA et al., 2006) poderão estar associadas a
inadequadas técnicas de estabulação, transporte e libertação dos peixes no meio
selvagem. A prévia aclimatação dos peixes em tanques de terra permitiu, num
período de transição, uma adaptação às condições ambientais similares ao meio
selvagem. Assim, para além terem sido mantidos com uma densidade baixa, as
trutas domésticas tiveram oportunidade de iniciar o processo de aprendizagem
da captura de alimento natural (i.e., larvas de invertebrados), procura de
refúgio (i.e.mosaico heterogéneo de substrato) e inclusive de segregação
espácio-temporal (i.e.hierarquia social), essencial para a exploração
conveniente dos recursos disponíveis. A sobrevivência no meio aquático selvagem
só é possível se os gastos energéticos associados à mobilidade (e.g.reprodução)
forem devidamente compensados com a obtenção de alimento. Nesta medida, os
decréscimos significativos observados nos peixes domésticos em termos da sua
condição física resultam do comportamento errático que demonstram e que
implicam gastos energéticos avultados que, muitas vezes, estão na origem da
morte do peixe. De facto, a maior proporção de registos detetados no estudo
corresponderam às trutas domésticas, confirmando a elevada mobilidade destes
animais e sugerindo a baixa capacidade de definir um território e área de
refúgio, normalmente encontrada nos salmonídeos selvagens (FAUSCH, 1984).
Segundo TEIXEIRA (2006), os repovoamentos feitos com animais criadas em moldes
convencionais têm por isso um efeito muito ténue a nível espacial e temporal,
não contribuindo para um incremento sustentável das populações selvagens.
Muitas vezes, a elevada densidade resultante da agregação nos locais de
libertação implica a supressão de hierarquias sociais normalmente estabelecidas
e a ocorrência de fenómenos agonísticos importantes associados à elevada
agressividade que manifestam nas interações estabelecidas (STEWARD e BJORNN,
1990; DEVERILL et al.,1999). Uma consequência imediata poderá resultar no
deslocamento dos peixes selvagens para posições energeticamente desfavoráveis,
com os impactos negativos decorrentes ao nível do crescimento e sobrevivência
das populações naturais (WEBER e FAUSCH, 2003). Contudo, TEIXEIRA (2006)
encontrou uma segregação espacial entre trutas nativas e domésticas nos rios
Sabor e Baceiro (Nordeste de Portugal), advogando uma partilha de recursos
resultante de um comportamento distinto na exploração do habitat e alimento do
meio selvagem. Os dados obtidos neste estudo, nomeadamente com a utilização de
trutas domésticas previamente aclimatadas ao meio natural, permitem acalentar
uma maior probabilidade de sucesso sempre e quando os animais a introduzir
sejam preparados para o ambiente selvagem que vão encontrar. Obviamente que,
à luz dos conhecimentos atuais, estas ações de repovoamento deverão ser
efetuadas apenas em condições particulares (e.g.como resposta à extinção duma
dada população ou à demanda por parte da pesca desportiva em zonas de rios
consideradas não prioritárias em termos de conservação pela integridade
ecológica demonstrada) e usando stocksde reprodutores previamente capturados
nas mesmas massas hídricas, de modo a evitar qualquer risco ecológico e de
contaminação (introgressão) genética (WARD, 2006).
Relativamente à informação obtida a partir dos dados referentes à PIT-
Telemetria, deve referir-se que esta metodologia, à semelhança de outras, tem
também algumas desvantagens (RILEYet al.,2003; CUCHEROUSSET et al.,2005). A
principal desvantagem consiste no raio de deteção ser muito baixos (apenas 9
cm, exteriormente a cada antena) comparativamente com toda a área disponível,
obtendo-se sempre subestimativas das ocupações do habitat pelos peixes ao longo
do tempo. Nesta medida, à semelhança doutros estudos (TEIXEIRAe CORTES, 2011),
a conjugação desta tecnologia, que apresenta as vantagens do tempo de vida
indefinida dos tags, custos baixos e uma resolução importante ao nível do
microhabitat, com outras, como a radiotelemetria, poderá ampliar o leque de
informações úteis para uma eficiente monitorização e gestão de populações
piscícolas.
Finalmente importa referir que enquanto a manipulação do biota, mediante a
realização de repovoamentos piscícolas, pode ter um efeito relativamente
limitado no espaço e no tempo, a melhoria do habitat piscícola garante, a longo
prazo, uma maior possibilidade dos rios albergarem densidades superiores de
peixes autóctones selvagens. A intervenção adequada ao nível do habitat pode
favorecer a capacidade biogénica do ecossistema aquático e beneficiar a
autosustentabilidade das populações selvagens pela capacidade de proporcionar
novas zonas de alimentação, refúgio e desova.