VARIABILIDADE DA INFESTAÇÃO EM DUAS VARIEDADES
DE TRIGO MOLE (TRITICUM AESTIVUM L.). II – EM FUNÇÃO
DE CARACTERÍSTICAS RELATIVAS À CAPACIDADE
COMPETITIVA DO TRIGO
INTRODUÇÃO
Algumas cultivares de trigo conseguem
estar mais adaptadas à presença da flora
infestante, apresentando, assim, maior capacidade competitiva (Chalhaiah et al., 1986;
Ramsel & Wicks, 1988; Singh et al., 1999).
Esta permite-lhes, em geral, afectarem a densidade populacional de plantas infestantes e
atingirem maior produção de grão.
Em geral, os genótipos bem adaptados à
competição com as infestantes podem ser uma
solução para utilizar nas estratégias de controlo
das espécies prejudiciais à cultura (Chalhaiah
et al., 1986; Carvalho, 1994; Champion et al.,
1998; Singh et al., 1999; Bastiaans et al., 2000;
Weiner et al., 2001). Apesar do melhoramento
ter apostado em variedades com menor
biomassa vegetativa (porte mais baixo) e com
um acréscimo do número de grãos por metro
quadrado, parece haver outras características
importantes para a competição com as espécies
nocivas, como a antecipação do crescimento das
plantas cultivadas, nomeadamente, o desenvolvimento foliar. Através do conhecimento
da resposta de diferentes genótipos à presença
de infestantes, obter-se-á informação para a
gestão desta flora (Chalhaiah et al., 1986).
A pesquisa de genótipos competitivos perante espécies infestantes, pode ser efectuada
através da selecção directa de germoplasma
na presença dessa flora indesejada ou indirecta
por via das características do crescimento das
plantas da cultura que estão correlacionadas
com essa capacidade (Lemerle et al., 1996a).
Actualmente, conforme referem Maçãs et al.
(1998), ao melhoramento genético de cereais
também lhe deve ser exigido, que o comportamento de novas variedades seja caracterizado
pela adaptabilidade e, por esta via, possa
contribuir para a sustentabilidade do sistema.
Diversos estudos já foram realizados sobre
a parte aérea das plantas, que intercepta mais
ou menos luz e com este processo aumenta ou
diminui a competitividade (Appleby et al.,
1976; Wicks et al., 1986, 1994; Lemerle et al.,
1996b, 2001; Cosser et al., 1997; Champion
et al., 1998; Martínez-Ghersa et al., 2000;
Korres & Froud-Williams, 2002). Assim,
algumas características morfológicas dos
genótipos de trigo, tais como; o vigor inicial,
o número de filhos, o tamanho da folha e a
altura das plantas, estão correlacionadas com
a capacidade de competirem com plantas
infestantes (Chalhaiah et al., 1986; Lemerle
et al., 1996a, 1996b; Légère & Bai, 1999).
Lemerle et al. (2001) referem que um genótipo bem adaptado relativamente à infestação deve apresentar os atributos referidos e
boa produção quando misturado na comunidade. Esta capacidade está assim relacionada
com as características morfológicas, fisiológicas e bioquímicas das plantas cultivadas,
sendo também influenciada pela disponibilidade dos recursos, caracterização da população
de infestantes e condições ambientais (Lemerle et al., 2001). Portanto, é uma característica relativa e não absoluta (Korres & FroudWilliams, 2002).
Como a altura da palha e a capacidade de
afilhamento estão associadas à competitividade das variedades (Korres & Froud-Williams, 2002), neste trabalho compararam-se duas variedades morfologicamente diferentes ao nível destas características (altura e afilhamento), semeadas em datas diferentes
e sujeitas ao efeito de infestação diferente.
Sabendo que o melhoramento deve assentar
em critérios de selecção múltiplos e variados,
esta informação pode ser usada pelo melhorador, nomeadamente em linhas de investigação destinadas à selecção de genótipos
competitivos, que deve ser uma das componentes da agricultura sustentável.
Pretendia-se, assim, conhecer a possibilidade de características do trigo se relacionarem
com a sua capacidade competitiva perante a
flora infestante, naquilo que será uma contribuição conjunta da fitotecnia e do melhoramento, conforme refere Carvalho (1994), para
a redução da utilização de herbicidas. Estamos,
portanto, perante uma linha de trabalho
direccionada para a capacidade competitiva e
da qual beneficiariam os sistemas agrícolas,
sendo o melhoramento genético, também referido por Moreira (1980), como fundamental
para controlar a infestação.
