Qualidade física e composição química de sementes de Foeniculum vulgare
Introdução
A erva-doce (Foeniculum vulgare Mill.) pertencente à família Apiacea, é uma
espécie perene ou bienal, entouceirada, aromática, nativa da Europa e
amplamente cultivada em todo o Brasil (Lorenzi e Matos, 2008). Apresenta
propriedades aromáticas, condimentares e medicinais; podendo ser usada como
medicamento natural e na indústria cosmética (Choi e Hwang, 2004) por
apresentar óleo essencial rico em vários princípios ativos com atividade
biológica (Sousa et al., 2005).
No entanto, nos últimos anos a sua produção está sendo inviabilizada em função
do ataque do pulgão Hiadaphis foeniculi(Wanderley e Marçal, 1998), que acomete
principalmente a inflorescência da planta, sugando a seiva e depauperando as
sementes (Lira e Batista, 2006).
As sementes diferem individualmente em viabilidade e vigor. Nesse sentido, a
identificação de características físicas (massa e tamanho), correlacionada com
a qualidade fisiológica, permite a eliminação de sementes indesejáveis,
favorecendo a formação de lotes mais homogêneos, possibilitando a uniformidade
e o aprimoramento da emergência e do vigor das sementes (Andrade et al., 1996).
As sementes, à semelhança dos demais órgãos da planta, apresentam composição
química bastante variável. Durante o seu desenvolvimento, acumulam reservas de
nitrogênio, carboidratos, lipídios e minerais (Jacob-Neto e Rosseto, 1998). O
conhecimento da composição química é de interesse para a tecnologia de
sementes, pois influi tanto no vigor quanto no potencial de armazenamento das
mesmas. Quanto maior o teor de reservas das sementes, maior será o vigor das
plântulas resultantes (Rossetto et al., 1994). Esta composição varia entre
espécies, cultivares e depende das condições do ambiente em que é produzida
(Carvalho e Nakagawa, 2012).
Nos últimos anos tem crescido a pesquisa e a produção de sementes oleaginosas,
tanto para a indústria oleoquímica como para a alimentícia, que absorvem a
maioria dos óleos obtidos de fontes naturais. A composição química de algumas
espécies oleaginosas tem sido objeto de estudos para muitos autores, a exemplo
da soja (Glycine max (L.) Merril) (Santos et al., 2007), moringa (Moringa
oleifera Lam.) (Gallão et al., 2006), pinhão-manso (Jatropha curcas L.), nabo-
forrageiro (Raphanus sativus L.) e crambe (Crambe abyssinica R.E.Fr.) (Souza et
al., 2009).
Devido a sua importância económica e a relevância das informações acima
descritas, o presente trabalho teve como objetivo avaliar a qualidade física e
a composição química de sementes de erva-doce (F. vulgare) oriundas de plantas
atacadas e não atacadas pelo pulgão Hiadaphis foeniculi.
Material e Métodos
O trabalho foi conduzido nos Laboratórios de Análise de Sementes e Biologia e
Tecnologia Pós-Colheita do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal
da Paraíba, Areia, PB. As sementes de erva-doce (Foeniculum vulgare) utilizadas
foram colhidas em campo experimental no município de Lagoa Seca-PB (7° 10' 15
S e 35° 51' 14 W), localizado na Mesorregião do Agreste Paraibano na
Superfície Aplainada do Planalto da Borborema. O clima da região é do tipo As'
tropical úmido e Bsh quente com chuvas de verão, segundo a classificação de
Köppen. A temperatura média anual varia entre 22 e 26 °C. As precipitações
pluviais atingem uma média anual de 990 mm.
As umbelas contendo sementes maduras com colo-ração verde-acinzentada foram
colhidas separadamente por tratamentos em campo, os quais foram: T1 = erva-doce
exposta ao ataque do pulgão Hiadaphis foeniculi; T2 = erva-doce tratada
semanalmente com aplicações do inseticida Actara (thiamethoxam) na proporção de
1:1 (20 g de inseticida/20 L de água), para o controle do pulgão.
Foram utilizadas cinco amostras (lotes) de sementes de cada tratamento colhidas
aleatoriamente ao longo da área experimental, as quais foram submetidas às
seguintes determinações e testes:
Teor de água: determinado conforme Brasil (2009), utilizando-se três
subamostras contendo em média 0,5 g de sementes, que foram colocadas em
cápsulas de alumínio, em estufa a 105±3 °C, por 24-h e os resultados expressos
em porcentagem (base úmida).
