Acerca de algumas das iniciativas empresariais
e de I&D da cultura do algodoeiro em Portugal
continental
O algodoeiro já seria cultivado na Península Ibérica, na região de Córdova, em meados do século XI, não existindo no entanto
notícia de que a referida cultura se tenha estendido ao território nacional (Pereira et al.,
1976a). López-Bellido (2003) também situa
as primeiras referências à cultura do algodoeiro em Espanha na época de dominação
árabe, embora em tempos mais recuados, nos
finais do século IX.
O primeiro passo que conhecemos para a
introdução desta cultura em Portugal continental data do primeiro quartel do século
XIX. Com efeito, por iniciativa do botânico
Félix de Avelar Brotero, então Director do
Real Museu e Jardim Botânico, foi inserto
na Gazeta de Lisboa, de Janeiro de 1824,
um anúncio dando conta da recepção de sementes de algodoeiro oriundas dos EUA, as
quais poderiam ser utilizadas pelos agricultores interessados em experimentar esta cultura. Brotero (1824) refere que o algodoeiro
é uma espécie que se dá em quase todos os
tipos de terreno, sendo cultivado “(…) em
todas as quatro partes do nosso Planeta;
cultivão-se na Europa, nas Ilhas do Archipelago, em Malta, Sicilia, Corsega, Italia,
França meridional, e mesmo na Hespanha,
principalmente no Reino de Valença, aonde,
segundo attesta o Professor Ortega, a especie do Algodoeiro arbustivo, he cultivada em
muitos campos, e a quantidade de algodão
que annualmente se colhe da sua grande
cultura, monta a quatrocentos quintaes: a
analogia do clima indica, que esta especie
de Algodoeiro, e não menos as que se dão
bem na America septentrional, podem ser
cultivadas tambem em Portugal, principalmente no Algarve, e sitios maritimos do Alemtéjo, em extensas culturas com igual feliz
successo.”
Segundo Pereira et al. (1976a), em Faro
(Algarve), no princípio do século passado,
existiam algumas máquinas manuais de descaroçar algodão, pertencentes a Jaime Barrot, para tratamento da produção algodoeira
obtida nos arredores daquela cidade.
Durante o século XX, embora o maior esforço de desenvolvimento da cultura do algodoeiro tenha sido dirigido para as antigas
colónias ultramarinas, em particular Angola e Moçambique, países onde esta cultura
atingiu uma expressão económica, técnica e
social muito significativa, o objectivo macroeconómico de redução da saída de divisas,
encorajado pelo interesse agronómico, económico e social de introduzir uma espécie de
alto rendimento nalguns sistemas de cultura
do sul do país, aliado ao facto de se cultivar
algodão com êxito na Grécia, Espanha e outros países de latitude e características climáticas semelhantes às de algumas regiões de
Portugal, motivaram, por diversas vezes, o
interesse por esta cultura neste país.
A primeira acção oficial conhecida sobre
a cultura do algodoeiro em Portugal data de
1952. Por despacho de 27 de Novembro desse ano, o Subsecretário de Estado do Comércio e Indústria mandou proceder ao estudo da
qualidade dos algodões produzidos e da viabilidade da sua utilização pela indústria têxtil
nacional, aproveitando para o efeito algumas
amostras colhidas em ensaios realizados
por particulares. O relatório posteriormente
elaborado veio a concluir rapidamente pela
“viabilidade técnica da cultura do algodão
com possibilidade de aproveitamento económico pela indústria nacional” (Duarte,
1978). Em 1953, a Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas levou a efeito ensaios de algodão, distribuídos por várias regiões do país,
mas sem continuidade (Pereira et al., 1976a).
Solicitada a dar parecer sobre o assunto, a
Comissão Reguladora do Comércio de Algodão em Rama (CRCAR) chamaria a atenção
do Governo, em 30 de Janeiro de 1954, para
o “interesse ultramarino na cultura do algodão” e referia que, para a Metrópole, apenas
teriam interesse económico as variedades de
fibra longa. Também por essa época a Fábrica de Óleos Vegetais de Santa Catarina
(Setúbal), promoveu, sem êxito, a cultura da
variedade ‘Giza 7’, de fibra longa (Pereira,
1977). Possivelmente outras tentativas isoladas terão surgido com o mesmo objectivo,
mas sem resultados concretos.