MATERIAL E MÉTODOS
O ensaio decorreu na Herdade da Revelheira desde 1996/97 a 1999/00, a partir de
duas variedades de trigo mole, que à partida,
apresentavam características diferentes ao
nível da altura das plantas e da capacidade de
afilhamento, para verificar o seu comportamento perante as infestantes.
Para efectuar este estudo, utilizaram-se as
variedades Centauro e Sever (Sever com
maior altura e menor afilhamento do que a
variedade Centauro), sendo os talhões correspondentes, divididos e sujeitos aos tratamentos
de com e sem aplicação de herbicida em pós-emergência.
Quanto aos solos onde decorreu este
ensaio, foram o solo Mediterrâneo Pardo de
dioritos ou quartzodioritos ou rochas microfaneríticas ou cristalofílicas afins (Pm) nos
anos de 1996/97 e 1998/99, e o solo Mediterrâneo Vermelho ou Amarelo de dioritos ou
quartzodioritos ou rochas microfaneríticas ou
cristalofílicas afins (Vm) em 1997/98 e 1999/00.
A partir de várias amostras colhidas durante a execução do trabalho, os dez centímetros superficiais do solo Pm caracterizavam-se por uma textura franco-limosa e do
solo Vm por uma textura franco-arenosa.
Relativamente às condições climáticas
verificadas nos quatro anos de ensaio, apresentam-se nas Figuras 1 e 2 os valores mensais
da precipitação e das temperaturas médias,
máximas e mínimas do ar. Estes foram
registados numa estação meteorológica instalada na Herdade da Revelheira, onde
decorreram os trabalhos de campo. Por sua
vez, a precipitação mensal referente à média
da precipitação ocorrida em trinta anos, foi
obtida do Instituto Nacional de Meteorologia
e Geofísica (1991), a partir de valores registados na estação udométrica de Reguengos de
Monsaraz.
As técnicas culturais utilizadas durante o
ensaio, encontram-se sintetisadas no Quadro
1, excepto as colheitas, manual (subtalhão de
0,6 m2) e mecânica (talhão de 5,5 m2) realizada pela ceifeira debulhadora automotriz de
pequenas parcelas, que se efectuaram no mês
de Junho de cada um dos anos agrícolas
indicados. Como este ensaio decorreu nas
folhas destinadas à cultura do trigo da herdade
(1996/97 a 1999/00), foi efectuada uma
mobilização primária com a charrua de aivecas
ou com o escarificador pesado (“chisel”) na
Primavera ou no Verão do ano agrícola anterior ao das sementeiras. Para efectuar a
sementeira, utilizou-se o semeador de ensaios
“Wintersteiger”, que permite realizá-la em
pequenos talhões.
Tratamentos e delineamento experimental
Nos talhões das duas variedades em
estudo, realizaram-se os tratamentos de
controlo de infestantes em pós-emergência.
Assim, os tratamentos foram os seguintes.
- Datas de sementeira (talhão principal
com 2,4 por 10 metros).
-Duas variedades de trigo mole
(subtalhão com 1,2 por 5 metros).
- Dois níveis de controlo da infestação
de pós-emergência, sendo um com (ch)
e outro sem aplicação (sh) de herbicida
de pós-emergência (subsubtalhão).
O delineamento experimental foi em
blocos casualizados, com divisão do talhão para
as duas variedades de trigo mole, subdivisão
para os dois níveis de controlo de infestantes
em pós-emergência (“split-split-plot”) e quatro
repetições.
Observações e determinações
De acordo com o objectivo deste ensaio,
as observações realizadas na cultura do trigo
foram a produção e as suas componentes, e
nas infestantes, o número de plantas (total,
Monocotiledóneas e Dicotiledóneas) em duas
datas de leitura e a produção de matéria seca à
colheita do trigo. Cada data de leitura do
número de infestantes correspondeu a um
determinado estado vegetativo do trigo, sendo
a primeira realizada desde as duas folhas
expandidas até ao início do afilhamento e a
segunda ao espigamento, a que correspondem,
respectivamente, os códigos 12 a 20 e 53 a 59
na escala de Zadoks et al. (1974).
