Identificação de vírus em videiras nas ilhas do Pico e Terceira (Açores)
INTRODUÇÃO
A vitivinicultura nos Açores apresenta certa tradição, o que é reconhecido com
a existência de zonas demarcadas nas ilhas do Pico e Terceira para Vinhos
Licorosos de Qualidade Produzidos em Região Determinada (VLQPRD) e na ilha
Graciosa para Vinhos de Qualidade Produzidos em Região Determinada (VQPRD)
conforme evidenciado na Fig. 1 (IVV, 2007a).
Figura 1 – Localização das zonas VLQPRD e VQPRD (IVV, 2007a).
Neste estudo foram seleccionadas as zonas indicadas para VLQPRD com área
efectiva em produção de cerca de 90ha na ilha do Pico e 15ha na ilha Terceira
(Comissão Vitivinícola Regional dos Açores ' CVR Açores). De acordo com a
legislação em vigor, as vinhas estão localizadas a altitude =100m, sendo
Arinto, Verdelho e Terrantez as castas recomendadas para a ilha do Pico e
autorizadas as castas Malvasia, Sercial, Generosa, Fernão Pires e Galego-
Dourado; na ilha Terceira as castas recomendadas são Verdelho, Arinto e
Terrantez e as autorizadas Boal, Malvasia, Sercial, Fernão Pires, Generosa e
Galego-Dourado (IVV, 2007b).
O efeito prejudicial dos vírus na quantidade e qualidade da produção vitícola é
bem conhecido (Bovey et al., 1980; Gugerli, 2003; Andret-Link et al., 2004). A
presença de nemátodes vectores do vírus do urticado da videira nas ilhas de S.
Miguel e Terceira está referenciada em vários trabalhos há muitos anos
(Sequeira e Dias, 1964; Sturhan, 1973; Bravo, 1983; Lamberti et al., 1994) e
testes serológicos aí realizados nos anos 8090 do século passado evidenciam
também a importância do vírus do urticado da videira nessas ilhas (Lamberti et
al, 1994).
Atendendo à sintomatologia de declínio progressivo das videiras e sendo a vinha
uma cultura tradicional na história e economia do arquipélago, torna-se
importante conhecer o actual estado sanitário das videiras em relação aos
principais vírus nomeadamente Grapevine leafroll associated virus-1 (GLRaV-1),
Grapevine leafroll associated virus-2 (GLRaV-2), Grapevine leafroll associated
virus-3 (GLRaV-3), Grapevine fanleaf virus (GFLV), Grapevine virus A (GVA),
Grapevine virus B (GVB) e Grapevine fleck virus (GFkV) (Buchen-Osmond, 2002;
Fauquet et al., 2004) para futuro delineamento de estratégias de protecção da
vinha.
Assim, o objectivo deste trabalho é o diagnóstico serológico das vinhas nos
Açores utilizadas para VLQPRD em relação aos sete vírus referidos e a
estimativa da percentagem real de infecção.
MATERIAL E MÉTODOS
Campo ' após a vindima de 2005 foram amostradas as castas Arinto, Verdelho e
Terrantez nas zonas de maior representatividade ou seja na ilha do Pico na
denominada zona de Fronteira (freguesias de Madalena, Criação Velha e
Candelária) onde foram colhidas amostras de 299 videiras e na ilha Terceira na
zona dos Biscoitos, onde foram colhidas amostras de 33 videiras. Na ilha do
Pico foi ainda amostrada (em 31 videiras) uma outra área (Madalena Alta) por se
encontrar isolada geograficamente, a maior altitude e rodeada por vegetação
arbórea. O número total de amostras (363 varas) foi proporcional à área
inscrita na CVR Açores e a colheita (1 vara por planta) realizada de modo
aleatório nas parcelas, sendo as plantas referenciadas por GPS. As varas foram
parafinadas nas extremidades para evitar desidratação e armazenadas a cerca de
4ºC até serem testadas.
Laboratório ' os testes ELISA-Enzyme linked immunosorbent assay (antissoros
AGRITEST, SRL, Bari, Itália) foram realizados na Universidade de Trás-os-Monte
e Alto Douro em fins de 2005 e 2006. Cada amostra foi testada em duplicado
(Nunc imunoplate Maxisorp) usando 100µL/alvéolo e consistiu de 1 vara/videira,
extracto 1:10p/v em tampão Tris-HCL, pH 8,2 ao qual foi adicionado 2% PVP, 1%
PEG e 0,05% de Tween 20). O substrato cromogénico da fosfatase alcalina foi p-
nitrofenil fosfato (Sigma) e foram consideradas positivas as amostras com
A405nm superior a três vezes a absorvância dos controlos negativos em cada
placa.
O Quadro 1 indica o tipo de teste serológico utilizado para cada vírus, de
acordo com as indicações do fabricante dos antissoros utilizados.
Quadro 1 – Teste serológico utilizado para cada vírus.
Análise estatística ' os resultados foram analisados para significância e
estimativa real de infecção, segundo Miller et al., (1990).
