O Futuro Incerto das Florestas Tropicais
INTRODUÇÃO
As discussões sobre as florestas tropicais giram habitualmente à volta da
floresta amazónica, o que se justifica por a Amazónia simbolizar a importância
e o drama destas florestas: repositórios magnificentes de biodiversidade,
fautores críticos da regularização do clima terrestre, preventoras de erosão,
criadoras de solo, guardiãs da qualidade do ar e da água, recursos estéticos e
recreativos inestimáveis e, ainda assim, ameaçadas de extinção num futuro não
muito longínquo se nada for feito entretanto.
A problemática da desflorestação na Amazónia e suas causas principais foi
abordada num artigo anterior (Henriques, 2008). Ali se apontaram os interesses
das grandes empresas madeireiras e mineiras, a abertura de clareiras para
explorações agro-pecuárias gigantes, a actual expansão de culturas energéticas
e a globalização dos mercados, que converteu a China, por exemplo, em enorme
consumidora da soja produzida no Brasil.
No que toca às florestas tropicais da África e da Ásia o rol de causas é muito
maior. Contribuindo para a destruição ou degradação destes biomas temos, por um
lado, uma elevada pressão demográfica, uma agricultura ainda em grande parte do
tipo abate-e-queima (slash-and-burn) e a utilização de lenha e carvão como
principal combustível e, por outro, a corrupção endémica, guerras civis
intermináveis, governos instáveis e transitórios incapazes de manter a lei e a
ordem e a extrema pobreza nalgumas regiões que deixam o abate e a traficância
das espécies raras desta floresta como única saída para a sobrevivência.
Naturalmente que estas causas não são comuns a todos os países, variam com os
seus contextos político e socioeconómico, podendo ocorrer em diferentes
combinações e com intensidade variável. As alterações climáticas em curso,
designadamente os aumentos da temperatura e da frequência e intensidade de
secas, constituem uma pressão adicional sobre as florestas tropicais, com
consequências ainda imprevisíveis.
Calcula-se que no período entre 1990 e 1997 (anos de referência e de
estabelecimento do Protocolo de Quioto, respectivamente) só nas florestas
tropicais húmidas a área anual destruída tenha sido da ordem dos 5,8±1,4
milhões de hectares; como ao mesmo tempo se verificou alguma regeneração e
mesmo novas plantações, a área líquida de floresta perdida naqueles oito anos
terá sido de 34 milhões de hectares (Achard et al., 2002). Adicionalmente, 2,5
milhões de hectares foram fortemente degradados todos os anos e esta floresta
degradada é muito mais vulnerável a impactos exteriores, correndo um sério
risco de destruição a prazo. Entre 2000 e 2005 as taxas de abate da floresta
tropical continuaram elevadas (Schiermeir, 2009) e não é previsível que baixem
num futuro próximo atendendo à procura crescente de madeira e de
biocombustíveis e ao enorme crescimento demográfico nalguns países, tanto de
África como da Ásia.
Note-se que as taxas de destruição, regeneração ou nova plantação de florestas
são difíceis de prever, principalmente porque dependem, directa ou
indirectamente, do impacto da acção humana, pelo que se pode dividir os
investigadores entre pessimistas, que calculam que apenas 5 -10% da floresta
tropical original sobreviverá em 2050 (Laurance, 1999; Dirzo, 2003; Millennium
Ecos. Asses., 2005), e optimistas, que sustentam que mais de um terço da
floresta estará de pé nessa altura (Wright &Muller-Landau, 2006). São
cenários baseados em pressupostos significativamente diferentes e os argumentos
e contra-argumentos esgrimidos pelas várias partes são interessantes de seguir
(ver Laurance, 2007, por exemplo), mas a questão fundamental que se coloca
parece-nos ser outra: sobrevivam 10% ou 40% das primitivas florestas tropicais
em 2050, não estaremos sempre perante uma situação de catástrofe ecológica ou,
pelo menos, de uma enorme e irreversível perda com forte impacto na
biodiversidade e no clima do nosso planeta e, em última análise, na nossa
própria sobrevivência?
