Absorção de fósforo e crescimento do Sorgo em função da aplicação de silício e
fósforo em Latossolo Vermelho distroférrico
INTRODUÇÃO
O Cerrado encontra-se totalmente na região tropical e representa, hoje, não
somente para o Brasil, mas para o mundo, uma das últimas alternativas viáveis e
com alto potencial de produção agrícola. Entretanto, sua utilização para este
fim requer uma série de precauções e medidas que visem o seu desenvolvimento
sustentável, sem esgotamento dos recursos naturais, tão abundantes desta
região. O cerrado possui um grande potencial de crescimento, além da imensa
base de recursos naturais, pelo contínuo progresso tecnológico. Apesar desse
potencial, a sustentabilidade do crescimento está ameaçada pela desmobilização
do sistema de pesquisas, interrupção de projetos e por fatores que dificultam a
difusão das inovações. Todos esses problemas reduzem a competitividade da
agricultura, expondo-a ao risco da insustentabilidade. A agricultura nos
cerrados somente será sustentável se for capaz de competir com as outras
regiões e mesmo com a de outros países. Atualmente é evidente que o cerrado
possui vantagens comparativas na produção agrícola, quando comparado a outras
regiões (Marouelli, 2003).
Nesse bioma característico, a adubação fosfatada tem sido um fator impactante
no processo produtivo. Isso se dá em função do seu custo elevado da adubação
fosfatada e da relativa eficiência dada pela fixação do fosfato pela fração
coloidal de grande parte de seus solos, especialmente aqueles em avançado
estágio de evolução pedogenética.
Em solos tropicais intemperizados com mineralogia oxídica contendo hematita,
goethita, caulinita e gibbsita, o fósforo (P) encontra-se entre os nutrientes
com maior capacidade de limitar a produtividade agrícola, devido à formação de
compostos de alta energia de ligação com os colóides do solo, conferindo-lhe
alta estabilidade na fase sólida (Fernandes et al., 2004).
Estudos relativos à competição pelos sítios adsortivos dos colóides do solo,
entre ânions com íons de fosfato na solução do solo, podem colaborar para
minimização do problema de adsorção de P (Andrade et al., 2003). Fosfato e
silicato competem entre si pelos mesmos sítios de adsorção, de maneira que o
segundo pode deslocar (dessorver) o primeiro, e vice-versa, da fase sólida para
a líquida (Leite, 1997).
Resultados encontrados por Leite (1997), em amostras de Latossolo Vermelho
Aluminoférrico argiloso e muito intemperizado, revelaram que a pré-aplicação de
Si seguida da aplicação de P foi condizente com a hipótese de ocupação do Si
pelos sítios adsortivos, diminuindo a adsorção do P no solo. Houve aumento nos
teores de P com a crescente adição de Si e P, implicando que tão importante
quanto a ordem de aplicação dos elementos são suas concentrações na solução do
solo. Ma e Takahashi (1990) constaram que a adsorção do P não diminuiu com
prévia adição de ácido silícico ao solo, mas foi influenciada por suas
concentrações.
Nos estudos que relacionam a absorção de P pelas plantas faz-se necessário a
escolha adequada de extratores, sendo que a confiabilidade desses extratores e
sua utilização baseiam-se nas quantidades extraídas do elemento e sua
correlação com a absorção pela planta, (Stefanutti et al., 1994).
Dentre os extratores de P no solo o Mehlich 1 é bastante difundido nos
laboratórios brasileiros, sendo indicado para solos com baixa capacidade de
troca catiônica, alto grau de intemperismo e baixos teores de fosfato ligado a
cálcio (Thomas e Peaslee, 1973). O extrator Olsen é recomendado para
solubilização das formas de P ligado a cálcio (P-Ca), precipitando cálcio na
forma de carbonato. Esse extrator também extrai formas de P ligada ao Al por
precipitação, mas não ataca o P ligado a Fe e a Al sob forma oclusa (Braga et
al., 1980).