A partir de 1962, a Empresa Fabril do Norte, associada à Companhia do Búzi (Moçambique), subsidiou trabalhos de sondagem e
experimentação expedita para se avaliar das
possibilidades da implantação da cultura do
algodão em Portugal (Pereira et al., 1976a),
nomeadamente realizando ensaios de adaptação em diversos pontos do país para determinação das possibilidades técnico-económicas
da cultura e demarcação das regiões ecológicas mais favoráveis (Duarte, 1978). Após
3 anos de actuação, em resultado das boas
perspectivas que se entreabriram, foi constituída a CAPOR – Companhia dos Algodões
de Portugal, S.A.R.L. De 76 toneladas produzidas em 1962, a produção de algodãocaroço atingiu 250 toneladas em 1964 e 430
toneladas em 1965, mantendo-se estável até
ao final da década, e decrescido sensivelmente em 1970 e 1971 (Pereira, 1977). As
variedades predominantes eram ‘Carolina
Queen’ (sinónimo de ‘Coker 210’), lançada
nos EUA em 1965, e ‘Acala 1517BR’, lançada nos EUA em 1954 (Pereira, 1978; Smith
et al., 1999).
Em Dezembro de 1967, com a presença
de membros do Governo, foi inaugurada a
primeira e única fábrica nacional de descaroçamento e prensagem de algodão, a 4 km de
Beja, no sentido de Ferreira do Alentejo. Esta
fábrica tinha uma capacidade instalada mínima de 4000 t ano-1, pelo que a área cultivada
deveria crescer, no mínimo, até aos 2500 ha
ano-1, devendo atingir, a médio prazo, o patamar de 4500 ha ano-1 para um pleno abastecimento
da capacidade instalada da fábrica
(Duarte, 1978).
Ainda segundo Pereira (1977) e Pereira et
al. (1976a), a disparidade dos resultados obtidos durante o período de actividade da CAPOR ficou a dever-se à variabilidade dos anos
agrícolas, à diversidade de solos e climas, e
ainda às diferentes técnicas culturais utilizadas pelas duas centenas de agricultores envolvidos no processo algodoeiro (Quadro 1).
Também a assistência técnica, exclusivamente prestada pela CAPOR, padecia de naturais limitações, com um número reduzido
de quadros técnicos cuja preparação se baseava, de início, essencialmente, na sua experiência africana ultramarina.
Numa área de 54 hectares, na Herdade de D.
Isabel, na região de Elvas, a CAPOR produziu
algodão-caroço por conta própria, durante 4
anos seguidos, com uma produtividade média
de 1951 kg ha-1. As produções unitárias distribuíram-se da seguinte forma (Quadro 2):
Em 1968, a CAPOR dirigiu uma carta ao
Director-Geral dos Serviços Agrícolas, alertando que a existência de aspectos ligados à
produção e ao fomento da cultura ultrapassavam a sua esfera de acção e de competência,
como empresa privada, para se situarem a nível nacional. Sugeria a realização de ensaios
nas Estações Experimentais existentes e o
estudo da integração do algodoeiro nos sistemas de aproveitamento agrícola propostos
para os regadios, em particular os regadios
do Alentejo. Assim se vieram a estabelecer
alguns campos experimentais nas zonas de
Idanha-a-Nova, Elvas e Tavira, aos quais se
acrescentaram os de exploração directa pela
própria CAPOR, em Elvas e Quarteira. Os
esquemas dos ensaios de variedades, fertilizações e análise estatística dos resultados
foram assegurados pela Estação Agronómica Nacional (Duarte, 1978). Com base nos
resultados obtidos, a Repartição de Culturas
Arvenses, da Direcção-Geral dos Serviços
Agrícolas, em 1970, informou o Secretário
de Estado da Agricultura que:
“(…) A cultura do algodão deve ser incluída entre as consideradas como possíveis e
vantajosas para o melhor aproveitamento
dos novos regadios, tendo em atenção que:
a) é susceptível de fazer parte de variadas
rotações, adaptando-se com facilidade a
diversos processos culturais; b) a fibra produzida reduzirá o dispêndio de divisas que
anualmente há necessidade de efectuar com
a importação de uma matéria-prima em que
o país é nitidamente deficitário, mesmo incluindo a produção obtida no Ultramar Português; c) do respectivo caroço se obterão
óleos e bagaços de que a economia nacional
tanto carece para satisfação de necessidades
alimentares humanas e pecuárias, produtos
que de igual forma só se conseguem à custa
de vultuosas e dispendiosas importações”.