FLORESTAS TROPICAIS, BIODIVERSIDADE E SEQUESTRO DE CO2
As florestas abrigam dois terços da biodiversidade terrestre (Wilson, 1992), a
maior parte nas florestas tropicais e, de acordo com as reduções de área
apresentadas acima, entre o momento actual e meados do século ficariam em
perigo de extinção três quartos (visão mais pessimista) ou cerca de um terço
(visão mais optimista) das espécies que nelas habitam. Seria sempre uma perda
terrível, com consequências negativas significativas a vários níveis, desde
logo na estrutura e funcionamento destes ecossistemas. De facto, as florestas
tropicais não são só biologicamente muito ricas, são igualmente muito complexas
do ponto de vista da sua ecologia e desconhecemos a importância funcional de
muitos dos seus componentes vivos. A continuação da sua destruição e degradação
poderá mesmo desencadear, segundo alguns autores (Laurance, 2007), uma onda de
extinção comparável às extinções em massa ocorridas em períodos geológicos
anteriores! No seu Congresso de 2006, realizado em Entebbe, no Uganda, a
Sociedade Internacional de Primatologia elaborou uma lista das 25 espécies de
primatas em maior risco de extinção -11 na Ásia, 7 na África continental, 4 em
Madagáscar e 3 na América Latina ' e a grande maioria destas espécies vive nas
florestas tropicais, sendo referidos alguns casos mais adiante.
As florestas afectam o clima de modo complexo, que envolvem processos
simultaneamente físicos, químicos e biológicos, alterando o albedo da
superfície terrestre e a composição da atmosfera, portanto, os fluxos de
energia solar, e o ciclo hidrológico através da evapotranspiração. Nas últimas
décadas, o contributo das florestas para o sequestro do CO2 tem merecido grande
atenção, estimando-se que as florestas tropicais absorvam cerca de 1,3 mil
milhões de toneladas de carbono (C) por ano (Lewis et al., 2009; Schiermeier et
al., 2009), uma quantidade equivalente a aproximadamente 20% das emissões
resultantes da queima dos combustíveis fósseis, o que lhes confere um
importante papel no combate ao aquecimento global e às alterações climáticas em
curso. Pelo contrário, a destruição das florestas, quando a madeira é queimada
ou deixada apodrecer no terreno, liberta o CO2 armazenado na sua biomassa de
novo para a atmosfera. Admitindo um valor médio de 170 toneladas de C por
hectare na biomassa da floresta tropical húmida (Achard et al., 2002), então a
desflorestação ocorrida no período referido, de 1990 a 1997, terá libertado
para a atmosfera cerca de 6 mil milhões de toneladas de C; se adicionarmos o C
libertado pela desflorestação na zona seca dos trópicos, apesar da biomassa por
unidade de área desta floresta ser muito inferior ao da floresta húmida, é
possível que cerca de 8 mil milhões de toneladas de C tenham sido emitidos pela
desflorestação provocada nas zonas tropicais naquele período de tempo, que se
vão adicionar às emissões da indústria e às resultantes da queima dos
combustíveis fósseis para intensificar o aquecimento global e as alterações
climáticas. Como a redução das emissões de CO2 constitui uma das opções mais
baratas de mitigação do aquecimento global (Gullison et al., 2007; Putz et al.,
2008), é imperativo lutar pela preservação das florestas, em particular das
tropicais.
Como se referiu acima, os aumentos da temperatura e da frequência e intensidade
dos períodos de seca, com o risco associado dos fogos, constituem potenciais
causas para o aumento da taxa de desflorestação com consequências ainda
largamente desconhecidas. Recentemente, os resultados de um estudo de vinte
anos realizado por uma equipa de investigadores europeus e asiáticos nas
florestas do Panamá e da Malásia (Feeley et al., 2007) mostraram que estava a
ocorrer um decréscimo significativo na taxa anual de crescimento dos caules das
árvores, correlacionado negativamente com o aumento da temperatura verificado.
Por outro lado, os resultados da severa seca de 2005 na bacia amazónica
mostraram que as áreas afectadas passaram de sumidouros (sinks) a fonte
(source) líquida de C (Schiermeier, 2009). Para além do risco de destruição
directa pelo fogo, os aumentos de temperatura e de períodos de seca tenderão a
converter partes da floresta original em savana, matagal ou mesmo pradarias que
armazenam muito menos CO2 por unidade de área. Por tudo isto, o futuro das
florestas, em particular das tropicais, como sumidouros de CO2 é incerto
(Clark, 2004; Lewis et al., 2004; Henriques, 2007; Lloyd & Farquhar, 2008),
podendo vir a transformar-se rapidamente em fontes líquidas de CO2,
contribuindo para o aumento deste gás na atmosfera. É um círculo vicioso que
exige a nossa melhor atenção e uma acção pronta e eficaz, sob o risco de
perdermos um dos nossos melhores aliados no combate às alterações climáticas.