O objetivo deste trabalho foi avaliar os componentes do crescimento de plantas
de sorgo e o teor de P na parte aérea e no solo em LatossoloVermelho
Distroférrico, fertilizado com Si antecipadamente ao P.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi realizado em casa-de-vegetação da Faculdade de Ciências
Agrárias da Universidade Federal da Grande Dourados ' MS, no ano de 2004 em um
Latossolo Vermelho Distroférrico (Rhodic Ferrasol/FAO) muito argiloso coletado
na profundidade de 0 ' 30cm, com as seguintes características químicas: pH
(CaCl2) = 4,0; M.O = 22,8 g kg-1; P-resina = 3 mg dm-3; K+ = 1,6 mmolc dm-3;
Ca++ =17,9 mmolc dm-3; Mg++= 7,7 mmolc dm-3; H+Al = 89 mmolc dm-3; CTC =116,2
mmolc dm-3; Si(CaCl2) = 19,2 mmolc dm-3. A análise granulométrica do solo
apresentou valores de 760, 91 e 149 g kg-1 de argila, limo e areia
respectivamente. A densidade do solo e a densidade de partículas foram de 1,22
e 2,08 cm3dm-3.
O delineamento experimental utilizado foi o de blocos casualizados em esquema
fatorial 5 x 5, constituído por cinco doses de Si (0; 100; 200; 300 e 400 mg
dm-3) e cinco doses de P (0; 140; 280; 420 e 560 mg dm-3) e quatro repetições,
totalizando 100 unidades experimentais. A fonte de Si foi o Na2SiO3.5H2O e, de
P, os fosfatos de Na, K e NH4, reagentes analíticos.
A correção da acidez das amostras do solo foi realizada com base nos resultados
de curva de incubação do corretivo em sacos plásticos contendo 2000 g de solo,
com uma mistura de carbonato de cálcio e magnésio na relação estequiométrica
Ca:Mg de 4:1. As amostras de solo foram incubadas durante 21 dias com teor de
umidade mantido próximo a 60% do volume total de poros, por meio de reposições
semanais com água destilada.
Após incubação do corretivo, o solo de cada unidade experimental foi seco ao
ar, passado em peneira com abertura de 2 mm e homogeneizado. Em seguida, o solo
de cada unidade experimental recebeu 50 mL de uma solução contendo Si com suas
respectivas doses seguido de homogeneização e nova incubação durante período de
21 dias, com teor de umidade mantido próximo a 60% do volume total de poros.
Ao final do período de incubação com Si, o solo de cada unidade experimental
foi seco ao ar, passado através de peneira de malha 2 mm e homogeneizado. Em
seguida o solo de cada unidade experimental recebeu as respectivas doses de P,
estimadas a partir do P remanescente (Alvarez et al., 2000). A adubação de
plantio foi realizada segundo metodologia proposta por Novais et al. (1991).
Doze sementes de sorgo (Sorghum bicolor (L.) Moench) cultivar BR ' 304 foram
semeadas na profundidade de dois centímetros, deixando-se oito plantas por vaso
após desbaste. No 23º dia após semeadura efetuou-se uma adubação de cobertura
com 25 mg dm-3 de N. O teor de umidade nos vasos foi mantido próximo a 60% do
volume total de poros do solo.
Aos 35 dias após a emergência foram avaliadas a massa seca da parte aérea, o
diâmetro de colmo e a estatura das plantas. O conteúdo de P acumulado na massa
seca da parte aérea foi avaliado segundo procedimentos descritos em Malavolta
et al. (1997). No solo, após o cultivo do sorgo, foram avaliados os conteúdos
de P recuperados pelos extratores Mehlich 1 (Embrapa, 1997), Mehlich 3
(Mehlich, 1984) e Olsen (Olsen e Sommers, 1982) e determinados segundo Braga e
Defelipo (1974).
Os resultados foram submetidos à análise de variância. As doses de fósforo e
silício foram avaliadas por meio de análise de regressão usando o aplicativo
computacional SAEG.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Pelo resumo da análise de variância (Quadro 1), detectou-se efeito
significativo da interação doses de Si x P para os extratores Mehlich-1,
Mehlich-3. As demais variáveis foram influenciadas pelos fatores doses de Si e
P, porém de forma isolada.
Quadro_1- Resumo da analise de variância (coeficiente de variação, quadrados
médios e significância) da produção de matéria seca da parte aérea, estatura de
plantas, diâmetro de colmo, teor fósforo na parte aérea, fósforo extraído do
solo por Mehlich 1, Mehlich 3 e Olsen em função da aplicação de P e Si no solo.