Embora em todos os países algodoeiros
existissem diversas formas de apoio à cultura – assistência técnica adequada, facilidades
de crédito a curto prazo, garantia de preços
mínimos – sobretudo numa primeira fase do
seu lançamento, em Portugal, por razões não
totalmente evidenciadas, nunca houve qualquer acção de fomento ou medida de estímulo
à produção algodoeira. A CAPOR propôs ao
Ministro da Economia a criação de um prémio à produção de algodão, tal como então
acontecia em Espanha, Grécia, Israel e EUA,
países tradicionalmente produtores de algodão. O Director-Geral dos Serviços Agrícolas
e os Secretários de Estado do Comércio e o
da Agricultura consideraram necessário, em
1970, definir um programa de apoio do Estado à cultura do algodão. No entanto, entre
relatórios, pareceres, informações e despachos, o fomento da cultura algodoeira acabaria por não se realizar, tendo a CAPOR cessado definitivamente a sua actividade fabril
em 1971 (Duarte, 1978). O conceito vigente
do mercado comum português (Metrópole e
Províncias Ultramarinas), apontava para a intensificação da cultura do algodão em Angola
e Moçambique (Pereira et al., 1976a).
Já depois da independência das ex-colónias, em 1975, o Presidente do Instituto Nacional de Investigação Agrária constituiu um
grupo de trabalho com a incumbência de estudar a viabilidade da cultura do algodão em
Portugal. Em síntese, o relatório produzido
analisava a cultura do algodoeiro em países
de condições ecológicas similares, a experiência portuguesa acumulada, no regadio e no
sequeiro, os principais factores limitantes, a
integração da cultura em alguns regadios do
Alentejo e os projectos de investigação prioritários (Pereira et al., 1976a). Iniciaram-se
trabalhos experimentais em Idanha-a-Nova,
Santarém, Elvas, Alvalade e Silves, estudando variedades, fertilizações, regas e compassos, e foi concebido um Plano de Acção para
o fomento da cultura do algodão (Pereira et
al., 1976b, Pinto, 1977). As variedades em
estudo naquela altura eram (Pereira, 1978;
Smith et al., 1999): com origem nos EUA
‘Acala 1517C’, lançada em 1951, ‘Acala
SJ1’, lançada em 1967, ‘Coker 201’, ‘Carolina Queen’ e ‘Coker 310’, esta lançada depois
de 1965, e, com origem na Bulgária, ‘Chirpan
433’ e ‘Trakia 2’. Pereira (1978) refere que as
variedades búlgaras manifestaram maior precocidade, evidenciada pela proporção da 1ª
colheita em relação à produção total, e pelo
mais reduzido número de dias entre a emergência e a 1ª flor e entre a emergência e a 1ª
cápsula aberta. Relativamente às variedades
‘Coker’, as segundas mais precoces, esta antecipação cifrava-se em 10-12 e 15-20 dias,
respectivamente. No entanto, as variedades
de origem búlgara, produziam fibras de menor comprimento e maior índice de micronaire (eram mais curtas e mais grossas) do
que as de origem americana, as quais, também, registavam maior percentagem de fibra.
Face aos resultados das experimentações então realizadas, Pereira (1978) conclui que a
variedade mais precoce, em particular ‘Chirpan 433’, deveria ser fomentada nas regiões
do país com maiores limitações ambientais,
enquanto que a variedade ‘Coker 201’, aquela que se revelou mais promissora de entre
todas as variedades de origem Americana,
um pouco mais tardia e com fibra de melhor
qualidade, deveria ser fomentada na bacia do
Rio Guadiana e no Regadio do Caia.
No fim do seu trabalho, Pereira (1977) impõe um corolário:
“(…) arrancar decisivamente para uma
acção concertada de fomento, a fim de que, a
médio prazo, a inserção da nova cultura no
meio agrícola português se converta numa
realidade palpável, contribuindo validamente para o desenvolvimento do país”.
