Diagnóstico precoce da carência de boro em castanheiro: Selecção de tecido
indicador
INTRODUÇÃO
O levantamento do estado nutritivo do castanheiro em Trás-os-Montes, conduzido
durante 10 anos (1996-2006) e baseado na recolha de amostras de folha efectuada
no fim do Verão, mostrou que o boro (B) foliar se encontrava abaixo de 20 mg
kg-1 em cerca de 50% dos 84 soutos amostrados (Portela et al., 2007). Tendo por
base dados empíricos obtidos em diversos soutos da região, a concentração
foliar de B inferior a 20 mg kg-1 foi tentativamente considerada como o nível
crítico abaixo do qual existe forte probabilidade de ocorrência de carência de
boro no castanheiro. Os resultados experimentais, obtidos recentemente por
Portela et al. (2010), mostram que a carência de B se manifesta, sobretudo, na
falta de vingamento do fruto, o que se traduz numa redução drástica da produção
de castanha, a qual pode ser quatro vezes inferior.
A avaliação do estado nutritivo das fruteiras e a confirmação de carências de
nutrientes tem sido tradicionalmente baseada na concentração de nutrientes na
folha, a qual é recolhida geralmente no fim do Verão (Agosto-Setembro). Porém,
este período de colheita é limitado, e quando as carências nutritivas são
detectadas ou confirmadas já é demasiado tarde para se tomarem medidas
correctivas, de modo a promover a produção e qualidade do fruto. Assim, neste
estudo procura-se identificar um tecido indicador com vista ao diagnóstico do
estado nutritivo do castanheiro numa fase suficientemente precoce que permita a
correcção atempada da carência de B. Isto é, que possibilite a correcção da
carência de boro num estádio anterior à fase de vingamento do fruto, de modo a
reduzir a percentagem de castanhas abortadas.
A utilização de tecidos alternativos com vista à avaliação do estado nutritivo
de fruteiras e ao diagnóstico precoce das carências tem sido sugerida por
vários autores. Por exemplo, a análise de flores, tem sido divulgada para a
pêra, pêssego, laranja e amêndoa (Sanz et al., 1994, Sanz e Montañés, 1995;
Pestana et al., 2001; Bouranis et al., 2001). No caso específico do B foi
proposta a utilização de flores com o objectivo de avaliar precocemente o
estado nutritivo de Persea americana Mill. (Razeto e Castro, 2006).
Anteriormente, já Fregoni (1980) salientara a utilidade da análise floral na
identificação precoce da carência de B na vinha.
O diagnóstico precoce da deficiência de B poderá assim beneficiar os
produtores, uma vez que permitirá a correcção atempada da carência, tendo em
conta que o B afecta, sobretudo, o vingamento do fruto e consequentemente a
produção de castanha.
MATERIAL E MÉTODOS
Instalou-se um ensaio num souto de Jou (41º 28' 35'' N e 7º
25' 17'' W), concelho de Murça, em terreno levemente ondulado
(5-8% de declive) à altitude de 620 m. Nesta zona a precipitação média anual é
1079 mm e a temperatura média 13,3 ºC. O souto estava instalado há 15 anos num
solo derivado de quartzofililitos. Os solos variam de Leptossolos Háplicos
(Dístricos) a Cambissolos Lépticos (Dístricos) (IUSS Working Group WRB, 2006)
consoante a sua profundidade. A espessura efectiva do terreno encontra-se no
intervalo 25-40 cm e apresenta boa drenagem. Os solos têm textura franca com
abundantes elementos grosseiros à superfície. Algumas propriedades físico-
químicas estão indicadas no Quadro 1. Os dados químicos do solo apresentados
neste quadro referem-se a valores médios de amostras compósitas que foram
colhidas em quatro quadrantes por baixo das copas de quatro árvores. Estes
resultados mostram que o solo exibe acidez elevada, acompanhada de baixos
teores de cálcio e magnésio de troca, e valores médios de fósforo e potássio
extraíveis (LQARS, 2000). Tendo em conta a textura deste solo, o teor de B em
água fervente está um pouco abaixo dos valores de referência indicados por
Shorrocks (1989) e por Sillanpåå (1990).
Quadro 1 ' Propriedades físico-químicas do solo.