As fórmulas para os testes de significância estão representadas em (1) e (2),
os valores calculados são comparados para 95% de confiança, z (0,05) = 1,960,
sendo considerados significativamente diferentes entre si quando a Taxa Crítica
<-1,960 e >1,960.
A fórmula para calcular a Estimativa de Percentagem Real de Infecção (EPRI)
está indicada em (3).
Para uma boa estimativa n terá que ser suficientemente grande (n =30) e p terá
que estar próximo de 0,5. Caso n <30 oup ≈100,00 / p ≈0,00 a estimativa será
fraca, devendo ser usada uma aproximação mais conservadora em que o parâmetro p
(100-p) é substituído por 50 (100-50), em que a magnitude do erro padrão e a
abrangência dos intervalos de confiança estimados serão uma sobrestimativa
(Matt-son, 1981). Foi por nós convencionado que p estaria próximo dos valores
indicados quando 0,00 <p <10,00 e 90,00<p<100,00. Os resultados da EPRI devem
ser considerados uma aproximação, uma vez que o p da população foi substituído
pelo p da amostra na estimativa do erro padrão (Mattson, 1981).
RESULTADOS
No conjunto das duas ilhas e das três castas analisadas a incidência de GLRaV-
3 foi de 95,87% e a incidência de GFLV foi de 78,79%. De salientar que na ilha
Terceira a infecção por GVA assume também dominância (75,76%) (Quadro 2).
Quadro 2 – Infecção viral, nas castas Arinto, Verdelho e Terrantez, nas ilhas
do Pico e Terceira.
Comparando os valores das duas ilhas para cada vírus, os testes de
significância revelaram que na ilha Terceira a infecção por GLRaV-2, GVA e GFkV
(respectivamente, 45,45%, 75,76% e 51,52%) foi significativamente superior
(para 95% de confiança, z(0,05)=1,960) à dos mesmos vírus no Pico
(respectivamente, 16,06%, 45,15% e 26,97%).
O Quadro 3 evidencia a infecção viral nas castas Arinto e Verdelho; a casta
Terrantez não é agora mencionada devido à sua pouca expressão no campo e na
amostragem. O Arinto só foi colhido na ilha do Pico pela baixa expressão desta
casta na ilha Terceira. Assim, na análise por casta, GLRaV-3 continua a ser o
vírus mais frequente, seguido de GFLV em Arinto e de GVA e GFLV em Verdelho.
Quadro 3– Infecção viral nas castas Arinto e Verdelho, nas ilhas do Pico e
Terceira.
Comparando as castas entre si, Verdelho apresentou valores de infecção
significativamente superiores (z (0,05) = 1,960) à casta Arinto para GLRaV-2,
GVA e GFkV. Como o Verdelho foi colhido em duas ilhas, a análise de
significância para Pico e Terceira demonstrou que a percentagem de infecção de
GLRaV-2 foi mais elevada na ilha Terceira (46,67%) do que no Pico (14,71%). Ao
invés GVB surgiu com 44,12% no Pico contra 16,67% na Terceira.
Tendo em conta as três zonas de amostragem como referido em material e métodos
(Quadro 4) os resultados mantêm-se semelhantes e GLRAV-3 mantém-se dominante.
Quadro 4 – Infecção viral para as três zonas referenciadas, nas ilhas do Pico e
Terceira.
Na zona de Madalena Alta (a região de maior isolamento geográfico) a infecção
viral foi baixa e apenas GLRaV-3 e GFLV se mostraram com valores elevados.
Apesar do GVA não ter sido detectado nestas vinhas é de salientar que nos
testes serológicos a maioria das amostras se apresentavam como negativos
fortes i.e, valor de A405nm só ligeiramente abaixo do limiar de detecção
estabelecido o que pode indiciar início de infecção. Verificou-se também que
GLRaV-2, GVA e GFkV apresentaram diferenças significativas (z (0,05)=1,960)
para as três zonas referenciadas, tendo os Biscoitos os valores
significativamente mais elevados para os três vírus e Madalena Alta os valores
mais baixos. GLRaV-3 surgiu de modo semelhante independentemente da zona
amostrada, sempre com valores elevados. Para GLRaV-1 e GFLV as percentagens de
infecção mostraram-se semelhantes entre Fronteira e Biscoitos e
significativamente inferiores (z (0,05)=1,960) para Madalena Alta.
Tendo estes dados por base, foi elaborado o quadro de infecção mista (Quadro 5)
encontrada na amostragem das três castas nas duas ilhas.
Quadro 5 – Associação viral nas três castas, nas ilhas do Pico e Terceira.