Não houve efeito de doses de silício para os componentes do crescimento
(matéria seca da parte aérea, diâmetro do colmo e estatura de planta). O efeito
do silício em condições de estresse biótico e abiotico é bem conhecido na
literatura (Ma, 2004), mas pouco se sabe a respeito da participação deste
elemento nos processos de crescimento como a multiplicação celular. Ausência de
reposta à adubação com silício na produção de matéria seca de plantas foi
observada por Leite (1997) com a cultura do sorgo, Tokura et al. (2007) com a
cultura do arroz, e Oliveira (2009) com as culturas da soja e feijão.
A máxima produção de matéria seca foi obtida na doses foi de 3,41 g vaso-1,
alcançada com a dose de 298,94 mg dm-3 de P (Quadro 2). Esse resultado
corrobora com o obtido por Leite (1997) com a cultura do sorgo em Latossolo
Vermelho Aluminoférrico e com os dados apresentados por Tokura et al. (2007)
com a cultura do arroz de terras altas em Latossolo Vermelho Distroférrico. Os
estudos desses autores foram realizados em condições de casa-de-vegetação,
utilizando doses de Si e P, onde se constatou efeito das doses de P aplicadas
ao solo sobre a produção de massa seca.
Quadro 2- Modelos de regressão linear para as características agronômicas da
planta de sorgo em função da aplicação de 0, 140, 280, 420 e 560 mg dm-3 de
fósforo (P) no solo.
O diâmetro máximo de colmo (3,65 mm) e a estatura máxima da plantas (68,9 cm)
estimado pelo modelo matemático, foram atingidos com a aplicação de 539,1 e
226,9 mg dm-3 de P, respectivamente (Quadro 2). O fósforo desempenha papel
importante no crescimento de gramíneas (Santos et al., 2002), pois é componente
integrante de compostos importantes das células vegetais, incluindo
intermediários da respiração e fotossíntese, bem como nucleotídeos utilizados
no metabolismo energético das plantas (Taiz e Zeiger, 2004)
O teor de P na massa seca da parte aérea do sorgo sofreu efeito significativo e
isolado para aplicação de Si e P no solo (Quadro_1). De acordo com o modelo
matemático apresentado na Quadro 3, para cada unidade de P que se pretende
elevar na massa seca da parte aérea, foi necessário a aplicação de 10,30 mg dm-
3 de P e 11,80 mg dm-3 de Si ao solo, sendo o teor máximo calculado de P na
parte aérea de 54,38 para a máxima dose de P aplicada (560 mg dm-3) e 33,88 g
kg-1 na maior dose de Si aplicada (400 mg dm-3).
Quadro 3 -Modelos de regressão linear para a característica fósforo (P) na
massa seca da parte aérea em função da aplicação de 0, 140, 280, 420 e 560 mg
dm-3 de (P) ou 0, 100, 200, 300 e 400 mg dm-3 de silício (Si) no solo.
Segundo Prado e Fernandes (2001), o silício ocupa os sítios de adsorção de P e,
com isso, aumenta a disponibilidade de P na solução do solo. No presente
estudo, embora o Si tenha promovido obstrução de sítios de adsorção,
favorecendo o aumento dos valores de P na matéria seca, esse efeito foi menos
expressivo que aquele proporcionado pela adição de P.
O solo do presente estudo (Latossolo Vermelho Distroférrico muito argiloso)
apresenta a caulinita como filossilicato predominante na sua fração argila
(Ker, 1995), sendo este mineral da fração argila o responsável por controlar o
teor de Si na solução do solo. Assim sendo, a caracterísitica caulinítica desse
solo mantém elevado teor de Si em solução, que pode diminuir a adsorção de P no
solo, devido à competição por sítios de adsorção, presente em outros
componentes da fração argila, o que pode ter contribuído para menor resposta da
aplicação de Si em relação a P sobre o teor de fósforo na parte aérea.
Carvalho et al. (2000), estudando a dessorção de fósforo por sílicio em
Latossol Vermelho-Escuro e Camissolo, cultivado com eucalipto, observaram que a
ação do silicio na dessorção de fósforo foi mais evidente no solo menos
intemperizado, com maior teor de caulinita (Cambissolo), do que no solo mais
intemperizado, com maior teor de gibbsita (Latossolo), corroborando com os
resultados deste estudo.
Houve interação significativa para aplicação de Si e P no solo para as
características P extraído no solo por Mehlich 1 e Mehlich 3. Para o extrator
de P no solo Olsen (P-Olsen) constatou-se efeito significativo isolado da
aplicação de Si e P no solo (Quadro_1).