Para as contagens de plantas de trigo e de
infestantes, caules e espigas de trigo, foram
usados pequenos talhões de 0,6 m 2 (seis
linhas distanciadas 0,2 m com 0,5 m de
comprimento), um por cada subdivisão do
talhão principal (5,5 m 2 de área colhida),
tendo sido verificada nestes subtalhões, a
produção de grão de trigo, bem como a da
matéria seca do trigo e das plantas
infestantes (peso seco em estufa 65 ºC ± 48
horas). A produção de grão também foi
verificada no talhão principal, o peso do grão
obtido por contagem e pesagem de 500 grãos
e calcularam-se os números de grãos por
espiga e por metro quadrado, e o índice de
colheita.
Na análise de variância efectuada para três
anos (1996/97, 1998/99 e 1999/00), usou-se o
teste múltiplo de médias (“Duncan Multiple
Range Tests”) para um nível de probabilidade
de 5% (intervalo de confiança de 95%) e, nos
quadros apresentados no capítulo seguinte
(análise e discussão dos resultados), as letras
diferentes indicam valores médios diferentes.
O ano de 1997/98 não foi utilizado na análise
de variância, porque só foi realizada uma data
de sementeira devido à elevada precipitação
ocorrida no mês de Novembro de 1997 (Figura
1 (b)).
Para relacionar as características das plantas de trigo (altura e taxa de afilhamento) com
a infestação, usaram-se equações de regressão
obtidas a partir das verificações referentes à
primeira data de sementeira das duas variedades estudadas durante os quatro anos. A opção
pela primeira data de sementeira foi devida à
maior infestação verificada nessa data
relativamente à que foi observada na
segunda data de sementeira.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS
RESULTADOS
No Quadro 2, constata-se a existência de
diferenças na taxa de afilhamento e na altura
das plantas, apesar das duas variedades
utilizadas se classificarem como semi-anãs.
Embora a conjugação na mesma variedade
do maior afilhamento com plantas mais altas,
não ocorra nas que foram estudadas, verifica-se
no Quadro 2, que a Sever apresentou um melhor comportamento produtivo, com produções de grão e de matéria seca significativamente superiores. Por sua vez, a altura das
plantas foi maior e a infestação de Monocotiledóneas registada ao espigamento do trigo
(segunda leitura) foi significativamente mais
baixa.
No Quadro 3, constata-se que existiram
algumas diferenças na produtividade destas duas
variedades. Porém, em 1996/97 e 1999/00
produziram um número de espigas similar e
nos anos de 1996/97 e 1998/99 um número de
grãos não diferente estatisticamente. Por isso,
a Sever expressou um maior potencial
produtivo em 1996/97 e 1998/99, principalmente, devido à componente peso do grão.
Aliás, um atributo desta variedade, parece
ser a capacidade de suportar situações de
stress durante o enchimento do grão, o que
lhe permite, nas nossas condições
mediterrânicas, apresentar um elevado
potencial ao nível desta componente da
produção (Dias et al., 1998).
Afilhamento
Quando as sementeiras do trigo são
realizadas até ao início de Novembro, há maior
probabilidade de ocorrerem infestações mais
elevadas na cultura, sobretudo se ainda não
emergiu uma grande proporção da população
potencial. Nesta situação, será de extrema
importância a capacidade competitiva da
variedade de trigo, que dependerá do vigor e
do crescimento inicial (Froud-Williams, 1997;
Kpropff et al., 1997), de maneira a ocupar o
espaço rapidamente (Froud-Williams, 1997).
Isto pode ser conseguido, mais facilmente,
nas variedades com maior capacidade de
afilhamento (Korres & Froud-Williams, 2002).
De facto, na Figura 3 (a), verifica-se a relação
entre os valores médios da taxa de afilhamento
e do número de plantas infestantes da classe
Monocotiledónea registado nas duas variedades
semeadas na primeira data dos quatro anos de
ensaio (1996/97 a 1999/00), sem ter sido
aplicado um herbicida em pós-emergência.
Também existe uma correlação com a matéria
seca das plantas infestantes obtida à colheita
do trigo, conforme referem Korres & FroudWilliams (2002), cuja variação tem tendência
semelhante embora a qualidade do ajustamento
seja menor (Figura 3 (b)).
A partir destas relações e sabendo que
as plantas infestantes da classe Monocotiledónea têm uma acção muito negativa sobre
o rendimento da cultura (Calado, 2005), há
também uma correlação com os parâmetros
da produção de grão e de matéria seca.
Qualquer dos modelos indicados na Figura
4, dá-nos a imagem gráfica de como o acréscimo da taxa de afilhamento do trigo permitiu
obter maiores produções de grão e de biomassa da cultura, quando não se controlaram
as infestantes em pós-emergência.