Entre esta data e o final da década de 90 do
século XX, o desafio não foi ouvido.
Já no século XXI surgiu o arranque de uma
nova iniciativa empresarial, sedeada em Ferreira do Alentejo – COTFLAX, Actividades
Agro-industriais, Lda. Esta empresa estabeleceu, para o ano agrícola de arranque, os
seguintes quatro objectivos a testar (Mendes,
2002):
–área total e por exploração compatíveis
com a mecanização da cultura, da sementeira à colheita, e posterior transformação
industrial do algodão-caroço produzido;
–maior dispersão possível das explorações
pela Zona de Influência da Barragem do
Alqueva;
–confirmação de que seria possível produzir algodão com qualidade para fins industriais;
–a cultura poder constituir, do ponto de vista económico, uma alternativa interessante
às culturas tradicionais.
Na campanha de 2001 cultivaram-se cerca de 213 hectares de regadio (34,3% com
rega gota-a-gota e 65,7% com rega por aspersão), distribuídos por 6 Concelhos do
Alentejo (Aljustrel, Beja, Castro Verde,
Ferreira do Alentejo, Serpa e Vidigueira) e
13 explorações. Cerca de 80% da área foi
semeada sob plástico. Produziram-se 576
toneladas de algodão-caroço, com produtividades médias compreendidas entre 2663 e
3145 kg ha-1. O apuramento dos resultados
económicos operacionais médios revelou o
seguinte (Quadro 3):
Entre os factores de produção intermédios,
os materiais e o aluguer de máquinas representavam a maior fatia, atingindo os primeiros de 60 a 70% e os segundos 20 a 28% do
total de custos. O factor trabalho representou
4 a 9% do total dos custos de produção. Entre
os materiais utilizados, sobressaem sementes
(7-13%), fertilizantes (25-36%), fitofármacos (25-30%), energia e água (13-25%), e o
plástico (0-24%). A estrutura de custos referida por Ballesteros (2003), para a região da
Andaluzia (Espanha), é muito semelhante a
esta, embora a componente de mão-de-obra
seja mais importante do que a registada em
Portugal.
A variedade mais utilizada pelos agricultores portugueses foi ‘La Chata’, tendo-se também semeado pequenas áreas com ‘Condor’,
‘Montana’ e ‘Sorangela’.
Nos anos seguintes, a cultura do algodoeiro em Portugal teve a evolução expressa no
Quadro 4.
Todo o algodão-caroço produzido em Portugal foi escoado para empresas descaroçadoras espanholas.
Em paralelo com as iniciativas empresariais
atrás referidas, entre 2001 e 2003, decorreram
trabalhos de investigação e desenvolvimento
experimental (I&DE) que visavam estudar a
viabilidade da introdução do algodoeiro nos
sistemas culturais da área de influência do regadio do Alqueva, financiado pelo Programa
Específico de Desenvolvimento Integrado da
Zona de Alqueva (PEDIZA), em que participaram a Estação Agronómica Nacional
(EAN), o Centro Operativo e de Tecnologia
do Regadio (COTR), o Centro Tecnológico
das Indústrias Têxtil e do Vestuário (CITEVE) e a Direcção Regional de Agricultura do
Alentejo (DRAAL) (Amaro, 2002 e 2003).
Os ensaios decorreram em Safara (38° 06’
N), concelho de Moura (Alentejo), margem
esquerda do Rio Guadiana.
