RELAÇÕES DE PRODUTIVIDADE, ÁREA FOLHEAR E ALTERNÂNCIA
NA MACIEIRA BRAVO DE ESMOLFE
INTRODUÇÃO
A difusão massiva das cultivares americanas, alicerçada sobretudo nas suas enormes
vantagens de uniformidade e regularidade produtivas, atractividade e docilidade de cultivo
remeteu para segundo plano as variedades
regionais, origem de diversidade de sabores e
características organoléticas, é facto apontado
como a principal causa de uma monotonia de
paladares que os consumidores foram
rejeitando, tal como se referia Natividade
(1960).
O ressurgimento do interesse do consumidor pelas variedades regionais, nos finais
dos anos oitenta do século passado, em
particular pela Bravo de Esmolfe, é frequentemente atribuído a três tipos de causas (Iber,
1994): a) a saturação causada pelas poucas
variedades comerciais que passaram a dominar
e abastecer os mercados a partir dos anos
sessenta; b) a origem da província da
esmagadora maioria dos consumidores que a
partir de então foram povoando os centros
urbanos e suas periferias, e a consequente
procura dos velhos sabores e aromas das
variedades regionais; e c) as características dos
frutos desta variedade, principalmente a baixa
acidez, sabor e aroma próprios.
Contudo, a Bravo de Esmolfe enferma de
uma série de defeitos, tanto ao nível da árvore
como do fruto, que dificultam e encarecem a
sua exploração comercial. O elevado vigor e
arborescência, o porte erecto e ângulos
fechados de inserção dos ramos, a baixa
produtividade e a marcada tendência para
alternância, assim como a heterogeneidade e
queda acentuada dos frutos em pré-colheita, a
sua extrema susceptibilidade ao manuseamento e fraco poder de conservação (Cavalheiro, 2001). Se os três primeiros são naturalmente resolvidos pelo porta-enxerto
ananicante, a tendência alternante não, e requer
um refinamento da tecnologia de produção.
Ora, esse refinamento passa pelo conhecimento de algumas relações de produtividade,
e sua aplicação pelo produtor.
A alternância, tal como já foi referido, é
uma característica vincada desta variedade, em
que o consentimento de produções excessivas
num determinado ano se repercute de forma
evidente na(s) campanha(s) seguinte(s). Ela
deve-se em grande medida à inibição do
processo de diferenciação floral causado pela
excessiva produção de giberelinas pelas
sementes das maçãs na sua fase de formação,
e também ao consumo excessivo de reservas
da planta em anos de grande produção
(Westwood, 1978).
Assim, a monda atempada de frutos inserida num contexto práticas culturais sistemáticas, feitas adequadamente, assume
particular importância, pois tende a contribuir
para a atenuação da ocorrência deste fenómeno.
A essência deste trabalho reside na busca
de um certo equilíbrio entre a produção
esperada e a área foliar da planta, que é um
parâmetro indicativo da capacidade produtiva
da macieira. Evita-se assim, ou pelo menos
atenua-se, a sua forte tendência para alternar
as produções, e esbatem-se as manifestações
de safra e contra-safra que lhe são tão características, e que reduzem a capacidade
concorrencial do produtor.
MATERIAL E MÉTODOS
Num pomar da Estação Agrária de Viseu
foram seleccionadas 30 macieiras de estatura
semelhante e que apresentaram diferentes
níveis de produtividade no ano de 2004 (Sá,
2005). As árvores são de um ensaio de selecção
formado por vários clones oriundos de Trásos-Montes, Beira Interior e Beira Litoral, e
encontravam-se em 2004 na sua oitava folha.
O terreno da parcela em causa é de
aluvissolos, com 3% de declive para Sul, e situase à cota de 443 metros. O solo é de origem
granítica, de textura franco-arenosa,
apresentando-se ligeiramente ácido (pHágua=6,7).