Foram seleccionados 16 castanheiros da variedade Judia com sintomas de carência
de boro, a qual foi confirmada através de análise foliar em 2006. As árvores
tinham um diâmetro médio à altura do peito de 16,7 cm e área projectada de copa
de 19 m2. O tratamento com boro (B1) foi aplicado de forma aleatória em metade
das árvores, mantendo-se as restantes como testemunhas (B0). Foi realizada uma
fertilização de base por baixo da copa de todas as árvores no Inverno de 2006/
07. Incorporou-se calcário dolomítico ao solo para corrigir a acidez do solo e
uma carência magnesiana e fez-se uma adubação com os nutrientes N, P, K, Ca,
Mg, S, Zn, Cu e Mn, nas quantidades convenientes. No início de Março de 2007
espalhou-se debaixo de oito árvores, e à superfície do solo, o tetraborato de
sódio (Granubor) com 14,6% B. A adubação com os macronutrientes foi repetida no
Inverno de 2007-08.
Colheu-se no início de Julho de 2008, quando as flores femininas estavam bem
diferenciadas, os seguintes tecidos de 10 árvores às quais tinham sido
aplicados os tratamentos B0 e B1: folhas completamente expandidas, amentilhos
androgínicos e flores femininas. Os tecidos foram todos retirados do mesmo ramo
com inflorescências, o qual foi colhido no terço médio dos quatro quadrantes da
copa. As folhas iam da quarta à oitava posição a partir da extremidade. No
período normal de colheita de folhas destinadas ao diagnóstico foliar (início
de Setembro), retiraram-se folhas em ramos com frutificação, em posição
idêntica à anterior. Determinaram-se as concentrações de N, P, K, Ca, Mg, Fe,
Mn, Zn e Cu nos diversos tecidos de acordo com os métodos convencionais, já
descritos por Portela et al. (2003). O B foi determinado por espectrofotometria
pelo método da azometina H.
A castanha foi colhida sobre o solo nas mesmas 10 árvores já amostradas dos
tratamentos B0 e B1, e foi determinado o peso fresco no próprio dia da
colheita. Para avaliar a produção de castanha, os frutos que passavam por uma
grelha de 24 mm foram rejeitados por não terem valor comercial.
Os dados foram analisados pela ANOVA seguido do teste de Duncan com o software
de análise estatística JMP (SAS Institute). Foram determinados os coeficientes
de correlação de Pearson entre concentrações de nutrientes em diversos tecidos
e as produções de castanha por árvore.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A fertilização com boro teve um efeito evidente na produção da castanha Judia,
a qual quadruplicou em 2008 (B0- 4 kg e B1- 17 kg por árvore), apesar do ano
algo anómalo. Admite-se que as baixas temperaturas de Junho terão afectado
negativamente a polinização e a produção de frutos viáveis.
Com excepção do B, não se verificaram diferenças significativas entre as
concentrações dos diversos nutrientes sob o efeito da aplicação do boro,
qualquer que fosse o órgão considerado (amentilhos androgínicos, flores e
folhas). Como seria de esperar a aplicação de B afectou de forma positiva as
concentrações de B, as quais foram sempre significativamente (p<0,05) mais
elevadas em todos os tecidos analisados. No Quadro 2 estão indicadas as
concentrações dos diversos nutrientes nos três tecidos do castanheiro.
Quadro 2 ' Concentração de nutrientes nos diversos órgãos do castanheiro na
colheita efectuada em plena floração feminina (início de Julho).
Pode observar-se que houve diferenças significativas entre os diversos tecidos
analisados. Dum modo geral as flores apresentaram concentrações mais elevadas
de nutrientes, sendo o padrão de variação indiferente da aplicação de B. Mas,
quanto à concentração de B o padrão de variação foi bastante diferente. Isto é,
quando o boro estava em deficiência a sua concentração atingiu o valor mais
elevado nas inflorescências femininas, o mesmo não acontecendo quando foi
corrigida a carência de B. Com efeito, a concentração de B foi
significativamente mais elevada nas folhas no tratamento com B. Este padrão de
comportamento indicia que há uma mobilização do B para as inflorescências
femininas quando há deficiência de boro, tendo atingido o valor de 13,6 mg kg-
1, enquanto os amentilhos e as folhas ficaram pelos 9 mg kg-1. Com um
fornecimento mais amplo de B isso não se verifica e são as folhas que atingem
as maiores concentrações de B (Quadro_4).
No Quadro 3 encontra-se a concentração média de nutrientes nas amostras de
folha colhidas em Julho e em Setembro. A aplicação de B não afectou de forma
significativa a concentração dos vários nutrientes, com excepção do próprio
boro. Com efeito, os teores de B na folha passaram dum nível de deficiência
para valores considerados adequados para uma grande variedade de fruteiras
(Shear e Faust, 1980).
Quadro 3 - Concentração de nutrientes na folha em função do tratamento e do
período de colheita.