No ano de 2001 foram ensaiadas as variedades ‘Tauro’, ‘Tabladilla 16’, ‘Reina’,
‘Essa 101’ e ‘Essa 102’, semeadas a 20 de
Abril, sob e sem cobertura de plástico, e em
duas densidades, 20 e 10 sementes por metro
linear, com entrelinha de 80 cm (25 e 12,5
sementes m-2). Decorridos 13 dias após a
sementeira (DAS), sob cobertura de plástico, verificaram-se emergências de 80-100%
nas variedades ‘Tauro’ e ‘Essa 102’, 60-70%
nas variedades ‘Tabladilla 16’ e ‘Essa 101’, e
50-60% na variedade ‘Reina’. Na sementeira sem cobertura de plástico as percentagens
de emergência foram muito inferiores e mais
homogéneas entre as diferentes variedades,
registando-se 15-20% na variedade ‘Tabladilla 16’, 10-15% nas variedades ‘Tauro’,
‘Essa 101’ e ‘Essa 102’, e 5-10% na variedade ‘Reina’. A cobertura com plástico foi
retirada, aproximadamente, 1 mês após a sementeira. Aos 40 DAS) as diferenças de altura médias entre plantas semeadas com e sem
plástico eram de 5 cm (25 e 20 cm de altura),
e, aos 60 DAS, esta diferença aumentou para
20 cm (60 e 40 cm de altura). O início da floração verificou-se aos 80 DAS, e o início da
abertura das cápsulas aos 139 DAS, notando-se adiantamento das plantas que haviam
sido semeadas sob cobertura de plástico. As
regas foram suspensas no dia 10 de Agosto
(112 DAS). Efectuaram-se 3 colheitas, aos
160, 180 e 193 DAS. Não foi utilizado desfolhante. No que se refere à densidade final
de plantas, a sementeira efectuada com metade do número de sementes por metro linear
resultou numa densidade final significativamente inferior, tendo-se registado reduções
de 29 a 41 pontos percentuais em todas as
variedades. Não se registaram diferenças
significativas entre as densidades finais de
plantas semeadas com e sem cobertura com
plástico. Também não se registaram diferenças significativas, nem entre variedades nem
entre tratamentos (cobertura com plástico,
sem cobertura e densidade de sementeira), no
número de cápsulas por planta registado no
início da maturação. Os respectivos valores
médios foram de 14,3, 13,3 e 11,9 cápsulas
por planta para os tratamentos com cobertura
de plástico, sem cobertura, e densidade de sementeira, respectivamente. A média geral foi
de 13,1 cápsulas planta-1. Quanto ao peso de
algodão-caroço por cápsula, um dos mais importantes componentes da produção, apenas
se verificaram diferenças significativas entre
a sementeira sob plástico (5,6 g cápsula-1) e a
menor densidade de sementeira (6,3 g cápsula-1). A massa por cápsula não foi significativamente diferente entre as 5 variedades. No
que se refere à produção de algodão-caroço
por unidade de área, verificaram-se diferenças significativas entre a sementeira sob
plástico (452,9 g m-2) e a menor densidade de
sementeira (360,3 g m-2). Também não se registaram diferenças significativas, entre variedades e entre tratamentos, na percentagem
de descaroçamento (rendimento em fibra médio de 38,7%) (Amaro, 2002).
No ano de 2002 estudaram-se 3 factores
em ensaios separados: variedades (‘Tabladilla 16’, ‘Reina’, ‘Tauro’, ‘Essa 101’, ‘Essa
102’ e ‘Essa 103’), fertilização azotada (0 a
100 unidades de N em intervalos de 20, utilizando a variedade ‘Essa 101’), e rega (100,
70 e 50% da evapotranspiração da cultura,
ETc). Devido à ocorrência de precipitações
no início do ciclo, Amaro (2003) considera
os resultados do ensaio de rega inconclusivos, pelo que apenas apresentou resultados
relativos aos ensaios de variedades e de fertilização azotada. A sementeira fez-se a 14 de
Maio, e a emergência decorreu entre 25 e 30
de Maio (11 a 16 dias). Aos 20 DAS as plantas tinham cerca de 10 cm de altura e ainda
apresentavam, apenas, as folhas cotiledonares. A floração decorreu de 10-12 de Julho
(59-61 DAS) até 11 de Setembro (120 DAS),
data em que se procedeu à contagem do número de cápsulas por planta. As regas foram
suspensas no final da 2ª semana de Agosto
e a colheita efectuada entre 22 e 25 de Outubro. No que se refere ao número de cápsulas por planta, não se registaram diferenças significativas, nem entre as 6 variedades
estudadas (média de 11,9 cápsulas planta-1),
nem entre os 6 níveis de fertilização azotada aplicados na variedade ‘Essa 101’ (média
de 7,0 cápsulas planta-1). Também não se registaram diferenças significativas entre as 6
variedades, no que se refere às produções de
algodão-caroço por unidade de área (média
de 19,2 g m-2) e às percentagens de descaroçamento (média de 36,5%). O mesmo se verificou com o ensaio de fertilizações, o qual
conduziu a uma média de 23,5 g de algodãocaroço m-2 e de 35,3% de descaroçamento.