A instalação deste pomar foi feita em
Março de 1997, utilizando como porta-enxerto
o EMLA9. O compasso de plantação é de 4 x
1 metros, e a altura do ponto de enxertia das
árvores seleccionadas para estudo situou-se
entre 20 e 25 cm. Desde a instalação do ensaio,
um sistema de fertirrega localizada, com
microaspersores de 4 L.hora-1 afastados de 2
metros, a funcionar sempre que necessário.
A selecção das macieiras teve também em
conta a estatura e os níveis de produtividade
em 2004 (22 a 1262 g/cm2 de área de tronco)
apurados com base em dados do respectivo
historial recente. Após os primeiros sinais
de início de queda da folhagem (Novembro
de 2004) foi feita a recolha das folhas e a
respectiva contagem. Com base na medição
da área foliar individual, em cinco amostras
de trinta folhas por planta, procedeu-se à
estimação da área foliar total de cada árvore.
Em Fevereiro foi feita a poda das árvores
seleccionadas e pesou-se a respectiva lenha;
contabilizou-se o número de ramos suprimidos, bem como o número de gomos
supostamente florais presentes nos ramos
eliminados pela poda. Com a finalidade de
obter uma indicação da produção da campanha
de 2005, realizou-se no princípio de Abril a
contagem das inflorescên-cias ou corimbos,
bem como a dos frutos vingados na mesma
campanha, em finais de Maio. Em Setembro
de 2005 contou-se os frutos produzidos e
pesou-se, e considerou-se o historial produtivo
de cada árvore: número de maçãs produzidas
em 2003 e 2004, e peso da produção; diâmetro
do tronco (em cm, medido 10 cm acima do
solo) em 2004. Foram calculados alguns
parâmetros essenciais ao tratamento e análise
dos dados, nomeadamente o peso médio dos
frutos de cada macieira, a área da secção do
tronco (cm2), a área foliar por planta e a área
média por folha, em cm2. Após a ordenação
de todos os dados foram feitas algumas
relações entre variáveis, a fim de verificar a
sua ordem de grandeza e estabilidade de
comportamento, designadamente:
Relação entre a produção (g) e o número
de folhas por macieira, em 2004;
Relação entre número de flores contadas
em 2005 e número de folhas de 2004;
Relação entre o número de flores em 2005
e o número de maçãs produzidas em
2004;
Relação entre a produção de 2004 (kg) e a
área de tronco (cm2);
Relação entre o número de maçãs (2004)
e o diâmetro da macieira.
Relação entre o número de folhas (2004)
e o número de maçãs (2004);
Relação entre o número de folhas e área
do tronco; e
Relação entre o número de folhas e a área
foliar por planta (m2).
De seguida fez-se uma análise multivariada, englobando todos os parâmetros
susceptíveis de tratamento em conjunto, com
o programa StatView 5.0.1, 1992 – 98, SAS
Institute, Inc.).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise multivariada teve em conta
apenas os factores 1 e 2, uma vez que estes
explicam grande parte da variância total
(Figura 1 e Quadro 1). A Figura 1 permite
visualizar o posicionamento relativo dos
diversos dos diversos parâmetros medidos e
calculados.
É evidente a existência de agrupamentos
de parâmetros muito bem definidos, designadamente os respeitantes à produção e
produtividade, os relativos à qualidade e
regularidade produtivas, e ainda um conjunto
de outros, representativos do vigor das árvores.
A Figura 1 mostra também que os parâmetros
de produção e produtividade estão em clara
oposição aos de qualidade e regularidade
produtivas, perante o Factor 1. Importa referir
a relativa neutralidade dos parâmetros
representativos do vigor, quando comparados
com os outros agrupamentos. O elevado grau
de dependência que caracteriza os parâmetros
representativos do vigor constituem o conjunto
mais agregado.
A acentuada oposição entre os parâmetros
de produção/produtividade e qualidade/
regularidade produtivas verificada perante o
Factor 1 serviu-nos de base de trabalho na
busca de relações de produtividade e níveis
de área foliar por fruto produzido que estão
subjacentes aos equilíbrios produção/vegetação necessários a uma boa gestão do comportamento das árvores. Por isso foram estabelecidas algumas relações entre parâmetros.