Peso de mil sementes: realizado conforme a fórmula proposta por Brasil (2009),
utilizando-se oito repetições de 100 sementes provenientes de cada um dos
tratamentos, efetuadas através da pesagem em balança com sensibilidade de
0,0001 g. De acordo com as RAS (Regras para Análise de Sementes), calculou-se o
coeficiente de variação das subamostras e quando este foi maior que 6%,
repetiu-se o teste e, quando menor que os valores mencionados, multiplicou-se a
média das subamostras por 10.
Número de sementes por quilograma: calculou-se o número de sementes por kg com
oito repetições de 100 sementes de cada lote, segundo Oliveira (2007), a partir
da seguinte equação:
N = (1000 x 1000) / PMS
Onde:
N = número de sementes por kg;
PMS = peso de mil sementes em gramas.
Caracterização biométrica: utilizou-se aleatoriamente uma amostra de 200
sementes (4 repetições de 50) de cada lote e determinou-se as seguintes
dimensões: comprimento, largura e espessura, com o auxílio de um paquímetro
digital com precisão de 0,01 mm.
Lipídios totais: determinado utilizando-se o aparelho extrator de Soxhlet e
hexano como solvente, segundo o procedimento descrito nas Normas Analíticas do
Instituto Adolfo Lutz (2008), com refluxo de 6 horas. Foram avaliadas quatro
subamostras de 5 g de cada lote, provenientes das sementes previamente moídas.
Os resultados foram expressos em porcentagem de óleo extraído, determinado por
diferença de pesagem.
Proteína bruta: realizada utilizando-se o método de Kjeldahl, na quantificação
de nitrogénio total, segundo o procedimento descrito nas Normas Analíticas do
Instituto Adolfo Lutz (2008), com modificações. Foram analisadas quatro
subamostras de 1 g da farinha de erva-doce moída, provenientes de amostras de
cada lote avaliado. A farinha de erva- -doce moída foi condicionada em tubos de
ensaio, junto com 5 g de uma mistura catalítica (sulfato de cobre e selênio em
pó) e 10 mL de ácido sulfúrico concentrado. Estes tubos foram levados para
aquecimento em um bloco digestor para a fase de digestão da matéria orgânica. O
aquecimento foi gradual e assim que a temperatura de 350 °C foi atingida, o
material permaneceu a esta temperatura constante por mais 2,5 horas. Após a
obtenção do material digerido, iniciou-se a fase de destilação da amônia
liberada e, após a reação com hidróxido de sódio (40%), foi recolhida em
solução de ácido bórico a 4%. A titulação foi realizada em solução-padrão de
ácido clorídrico a 0,1 N. Obteve-se para esse proce-dimento uma recuperação de
99,7% de nitrogénio. Para o cálculo da conversão de nitrogénio em proteínas,
foi utilizado o fator 6,25 e a porcentagem de proteínas foi obtida com base na
matéria seca.
Os dados de biometria foram analisados em planilha eletrónica Excel e para cada
característica foram calculados a média e o desvio padrão conforme Araújo Neto
et al. (2002).
A análise estatística dos dados foi realizada utilizando-se o delineamento
experimental inteiramente ao acaso, com quatro repetições, em esquema fatorial
(2 x 5), representados por dois tratamentos em campo (sementes oriundas de
plantas atacadas ou não pelo pulgão) e cinco lotes de sementes. Os dados
obtidos foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas pelo
teste de Tukey a 5% de probabilidade através do programa estatístico SISVAR.
Resultados e Discussão
Para todas as variáveis avaliadas houve interação significativa da condição
(atacada e não atacada) com os lotes (p<0,01), com exceção dos dados de teor de
umidade e proteína bruta, em que só houve efeito isolado das condições
avaliadas (Quadro_1).
No Quadro_2 estão contidos os dados referentes ao teor de água (%) de sementes
de erva-doce de plantas atacadas (AT) e não atacadas pelo pulgão (NAT).
As sementes de plantas não atacadas (12,6%) apresentaram maior percentual de
umidade em relação às de plantas atacadas (9,2%), diferindo estatisticamente
entre si.
Em relação ao peso de mil sementes (g) de erva-doce (Quadro_3), observa-se que
os lotes de sementes provenientes de plantas não atacadas (NAT) apresentaram
maior peso em relação aos lotes de plantas atacadas (AT), havendo diferença
estatística entre as condições em todos os lotes (p<0,01).