Pode verificar-se que, dum modo geral, enquanto as concentrações foliares
médias entre os tratamentos B0 e B1 foram muito próximas na colheita de Julho e
sem um padrão definido, as diferenças ampliaram-se em Setembro. Porém, esse
acréscimo não foi significativo, e até se poderia esperar uma diminuição das
suas concentrações na folha por um efeito de diluição, já que neste período há,
frequentemente, uma mobilização de nutrientes para o fruto (o que aliás terá
sucedido no tratamento sem boro). Como se referiu anteriormente, a produção
média de castanha quadruplicou no tratamento com B, por isso seria plausível
admitir uma mais acentuada mobilização de nutrientes para o fruto. Todavia,
apesar de apenas o Cu se ter revelado estatisticamente significativo, a
tendência foi duma subida em Setembro, o que nos leva a supor que a aplicação
de B ao solo poderá ter criado melhores condições ao desenvolvimento radicular
dos castanheiros e, portanto propiciar uma melhor aquisição de nutrientes do
solo. Efectivamente, o papel do B no desenvolvimento radicular tem vindo a ser
demonstrado, nomeadamente por Dell e Huang (1997).
No Quadro 4 apresentam-se os resultados estatísticos da concentração de B na
folha. Como se observa os teores foliares de B naépoca Setembro foram 8,3 mg
kg-1 e 34,1 mg kg-1 respectivamente em B0 e B1, as quais diferiram para
p<0,001. O primeiro valor corresponde a uma carência óbvia de boro e o valor
34,1 mg kg-1 encontra-se no intervalo considerado adequado para certos frutos
secos (Shear e Faust, 1980) ou sugeridos para o castanheiro por Clarke (1987) e
Olsen (2003).
Quadro_4
- Concentração de B nas amostras de folha colhidas em Julho e recolhidas em
Setembro, em função da aplicação de B ao solo.
Enquanto na testemunha a concentração de B não variou de Julho para Setembro,
no tratamento B1 houve uma tendência de subida nesse período, o que não é de
estranhar, já que a elevação das temperaturas no Verão conduz a um aumento da
transpiração e a um mais elevado transporte do B para a folha, onde a taxa de
transpiração é maior. Naturalmente que isso não se verificou na testemunha sem
B.
Com o objectivo de apurar em qual dos tecidos o parâmetro concentração de B
(amostras de Julho) registava melhor correlação com a concentração foliar de B
(amostra de Setembro) e com o parâmetro produção/árvore, apresentam-se no
Quadro 5 os coeficientes de correlação encontrados. Pode constatar-se que as
concentrações de B nos tecidos colhidos em Julho revelaram-se correlacionadas
com as de B na folha recolhida em Setembro (r= 0,972, 0,892 e 0,855
respectivamente nas folhas, amentilhos e flores femininas). Mas relativamente
ao parâmetro produção de castanha (calibre >24 mm), enquanto as concentrações
de B na folha, em Setembro e em Julho, estavam correlacionadas com a produção
de castanha (r= 0,70*) os outros tecidos não mostraram correlação
significativa.
Quadro 5 - Correlação entre o B foliar (Setembro) e a produção de castanha por
árvore e as concentrações de B nos diversos tecidos.
Os resultados obtidos mostram que a folha foi o órgão que se revelou mais
eficiente no diagnóstico precoce da carência de B, e que os tecidos
alternativos não apresentaram qualidade superior ao da folha. Assim, considera-
se que o diagnóstico precoce da carência de B é possível. Se as folhas forem
amostradas no início da diferenciação das flores femininas (aparecimento dos
estigmas), também será possível uma correcção atempada e eficaz da deficiência
de B, efectuando uma adubação foliar em plena floração feminina (>95% das
flores femininas com os estigmas emergentes). Tem sido demonstrado em certas
fruteiras (Nyomara e Brown, 1997; Perica et al., 2001) que a adubação foliar,
quando efectuada em plena floração, tem-se revelado muito eficiente na
correcção da carência de boro.
CONCLUSÕES
Os resultados obtidos mostram que a folha foi o órgão que se revelou mais
eficiente no diagnóstico precoce da carência de B, e que os tecidos
alternativos não apresentaram qualidade superior ao da folha. Assim, para uma
avaliação precoce da carência de B no castanheiro e de modo a ser possível a
sua correcção atempada, aconselha-se que a colheita de folhas seja efectuada em
Julho, para que em devido tempo se possa realizar uma adubação foliar. Isto
permitirá efeitos notórios no vingamento do fruto e, consequentemente, na
produção da castanha.