No início referimos que a problemática das florestas tropicais tem estado
centrada principalmente na Amazónia, que constitui a maior mancha contínua
deste tipo de floresta. Contudo, a distribuição geográfica das florestas
tropicais não se limita à América Latina, estendendo-se igualmente a África,
principalmente aos países vizinhos da bacia do Congo e parte oriental da ilha
de Madagáscar, bem como à Índia (com destaque para a região de Assam, no
nordeste) e sudeste asiático e ainda, embora com menor significado, à Nova
Guiné e nordeste da Austrália. Será a história nestas outras áreas de floresta
tropical diferente da já discutida para a Amazónia? E serão as perspectivas do
seu futuro mais animadoras? Infelizmente, a resposta é negativa. De facto, para
o período de 1990 a 1997, o valor anual de destruição da floresta tropical no
sudeste asiático foi da ordem dos 2,5±0,8 milhões de hectares por ano, valor
sensivelmente igual ao registado na região da Amazónia, e 0,85±0,30 milhões de
hectares na floresta africana (Achard et al., 2002), totalizando os 5,8 milhões
de hectares de floresta tropical destruída anualmente referidos acima. Na
impossibilidade de discutirmos cada uma destas florestas per se, iremos
caracterizar alguns casos mais exemplificativos.
INTENSIDADE DA DESFLORESTAÇÃO NALGUNS PAÍSES DE ÁFRICA E ÁSIA
Na bacia do Congo encontra-se a segunda maior floresta tropical do Planeta, com
mais de 600 espécies de árvores e dezenas de milhares de espécies animais. Tem
também um dos mais elevados teores de C por hectare, por causa da elevada
densidade da sua vegetação (Koenig, 2008). Porque a sua acessibilidade era
difícil, durante muito tempo esta floresta não foi abatida a uma taxa idêntica
à de outras, mas nos últimos anos o aumento populacional e o interesse por
madeiras africanas, principalmente por parte dos chineses, têm provocado a
destruição de vastas áreas. Na República Democrática do Congo, por exemplo, em
2008 existiam 156 concessões para exploração de madeira, abrangendo uma área de
21 milhões de hectares de onde eram extraídos anualmente em média 500 000
metros cúbicos de madeira (Koenig, 2008). A abertura de redes viárias na
floresta para escoamento das árvores abatidas permite o acesso ao seu interior
e intensifica a sua destruição pelo abate ilegal de árvores, mas principalmente
pela prática de uma agricultura de slash-and-burn em áreas anteriormente
inacessíveis. Até recentemente, a prática deste tipo de agricultura e a
colheita de madeira para combustível eram as principais responsáveis pela
destruição da floresta, mas a exportação de madeira que se intensificou depois
da paz no país ocupa agora o primeiro lugar. A enorme dívida externa da
República Democrática do Congo e dos países vizinhos é paga, em grande parte,
com a venda dos recursos e produtos da floresta. Em 2004, encorajado pelo Banco
Mundial, o Congo anunciou planos para incrementar o abate da sua floresta,
tendo-se aberto novos caminhos que servem para o acesso de novos
colonizadores, por um lado, mas também de caçadores ilegais que exterminam
espécies animais raras e de massas de refugiados que abandonaram as aldeias
durante o período de violenta guerra civil. Por tudo isto, da área coberta de
floresta que existia no virar do século, apenas cerca de 1/5 está de pé e
grande parte desta está degradada. Lembre-se que esta floresta é rica em
espécies animais como o gorila, o elefante (da floresta), mandris e chimpanzés,
entre outras.