Entre os lotes de sementes de plantas não atacadas (NAT), o lote 4 apresentou
maior peso de mil sementes (4,14 g) diferindo estatisticamente dos demais;
enquanto que o menor peso foi observado no lote 3 (3,45 g). Os lotes 1, 4 e 5
de sementes provenientes de plantas atacadas (AT) obtiveram maior peso de mil
sementes (2,55; 2,58 e 2,53 g, respectivamente), diferindo dos demais lotes; e
os menores pesos foram observados nos lotes 2 e 3 (2,22 e 2,32 g,
respectivamente).
De modo semelhante, Azevedo (2009) verificou que sementes oriundas de plantas
tratadas com inseticida apresentaram maior peso (0,0096 g) e umidade (13,1%) em
relação as que não receberam o tratamento (0,009 g e 11,6%). Este fato pode ter
ocorrido porque, ao se controlar o pulgão, diminuem-se os danos às sementes,
obtendo-se neste experimento, sementes mais pesadas (maior acúmulo de matéria
seca) e mais úmidas produzidas por plantas não atacadas.
Em sementes de amendoim (Arachis hypogaea L.), Néris (2005) constatou que o
tratamento com o inseticida imidacloprido prévio ao semeio influenciou o peso
das sementes produzidas (69,23 g/100 sementes) em relação à testemunha (62,23
g/100 sementes). Também Martins et al. (2006) verificaram influência
significativa no peso de 1000 sementes de sorgo granífero (Sorgum bicolor (L.)
Moench.), ao utilizar metolacloro (22,80 g) em comparação ao tratamento
controle (18,65 g), porém não observou influência no teor de água das sementes.
Em contrapartida, em pesquisa realizada com feijoeiro (Phaseolus vulgaris), não
houve efeito significativo do inseticida fosfamidon 500 no peso das sementes
(Boiça Júnior et al., 2000).
Na avaliação do número de sementes por quilograma (Quadro_4), constata-se que
os lotes de sementes provenientes de plantas não atacadas (NAT) apresentaram
menores valores em relação aos produzidos por plantas atacadas (AT), com
diferença estatística entre as condições em todos os lotes (p<0,01). Isso pode
ter ocorrido provavelmente devido ao fato que, quando os pulgões atacam as
plantas, retiram assimilados que seriam direcionados para as sementes em
formação, produzindo assim, sementes com menor acúmulo de matéria seca e
consequentemente com menor peso.
Entre os lotes de sementes de plantas não atacadas (NAT), o lote 3 apresentou
maior número de sementes por quilograma (290205), diferindo significativamente
dos demais; e os menores foram verificados nos lotes 4 e 5 (241857 e 253374,
respectivamente). Já entre os lotes de plantas atacadas (AT), os lotes 2 e 3
apresentaram maior número de sementes por kg (451653 e 431902,
respectivamente), diferindo dos demais lotes; enquanto que o menores números
foram obtidos nos lotes 1, 4 e 5 (392726; 387375 e 395387, respectivamente).
Estes resultados demonstram que o número de sementes por quilograma é
inversamente relacionado ao peso de mil sementes (g); observa-se que quanto
maior for o peso das sementes menor será o número de sementes por quilograma e
vice-versa, fato também observado por Gama et al. (2013) avaliando a produção
de sementes de erva-doce (F. vulgare) através de autopolinização e polinização
natural.
Esta relação tem importância prática do ponto de vista econômico, pois o
produtor busca a obtenção de sementes bem formadas, consequentemente mais
pesadas, aumentando seu lucro/produção. Uma vez que, a tendência do mercado é a
comercialização por número e não mais por peso de sementes.
Os dados referentes ao comprimento, largura e espessura de lotes de sementes de
erva-doce oriundas de plantas atacadas (AT) e não atacadas (NAT) pelo pulgão
estão contidos na Figura_1.
De maneira geral, as sementes produzidas por plantas não atacadas (NAT) são
maiores em relação às produzidas por plantas atacadas (AT) pelo pulgão, com
exceção do lote 5 que apresenta sementes com dimensões semelhantes nas duas
condições (Figura_1).
As variações nas dimensões e no peso de sementes podem ser promovidas tanto por
fatores ambientais durante o florescimento e o desenvolvimento, como também
pode representar um indício de alta variabilidade genética populacional (Macedo
et al., 2009). Na erva-doce (F. vulgare), o ataque do pulgão durante o
florescimento afeta a produção de frutos e, consequentemente, a qualidade
física (umidade, peso e tamanho) das sementes.