Assim, a Figura 2 evidencia a relação
inversa entre o peso médio dos frutos e a
produtividade, expressa em número de maçãs
por cada cm de diâmetro de tronco, que serve
de indicador da capacidade produtiva das
macieiras.
De acordo com a Figura 2, maçãs de peso
médio entre 110 e 140 g, características da
variedade e comercialmente aceitáveis, podem
esperar-se de árvores com produtividade
entre 20 e 30 frutos por centímetro de
diâmetro do tronco.
De igual modo, ao relacionarmos o peso
médio dos frutos e a produtividade expressa
em g de maçã por folha (Figura 3), verifica-se
uma correlação negativa.
De acordo com a Figura 3, para maçãs de
peso médio entre 110 e 140 g verifica-se que
a produtividade folhear se situou entre 8 e 11
g de fruto por folha, o que equivale a 0,26 a
0,65 g de maçã por cm2 de folhas (tendo em
conta os limites mínimo e máximo de área
média das folhas de 17 e 31 cm2 encontrados
nas plantas seleccionadas).
Ao estabelecer a relação entre a produtividade e a razão de folhas por fruto produzido,
verifica-se que aos níveis de produtividade
apontados – 20 a 30 maçãs por cm de diâmetro
de tronco e 8 a 11 g de maçã por folha –
correspondem preferencialmente valores de 10
a 15 folhas por maçã (Figura 4), intervalos de
produtividade que parecem suportar um estado
de equilíbrio vegetação/produção aceitável.
Outro aspecto do qual não nos podemos
alhear é a elevada heterogeneidade que
caracteriza esta variedade em geral, e as diversas relações aqui estabelecidas em particular.
A fim de aferir acerca da validade dos
valores encontrados, procedeu-se à busca dos
casos produtivamente mais regulares de entre
as 30 árvores seleccionadas, tendo em conta
os valores de produção dos anos de 2003, 2004
e uma perspectiva da produção do ano de 2005
fornecida pelo número de corimbos e frutos
vingados. Este passo teve como fundamento
a confirmação dos valores de produtividade e
de níveis de área foliar por fruto produzido,
aparentemente indutores de equilíbrio produtivo, nos casos tidos como regulares. Esta
tarefa revelou-se algo complexa, pois devido a
grandes oscilações produtivas e elevada
heterogeneidade que caracterizam a Bravo de
Esmolfe dificultaram a identificação de tais
casos. Das 30 macieiras seleccionadas apenas
um caso (Clone 217, árvore 2 do primeiro bloco)
apresentou regularidade produtiva, embora
com níveis de produção relativamente baixos,
tal como se pode verificar pelos valores
presentes no Quadro 2.
Após a identificação do caso menos alternante procedeu-se à aferição dos resultados
obtidos, ou seja, pretendeu-se confrontar os
níveis encontrados como propiciadores de
equilíbrio produtivo (produtividade e área
foliar por maçã) com os valores observados
no ano de 2004. O Quadro 3 fornece essa
informação.
Assim, a árvore acima identificada está de
acordo com os intervalos de produtividade –
expressa em g de maçã/folha e em maçãs/cm
Ø) e razão de folhas/fruto – que anteriormente
foram encontrados como sendo passíveis de
manter as árvores em equilíbrio produtivo,
nomeadamente: 8 a 11 g de maçã/folha, o que
equivale a um intervalo de 0,40 a 0,55 g de
maçã por cm2 de folha (tendo em conta que a
área média das folhas da planta é cerca de 20
cm2); 20 a 30 maçãs por cm de diâmetro do
tronco, e uma razão de folhas por fruto da
ordem de 10 a 15. Tal significa que serão
necessários 180 a 250 cm 2 de folhas para
produzir 100 g de maçãs, o que está de acordo
com os valores observados por Heim et al.
(1979) que referem serem necessários cerca de
200 cm2 de folhas para produzir 100 g de maçã,
ou seja, 2 cm2 por grama de fruto.