Durante o ano de 2002 verificaram-se, na 2ª
quinzena de Setembro, condições ambientais
muito desfavoráveis ao amadurecimento das
cápsulas, tendo-se registado apenas 10% de
cápsulas abertas. Face a estes resultados,
Amaro (2003) concluiu que a variabilidade
climática que se regista no nosso país, em
particular a temperatura e a precipitação na
época de sementeira e no período de amadurecimento das cápsulas e da colheita, coloca
em risco, anualmente, o êxito da cultura.
Ainda no domínio das iniciativas de I&D
levadas a cabo em Portugal Continental,
Barradas (2004), nos anos de 2002 e 2003,
estudou o crescimento, a produção e a qualidade das fibras produzidas por 6 variedades
de precocidades distintas (‘Carmen’, ‘Celia’,
‘Crema’, ‘Flora’, ‘Lacta’ e ‘Sonia’) semeadas em 3 datas de sementeira separadas de
15 dias.
Este trabalho permitiu concluir que a evolução e valores absolutos das temperaturas,
do solo e do ar, bem como número de horas
o relativamente reduzido em que as plantas
estão sujeitas a temperaturas dentro da janela de máxima cinética enzimática da espécie
Gossypium hirsutum L. (Burke et al., 1988),
constituem um factor limitante, com especial
efeito negativo nas fases de germinação e
crescimento inicial, e de crescimento e amadurecimento das cápsulas. Este resultados
confirmam muita da investigação já efectuada no interior sul de Portugal, e noutros locais da região norte da bacia Mediterrânica,
remetendo a região do perímetro de rega do
Caia para uma posição relativamente marginal no que se refere às condições climáticas
mais adequadas para o ciclo produtivo do algodoeiro (Martins, 1990).
Neste condicionalismo ambiental, nomeadamente com temperaturas muito próximas
do zero de crescimento na fase sementeira-
1º square, e com temperaturas e durações do
dia decrescentes na fase de amadurecimento
das cápsulas, aliados ao desfasamento cronológico verificado entre o momento em que
se atinge a máxima produção de assimilados
(net assimilation rate) e de biomassa (crop
growth rate), relativamente ao período de
máximas necessidades inerentes ao crescimento reprodutivo, sobressaem como decisivos os caracteres de precocidade dos genótipos e as técnicas culturais com implicações
na duração da estação de crescimento.
A variedade à partida qualificada como de
ciclo mais curto (‘Celia’), e aquela que no
estudo de Barradas (2004) registou tendência
a apresentar um maior conjunto de características de precocidade (nomeadamente no
que se refere ao nó de inserção da primeira
ramificação frutífera, menor número de dias
até ao cutout (Nodes Above White Flower =
5), início da repartição de peso seco para as
formas frutíferas, taxa de acréscimo diário de
peso seco repartido para as cápsulas e índice
de colheita) foi a que conduziu aos melhores
resultados de produtividade de algodão-caroço (cerca de 2 t ha-1).
O retardar das datas de sementeira, de 2002
(Abril/Maio) relativamente a 2003 (Março/
Abril), e, em cada um dos anos, da 1ª para a
3ª data de sementeira, factor que se traduziu
num desfasamento de datas de sementeira de
28 e 24 dias, respectivamente, teve um efeito
negativo na produtividade de algodão-caroço
(menos 0,3 a 0,5 t ha-1) , confirmando-se a
hipótese de que a redução da duração total
da estação de crescimento determina, normalmente, uma redução da produção. Este
resultado também parece indicar que as consequências das temperaturas sub-óptimas
no início do ciclo, que se fazem sentir mais
intensamente nas sementeiras mais precoces
e que resultam num relativo prejuízo da velocidade de emergência e da densidade de
plantas produtivas, serão menos importantes
para a produtividade de algodão-caroço que
os efeitos negativos das condições ambientais menos favoráveis registadas durante o
período de crescimento e amadurecimento
das cápsulas.