Na literatura observa-se que a influência do ambiente sobre o desenvolvimento
da semente é traduzida principalmente por variações no tamanho, peso, potencial
fisiológico e sanidade, no entanto, a taxa de desenvolvimento das sementes é
relativamente estável em diferentes ambientes, pois os ajustes no número de
sementes produzidas pela planta ou comunidade vegetal podem manter um
suprimento relativamente constante de assimilados para as mesmas (Marcos Filho,
2005).
A importância do tamanho da semente baseia-se no fato de que aquelas maiores
produzem plântulas mais vigorosas, presumivelmente porque possuem mais material
de reserva, maior nível de hormônio e maior embrião (Surles et al., 1993).
Segundo Carvalho e Nakagawa (2012), sementes maiores dispõem de maior
quantidade de substâncias de reserva para o desenvolvimento do eixo
embrionário.
No Quadro_5 estão apresentados os dados referentes ao percentual de lipídios
totais dos lotes de sementes de erva-doce oriundos de plantas atacadas (AT) e
não atacadas (NAT) pelo pulgão. Observa-se que os lotes de sementes de plantas
não atacadas (NAT) apresentaram maiores percentuais em relação aos lotes de
plantas atacadas (AT), com diferença estatística entre as condições em todos os
lotes (p<0,01), evidenciando que o ataque do pulgão contribui
significativamente para redução do teor de óleo nas sementes de F. vulgare.
Desta forma, recomenda-se que em campos comerciais de produção de sementes de
erva-doce (F. vulgare), destinados, principalmente, à extração de óleo
essencial, devam ser tomadas todas as medidas de prevenção e/ou controle do
pulgão (H. foeniculi).
Da mesma forma, Villas Bôas et al. (1990), verificaram que o ataque de
percevejos em sementes de soja (Glycine max) provocou uma redução no teor de
óleo e um aumento no teor de proteína sem, no entanto, afetar
significativamente os componentes destas frações.
Entre os lotes de sementes de plantas não atacadas (NAT), o lote 3 apresentou
maior percentual de lipídios (8,3%), diferindo significativamente dos demais; e
o menor foi verificado no lote 4 (5,3%). Já entre os lotes de plantas atacadas
(AT), o lote 3 apresentou maior teor de óleo (4,1%), diferindo dos outros
lotes; enquanto que os menores percentuais foram obtidos nos lotes 1 e 4 (2,2%,
Quadro_5).
Na comparação do teor de óleo de dez amostras de sementes de erva-doce (F.
vulgare) de diferentes origens, Miraldi (1999) observou que as amostras
continham de 2 a 6% de óleo volátil e de 9 a 12% de óleo fixo. Segundo Finardi
(2012), o óleo volátil de F. vulgare compõe-se principalmente de anetol,
fenchona e estragol.
O Quadro_6 explana os dados referentes ao teor de proteína bruta (%) de
sementes de erva-doce. Assim como observado no teor de água (%) (Quadro_2),
verifica-se que não houve significância na interação da condição (atacada e não
atacada) com os lotes, havendo apenas efeito isolado das condições avaliadas
(p<0,01). Por outro lado, Bortolotto et al. (2008), constataram que o teor de
proteína bruta é capaz de identificar diferenças entre lotes de arroz (Oryza
sativa L.), com diferentes níveis de potencial fisiológico.
As sementes de plantas não atacadas (NAT) (20,1%) apresentaram maior teor de
proteína bruta em relação às de plantas atacadas (19,3%), diferindo
estatisticamente entre si. Segundo Carvalho e Nakagawa (2012), sementes com
maior qualidade fisiológica apresentam maior teor de proteína bruta, visto que
o primeiro evento bioquímico verificado, quando são expostas a condições
desfavoráveis do ambiente, é o dano à síntese de proteínas.
Esses resultados indicam que a composição química (teores de óleo e proteína
bruta) das sementes é extremamente afetada pelo ataque de pragas, cujos danos
poderão ser reduzidos com o uso de algum sistema de controle eficiente.
Conclusões
O ataque do pulgão (Hiadaphis foeniculi) compromete significativamente a
qualidade física e a composição química das sementes de erva-doce (Foeniculum
vulgare), reduzindo, principalmente, o peso, o tamanho e o teor de óleo.
A qualidade física (peso e tamanho) e a composição química (teor de óleo) das
sementes de erva-doce (F. vulgare) produzidas por plantas atacadas ou não pelo
pulgão (H. foeniculi) variam significativamente ao longo do campo de produção.
Todavia a maior qualidade fisica não implica produção de mais teor de óleo.