Importa salientar os intervalos relativamente amplos a que o nosso estudo conduziu,
cremos que em boa parte devido à elevada
heterogeneidade que caracteriza a variedade,
em termos produtivos, mas também por se ter
apoiado num número de árvores relativamente
baixo.
Face aos valores da razão de folhas/maçã
indicados na bibliografia consultada, e aos por
nós obtidos, verificamos que a Bravo de
Esmolfe requer menor número de folhas por
cada maçã produzida (10 a 15) do que o
recomendado por Teskey e Shoemaker (1978),
Westwood (1978) e Ryugo (1988), pois estes
sugerem 25 a 40 folhas por maçã.
Importa contudo referir que aqueles
autores não especificam as variedades e não
indicam os valores de peso médio das maçãs
para as quais recomendam aqueles índices,
mas admitimos que se reportem à Golden
Delicious ou às Red Delicious, cujo peso por
fruto é 30 a 50% superior ao da Bravo de
Esmolfe, ou mesmo mais. Nestas circunstâncias podemos ser levados a admitir que a nossa
variedade regional apresenta elevada eficiência produtiva, ou então que as observações que
conduziram aos índices de referência se
realizaram sobre árvores muito mais frondosas
e de copas mais densas, em que uma parte
substancial da folhagem tinha baixa produtividade.
CONCLUSÕES
Num contexto de heterogeneidade e acentuada tendência para as oscilações de produção
que esta variedade apresenta, uma adequação
entre as capacidades produtivas e as produções
efectivamente obtidas torna-se fundamental.
Assim, de acordo com a informação recolhida,
e após a sua análise, valores de produtividades
entre 8 e 11 g de maçã por cada folha, ou 20 a
30 maçãs por cm de diâmetro de tronco conduziram à formação de frutos, na campanha de
2004, com pesos médios de 110 a 140 g.
Relacionando tais intervalos de produtividade com a razão de folhas por fruto, foram
obtidos valores de 10 a 15 folhas por maçã
produzida, tendo sido idêntica razão encontrada
no caso menos alternante. Assim, valores de
folhas por fruto abrangidos por aquele intervalo
parecem contribuir para a atenuação do
fenómeno da alternância, pois asseguram uma
carga frutífera não inibidora do processo de
diferenciação floral, bem como permitem um
consumo adequado de reservas da árvore, não
comprometendo a produção do ano seguinte.
Por isso, a monda atempada de flores e/ou
frutos reveste-se de extrema importância para
o alcance do equilíbrio produção/vegetação.
Contudo, o sucesso desta operação e o
consequente ajustamento produtivo é
bastante influenciado pelo momento em que
se faz a monda, uma vez que mondas tardias
não surtem o melhor efeito.
É também importante evidenciar a
conveniência de proceder à monda dos frutos
inserindo-a num contexto de práticas culturais
sistemáticas, feitas adequadamente, a fim de
optimizar os seus efeitos. A importância das
condições climáticas é inegável, pois a ocorrência de condições desfavoráveis em alturas
como a floração e vingamento dos frutos, pode
influenciar negativamente todo o esforço de
ajustamento produtivo.
Porém, as ilações extraídas deste trabalho
não podem ignorar a heterogeneidade que
caracteriza a variedade, e as relações estabelecidas no âmbito do presente trabalho em
particular. Destas circunstâncias deriva o facto
de os intervalos encontrados de produtividade
(em especial quando expressa em g de maçã/
folha ou maçãs/cm de diâmetro do tronco),
bem como a razão folhas/fruto como sendo
propiciadores de equilíbrio produtivo, não
serem estanques e inflexíveis, pelo que tais
valores são apenas uma indicação que se
deseja pertinente, tanto para produtores como
para técnicos. Devemos no entanto sublinhar
que os valores apresentados resultam apenas
de um ano de observação, pelo que se impõe a
necessidade de realização de mais estudo antes
de os tomar como definitivos.