As associações virais de 2, 3 e 4 vírus são No total das duas ilhas, das 102
plantas as que apresentam valores destacados dos com 2 vírus, 81 apresentavam a
combinação restantes para o total das ilhas e para o Pico GLRaV-3 e GFLV, o
mesmo acontecendo individualmente; na Terceira, as infecções para cada uma das
ilhas isoladamente. Na mais frequentes são de 3, 4 ou 5 vírus na associação
entre 3 vírus a predominância foi mesma videira. para GLRaV-3, GFLV e GVA com
36 ocorrências no total das duas ilhas (32 no Pico e 4 18 plantas no Pico e 4
na Terceira. na Terceira). Com 4 vírus a combinação mais O Quadro 6 mostra os
resultados de infrequente (22 plantas) foi entre GLRaV-3, fecções mistas
relativamente às duas castas GFLV, GVA e GFkV para as duas ilhas, com mais
representativas.
Quadro 6 – Associação viral nas castas Arinto e Verdelho, nas ilhas do Pico e
Terceira.
A casta Arinto apresentou como mais abundantes as infecções por 2 vírus
(especialmente GLRaV-3 e GFLV com 77 ocorrências), seguida de 3 e 4 vírus. Na
casta Verdelho destacaram-se os 4 vírus/planta.Comparando estatisticamente as
duas castas verifica-se que a associação viral por 1 e 2 vírus é
significativamente mais elevada (z(0,05)=1,960) em Arinto do que em Verdelho;
no entanto para 4 vírus verifica-se o inverso em que é mais elevada em
Verdelho. Analisando o Verdelho entre ilhas não surgem diferenças
significativas de infecção viral mista.
Tendo em conta as três zonas de colheita, sobressai novamente o melhor estado
sanitário na zona de Madalena Alta, em que apenas se detectou infecção por 1 e
2 vírus, nomeadamente GLRaV-3 (18 ocorrências) para um vírus e GLRaV-3 e GFLV
(9 ocorrências) para dois vírus (Quadro 7).
Quadro 7 – Associação viral, nas castas Arinto, Verdelho e Terrantez, nas três
zonas referenciadas.
Na zona de Fronteira, onde foi colhida a maioria das amostras, as infecções
mais frequentes são entre 2, 3 e 4 vírus, enquanto nos Biscoitos foi entre 3, 4
e 5 vírus.
Depois de analisados todos os dados é possível calcular a Estimativa de
Percentagem Real de Infecção (EPRI); deve-se salientar que foi garantida a
normalidade dos dados e aplicada a fórmula conservadora sempre que necessário.
O Quadro 8 evidencia a grande incidência de infecção por GLRaV-3 que apresenta
como limite superior 100% de probabilidade para qualquer das ilhas. Os
resultados para a ilha Terceira apresentam maior amplitude pelo facto da
amostragem ter sido pequena (33 amostras) o que implica que o erro associado
seja maior, alargando a amplitude.
Quadro_8 '
Estimativa de Percentagem Real de Infecção nas três castas, nas ilhas do Pico e
Terceira.
O Quadro 9 referencia a probabilidade de surgimento de vírus nas duas castas
mais representativas e mais uma vez GLRaV-3 apresenta como limite superior 100%
destacandose em seguida a infecção por GFLV em Arinto e a infecção GFLV e GVA
em Verdelho.
Quadro 9 – Estimativa de Percentagem Real de Infecção para as castas Arinto e
Verdelho, nas ilhas do Pico e Terceira.
O Quadro 10 mostra que GLRaV-3 em qualquer das zonas amostradas tem
probabilidade de ocorrência de 100%. Com excepção dos valores para Madalena
Alta, os restantes vírus comportam-se de modo semelhante ao já referido (vidé
Quadro_8).
Quadro 10 – Estimativa de Percentagem Real de Infecção nas três zonas
referenciadas.
CONCLUSÕES
A elevada infecção viral detectada em 2005-2006 nas vinhas utilizadas para
produção de VLQPRD nas ilhas do Pico e Terceira está de acordo com idêntica
amostragem também realizada em 2006 no âmbito do Projecto Interfruta II mas
apenas nas vinhas dos Biscoitos na ilha Terceira (vidé Figueiredo et al, este
Congresso SPF).
A menor percentagem de infecção verificada na zona de Madalena Alta (ilha do
Pico) pode estar relacionada com o seu isolamento geográfico sugerindo menor
troca de material de propagação vegetativa infectado e/ou menor presença de
vectores.
Atendendo aos efeitos na qualidade e/ou quantidade da produção vitícola da
maioria dos vírus identificados (Bovey et al., 1980, Pearson & Goheen,
1988, Santos et al., 2003), salienta-se a importância da elaboração de uma
estratégia de protecção da vinha que permita a sua sustentabilidade a longo
prazo. A qualidade do material de propagação vegetativa é primordial. Apesar de
a maioria da transmissão das viroses na videira se dar devido à utilização de
material de bacelos e/ ou garfos infectados é também importante uma estratégia
de protecção em relação aos vectores conhecidos das duas viroses detectadas com
maior incidência, nomeadamente nemátodes do Género Xiphinema (vectores de GFLV)
e cochonilhas das famílias Coccidae e Pseudococcidae (vectores de GLRaV3 mas
também de GLRaV1 e GVA) (vidé Figueiredo et al, este Congresso SPF).