A elevada perda precoce de squares e jovens cápsulas, provocada pelo complexo Earias sp. e Heliothis/Helicoverpa, remetendo
as formas frutíferas restantes e formadas mais
tarde para uma localização relativamente distal, numa perspectiva horizontal e vertical, e
o seu crescimento e amadurecimento para
um período no qual as condições ambientais
e a capacidade de assimilação da canópia são
já francamente desfavoráveis, também terá
contribuído para destacar os resultados mais
positivos obtidos com a variedade de ciclo
mais curto e com a data de sementeira mais
precoce.
Nas condições ecológicas do perímetro de
rega do Caia, e no conjunto das 6 variedades
e 3 datas de sementeira estudadas, Barradas
(2004) apurou também que, em média, as
fibras produzidas eram do tipo Strict Low
Middling, de finura normal a grossa, maturação muito alta, fibras longas de elevado
grau de uniformidade e baixo índice de fibras curtas, muito fortes e com muito baixo
alongamento.
No contexto de preços e ajudas em vigor
na UE, antes do desligamento, e observando os custos de produção médios das contas
da cultura do algodão no baixo Alentejo, nos
anos de 2001 e 2002, apenas as produtividades das variedades ‘Celia’ e ‘Crema’, no ano
de 2003, atingiriam o limiar bruto de rendabilidade. No entanto, tendo em consideração as
variedades e algumas das técnicas culturais
adoptadas naquele trabalho, nomeadamente
ao nível da precocidade dos genótipos, a sementeira em solo nu, a fertilização azotada,
a dotação de rega, a protecção da cultura e
a gestão do equilíbrio entre o crescimento
vegetativo e reprodutivo, Barradas (2004)
conclui que existe, ainda, uma grande margem de actuação que permitirá, com relativa
facilidade, atingir produtividades bem mais
elevadas e resultados económicos claramente positivos, mesmo num contexto ambiental sub-marginal para a produção de algodão
como é o do perímetro de rega do Caia.
Aquele autor (Barradas, 2004) sugere algumas linhas de investigação a desenvolver,
trabalhando com variedades de ciclo médio-curto
e curto, de forma a encontrar os genótipos que se aproximem do seguinte ideotipo:
–germinação e crescimento inicial mais rápidos;
–maior tolerância/resistência às baixas
temperaturas, nomeadamente no período
sementeira-1º square e 1ª cápsula abertacolheita;
–início precoce da transição entre o período
vegetativo e o período reprodutivo;
–menor duração do período de formação de
um número mínimo de pontos frutíferos
(intervalos horizontais e verticais de floração reduzidos e cutout);
–elevada percentagem de retenção nos pontos frutíferos localizados em zonas mais
proximais ao eixo da planta;
–redução da duração e das exigências térmicas no período de crescimento e maturação das cápsulas.
No domínio das técnicas culturais Barradas (2004) sugere o estudo:
–da forçagem da germinação e do crescimento inicial (sob plástico);
–da utilização de reguladores de crescimento para assegurar um adequado equilíbrio
entre o crescimento vegetativo e reprodutivo;
–da fertilização azotada e seu fraccionamento ao longo do ciclo;
–da dotação total de rega e os momentos da
primeira e última rega;
–da protecção sanitária da cultura, em particular contra as pragas causadoras de danos
nas formas frutíferas.
Podemos assim dizer que o interesse pela
cultura do algodão em Portugal, em particular na região do Alentejo, renasceu no princípio do século XXI, através da concretização
de iniciativas de I&DE e de natureza empresarial.
No âmbito da reforma intercalar da Política Agrícola Comum (PAC) o sector do algodão foi sujeito a uma integração parcial no
regime de pagamento único (RPU). A partir
de 1 de Janeiro de 2006, 65% do montante
total disponível para o sector ficou afecto ao
pagamento único por exploração (ajuda desligada da produção) e os restantes 35% para
a ajuda à produção, a conceder por superfície
cultivada, e limitada a uma superfície máxima garantida (SMG). Assim, tendo como
base o (modesto) histórico do período de referência, Portugal ficou com cerca de 1000 €
por direito e apenas 357 ha de SMG. Isto é,
opções de natureza política, neste caso a reforma intercalar da PAC, determinaram, mais
uma vez, o abandono da cultura: em 2006 e
2007, 0 hectares. A História repete-se.