Os teores de P extraídos por Mehlich 1 e Mehlich 3 em função da aplicação de P
foram negativamente influenciados pela aplicação prévia do Si (Quadro 4).
Apenas quando não se aplicou P é que houve aumento desse elemento com a
aplicação prévia de Si. Uma provável justificativa para estes resultados pode
estar relacionada com a exaustão do extrator, definida por Holford (1980), como
o consumo excessivo de íons H+ da mistura ácida. O consumo de prótons pode ter
ocorrido devido ao aumento do pH do solo proporcionado pela aplicação de Si, e
influenciado no desempenho do extrator.
Quadro 4 - Modelos de regressão linear para a característica fósforo (P)
extraído no solo em função da aplicação de 0, 140, 280, 420 e 560 mg dm-3 de
(P) e 0, 100, 200, 300 e 400 mg dm-3 de silício (Si) no solo.
Equações de regressão ajustadas para P-Olsen como variável dependente da
aplicação de Si ou P, no conjunto das observações, podem ser visualizadas no
Quadro 5. A aplicação de uma unidade de P ao solo proporcionou aumentos de 0,17
mg dm-3 de P extraído pelo extrator Olsen. Esse valor foi 9,5 vezes maior
quando comparado à aplicação ao solo de uma unidade de Si, indicando a baixa
eficiência em pré-aplicação desse elemento, nessas condições experimentais, na
disponibilização de P para a solução do solo. Provavelmente, o P aplicado no
solo posteriormente ao Si foi capaz de deslocar parte desse último elemento
para a solução do solo.
Quadro 5 - Modelos de regressão linear para a característica fósforo (P)
extraído no solo em função da aplicação de 0, 140, 280, 420 e 560 mg dm-3 de
(P) ou 0, 100, 200, 300 e 400 mg dm-3 de silício (Si) no solo.
Ao comparar a aplicação de 140 mg dm-3 de Si ao solo (correspondente à
aplicação de 2000 kg de uma fonte solúvel com 30% de SiO2) com a não aplicação
desse elemento, nota-se um incremento de P-Olsen da ordem de 2,46 mg dm-3 de P;
valor este correspondente à aplicação de 11,3 kg ha-1 de P2O5, estimado pelo
modelo matemático (Quadro 5) .
As taxas de recuperação de P no solo pelos extratores, por unidade de P
aplicado, tendo como referência a aplicação de 298,94 mg dm-3 de P (dose
estimada para a produção máxima de massa seca da parte aérea) e a não
aplicação, foram 17,47, 10,22 e 6,32 % para Olsen, Mehlich 1 e Mehlich 3,
respectivamente. Silva e Raij (1999), em uma revisão sobre extratores químicos
de P no solo, menciona que o Olsen destaca-se pela sua superioridade e
versatilidade em diferentes condições de solos, relativamente aos extratores
ácidos, pela sua ação em dissolver as formas de P ligadas a alumínio as quais
ocorrem quando se aplica fosfatos em solos ácidos.
No presente estudo, o extrator Mehlich 1 recuperou mais o P aplicado ao solo em
comparação ao Mehlich 3, solubilizando compostos de P-Ca (Bonfin et al., 2003).
Tais compostos foram formados devido às operações de correção da acidez e
incubação das doses de P na amostra de solo.
Os coeficientes de correlação entre os teores de P no solo extraído por Olsen
(r = 0,94), Mehlich 1 (0,89) e Mehlich 3 (0,88) e P na parte aérea,
significativos a 1% pelo teste de t, sugerem melhor habilidade do extrator
Olsen, corroborando com Cabala e Santana (1983) e Neves (2003), sendo esse
extrator melhor na detecção da ação do Si em ocupar sítio de adsorção de P,
disponibilizando-o para as plantas. Bonfim et al. (2003) também observaram
valores de coeficiente de correlação próximos (0,80 e 0,83) para Mehlich 1 e
Mehlich 3 respectivamente, com os teores de P na massa seca da parte aérea de
Brachiaria decumbens (2º corte).
CONCLUSÕES
A matéria seca da parte aérea, diâmetro de colmo e estatura sofrem influencia
das aplicações de fósforo (P) ao solo, não havendo ação do Si aplicado sobre
tais componentes do crescimento.
A pré-aplicação do silício (Si) no solo visando melhorar a disponibilidade de P
depende, principalmente, da mineralogia da fração argila do solo, bem como da
sua atividade na solução do solo, deslocando ou sendo deslocado por P nos
sítios de carga.