Através da aplicabilidade dos modelos,
concluímos que ao aumentar a taxa de
afilhamento de 0,3 para 0,6 diminui 41,4 %
da população de Monocotiledóneas (-59,1
plantas·m-2), ou seja, passa de 142,8 para 83,7
plantas·m-2 (Figura 3 (a)). Para igual variação
da taxa de afilhamento, constata-se na Figura 4,
que a produção de grão (a) aumenta 66,6 %
(1000,3 a 1666,6 kg·ha-1) e a de matéria seca
(b) 33,6 % (3815,8 a 5097,3 kg·ha-1).
Altura das plantas
A altura das plantas de trigo é outra
característica morfológica, que lhe pode conferir vantagens competitivas perante a flora
infestante (Appleby et al., 1976; Christensen
et al., 1996; Lemerle et al., 1996b; Cosser et
al., 1997; Korres & Froud-Williams, 2002). Nas
condições referidas, com a primeira data de
sementeira até quinze de Novembro e sem
aplicação de herbicida em pós-emergência
melhora-se, como também observaram Cosser
et al. (1997), a competitividade da cultura.
Assim, com plantas mais altas haverá
condições desfavoráveis para o desenvolvimento da infestação (Wicks et al., 1994),
podendo diminuir a sua população, sobretudo
ao nível da mesma classe e família, conforme
se demonstra na Figura 5 (a). Do mesmo modo,
a quantidade de matéria seca produzida pelas
plantas infestantes, verificada à colheita do
trigo, decresce com o aumento da altura das
plantas. No entanto, esta relação só é significativa para um intervalo de confiança de 90%
(Figura 5 (b)).
Apesar da variação da altura das plantas (55
a 80 cm) permitir caracterizá-las como semianãs, a oscilação da sua altura entre 60 e 80 cm
está relacionda com o decréscimo acentuado
da população de Monocotiledóneas, desde
188,1 a 25 plantas·m-2 (Figura 5 (a)). Por sua
vez, a produção de grão cresce de 1125,8 para
2579,1 kg·ha-1 (Figura 6 (a)) e a de biomassa
aumenta de 3124,8 para 7040,2 kg·ha-1 (Figura
6 (b)).
As relações apresentadas, são válidas para
os tratamentos em estudo, nomeadamente a
realização da sementeira do trigo até ao fim
da primeira quinzena de Novembro, que
permite atingir, geralmente, maior potencial
de infestação na cultura, e a não aplicação de
herbicida em pós-emergência.
Nas condições referidas e com base nos
valores verificados, o acréscimo da taxa de
afilhamento e da altura das plantas de trigo
relaciona-se com a diminuição do número de
infestantes da classe Monocotiledónea e com
o aumento da produção de grão da cultura,
como se demonstra nas seguintes equações
múltiplas.
CONCLUSÕES
Os modelos encontrados neste trabalho,
demonstram que a taxa de afilhamento e a altura
das plantas de trigo variaram inversamente com
o número de plantas infestantes da classe
Monocotiledónea e directamente com a
produção de grão e de biomassa da cultura.
No entanto, a influência de ambas as
características, nota-se, fundamentalmente,
com elevadas infestações, ou seja, aquelas que
são obtidas frequentemente no trigo sem
utilizar um meio de controlo químico em pós-emergência e em datas de sementeira no cedo.
Assim, uma variedade com forte capacidade de afilhamento, como é o exemplo do
trigo Centauro, que seja caracterizada por
maior vigor inicial, de forma a apresentar no
final do ciclo vegetativo uma taxa de sobrevivência mais elevada e plantas mais altas,
como apresenta a variedade Sever, pode ser
competitiva com a flora infestante.
Em suma, as características morfológicas
das variedades de trigo, que se relacionam com
à capacidade das suas plantas serem competitivas com as infestantes, são assim, auxiliares
importantes de um conjunto de técnicas para
utilizar na gestão integrada da infestação, de
forma a minimizar o impacto e a necessidade
de recorrer aos herbicidas aplicados em pós-emergência.
Nesta perspectiva, será necessária a complementaridade disciplinar, sobretudo entre a
fitotecnia e o melhoramento de plantas,
devendo a selecção de genótipos, como refere
Carvalho (1994), direccionar-se também para
a capacidade competitiva das plantas da cultura face às infestantes.