A Indonésia é um arquipélago com alguns milhares de ilhas que se estendem ao
longo do equador. O país alberga ainda uma das mais majestosas florestas
tropicais do Planeta, logo a seguir à da Amazónia, na América Latina, e à da
bacia do Congo, em África. Nos anos 70, devido a uma expansão agressiva da
indústria madeireira neste país, intensificou-se enormemente o processo de
desflorestação, sem qualquer respeito pela lei e a coberto de uma corrupção
generalizada. No início dos anos 90, a taxa de abate da floresta tropical era
calculada em 1,7 milhões de hectares por ano, mas desde o final daquela década
intensificou-se. A Indonésia tem ainda 95 milhões de hectares de floresta
tropical, mas vários observadores prevêem a perda total da floresta mais
acessível dentro de 12 anos. O abate ilegal de árvores é crónico, possibilitado
por um governo central fraco e onde até há pouco grassava a corrupção,
estimando-se que tal abate ilegal represente entre 73% e 88% de toda a madeira
cortada no país. Instituições financeiras internacionais dotaram as serrações e
fábricas de papel da Indonésia com as tecnologias mais avançadas e o seu
apetite por madeira é insaciável. Madeiras preciosas como a teca e o mogno,
outrora abundantes, são agora raras. A província de Riau, na ilha de Sumatra,
detém actualmente o recorde (ignominioso) da maior área de floresta destruída
anualmente, com fogos ateados para libertar terra para novas plantações de
palmeira de dendém. É frequente as companhias produtoras de óleo de dendém
estarem simultaneamente envolvidas na exploração de madeira e na produção de
pasta de papel, razão adicional para intensificar a destruição da floresta
original. Este facto é particularmente preocupante porque é apenas nas ilhas de
Sumatra e de Bornéu que se encontram os orangotangos, cuja existência fica
assim ameaçada de extinção. É também na ilha de Sumatra que se encontram 222
outras espécies de mamíferos exclusivos da Ásia e outros 125 estão limitados à
região da Indonésia. Em resultado destas elevadas taxas de desflorestação, a
Indonésia ocupa um destacado quarto lugar entre os países maiores emissores de
CO2 do mundo, depois da China e dos Estados Unidos, cujas emissões são
sobretudo causadas pela actividade industrial, e do Brasil por causa da
desflorestação na Amazónia.
Na Índia, as principais áreas onde ainda persiste a floresta tropical
encontram-se distribuídas por um pequeno número de Estados do nordeste do país,
principalmente na grande região de Assam. Mas mesmo as florestas deste Estado
estão em rápido desaparecimento, o que é particularmente preocupante porque,
entre outros aspectos importantes, põe em risco de extinção 7 das 15 espécies
de mamíferos não-humanos que aí habitam. A Índia possui hoje pouco mais de 1
000 exemplares de tigres e este número diminuirá se não se puser termo à
redução da área do seu habitat. As projecções demográficas indicam que em 2050
a Índia será o país mais populoso do mundo (ultrapassando a China), pelo que a
pressão sobre os recursos da floresta tenderá a aumentar. Na ilha vizinha do
Sri Lanka, a rica e diversa floresta tropical cobria cerca de 44% do território
terrestre em 1956, altura do primeiro inventário realizado, mas em 1992 esta
área estava já reduzida a 24%. Em 1995 foi posto em prática um Plano Florestal
Nacional que promovia a conservação estrita da restante floresta primitiva, mas
os resultados deste Plano estão abaixo do esperado, não só por pressão da
indústria madeireira, mas também pelas necessidades das populações que dependem
dos produtos da floresta.
A Birmânia (actual Mianmar), possui a maior área intacta de floresta tropical
primitiva do sudeste asiático, com uma enorme diversidade de espécies animais '
incluindo mais de 800 espécies de pássaros - mas está a desaparecer a uma taxa
de pelo menos 1,2 milhões de hectares por ano, devido ao abate ilegal e
descontrolado promovido pela corrupção generalizada, sendo os lucros realizados
utilizados para financiar conflitos armados no interior do país.
CONCLUSÃO
Estes são alguns casos que demonstram bem a tragédia ecológica que se está a
passar nos trópicos e, em particular, nas suas florestas. Florestas para
sempre? Este é o titulo de um livro (Forests Forever) publicado em 2008 e
cuja leitura me foi útil em partes deste artigo. Mas a perenidade das florestas
tropicais só acontecerá quando Florestas para Sempre se tornar um grito
universal de alarme e talvez mesmo de desespero por ser demasiado tarde para
suster a desflorestação em curso, que parece imparável. Caso contrário, a
majestática cobertura florestal que desde há centenas de milhões de anos veste
os trópicos de verde e contribui para tornar habitável o nosso planeta, que
alberga a maior biodiversidade e representa as maiores reservas de C do coberto
vegetal, terá o seu holocausto e com ele se aniquilará também uma parte muito
importante de nós mesmos. NÃO O PERMITAMOS!
Figura 1 – Distribuição mundial das florestas tropicais e imagem de uma
floresta tropical húmida